segunda-feira, 18 de julho de 2016

Pulverização aérea de agrotóxico provoca danos persistentes, dizem especialistas

Publicado em julho 18, 2016 por

Em 2006, uma nuvem tóxica oriunda da pulverização aérea em plantações de soja chegou à área urbana e provocou intoxicação aguda em crianças e idosos de Lucas do Rio Verde (MT). Já em 2013, quase 100 pessoas, entre professores e alunos, tiveram intoxicação depois que um avião jogou defensivos agrícolas sobre uma escola de Rio Verde (GO).


O professor do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Wanderley Pignati, que participou da perícia dos dois casos, acredita que a poluição causada por agrotóxicos pode ser considerada intencional, uma vez que, para atingir o alvo, afeta também o solo e a água.

Professor Wanderley Pignati
Professor Wanderley Pignati acredita que poluição causa por agroróxicos afeta solo e água. Foto: Divulgação
 
“Não é acidente. O avião passa ao lado e, de qualquer jeito, o vento vai levar para um lado ou para outro. Essa história de que o vento não leva o veneno para outro lugar fere os princípios da aviação, inclusive, pois se o vento estiver parado, o avião nem levanta voo”, disse o especialista durante uma palestra na Assembleia Legislativa do Ceará, em Fortaleza, em maio deste ano.


Um dos principais argumentos contra a pulverização aérea é a chamada deriva, quando a aplicação de defensivo agrícola não atinge o local desejado e se espalha para outras áreas. O pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Aldemir Chaim, no artigo Tecnologia de aplicação de agrotóxicos, de 2004, declara que a aplicação de agrotóxicos no século atual não é muito diferente da forma como era praticada no século passado. A principal característica dessa aplicação é o desperdício de produto químico.


Em 1999, Chaim e outros pesquisadores desenvolveram uma forma de quantificar esse desperdício em diferentes formas de aplicação de agrotóxicos. Dependendo da altura das plantas, apenas metade do produto aplicado atinge o alvo. O restante cai no solo ou se perde pela deriva. Em 2013, a Embrapa desenvolveu o Programa Gotas, um software que ajuda na calibração das pulverizações.
Segundo Pignati, no caso da pulverização aérea, a deriva pode atingir áreas mais distantes devido ao espaço entre o alvo e o avião: quanto mais alto a aeronave estiver da lavoura que receberá os defensivos, maior será a deriva por conta da ação do vento.


A professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) Raquel Rigotto participou de um estudo que identificou princípios ativos de agrotóxicos no solo da região da Chapada do Apodi – uma das áreas mais ocupadas pelo agronegócio no Ceará. Segundo a especialista, as substâncias encontradas – difenoconazol e epoxiconazol – são muito tóxicas: o difenoconazol, por exemplo, pode comprometer seriamente o fígado e é tido como possível causador de câncer, segundo classificação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês).

A especialista acredita que as substâncias podem chegar até mesmo às cisternas que abastecem as casas durante a seca.Também foram encontrados princípios ativos de agrotóxicos no aquífero Jandaíra, localizado entre o Ceará e o Rio Grande do Norte. As águas subterrâneas são usadas tanto pelo setor produtivo como pelas populações dos oito municípios cearenses, incluindo Limoeiro do Norte, e potiguares que abrangem o aquífero.

“Esses contaminantes são transportados pelo vento, podem se depositar no telhado das casas e, quando vem a chuva, ela lava os telhados e é essa a água que as calhas recolhe e se dirige para as cisternas. Temos uma preocupação muito grande se essas águas, que muitas vezes garantem o abastecimento hídrico das famílias nos períodos de seca, podem também estar contaminadas com esses produtos”, indaga Raquel.


Por Edwirges Nogueira, da Agência Brasil, in EcoDebate, 18/07/2016

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Olimpíada Rio 2016: para o benefício de quem?


Publicado em julho 18, 2016 por


Os megaeventos esportivos mundiais, como a Copa do Mundo FIFA e os Jogos Olímpicos, transformaram-se em um modelo de negócio na era globalizada, responsável pela atração de fluxos financeiros, reestruturação de circuitos de circulação e acumulação local. Em entrevista para o INCT Observatório das Metrópoles, o pesquisador Christopher Gaffney mostra como os Jogos Olímpicos Rio 2016 representam mais uma etapa desse modelo, formado pela coalizão de interesses entre classe política, elite econômica local e fluxos de capital internacional. 


Um processo com poucos ganhadores e muitos perdedores. O legado que o Rio Olímpico deixará para a sua população é de endividamento do Estado e da Cidade; falência do sistema de educação e saúde; uma polícia mais militarizada e menos treinada; e muitos casos de violações dos direitos humanos — com mais de 77 mil pessoas removidas de suas casas.


O professor Christopher Gaffney possui mestrado em geografia na University of Massachusetts at Amherst e doutorado em geografia na University of Texas at Austin. Atualmente leciona na Universidade de Zurich, na Suíça. Ele tem realizado pesquisas no Brasil nos últimos 12 anos, monitorando e avaliando os impactos sociais e urbanos dos megaeventos esportivos no Brasil e no Rio de Janeiro, tratando de questões como segurança pública, transporte, habitação e gentrificação, economia, culturas esportivas e infraestruturas desportivas.


Entre 2009-2014, Gaffney manteve o blog Hunting White Elephants, que narrou as provações e agruras de uma cidade contorcendo-se às exigências do espetáculo. Ele também colaborou com a Rede INCT Observatório das Metrópoles, participando do projeto “Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016”.


Nesta entrevista, Gaffney analisa os processos de “fluxos, circulação e acumulação” que envolvem o modelo de negócios dos megaeventos esportivos; fala também da coalizão formada para a realização dos Jogos Olímpicos no Rio e como a elite local consolidou o seu poder a partir do domínio dos sistemas de circulação (transportes) e da especulação imobiliária. O pesquisador comenta o legado negativo que ficará para a cidade e os movimentos de resistência popular — que tiveram um papel fundamental na defesa dos direitos humanos.


ENTREVISTA — CHRISTOPHER GAFFNEY
Por Breno Procópio — Jornalista da Rede INCT Observatório das Metrópoles
Você tem apontado que os megaeventos esportivos transformaram-se em um novo modelo de negócio na era global. Como ocorre esse processo?
C.G. Pensando os megaventos esportivos como negócio faz toda uma diferença em termos de análise. Normalmente, pensamos os Jogos Olímpicos, por exemplo, como recordes, esporte de auto rendimento, dopings e outras questões; ou seja, um esporte despolitizado. 


