quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Diagnóstico do desastre

segunda-feira, 31 de outubro de 2016


Conheça os estudos independentes do seminário Rio de Gente que vão nortear os debates sobre os impactos sociais e ambientais da lama no Rio Doce.

 
 
Pouco mais de um mês após 40 bilhões de litros de lama da Samarco causar um rastro de 650 km de destruição, a mobilização de organizações e artistas que gerou o projeto Rio de Gente conseguiu arrecadas cerca de R$ 450 mil reais em dois shows beneficentes. O acordo foi que esses recursos seriam investidos em estudos e monitoramento independentes para avaliar os reais impactos em toda a extensão do Rio Doce. Agora, um ano depois do desastre, chegou a hora da primeira “prestação de contas”.
 
 
Os seis estudos selecionados nas áreas de água, fauna, flora, saúde, impacto sociais e direitos humanos, realizados por pesquisadores de diversas universidades brasileiras, ainda não estão prontos – a previsão é que as conclusões saiam em janeiro – mas os resultados parciais serão compartilhados durante o “Seminário Rio de Gente: os desafios da recuperação do Rio Doce”, que realizaremos nos dias 31/10 e 1/11, no campus da UFOP, em Mariana (MG).
 
 
A intenção é que os novos dados ajudem a alimentar o debate com especialistas e a comunidade sobre como impulsionar a recuperação do Rio Doce. “Queremos ter uma discussão com a sociedade para que ela se aproprie desses estudos e os use em suas reivindicações, tendo mais embasamento para as medidas de reparação”, diz Fabiana Alves, da Campanha de Água do Greenpeace.
 
 
Em todas as expedições, entrevistas e rodas de conversa realizadas, as equipes relataram que foram muito bem recebidas, seja pelos agricultores como os moradores das cidades visitadas. “Isso deixa claro a carência de apoio e o anseio de respostas por parte da população”, afirma Fabiana.
 
 
Conheça a seguir os objetivos de cada pesquisa e o que elas pretendem responder.
 
 
Que água é essa?
 
 
Em julho deste ano, uma equipe de sete pesquisadores da UFRJ, sob a coordenação do doutor em Biofísica Ambiental João Paulo Machado Torres, realizou sua primeira expedição para detectar possíveis contaminações na água usada para irrigação e consumo animal nas propriedades de agricultores familiares da bacia do Rio Doce. Foram coletadas amostras em 48 pontos diferentes ao longo de 300 km da região para determinar a presença de metais pesados como chumbo, arsênio, mercúrio, manganês e cádmio.
 
 
O que os animais revelam?
 
 
Alguns bichos, por serem tão sensíveis ao lugar que vivem, funcionam como bioindicadores, ou seja, conseguem transmitir as condições ou alterações do ambiente natural. É por isso que pesquisadores da UFBA e da UEFS, liderados pela doutora em Zoologia Flora Juncá, se voltaram com tanta atenção para girinos, peixes, crustáceos e bivalves (animais que possuem duas conchas) expostos às áreas de rejeitos em 15 pontos da bacia do Rio Doce. Após coletar esse animais, eles analisam se esses animais estão acumulando metais em seus organismos.
 
 
Como ter a floresta de volta?
 
 
Quando a barragem se rompeu, a onda de lama varreu e soterrou o que estava pela frente, incluindo a vegetação e áreas agrícolas, criando uma grossa camada de barro e rejeito de mineração de ferro sobre o solo original. Qual a forma mais efetiva de recuperar as florestas nessas condições é o que a pesquisa conduzida pelo doutor em Biologia Vegetal e professor da Esalq/USP Ricardo Rodrigues e sua equipe pretende avaliar.
 
 
Para isso, propriedades rurais da região servirão de experimento para testar diferentes metodologias de restauração. Elas serão comparadas, levando em conta os custos de implantação e manutenção e sua eficiência nas condições ambientais ali existentes. Para isso, integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) se propuseram a conseguir a mão-de-obra dentro do próprio movimento e as espécies da Mata Atlântica serão fornecidas por uma empresa de Governador Valadares, cujo viveiro pode produzir até um milhão de mudas por ano.
 
