No Médio Solimões, peixes-boi amazônicos migram para o lago Amanã em busca de segurança na época da seca. Foto- Amanda Lelis.
No Médio Solimões, peixes-boi amazônicos migram para o lago Amanã em busca de segurança 
na época da seca. Foto- Amanda Lelis.



Manaus, AM -- Pesquisadores do Instituto Mamirauá, interior do Amazonas, ficaram intrigados quando o sinal de rádios-transmissores colocados em peixes-bois-da-amazônia (Trichechus inunguis) sumia durante a estação seca. Graças a uma dica dada por ribeirinhos, confirmaram uma rota de migração entre as Reservas de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá e Amanã. E com a contribuição de colegas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foram além, descobriram que os bichos são capazes de escolher o melhor momento para abandonar os ricos ambientes da várzea e seguir rumo a águas mais profundas.



A coordenadora do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá, Miriam Marmontel, explica que a várzea é um ambiente rico, onde o peixe-boi encontra maior disponibilidade de alimentos. Porém, durante a estação seca, o rio recua e os bichos precisam procurar outros ambientes, onde a comida não está tão disponível. “Eles poderiam ficar presos ou vulneráveis aos pescadores”, explica Miriam  Marmontel. “(De Mamirauá) eles vão para Amanã, onde tem águas mais profundas. Não tem tanta alimentação, mas eles conseguem comer alguma coisa na matéria orgânica no fundo”, completa.



Saber o momento certo de partir é importante. Se o animal sair antes, perde oportunidade de se alimentar melhor e se preparar para a dieta dos meses seguintes. Se demorar demais, pode ficar encalhado no caminho. No estudo publicado no início deste ano na revista Acta Amazônia, pesquisadores de Mamirauá e do Inpe concluíram que os peixes-bois são capazes de se adaptar às mudanças naturais que ocorrem nos ciclos de cheia e seca da Amazônia e iniciam a migração entre dois e quatro dias antes dos trechos mais rasos do percurso, denominado por eles de gargalos, secarem.



Os pesquisadores monitoraram um grupo de dez peixes-bois machos ao longo de 11 anos. As informações foram combinadas com imagens de satélite da região obtidas ao longo de 30 anos e da hidrografia, além de uma modelagem em três dimensões de rios e lagos que fazem parte da rota de migração dos bichos. De acordo com Miriam Marmontel, os peixes-bois tem uma grande percepção do ambiente e são capazes de se adaptar às variações do clima e do ambiente. Segundo o estudo, “possuem um mapa cognitivo atualizável do ambiente e são comportamentalmente plásticos". Ela acredita que além da profundidade, fatores como alterações químicas na água e na quantidade de nutrientes podem ser percebidas pelo peixe-boi.



O peixe-boi amazônico é uma espécie ameaçada de extinção. Perigo aumentado com a construção de barragens hidrelétricas na bacia amazônica. Foto Amanda Lelis.
O peixe-boi amazônico é uma espécie ameaçada de extinção. Perigo aumentado com a construção de barragens hidrelétricas na bacia amazônica. Foto Amanda Lelis.



O estudo ajuda a compreender os possíveis efeitos de hidrelétricas sobre o peixe-boi-da-amazônia. A oceanógrafa destaca que barragens criam mais gargalos e muda o regime de inundação, dificultando a migração dos animais. No ano passado, os pesquisadores do Mamirauá e do Inpe já havia feito um alerta sobre os riscos de projetos de geração de energia para a população de peixes-bois dos rios amazônicos. Na carta publicada na revista Science, eles afirmavam que “a busca pelo crescimento econômico pela América do Sul em geral, pelo Brasil em particular, não deve vir à custa da extinção do peixe-boi amazônico. Mais amplamente, é imperativo e urgente discutir formas de desenvolver a região sensíveis a miríade de valores (monetários e não monetários) de um dos maiores tesouros naturais que ainda existem em nosso planeta”

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