Mas quando pensamos o megaevento no seu viés político e nos perguntamos por que é importante para um país ou cidade atrair esse tipo de evento? Ou quais coalizões de políticos e capitais locais se arregimentam para atrair o megaevento esportivo? Vemos que há muitos outros interesses por trás. Vemos que há o interesse pelo poder — de capital político para exercer influência local; mas também há um processo de acumulação econômica de recursos local e globalmente, o que é fundamental para a manutenção de eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.
 

Para acumular é necessário ter um mecanismo de acumulação; um padrão de acumulação que deve estar atrelado ao padrão de política econômica global. Então, vendo o mesmo tipo de resultado em todas as cidades que receberam megaeventos esportivos, como Londres, Vancouver, Seul, Atena, Atlanta; e isso desde a década de 1980. Ou seja, podemos dizer que os Jogos Olímpicos em particular — e também a Copa do Mundo de uma outra forma — representam um modelo de business globalizado.


Você fala que esse modelo de negócio global ocorre a partir de mecanismos como fluxo, circulação e acumulação. Como isso se dá?
C.G. Para estimulara acumulação de poder e de dinheiro, é necessário estimular a geração de novos fluxos para uma cidade ou local. Quer dizer, colocar no mapa global uma cidade é fazer com que os fluxos internacionais financeiros conheçam aquela cidade, entendam seu funcionamento e saibam que terão portas abertas para negócios. 


Esse processo atrai investimentos e mais fluxo de dinheiro para determinado local – turismo, eventos, negócios e empresas, e por aí vai. Logo, quando uma cidade se candidata para receber os Jogos Olímpicos isso funciona com um sinal de aviso internacional: estamos aqui abertos para negócios, ou seja, a cidade está a venda, seu solo, seus espaços estão à venda ou podem ser alugados. Nesse sentido, os cidadãos também estão à venda, também participam desse processo.


Esse sinal tem várias direções, é um marco para os fluxos financeiros internacionais, como também para os capitais regionais e locais interessados em participar do negócio. Em seguida, quando a cidade é escolhida para sediar os jogos — como aconteceu com o Rio de Janeiro em 2009 — ocorre um aumento do fluxo financeiro, que vem de todas as direções interessados em realizar mais negócios. 


Porém, para que esses fluxos virem acumulação e, em decorrência, poder, é necessário colocar esses fluxos em um circuito de circulação, seja através de informação em redes de fibra óptica, centros de mídia internacional e/ou grandes estádios capazes de receber os turistas endinheirados do mundo. Outro exemplo de circuitos de circulação são novos sistemas de transporte que reafirmam ou apontam novas centralidades econômicas e políticas no território. Então, esse processo de remanejar o sistema de circulação de uma cidade gera implicações na sua economia política, na forma de acumulação da sua população.


Essa é uma questão central no Rio de Janeiro, já que todo o transporte público é privatizado — está nas mãos de empresas privadas. E é notório os casos de corrupção e máfia das empresas de ônibus, os processos licitatórios não transparentes como o caso da Linha 4 do metrô.



Esse triângulo — que em certo sentido é lefebvriano e dialético — mostra que no centro está o poder. O passo seguinte é estimular os fluxos e, em seguida, direcional os circuitos de circulação para locais já dimensionados com o arranjo da economia local já preexistente. Ou seja, a coalizão é feita para que os meus ganhadores continuem ganhando. Nesse sentido, os atores locais podem acumular mais e exercer poder no território para gerar mais fluxos, e circulação e acumulação.



Podemos dizer que conceitos como global city e cidades criativas, usados pelo Rio de Janeiro para se vender para o mundo ao longo dos últimos anos, fazem parte dessa estratégia de atração de fluxos para a geração de negócios globais?
C.G. O Governo do Rio de Janeiro falava que a cidade era a capital de investimentos no Brasil, ou seja, queria dizer que o Rio era o estado mais inserido nos fluxos globais de capital. Nesse sentido, cidade global significa que é a cidade mais conectada com esses fluxos, mais aberta para circulação e acumulação de capital tanto para o investidor estrangeiro como para o local.



No contexto local, por exemplo, o objetivo é ampliar novas formas de acumulação de capital pelo estímulo de circulação de fluxos. Nesse caso podemos pensar as UPPs como a entrada do Estado na favela e a possibilidade também do capital nacional entrar nesses territórios, e, é claro, dos turistas. As UPPs derrubaram as barreiras físicas dessas favelas onde o Estado não entrava, e onde o capital também não. Quem dominava os fluxos e a circulação nas favelas era o traficante ou, nos últimos tempos, as milícias. A UPP representou também essa abertura. É claro que na proposta inicial o Estado iria oferecer serviços sociais, mas isso parece que não aconteceu de fato.



Os megaeventos esportivos nem sempre representaram um modelo de negócio global, não é? Como foi a transição para essa modelo? Barcelona 1992 é um marco neste novo processo global de fluxos de acumulação?
C.G. Acho que esse processo acontece um pouco antes. Em 1976 em Montreal, por exemplo, ocorreu o endividamento total da cidade, com dívida a ser paga nos próximos 30 anos. Daí ninguém no Canadá quis saber mais daquele modelo de evento esportivo. Nos jogos de 1984 só tinha uma candidata que era Los Angeles; mas é claro que a cidade norte-americana podia dizer ao COI o modo como ia realizar o megaevento. 


Daí, os jogos de Los Angeles foram os mais comercializados/mercantilizados na história dos jogos. Já em 1988 nos jogos de Seul, foram removidas cerca de 200 mil pessoas de suas casas, e as manifestações de estudantes pelo direitos foram reprimidas duramente. Aquele período marca a saída da Coreia do Sul da ditadura, então os jogos olímpicos de 1988 foram utilizados como propaganda das empresas coreanas para o resto do mundo — Hyundai, entre outras marcas — foi o nascimento do tigre asiático nessa época.



Em 1992 já temos o fim da Guerra Fria. É uma nova época com a experimentação de novos modelos, e a intensificação do processo de globalização, ou seja, não havia mais a luta do capitalismo contra o comunismo. Então, vemos a Espanha e Barcelona se inserindo em uma nova rota do turismo internacional, com a explosão dos novos meios de comunicação. Podemos dizer que Barcelona se tornou o novo modelo de negócio nesse momento da globalização internacional.