 
O quanto a vida mudou?
 
 
Nem só o ambiente foi alterado. O impacto da lama, além de causar 20 mortes, incluindo um aborto, alterou profundamente a vida das pessoas, mas quanto? Por meio de questionários e entrevistas, rodas de conversa e observações em espaços de interação, a investigação desenvolvida pela cientista social Flávia Amboss Merçon Leonardo, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento no Espírito Santo (GEPPEDES), busca traçar a dimensão social do desastre, mensurando o impacto no cotidiano, nos modos de trabalho e no lazer dos atingidos que vivem na região da foz do Rio Doce, no litoral do Espírito Santo.
 
 
Quais os riscos para a saúde?
 
 
Mesmo após a tragédia, a lama continua afetando os moradores, que sofrem com doenças de pele e problemas respiratórios, sem que a Samarco e os órgão oficiais divulguem dados confiáveis sobre os efeitos para a saúde. E é justamente isso que a avaliação conduzida pela doutora em Patologia e diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade, Evangelina Vormittag, pretende identificar. A intenção é que, com dados claros sobre os impactos na saúde física e mental, o estudo a partir de três mil habitantes de Bento Rodrigues e Barra Longa possa orientar as ações e auxiliar os governantes em suas escolhas sobre políticas e programas prioritários para reduzir os danos em saúde e a gravidade das repercussões futuras.
 
 
Como amparar os mais fracos?
 
 
Entre tantos afetados, o povo Krenak está entre os mais vulneráveis. Para avaliar os danos aos direitos humanos da comunidade indígena, a pesquisadora Leticia Soares Peixoto Aleixo, da UFMG, tem visitado as aldeias para estudar como a lama impactou a vida dos índios, identificar as consequências jurídicas e as medidas judiciais e extrajudiciais capazes de reparação a esse povo que vive às margens do Rio Doce e já foi tão castigado no convívio com a sociedade.
Fonte: Envolverde

A pegada material da economia contemporânea




segunda-feira, 31 de outubro de 2016


O mundo está se distanciando do principal objetivo estabelecido há quatro anos na RIO+20, a transição para uma Economia Verde.



A proposta central da reunião organizada pelas Nações Unidas consistia em aumentar a eficiência dos sistemas produtivos (usando cada vez menos recursos para oferecer bens e serviços) e, ao mesmo tempo, reduzir as desigualdades das sociedades contemporâneas. Um Relatório recém-publicado pelo Painel de Recursos Internacionais do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostra um quadro extremamente preocupante: a fome de recursos por parte da economia global não cessa de aumentar.



A ambição de fazer mais com menos sequer iniciou sua concretização. A ideia tão comum de que a revolução digital é a porta de entrada para a economia da abundância e a era da desmaterialização é frontalmente desmentida pelos fatos. A palavra-chave da Economia Verde (decoupling, ou seja, desacoplamento, descasamento, desligamento) ainda não chegou ao mundo real.




Nos últimos quarenta anos, a população mundial dobrou, o PIB global (a preços constantes) triplicou e o uso de materiais passou de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 71 bilhões de toneladas em 2010, ou seja, acompanhou o aumento do PIB.



Contrariamente ao que se poderia esperar, o ritmo deste aumento no uso de materiais não é atenuado pelo progresso científico e tecnológico. Desde 1970 o uso de materiais cresce 2,7% ao ano. Mas na primeira década do milênio, o aumento atingiu 3,7% ao ano. Levou trinta anos para que a média anual no uso de materiais “per capita” pulasse de 6,4 toneladas em 1970 para 7,9 toneladas em 2000. Mas a partir daí, em apenas dez anos, este número médio alcançou 10,1 toneladas per capita (e por ano). “A velocidade com que estamos explorando recursos naturais, gerando emissões e lixo aumenta mais rápido que os benefícios econômicos daí resultantes”, diz o Relatório.