E o Rio de Janeiro já está interessado nesse modelo desde a década de 1990. Após os Jogos Olímpicos de Barcelona, o prefeito da época, César Maia, contratou os catalães para a construção de um novo plano estratégico para a cidade. Quer dizer, o Rio está buscando este modelo de circuito financeiro e turístico global há mais de 25 anos. Quando os políticos cariocas dizem que é a capital do investimento, significa que a cidade está aberta aos fluxos financeiros internacionais. É um modelo de coalizão local para a geração de fluxo e acumulação. A questão é que são poucos os ganhadores.


Quando o Rio de Janeiro foi escolhido em 2009 para ser sede dos Jogos Olímpicos de 2016, os atores políticos e a grande imprensa comemoraram a escolha como a possibilidade de retomada da cidade; e, sobretudo, de construção de um legado olímpico para a sua população. Nas vésperas de começar os jogos, o carioca pode comemorar esse legado?
C.G. Primeiro temos que recuperar o significado de legado, que pode ser tanto positivo quanto negativo. É óbvio que os legados para a cidade do Rio de Janeiro são negativos ao extremo: endividamento do Estado e da Cidade; falência do sistema de educação e saúde; trânsito pior do que nunca etc. E são vários os culpados nesse processo. 


Embora possamos notar no caso dos megaeventos esportivos o chamado “vácuo de responsabilidade”. Ou seja, o COI pode dizer que a cidade é responsável pela infraestrutura; e a cidade dizer que o COI demanda certa coisas. Na Copa do Mundo de 2014 foi a mesma coisa — governo federal, governo estadual, cidade-sede ou FIFA ninguém era responsável por nada, ninguém queria assumir a culpa. É o famoso jogo de empurra. E o resultado são vários “elefantes brancos” andando pelo país todo.


Sobre a questão do legado, vemos que para o carioca o que fica é negativo. O cidadão tem menos opção de transporte; ou tem opções afuniladas para determinados locais — como a Barra da Tijuca; e/ou superlotados — temos várias reportagens mostrando a superlotação das linhas de BRTs e os problemas frequentes.  A cidade tem agora também uma polícia mais militarizada e equipada, e menos treinada. Podemos ter o contexto no qual um novo policial vende seu armamento no mercado negro — e ganha muito mais do que o seu salário. Isso pode ocorrer. Isso ocorre no Rio.


Ou seja, todo o contexto de discurso positivo de legado para a cidade e sua população foi agora perdido. Não pode ser provado e tampouco experimentado. Não é a cidade do dia a dia.
E podemos ver o poder público dizer que, por exemplo, o Parque de Madureira é um legado, já que não teria sido feito sem o contexto dos megaeventos. 



Mas por que não? Quer dizer, cada coisa que a Prefeitura do Rio fez nos últimos 8 anos vai dizer que foi por causa dos Jogos Olímpicos, que é resultado dos jogos. Mas isso é uma maquiagem discursiva. Ainda mais se notarmos que tudo que dá errado na cidade o prefeito Eduardo Paes diz que é culpa do Estado do Rio ou do Governo Federal, sempre joga a culpa pra longe dele.


Enfim, é um discurso que devia ter sido desconstruído na época da candidatura e/ou indicação do Rio para ser sede dos jogos. Por isso, acho que o debate deve ser politizado ou polemizado, já que os Jogos Olímpicos 2016 devem ser vistos sim não como uma oportunidade de retomada da cidade ou de construção de legado, mas (uma análise mais realista) como um modelo de negócio local e global, uma grande oportunidade sim de consolidar o poder da elite carioca pelos próximos 50 anos.



Muito dinheiro foi roubado, desviado ou mal aplicado nesse processo. E ainda assim a elite econômica carioca conseguiu remanejar e deslocar os circuitos de circulação, impedindo que as pessoas possam circular facilmente pela cidade para perseguir as suas possibilidades de acumulação. E os meios de circulação na cidade, de dinheiro, informação e mobilidade estão nas mãos privadas de sempre. Então a consolidação desse poder da elite local sobre os circuitos de circulação vai refletir nos processos de acumulação da cidade pelos próximos 50 anos.



É por isso que podemos perguntar: Jogos Olímpicos 2016 — para o benefício de quem?
C.G. Acho importante perguntar para quem, onde, como e por quanto tempo. É lógico que podemos apontar questões graves como a as remoções de milhares de pessoas; a revitalização da região portuária que vai beneficiar a especulação imobiliária e os grandes negócios, enquanto promove um processo de gentrificaçãoe expulsão da população local; a construção da Linha 4 do metrô, que está custando bilhões de reais e foi criticada por muitos engenheiros e especialistas na área; a falta de transparência nos contratos públicos para as obras estruturais — o que faz reafirmar a suspeita de casos de influência e corrupção. 


A Operação Lava Jato, por exemplo, já está mostrando que as grandes empreiteiras envolvidas com as obras do projeto Porto Maravilha estão imersas em casos de corrupção com a elite política do Estado do Rio de Janeiro.
Obras da Linha 4 do Metrô Rio na Barra da Tijuca (Crédito: Vitrolebus/Reprodução)


O processo todo mostra, acima de tudo, que quem se beneficiou com os Jogos Olímpicos no Rio é quem já estava na posição de se beneficiar antes. A coalizão nacional formada para a realização dos jogos teve como objetivo, desde o início, captar os recursos públicos para acumulação privada. Enfim, é um jogo de cartas marcadas — e a população está excluída dele.



E, infelizmente, podemos dizer que o Rio de Janeiro vai demorar a ter um contexto econômico tão favorável como foi na última década para receber tantos investimentos — decorrentes de fatores como petróleo, fluxos financeiros etc. Nesse sentido, o que foi feito em termos estruturais nos preparativos para os megaeventos esportivos é algo que seria aportado ao longo de 50 anos, ou seja, esses investimentos deveriam dar condições para a cidade pelas próximas décadas. E a questão estrutural é aquela que dá condições à população da cidade de buscar acumular de maneira mais igualitária. E isso não aconteceu no Rio.


A Prefeitura do Rio de Janeiro sempre faz propaganda da “revolução dos transportes” na cidade que tem ocorrido por conta dos investimentos dos megaeventos esportivos. Como você avalia essa questão?
C.G. É uma revolução entre aspas. Pode-se dizer que é uma revolução revoltante. Só isso. O BRT, por exemplo, não é uma nova tecnologia – é algo já usado há tempos por outras cidades. Além disso, esse tipo de modal abre espaço para o carro, incentiva continuamente o uso do transporte individual, já que uma linha é exclusiva para o ônibus, logo ele se deslocará mais rápido; enquanto sobram duas ou três faixas para os carros. Quem está sendo estimulado nesse cálculo?


Além disso, o BRT está sendo feito pelas mesmas empresas que já dominam o transporte de ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Ou seja, é manutenção de um mesmo sistema, com os mesmos donos e as mesmas regras. Além do mais, as linhas de BRTs vão todas em direção à Barra da Tijuca, isto é, é a construção de uma nova “centralidade”, ou de um polo econômico definido a partir de cima. As linhas de BRTs levam a população pobre para trabalhar na Barra da Tijuca – é isso que as linhas estão estimulando — de Santa Cruz para a Barra, da zona Norte para a Barra. A população se desloca em ônibus superlotados para fazer trabalhos de mão de obra e precarizados na Barra da Tijuca, como jardinheiro, cozinheiro, garçom, servente, faxineira etc.


Portanto, quando eu falo sobre a limitação das possibilidades de acumulação da população é bem representada por essa “revolução de transportes”. Áreas com trabalhos formais — como o Centro e a Zona Sul, e o interior da Zona Norte estão sendo menos estimulados pelos novos modais. O poder público define a área que a população deve chegar para trabalhar.


Além do mais, o sistema de transporte do Rio é muito falho. Os pontos de ônibus, por exemplo, não têm itinerário e mapas. Uma pessoa que não conhece a cidade, não consegue pegar um ônibus com facilidade. E houve ainda um remanejamento das linhas de ônibus. Com qual interesse? 

Racionalização das linhas de ônibus é uma maneira autoritária de remanejar as circulações na cidade. É uma forma de limitar as possibilidades de acumulação (busca por trabalho) e também de lazer. A população da zona Norte, por exemplo, está mais limitada para ir à praia na zona sul. E agora escutei que o Estado do Rio quer fazer cortes do bilhete único. Essa é a revolução que temos.


Ônibus do BRT superlotado
Você monitorou durante os preparativos para a Copa do Mundo 2014 as obras e os incentivos ao esporte nas cidades-sedes brasileiras. O que você diz sobre o Rio Olímpico em tempos de estímulo ao esporte? O que a cidade do Rio fez em termos de investimento ao esporte? E o que a cidade deixará como legado esportivo para a sua população?
C.G. Tem vários tipos de cidadãos no Rio de Janeiro. As pessoas que moram na Zona Norte não praticam esporte, porque não tem espaços para a prática — praças, quadras públicas etc. O cidadão que habita as áreas periféricas gasta ainda em média duas a três horas no ônibus para voltar para casa; quando chega já está esgotado e sem energia para o lazer e a prática esportiva.


O chamado Rio esportivo e do lazer se concentra no Centro e orla da Zona Sul, até a Barra da Tijuca. Nessas regiões, as pessoas praticam esporte ao ar livre, fazem uso das quadras do Aterro do Flamengo e têm acesso a modalidades esportivas diversas. Nesse sentido, o acesso à prática do esporte no Rio de Janeiro é algo completamente desigual e segregado.


E podemos dizer que nos últimos anos até piorou, já que os remanejamentos das linhas de ônibus e a piora do trânsito dificultou a chegada das pessoas à orla da zona sul e às praias. Ademais, vemos que há uma carência de equipamentos esportivos descentralizados — nos bairros da Zona Norte e Oeste, nas escolas etc.


E há ainda a oferta desigual. No Rio existem 4 quadras públicas para a prática do tênis para 6 milhões de pessoas. E para os Jogos Olímpicos a Prefeitura construiu um Centro Internacional de Tênis, no valor de 200 milhões de reais, na Barra da Tijuca — local repleto de condomínios fechados que possuem suas quadras privativas de tênis. Então, é um modelo de oferta e acesso que se espalha no Rio de Janeiro e também no Brasil. Uma oferta para a prática do esporte que atende a quem já tem condições de acesso.


É claro, que no contexto dos jogos, o Rio investiu no esporte de auto rendimento — que é um negócio internacional. Se o Brasil vai ganhar ou não ganhar medalhas isso não importa, já que o país não tem tradição nessas competições — e não tem tradição porque não tem investimento.


Outro debate importante é o que liga esporte-saúde, porque a cada um real investido em esporte, o poder público economiza três reais em saúde. É a oferta de lazer que gera saúde. E isso tem a ver com planejamento urbano e política pública. Acho que o Rio de Janeiro segue na contramão dessa noção, com uma política do espaço urbano extremamente mercantilizadora e de exploração do valor de uso.


Além disso, vejo uma certa perversidade em investimentos de bilhões e bilhões de reais em equipamentos esportivos de auto rendimento, enquanto o Maracanã, por exemplo, símbolo da cultura carioca perdeu suas características, foi transformado para atender um conceito internacional de cidade global para o consumo.


Você tem pesquisado e refletido sobre esse processo de gentrificação do esporte.
C.G. Acho que o estádio de futebol, numa cultura como a brasileira, é um reflexo da cidade e de seu povo, socialmente e culturalmente. O Maracanã, antes da chegada do circuito de investimentos dos megaeventos esportivos, refletia muito bem a cidade do Rio de Janeiro e seu povo: era aberto, decadente, caindo aos pedaços, mas era vivo, diverso. Havia violência, mas também tinha uma cultura bastante particular, e era um lugar que dava o tom do funcionamento da cultura carioca. O Maracanã está localizado perto do centro, recebia pessoas de todas as áreas da cidade.


Porém, nos últimos 15 anos, a população foi expulsa de lá. O lugar foi transformado, gentrificado, para ser o símbolo de um novo Brasil que queria se expor ao mundo, apto a receber negócios e a ser global. O Maracanã foi privatizado uma vez; e agora deve ser privatizado de novo. Houve uma bagunça institucional envolvendo Estado e Prefeitura do Rio. 


O estádio foi usado com moeda política também. Enfim, o Maracanã foi útil para os políticos e fantástico para a elite carioca, que tem condições de pagar 100 reais para assistir a um jogo de futebol com 8 mil espectadores. Essa elite acha interessante essas condições, porque tem mais conforto e é apto às suas famílias. As classes alta e média cariocas gostam dessa ideia. Mas eles não são a maioria da população.