O Painel de Recursos Internacionais do PNUMA reúne um grupo de especialistas que se dedicam a estudar o metabolismo social contemporâneo, ou seja, a maneira como a espécie humana emprega os recursos materiais, energéticos e bióticos necessários a sua reprodução. E a grande conclusão é que este metabolismo está doente.



A maneira como são extraídos, transformados, consumidos e descartados os recursos em que se apoia a economia está destruindo serviços ecossistêmicos indispensáveis à vida, que se trate das florestas, do ar, do clima, da água, dos solos ou dos oceanos.



Na raiz desta destruição encontra-se antes de tudo uma imensa desigualdade na maneira como são apropriados os materiais de que a oferta de bens e serviços depende. E não há a menor chance de que a redução desta desigualdade passe pela generalização ao conjunto da espécie humana dos padrões de produção e consumo vigentes nos países desenvolvidos.



A principal inovação teórica destes especialistas consiste em examinar a economia não apenas a partir do sistema de preços, mas com base na sua realidade substantiva. Sua pergunta central é: quanto extraímos da biosfera para obter as utilidades que compõem a riqueza? A resposta se traduz em quatro famílias de materiais: biomassa, combustíveis fósseis, minerais metálicos e minerais não metálicos (como areia, cal e cimento). É a partir daí que se avalia o que os especialistas chamam de “pegada material” da economia. E os dados mostram que esta pegada não está melhorando.



Mas e os países desenvolvidos? É verdade que aí, cada unidade do PIB é oferecida com quantidade decrescente de materiais. Mas esta redução deriva não só de sua inegável eficiência produtiva, mas também do fato de que suas indústrias foram, em grande parte, terceirizadas, transferidas a países com sistemas produtivos predatórios dos recursos naturais.



Uma das inovações deste Relatório é que, utilizando técnicas de matriz insumo-produto ele estima os materiais contidos naquilo que um determinado país consome, mesmo que o produto e as matérias-primas que lhe deram origem não venham deste país.



Se isso não for feito, fica-se com a falsa impressão de que os países (como os EUA e os da União Europeia), que transferiram parte de suas indústrias para a China, passaram a consumir poucos recursos. O mito da desmaterialização dos países desenvolvidos vem da ignorância do fato de que seu consumo só é mais “leve” porque as atividades “pesadas” em materiais foram, em boa medida, terceirizadas. Os dados neste sentido são chocantes.



Quando se leva em conta o consumo (e não apenas a produção), o uso médio de materiais por parte de um cidadão da União Europeia é de 20 toneladas por ano. Na América do Norte chega a 25 toneladas “per capita” e por ano. América Latina e os países em desenvolvimento da Ásia estão em torno de 10 toneladas e em trajetória ascendente. Mas na África subsaariana o consumo de materiais está estagnado em não mais que três toneladas anuais “per capita”. Além disso, é imensa a disparidade que deriva das desigualdades no interior de cada país.



É claro que a elevação do nível de vida dos mais pobres exige maior consumo de materiais. No entanto, o nível de consumo dos países mais ricos do mundo não é passível de generalizar-se, mesmo nos padrões europeus. Se o consumo médio anual “per capita” dos dez bilhões de habitantes que devem habitar o Planeta em 2100 for de 20 toneladas, isso significará quase o triplo do montante atual de 70,1 bilhões de toneladas. O problema não é o horizonte de escassez absoluta destes materiais, muitos dos quais são abundantes. O problema é que sua extração e seu uso não são compatíveis, nesta escala, com a preservação e a regeneração dos ecossistemas de que depende a vida social.




A questão é tão séria que o Relatório do PNUMA, contrariamente ao que ocorre com documentos deste tipo, não contém um capítulo com propostas de políticas, além de um apelo bastante vago a mudanças nos estilos de vida e nos comportamentos dos consumidores. O trabalho reitera também, claro, a importância das inovações tecnológicas para acelerar o processo de descasamento entre a produção e suas bases materiais, energéticas e bióticas.



Os dados que ele contém, entretanto, mostram que na ausência de políticas nacionais e globais voltadas à urgente redução das desigualdades, o risco é que o mundo aumente ainda mais sua produção e seu uso de recursos, destruindo serviços ecossistêmicos preciosos e, ao mesmo tempo, marginalizando parte imensa da população global.