Pra finalizar a conversa, gostaria que você comentasse o papel de resistência dos movimentos populares no contexto dos megaeventos esportivos no Rio de Janeiro? Qual a relevância dessas ações?
C.G. Se houve algo realmente positivo, nesses últimos 10 anos no Brasil e no Rio de Janeiro que marcam os preparativos para os megaeventos esportivos, acho que foram os movimentos de resistência. Especialmente os Comitês Populares e o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, e mais os outros movimentos, que resistiram e lutaram em defesa dos direitos humanos, do esporte mais democrático, da transparência do uso do dinheiro público. E esses movimentos lutaram contra forças enormes, governos, grandes empresas e corporações.


E acho que um dos resultados dos movimentos de resistência foi mudar a opinião internacional sobre os megaeventos esportivos no Brasil. Vemos agora várias cidades ao redor do mundo e suas populações compreendendo o processo que se dá aqui; estrangeiros que estão acompanhando desde 2013 as lutas dos comitês populares e entendendo as graves violações de direitos que ocorreram aqui — como as remoções de milhares de pessoas de suas casas.


Parte da comunidade internacional está entendendo que a realização dos megaeventos esportivos sempre é à custa e nas costas das populações locais. A mensagem que a resistência brasileira passou foi essa. E vejo que a realização dos Jogos Olímpicos 2016 representou um momento central para a história dos movimentos de resistência brasileiro, movimentos da sociedade civil engajados no debate sobre o desenvolvimento social e pela democracia brasileira. A resistência aqui será levada como modelo para outros grupos nos próximos jogos.



Ato do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas
O que o Rio vai deixar de olímpico para a sua população?
C.G. Olimpíadas sempre têm vencedores e perdedores. Nos jogos sempre são três vencedores em cada modalidade. No Rio de Janeiro sabemos exatamente quem são: os grandes empreiteiros de construção civil — parte deles envolvido com a Operação Lava Jato; a especulação imobiliária — que ganhou muito nos últimos anos; e a classe política e elite local — que conseguiu construir uma rede de poder que vai durar pelos próximos 50 anos. 


Nos jogos quem fica em quarto ou quinto lugar, não é lembrado. Não importa.  O espírito olímpico é isso: vencedores e perdedores. E a população carioca faz parte dos que estão sendo esquecidos.



Entrevista publicada na Rede INCT Observatório das Metrópoles

Colaboração de José Eustáquio Diniz Alves, in EcoDebate, 18/07/2016

Estudo revela que 30% dos solos do mundo estão degradados

Estudo revela que 30% dos solos do mundo estão degradados

Publicado em julho 18, 2016 por



Principais fatores são o desequilíbrio de nutrientes e a perda de matéria orgânica



Ameaças como compactação, desequilíbrio de nutrientes e perda de matéria orgânica atingem quase um terço das terras do Planeta. Um amplo estudo envolvendo 600 pesquisadores de 60 países mostrou que mais de 30% dos solos do mundo estão degradados. Coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o trabalho publicou seus resultados no livro “Estado da Arte do Recurso Solo no Mundo” (Status of the world´s soil resources).


O relatório traz uma perspectiva global sobre as condições atuais do solo, seu papel na prestação de serviços ecossistêmicos, como produção de água e sequestro de carbono, bem como sobre as ameaças à sua contribuição para a produção desses serviços.

 
Segundo a pesquisadora da Embrapa Solos, Maria de Lourdes Mendonça Santos Brefin, membro do comitê editorial e coordenadora da publicação para a América Latina e Caribe, a perspectiva é de que a situação possa piorar se não houver ações concretas que envolvam indivíduos, setor privado, governos e organizações internacionais. “A principal conclusão do livro não é boa. O índice de degradação no mundo é alto e provocado principalmente por erosão, compactação, perda de matéria orgânica e desequilíbrio de nutrientes”, revela a pesquisadora.



“Essas quatro ameaças têm a mesma origem: a exploração cada vez maior da terra por parte do ser humano, geralmente combinada com as mudanças climáticas”, afirma Miguel Taboada, diretor do Departamento de Solos do argentino Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA).
 

Perdas anuais de culturas causadas por erosão foram estimadas em 0,3% da produção. Se o problema continuar nesse ritmo, uma redução total de mais de 10% poderá acontecer até 2050. A erosão em solo agrícola e de pastagem intensiva varia entre cem a mil vezes a taxa de erosão natural e o custo anual de fertilizantes para substituir os nutrientes perdidos pela erosão chega a US $ 150 bilhões.



Outro problema que ameaça o solo é sua compactação, que pode reduzir em até 60% os rendimentos mundiais das culturas agrícolas. “No mundo, a compactação tem degradado uma área estimada de 680.000 km2 de solo, ou cerca de 4% da área total de terras”, revela Lourdes, que também compôs o grupo de 27 especialistas do Painel Técnico Intergovernamental do Solo (ITPS) da Organização das Nações Unidas. O pisoteio dos rebanhos e a cobertura insuficiente do solo pela vegetação natural ou pelas culturas são responsáveis pela compactação de 280.000 km2 na África e Ásia, uma área maior do que o território da Nova Zelândia.


Os danos causados pela compactação do solo são de longa duração ou mesmo permanentes. Uma compactação que aconteça hoje pode levar à redução da produtividade das culturas até 12 anos mais tarde.



No entanto, o maior obstáculo para melhorar a produção de alimentos e as funções do solo em muitas paisagens degradadas é a falta de nutrientes, especialmente nitrogênio e fósforo, bem como insumos orgânicos. Toda a África, à exceção de três países, retira mais nutrientes do solo a cada ano do que é devolvido por meio do uso de fertilizantes, resíduos da produção, estrume e outras matérias orgânicas.



Em outras áreas, a oferta excessiva de nutrientes contamina o solo e os recursos hídricos e contribui para as emissões de gases de efeito estufa. Em 2010, as emissões de óxido nitroso dos solos agrícolas provocadas pela adição de fertilizantes sintéticos foram equivalentes a 683 milhões de toneladas de CO2.

Pesquisa e legislação são a solução
O livro não aponta só os problemas. O relatório mostra caminhos sobre como lidar com essas ameaças ao solo, tanto no âmbito de políticas públicas como trazendo recomendações técnicas.



Para interromper a degradação do solo é necessário focar em quatro pilares definidos pela União Europeia: aumento do conhecimento, pesquisa, integração da proteção do solo na legislação existente e um novo instrumento legal (lei). “Um bom exemplo de instrumento legal é o Ato de Conservação do Solo, promulgado em 1935, nos Estados Unidos”, revela o italiano Luca Montanarella, cientista do Centro Conjunto de Pesquisa da União Europeia. “O Ato reverteu a tendência negativa de erosão massiva no Meio-Oeste americano nos últimos 80 anos,” diz.