*Ricardo Abramovay é autor de “Muito Além da Economia Verde” (Ed. Planeta Sustentável, SP, 2012). Coautor de Lixo Zero: Gestão de Resíduos Sólidos para uma Sociedade Mais Próspera.



Fonte: Envolverde

Por falta de pagamento de funcionários, áreas protegidas mineiras são fechadas


Por Sabrina Rodrigues
O Parque Estadual do Pau Furado é um dos parques que está fechado para visitação. Foto: Isabelle Damasceno.
O Parque Estadual do Pau Furado é um dos parques que está fechado para visitação. 

Foto: Isabelle Damasceno.

Atrasos nos salários dos guardas-parques fez o Instituto Estadual de Florestas (IEF), órgão ambiental de Minas responsável pelas áreas protegidas do estado, anunciar o fechamento de 12 unidades de conservação na última sexta-feira (28). Os terceirizados são contratados da empresa Cristal Serviços Especializados e estão há três meses sem pagamentos. Sem salário, o órgão ambiental fechou, provisoriamente, 12 unidades de conservação, sendo 8 Parques Estaduais, uma Área de Proteção Ambiental, 1 Monumento Natural e duas Estações Ecológicas.



A empresa Cristal está com a Certidão Negativa de Débitos vencida e com isso os salários não estão sendo pagos. A certidão é exigida para que ocorra o repasse de recursos do estado através da Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Além do atraso, alguns funcionários estão com férias vencidas há dois anos e o FGTS dos trabalhadores não é recolhido desde o final de 2015.


No dia 25 de outubro, houve uma audiência para tratar do assunto no Ministério Público do Trabalho. A empresa não enviou representante. O que ficou temporariamente resolvido é que a Secretaria quitará os salários utilizando os créditos retidos que seriam transferidos para a Cristal. Entretanto, para que o pagamento ocorra, é preciso que a empresa envie uma planilha com as informações dos funcionários, algo que, segundo o IEF, ainda não aconteceu.


O fechamento das unidades tem reflexos econômicos trazendo prejuízo para as comunidades no entorno das unidades de conservação e para os comerciantes, mas também, um prejuízo no que diz respeito às atividades que envolvem a educação ambiental, interrompendo a visitação nos parques para a comunidade, turistas, atividades escolares e pesquisas que são desenvolvidas nesses ambientes.



No caso das Estações Ecológicas, por exemplo, embora essa categoria de unidade não prever visitação pública, elas recebem pesquisadores, o que demanda um atendimento que foi interrompido.



As unidades de conservação que estão com as atividades temporariamente suspensas são: Parque Estadual do Pau Furado (Uberlândia), Parque Estadual Lapa Grande (Montes Claros), Parque Estadual do Rio Preto (São Gonçalo do Rio Preto), Parque Estadual do Pico do Itambé (Sto. Antônio do Itambé), Parque Estadual da Serra Negra (Itamarandiba), Parque Estadual da Serra do Intendente (Conceição do Mato Dentro), Parque Estadual do Biribiri (Diamantina), Área de Proteção Ambiental das Águas Vertentes (Diamantina, Serro e outros), Monumento Natural da Várzea do Lageado e Serra do Raio (Serro), Estação Ecológica de Acauã (Leme do Prado e Turmalina), Estação Ecológica da Mata dos Ausentes (Senador Modestino Gonçalves).


Comentário:


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Cansado · 
Eco, preste muita atenção no que está acontecendo com as UC de todas as esferas!!! As federais também estão no limite! Sem vigilância, sem limpeza, sem apoio administrativo...

Brasil recicla quase 100% das latinhas de bebida

segunda-feira, 31 de outubro de 2016


Somente na coleta da latinha foram injetados cerca de R$ 730 milhões na economia brasileira.

O índice de reciclagem das latinhas de alumínio de bebidas no Brasil atingiu 97,9% em 2015, com um total de 292,5 mil toneladas de latas recicladas, quase a totalidade das embalagens colocadas à venda. Os dados, divulgados na última semana, são da Associação Brasileira do Alumínio (Abal) e da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade (Abralatas).
De acordo com as duas entidades, somente na coleta da latinha foram injetados cerca de R$ 730 milhões na economia brasileira. “O valor equivale a quase um milhão de salários-mínimos por ano, confirmando a importância da reciclagem para a geração de emprego e renda para os catadores de materiais recicláveis”, destacou o coordenador do Comitê de Mercado de Reciclagem da Abal, Mario Fernandez.
Segundo a entidade, a reciclagem das latinhas consome apenas 5% da energia que seria utilizada para a produção das mesmas a partir do alumínio primário, extraído da bauxita. “A economia de energia gerada nessa reciclagem atenderia à demanda residencial anual de energia de um estado como Goiás”, disse Fernandez.
Fonte: Ciclo Vivo

Na BR-163, Kayapó é detetive


Por Juliana Tinoco (reportagem) e Marcio Isensee e Sá (fotos e vídeo)
Entre o final de 2014 e o início de 2016, operações do IBAMA em parceria com a Polícia Federal conseguiram capturar duas grandes quadrilhas de criminosos ambientais operando em regiões próximas à BR-163, rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), na Amazônia.


As autoridades, no entanto, sabem que há muitas outras espalhadas nestas áreas. Contando com a sofisticação de monitoramento por satélite, a amizade e as redes sociais, fiscais do IBAMA e índios kayapós querem ser projeto-piloto de parceria na defesa dos territórios de floresta pública que ainda resistem no Pará.



Curuá Livre
"Preparem-se para ver o inferno", avisa Luciano Evaristo, diretor de Proteção Ambiental do IBAMA, no caminho para o garimpo Esperança IV. De um sobrevoo de helicóptero é possível ver uma língua de tonalidade marrom entrando pelo rio Curuá, consequência da contaminação por mercúrio. Do alto, avista-se o corpo de um boi morto à beira d’água, que provavelmente bebeu água contaminada. Capivaras nadam em piscinas azul turquesa - as bacias de rejeito típicas de garimpo. "Vão ficar radioativas", ironiza Evaristo em tom triste. Até o ar exala devastação.



O uso do mercúrio em garimpos na separação do ouro é controlado pelo IBAMA. O metal é tóxico. Na lista do que pode causar em seres humanos está paralisia cerebral, surdez, cegueira, danos motores, ataques cardíacos e problemas renais. No Esperança IV, que tinha licença de operação expedida pelo município de Altamira, foi apreendido mercúrio. O garimpo foi embargado e multado em R$ 50 milhões.



Era fim de agosto e terminava a operação Curuá Livre, do IBAMA, que havia sido motivada por uma denúncia certeira dos índios Kayapós, da Terra Indígena Mekrãgnoti. O nome da operação vem do rio Curuá, contaminado pelo garimpo e que banha a Mekrãgnoti. Outro objetivo da Curuá Livre foi revisitar as áreas que haviam sido griladas por Antônio Junqueira Vilela Filha, vulgo Jotinha, chefão de recém desbaratada quadrilha, e homem a sofrer o maior valor em multa ambiental por desmatamento ilegal na Amazônia, um total de R$ 119,8 milhões.


Ele está preso em São Paulo, mas o IBAMA desconfiava que as suas fazendas, mesmo embargadas, continuavam em funcionamento.



Os garimpeiros do Esperança IV e o grileiro paulista têm algo em comum: seus crimes foram descobertos pelos vigilantes kayapós.


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Helicóptero do IBAMA e seus agentes no garimpo Esperança IV. Foto: Marcio Isensee e Sá



Amizade, satélite e whatsapp
Foi graças à Curuá Livre que Luciano Evaristo fez seu primeiro retorno à terra dos índios que o haviam ajudado a capturar Jotinha um mês antes. A recepção foi calorosa, pois os kayapós se tornaram próximos do diretor do IBAMA. A ligação teve início em 2014, no escritório de Brasília, quando chegaram com pintura de guerra e munidos de arcos e flechas para denunciar o grileiro. Evaristo confiou nos índios e deu certo. Começou ali uma bem-sucedida parceria.