Especialistas afirmam que os instrumentos legais precisam ser reforçados pelo aumento das atividades de conscientização e educação, assim como é preciso reforçar o investimento em pesquisa e tecnologias de recuperação. Para eles, desenvolver essa estratégia pode reverter a tendência de degradação do solo no mundo e deve ser o objetivo para o manejo sustentável da terra.



“Existe evidência de que a humanidade está perto dos limites globais para fixação total de nitrogênio e os limites regionais para o uso de fósforo”, diz Maria de Lourdes. “Portanto, devemos agir para estabilizar ou reduzir o nitrogênio e uso de fósforo de fertilizantes, aumentando simultaneamente o uso de fertilizantes em regiões com deficiência de nutrientes”. De acordo com a cientista da Embrapa, aumentar a eficiência de nitrogênio e a utilização de fósforo pelas plantas é um requisito fundamental para atingir esse objetivo.



Evitar a degradação
A publicação recomenda oito técnicas para evitar a degradação do solo:
minimizar o revolvimento, evitando a colheita mecanizada;
aumentar e manter uma camada protetora orgânica na superfície do solo, usando grãos de cobertura e resíduos desses grãos;
cultivo de uma grande variedade de espécies de plantas – anuais e perenes − em associações, sequências e rotações que podem incluir árvores, arbustos, pastos e grãos; usar espécies bem adaptadas para resistir aos estresses bióticos e abióticos e com boa qualidade nutricional, plantadas no período apropriado; aumentar a nutrição dos grãos e a função do solo, usando rotação de grãos e uso criterioso de fertilizantes;
assegurar o manejo integrado de pestes, doenças e sementes usando práticas apropriadas e pesticidas de baixo risco quando necessário;
gerenciamento correto do uso da água e, por último,
controlar as máquinas e o tráfego nas propriedades a fim de evitar a compactação.


Essas oito práticas combatem com eficiência a erosão, o desequilíbrio de nutrientes, a perda de matéria orgânica e a compactação.



Ações no Brasil
A Embrapa, ao lado do Tribunal de Contas da União (TCU), reuniu em 2012 em Brasília, autoridades brasileiras e mundiais durante três dias de debates sobre solos. Na ocasião foi elaborada a Carta de Brasília, com recomendações aos tomadores de decisão sobre o manejo e conservação da terra.
Outra importante ação estratégica é a implementação do Programa Nacional de Solos do Brasil (Pronasolos), que reúne um grupo de especialistas a fim de criar instrumentos para a governança dos solos no Brasil.


O Programa é capitaneado pela Embrapa Solos atendendo a uma resolução do TCU e envolve dez centros de pesquisa da Embrapa, quatro universidades, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).



De acordo com Maria de Lourdes Mendonça, o Pronasolos será um marco da retomada do País no conhecimento mais detalhado de seus solos. O Programa também possibilitará a construção e a gestão de uma infraestrutura de dados de solos unificada, a formação e o resgate de competências em pedologia, o fortalecimento das instituições envolvidas e uma estratégia eficiente de transferência de tecnologias. A Embrapa Solos procura parceiros privados para implantar o programa.


O documento elaborado pelos membros do projeto prevê a inclusão do Pronasolos no Plano Plurianual do Mapa, com recursos diretos por meio de uma Fundação e contratação, pela Embrapa, de equipe mínima permanente de pedólogos. O programa ainda será incluído na nova Lei de Conservação de Solos e Água.


Fonte: Embrapa


Foto: Cláudio Capeche


Informe da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM, in EcoDebate, 18/07/2016

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Planta presente no Brasil é capaz de colonizar áreas desmatadas

quinta-feira, 14 de julho de 2016


As espécies de árvores nativas pioneiras – que têm capacidade de colonizar ambientes degradados em razão de sua alta capacidade reprodutiva e crescimento rápido, entre outras características – têm sido priorizadas em programas de restauração de florestas tropicais desmatadas.

Isso porque essas árvores facilitam a transição da terra desmatada para a floresta em recomposição ao estabilizar o terreno e melhorar a conectividade entre os fragmentos florestais restantes, além de aumentar a permeabilidade do solo e contribuir para iniciar a montagem de redes de polinizadores e dispersores de sementes de plantas, apontam especialistas na área.


Apesar da importância ecológica dessas espécies pioneiras pouco se sabe, por exemplo, sobre como elas mantêm a diversidade genética nas populações naturais e o fluxo genético entre fragmentos florestais distantes uns dos outros, por exemplo, pondera Rodolfo Jaffé, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV).

“Ter conhecimento da genética dessas espécies é fundamental para conseguir uma restauração mais eficiente ou a recuperação de funções ecossistêmicas-chave em curto ou médio prazo”, disse Jaffé à Agência FAPESP.

“É claro que esses ecossistemas recuperados por meio das espécies de árvores nativas pioneiras nunca serão iguais aos originais. Mas a ideia é chegar o mais próximo possível”, afirmou Jaffé, que realizou pós-doutorado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) com Bolsa da FAPESP.

O pesquisador, em parceria com colegas da University of Texas em Austin, nos Estados Unidos, onde fez um estágio de pesquisa também com Bolsa da FAPESP, estudou os padrões de diversidade e diferenciação genética da espécie de árvore nativa pioneira Miconia affinis (conhecida popularmente no Brasil como jacatira-branca), que ocorre na região do Canal do Panamá, na América Central.
Os resultados do estudo foram descritos em um artigo publicado na revista PLoS One.

“A região do Canal do Panamá, que é um hotspot de biodiversidade global, perdeu em torno de 30% das suas florestas nos últimos 50 anos em razão do avanço da agropecuária, e isso tem resultado em uma forte erosão e em um acúmulo muito grande de sedimentos nos córregos e canais, influenciando negativamente todo a bacia e o sistema hídrico da região”, afirmou Jaffé.

“Por isso, o governo do país tem interesse em recuperar as áreas desmatadas para diminuir a erosão e o acúmulo de sedimentos no Canal, e as espécies de árvores nativas pioneiras presentes na região seriam boas candidatas para serem usadas em programas de restauração”, explicou.

A fim de avaliar se áreas desmatadas constituem uma barreira para as populações dessa espécie de árvore que mede entre 3 e 6 metros de altura e está amplamente distribuída na região neotropical (que vai desde o México ao Brasil), os pesquisadores coletaram folhas de cerca de 30 árvores em período de inflorescência e infrutescência de 11 populações diferentes, espalhadas pela região do Canal do Panamá.