Dototakakyre Kayapó, conhecido como Dotô, liderava os kayapós durante a ida deles à Brasília. Ele relembra o sentimento que os movia: “Tinha invasão dos grileiros ao redor da terra indígena. A gente estava preservando, não queria que os grileiros passassem para o nosso lado”, conta. “Foi nesse momento que a gente chegou na parceria com o Luciano Evaristo para ajudar a defender a floresta”.
Entre 2013 e 2016 foram mais de 180 autos de infração lavrados pelo IBAMA em um raio de até 10 km do entorno de Mekrãgnoti, 27 dos quais dentro da terra indígena.



A partir de 2014, grande parte destas ações foram oriundas de denúncias dos próprios índios. Luciano diz que não sabe ao certo quantas foram porque nada disso é, digamos, protocolado no IBAMA por meios formais. O alerta do crime chega ao diretor por um grupo no Whatsapp dele com os índios. "São tantas mensagens que eu já tive até que pedir para sair do grupo", confessa Evaristo.



Embargadas, mas nem tanto
Durante a Curuá Livre, os fiscais do IBAMA vistoriaram quatro áreas atribuídas a Jotinha, que já estavam embargadas. Em todas encontraram algo fora da lei. Pasto em formação, sinais de incêndio criminoso, cercas, ramal de estrada adentrando área desmatada ilegalmente, gado e... gente. Em uma das fazendas, encontraram Leandro, que se disse funcionário do lugar e apontou o dedo para uma suposta proprietária, que teria arrendado a terra de fazendeiros de Santa Catarina. Com Leandro foram encontradas motosserras, espingarda e munição.



Nada tinha documentação. O próprio assumiu que colocou fogo na área. No total, 800 bois se alimentavam nos pastos da fazenda embargada.



Leandro deveria ter sido levado para a delegacia localizada em Castelo dos Sonhos, mas, como não havia lugar no helicóptero nem tempo ou combustível em quantidade suficiente para levar o homem até a cidade e voltar para resgatar os fiscais, ele ficou por lá mesmo. A equipe do IBAMA também considerou pernoitar no lugar, mas considerou que essa opção os expunha ao risco de serem atacados.
O resultado é que fiscais vão embora, mas grileiros e seus agentes ficam.


Com as vistorias em terras griladas por Jotinha, o IBAMA percorre um trâmite de ações e de burocracia legal que permitirão aos agentes do órgão seguir a recomendação do Ministério Público para o caso: destruir cercas, casas e todo tipo de construções e equipamentos encontrados nessas terras.
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Daqui pra frente
Dotô herdou o nome do avô, que por sua vez achou bonita a alcunha de um certo Doutor Bruno, médico do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) que frequentava a aldeia quando era mais jovem, e resolveu incorporar o Dotô ao próprio nome. Dotô, o neto, saiu da Terra Indígena Mekrãgnoti para o município de Novo Progresso quando tinha cinco anos de idade, por incentivo deste mesmo avô. Lá aprendeu português e se envolveu com a cultura do branco. Aos dezoito foi oficialmente contratado pela FUNAI para atuar na interlocução com os kayapós, onde trabalhou por vinte anos.



Em parte, os kayapós vigiam suas terras circulando no entorno regularmente, indo e voltando de cidades mais próximas como Novo Progresso e Castelo dos Sonhos, onde moram alguns. Mas há um reforço extra, o Instituto Kabu, uma organização dirigida pelos índios para representar as dez aldeias que compõem a TI Mekrãgnoti. Na sede do Instituto, em Novo Progresso, fica a "central de inteligência  kayapó", como brinca Evaristo.



O Kabu conta com equipamentos comprados com recursos do Plano Básico Ambiental (PBA) da BR-163. De lá, profissionais de geoprocessamento monitoram com imagens de satélites o que acontece dentro e também próximo às terras dos índios.



"Só em 2014 eu tomei conhecimento do sistema que eles tinham e vi o potencial deste trabalho ganhar a parceria do IBAMA", conta Evaristo. Os kayapós não são os únicos índios a fazerem este tipo de monitoramento. O que chama a atenção no caso deles é o quão bem preservadas mantêm suas terras. "São 6 milhões e meio de hectares totalmente intactos", diz Evaristo, em referência ao tamanho da soma das duas TI's kayapós quase contíguas  - Mekrãgnoti e Baú. "Se você olha em volta das reservas, tudo destruído. Dentro, tudo inteiro. Por que será? Os kayapós defendem a sua área".



O Instituto Kabu desde 2008 representa as aldeias da TI Mekrãgnoti. Além de atividades de monitoramento, o Instituto apoia ações de preservação da cultura e do território kayapó.
O Instituto Kabu desde 2008 representa as aldeias da TI Mekrãgnoti. 
Além de atividades de monitoramento, o Instituto apoia ações de preservação da cultura
 e do território kayapó. Foto: Marcio Isensee e Sá



Em parceria com o Instituto Kabu, Evaristo propõe agora um projeto-piloto de pagamento aos kayapós por serviços de monitoramento e vigilância da região no entorno das TIs Mekrãgnoti e Baú: "minha ideia é que, assim como os vigilantes são remunerados no IBAMA, os índios também o sejam. É pagá-los por um serviço de proteção de terra pública federal".



A proposta está sendo redigida. Quando a tiver em mãos, Evaristo diz que irá buscar o apoio do Ministério do Meio Ambiente. O dinheiro, segundo ele, poderia vir do Fundo Amazônia. "O tempo do 'toma aqui um dinheirinho' acabou. Hoje um jovem Kayapó tem smartphone e está no Facebook se comunicando com a sociedade". Acima de tudo, Evaristo defende que é preciso unir forças com os índios. "Como proteger a floresta com um ‘exército de Brancaleone’ de agentes ambientais do IBAMA, que têm que cuidar de todos os ecossistemas do Brasil e heroicamente se revezam o ano inteiro para defender a Amazônia?"



Fartura de crime ambiental
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Animação mostra avanço do desmatamento em torno da Terra Indígena Mekrãgnoti, que continua
 bem preservada. Fonte: Instituto Kabu



Nem mesmo os recentes casos de prisão parecem assustar quem vive de ilegalidade na Amazônia. Jotinha, preso em agosto de 2016, superou Castanha no quesito maior desmatador da região. Castanha, grileiro paraense pego em fevereiro de 2015, era famoso por exercer influência em todas as esferas da vida de Novo Progresso -- da rede de supermercados local à polícia. Neste recorte da BR-163 há todo tipo de atividade ilegal: garimpo, pesca e caça em território protegido, exploração de madeira e incêndios compõem uma lista extensa.


Em comum, o cenário destas atividades econômicas revela pobreza, ignorância e medo. Quando flagrados em áreas desmatadas, quem está no campo economiza nas explicações. Em geral, todos alegam que qualquer área aberta recentemente não passa de resquício de desmatamento antigo. Garantem que não sabem de boi ou venda ilegal de madeira em áreas proibidas. Nunca conhecem seus vizinhos e pouco ou nada sabem de seus patrões. Jamais citam nomes.


Todas estas cenas se repetiram durante os quatro dias da Operação Curuá. Neste período, homens passaram pelo acampamento do IBAMA para prestar depoimentos, depois de pegos em flagrante desmatamento ou portando armas sem documentação. Ao menos um foi levado para a delegacia de Novo Progresso, onde não havia delegado. “A BR-163 é terra sem lei. Lá o Estado só aparece ou com o IBAMA na fiscalização ou com a Polícia Federal para prender”, diz Evaristo.


O diretor do IBAMA não sabe dizer ainda se os rastros que investiga no momento são de outras quadrilhas tão grandes quanto as de Jotinha, mas tem certeza de que há muitas operando na região da BR-163. Animado pelos sucessos recentes, mas contra o cenário que ele próprio descreve, garante: "Nós vamos pegar uma por uma".