Em seguida, extraíram o DNA das folhas e utilizaram marcadores moleculares microssatélites – pequenas regiões do DNA, que variam de um indivíduo para outro – para obter uma assinatura genética (genótipo) de cada uma delas.


Por meio de mapas de alta resolução da cobertura florestal e elevação da região do Canal do Panamá, além de ferramentas de genética da paisagem, eles avaliaram a influência de fatores como a distância geográfica, a altitude e o desmatamento sobre a estrutura e a diversidade genética dessas populações de árvores.


Os resultados das análises estatísticas indicaram que a diferenciação genética dessa espécie de árvore que geralmente coloniza clareiras, áreas ciliares e encostas expostas, aumentou significativamente de acordo com a altitude e a distância geográfica entre as populações.


“Isso quer dizer que, quanto mais afastadas, mais diferenciadas geneticamente são as populações dessa espécie de planta, e quanto mais próximas, mais parecidas são geneticamente. Esse padrão, chamado de isolamento por distância, é esperado para a maioria das populações de plantas”, afirmou Jaffé.


As análises também indicaram que a Miconia affinis apresenta níveis mais elevados de diversidade genética intrapopulacional e menores níveis entre populações do que muitas espécies de plantas pioneiras.


Curiosamente, o nível de diferenciação genética entre populações da planta, que, no Brasil, ocorre na Mata Atlântica, Cerrado e na Amazônia, foi menor do que a média relatada para árvores tropicais, mas semelhante ao de espécies tropicais pioneiras com dispersão mediada pelo vento, apontaram os pesquisadores.


“Esse alto nível de diversidade genética e baixo nível de diferenciação genética entre as populações da planta é devido, provavelmente, à propensão das espécies para colonizar paisagens recentemente desmatadas, levando a um aumento na conectividade entre as populações em toda a região”, estimam os pesquisadores.
Efeito da altitude


Os pesquisadores também constataram que a elevação influencia a diferenciação genética em populações da planta.


As populações da planta localizadas em pontos mais altos eram geneticamente mais diferenciadas do que as situadas em lugares com altitude menor, independentemente da distância que as separam, afirmou Jaffé.


“Uma das razões para isso é que a temperatura mais baixa e a maior precipitação em locais de alta altitude, em comparação com locais de baixa altitude, podem afetar o trabalho dos polinizadores e dos dispersores de sementes dessa espécie de planta”, explicou o pesquisador.


A Miconia affinis é visitada por uma grande diversidade de abelhas sociais e solitárias, e as sementes de seus frutos são dispersas por uma variedade de espécies de pássaros, morcegos e macacos.


A temperatura mais baixa e a maior precipitação em locais mais elevados podem afetar as condições de voo dos insetos e diminuir a abundância de polinizadores nessas regiões.


Temperatura e precipitação também fazem com que a floração das plantas aconteça antes da que ocorre em locais com mais baixas altitudes, apontou o pesquisador.


“Isso faz com que os polinizadores fiquem só no lugar onde ocorre a floração primeiro e que não visitem as populações de plantas localizadas em locais mais baixos, onde ainda não há flor. E essa diferença na fenologia [floração das plantas] pode influenciar suas estruturas genéticas”, afirmou.


Os pesquisadores não encontraram evidências do efeito do desmatamento sobre a diferenciação genética de populações da planta.


Uma das hipóteses levantadas por eles é que a alta capacidade de dispersão e colonização dessa espécie de planta promove o fluxo de genes da árvore em toda a região do Canal do Panamá, independentemente da cobertura florestal.


“As populações dessa espécie de planta conseguem manter fluxo genético mesmo através de áreas desmatadas”, disse Jaffé. “Os polinizadores e dispersores de sementes conseguem visitar as plantas, atravessar áreas desmatadas e polinizar as plantas de populações situadas em outros locais”, afirmou.


Os pesquisadores também observaram que essa espécie de planta, que vive, em média, 64,3 anos, e gera sementes pela primeira vez em seis anos, também em média, é capaz de manter alta diversidade genética, independentemente da quantidade de floresta que a circunda.


“Esse conjunto de características torna a Miconia affinis uma ótima candidata para ser usada em programas de reflorestamento”, disse Jaffé.


O artigo “Elevation, not deforestation, promotes genetic differentiation in a pioneer tropical tree” (doi: 10.1371/journal.pone.0156694), de Jaffé e outros, pode ser lido na revista PLoS One em journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0156694#sec010.

Fonte: Fapesp

Brasileiro já plantou mais de 2 milhões de árvores e quer entrar no Guinness

quinta-feira, 14 de julho de 2016


Ao longo dos últimos 31 anos, ele visitou 21 países e em todos eles deixou a sua marca.

Plantar uma árvore é simples. Dez também é tranquilo. Cem já fica um pouco mais complicado, mas, e plantar 2.381.00? O número é tão grande que fica até difícil imaginar, mas o brasileiro Alexandre Chut garante que já plantou esses mais de dois milhões de árvores e elas estão espalhadas por terras brasileiras e internacionais.

A missão do plantador começou em 1985. Era um dia comum e Alexandre estava trabalhando com algodão em uma comunidade agrícola em Israel. Um percalço em meio a essa atividade o levou a reparar melhor a paisagem ao seu redor e o brasileiro mudou seu olhar sobre a quantidade de árvores presentes à sua volta mesmo estando praticamente em meio ao deserto. Essa foi apenas a sementinha de uma missão muito maior que ainda estava por vir. Desde então, por onde passa, ele tenta deixar um rastro verde.

Além da paixão por árvores, Alexandre é formado em psicologia, pós-graduado em biodinâmica e biossíntese, doutor em acupuntura e astrólogo profissional. Com uma carreira sólida e tendo como principal atividade profissional o atendimento clínico, ele precisa administrar o tempo dedicado à carreira, que inclui também palestras em congressos internacionais, à educação ambiental e ao plantio de novas árvores. Para ele, sua missão neste mundo é “atender, educar e trazer o verde de volta”.



Após o episódio em Israel, Alexandre passou a ter o propósito de plantar, pelo menos, uma árvore em cada local por onde passasse. Ao longo dos últimos 31 anos, ele visitou 21 países e em todos eles deixou a sua marca. “Não tem nenhum país que eu fui que eu não plantei”, diz.


O resultado disso é um saldo impressionante de 2.381.000 árvores no currículo. Mas, o plantador garante que não basta plantar e abandonar. “Se plantar e não cuidar, é como ter uma criança e não educar”, explicou. Por isso, em todos os plantios, ele faz questão de manter ele mesmo o acompanhamento da muda ou deixar alguém incumbido dessa missão, são pequenos guardiões. Além de plantar, ele aproveita as ocasiões para falar sobre educação ambiental e sobre a importância de resgatar a vegetação, principalmente nos centros urbanos.

Os plantios
Japão, Nepal, Índia, Egito, Israel, Itália, França, Inglaterra, Portugal, Suíça, Estados Unidos, México, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai estão na lista de países que tem, ao menos, uma árvore plantada por Alexandre. Mas, ele garante que a maior parte está mesmo no Brasil, onde ele plantou em quase todos os estados.

Apesar de plantar em área urbana e rural, o plantador lembra que a maior parte das árvores está em florestas. Ele mesmo tem duas reservas particulares no estado de Minas Gerais, que preserva sozinho. “Meu dinheiro foi todo para isso. Minha energia foi toda para isso”, comenta.

Durante 30 anos o Dr. Acupunturista teve uma ONG, o Instituto PLANT + AR. Através da organização ele realizou diversos mutirões de plantio na cidade de São Paulo. Ele mesmo produzia as mudas ou conseguia doações, corria atrás da liberação da prefeitura e ia nas rádios convidar a população para plantar novas árvores.

“Nas florestas são usadas mudas pequenas. Nas cidades nós usamos árvores maiores já, são mudas específicas”, informa o plantador, acrescentando o fato de que para plantar nas cidades é sempre necessário seguir os padrões estabelecidos no Manual de Arborização Urbana, que dá diretrizes para o plantio, estabelecendo padrões e indicando as espécies mais adequadas para cada tipo de espaço.

Mas, como nem tudo é alegria, Alexandre lembra também que nessas três décadas já tiveram momentos tristes. “Participei de um plantio de 280 mil árvores na Rodovia Castelo Branco, patrocinado pelo Banco Real. Eram mais de 80 espécies nativas, que foram perdidas anos depois em apenas duas noites por causa dos projetos do trem bala”, lamenta.

Pelo lado positivo, todo o seu envolvimento com a causa da arborização urbana lhe rendeu abertura com a prefeitura de São Paulo em diversas gestões e permitiu que ele mesmo participasse da criação de projetos de resgate do verde na cidade de São Paulo, de mudanças de lei sobre reservas florestais e arborização urbana e muito mais.

Novos desafios
Mesmo tendo um ritmo menos intenso de mutirões, Alexandre continua plantando e passando o seu conhecimento aos grupos que trabalham plantando árvores pela cidade.

“Quando eu faço isso eu sinto a luz, eu sinto Deus comigo, eu sinto as funções do mundo acontecendo. A minha função é ativar os líderes para fazer isso. Eu me sinto vivo quanto eu estou plantando. Se eu tivesse apoio, eu já teria plantado cinco vezes mais. Porque tem muito lugar para plantar. A floresta dá vida para o ser humano.”

O próximo desafio de Alexandre é tentar entrar no Guinness, ele já está juntando as evidências de seus plantios para solicitar o reconhecimento do livro dos recordes.

Fonte: Ciclo Vivo

ZEE e LUOS. Dúvidas e Incoerências.Teria o ZEE sido capturado pelo econômico?






Sempre me surpreendo com a rapidez das alterações feitas pelo Governo não somente no Conjunto Urbanístico de Brasília, que é tombado, mas também nas propostas de expansão urbana  do Distrito Federal. Ao Governo parece não importar que tais mudanças, feitas às pressas, atropelem as etapas estabelecidas pelas legislações e que foram redigidas com o objetivo de evitar que iniciativas irresponsáveis acarretem danos graves ao meio ambiente e, conseqüentemente, à qualidade de vida de seus moradores.


Exemplo disso é a próxima votação da LUOS, sem que tenham sido finalizados os estudos do ZEE.


De fato, o ZEE parece estar sendo concluído às pressas para que a LUOS possa ser votada e, obviamente, aprovados todos os projetos de preferência de um setor da população cuja menor preocupação é o meio ambiente. Ou a qualidade de vida dos brasilienses.


Não encontrei no ZEE referencia às áreas verdes do Park Way.  Esta referencia é das mais necessárias para sua população, uma vez que o Park Way integra  a Reserva da Biosfera do Cerrado, área que o Governador Rollemberg se auto proclama defensor, tanto assim que estão sendo recriados o Conselho da APA Gama Cabeça de Veado e o Comitê Distrital da Reserva da Biosfera do Cerrado no Distrito Federal.


O Park Way contém boa parte do Cerrado em pé, tipo de vegetação que está em vias de ser extinta devido à expansão da agricultura e da urbanização descontrolada - sem contar que estamos dentro do bioma Cerrado, que  é um "hotspot", ou seja, possui alta biodiversidade e endemismo e está ameaçado de desaparecer, junto com o bioma da Mata Atlântica.  O Park Way também contém  importantes nascentes, as quais  contribuem para a qualidade da água do Lago Paranoá. Logo, a comunidade do Park Way presta, ao preservar suas  áreas verdes, um importante serviço ambiental para o futuro abastecimento da população do DF. Afinal, em breve estaremos bebendo água do Lago Paranoá, certo? 


Será esse “esquecimento” no ZEE proposital? Motivado pelo aparente interesse do atual governo de destruir grande parte deste cerrado remanescente para implantar uma expansão do "setor aeroportuário" que mais parece uma fusão entre Cidade do Automóvel e Centro Comercial, com enorme venda de carros, seus hotéis e prédios para negócios? Obras que nada tem a ver com sítios aeroportuários e  em nada melhorará a qualidade de vida da população de Brasília, carente de boas escolas,  bons hospitais, ruas bem pavimentadas, segurança e de mais verde ?


Senhor Governador. A INFRAMERICA, empresa privada,  não precisa da sua ajuda. A população de Brasília sim. 


Diga Não, ao desmatamento do Cerrado e o fim da Reserva da Biosfera do Cerrado, título concedido pela UNESCO.


Diga Não à especulação imobiliária e 


SIM aos habitantes desta cidade tão sofrida pela corrupção de seus antecessores.

Comentarios:

Pelo visto, o ZEE desconsidera zoneamentos ambientais,  o caso da Apa Gama Cabeça de Veado é um exemplo gritante disso.O Governo está usando o ZEE para legitimar uma série de iniciativas de degradação ambiental.

 Na realidade o ZEE não significa mais Zoneamento ecológico econômico e, sim, Zoneamento econômico econômico.


Morador do Park Way