quinta-feira, 11 de maio de 2017

Mundo pode bater 1,5ºC em uma década


Por Observatório do Clima
Seca em Silves (AM) em 2005. Foto: Ana Cintia Gazzelli/WWF.
Seca em Silves (AM) em 2005. Foto: Ana Cintia Gazzelli/WWF.


O mundo pode ultrapassar a barreira de 1,5oC de aquecimento em relação à era pré-industrial daqui a menos de uma década. Tudo depende de como o Oceano Pacífico vai se comportar nos próximos anos – e as indicações não são nada boas.

O alerta vem de um estudo publicado nesta terça-feira (9) por uma dupla de pesquisadores australianos no periódico Geophysical Research Letters. Segundo Benjamin Hanley e Andrew King, da Universidade de Melbourne, projeções de computacionais de temperatura global indicam que o limite de aquecimento consagrado como ideal no Acordo de Paris será atingido entre 2025 e 2027 caso um ciclo natural conhecido como IPO (Oscilação Interdecadal do Pacífico) entre em sua fase quente.

Se o oposto acontecer e o Pacífico entrar numa fase fria, a Terra ganhará algum tempo de respiro, mas não muito: a ultrapassagem do limite de 1,5oC acontecerá entre 2030 e 2031.

Em ambos os casos, o planeta entrará num estado climático sem precedentes em milhões de anos. Eventos extremos, como ondas de calor, tempestades e secas ficarão ainda mais frequentes. E os grandes mantos de gelo da Groenlândia e do oeste antártico estarão sujeitos ao colapso, o que poderia causar uma elevação do nível do mar superior a 1 metro neste século.

O teto de 1,5oC foi estabelecido como uma espécie de “centro da meta” do Acordo de Paris. No documento, assinado em 2015, o mundo se compromete a estabilizar o aquecimento global num nível “bem abaixo de 2oC” e “envidar esforços para limitar o aumento de temperatura em 1,5oC”.


Esse grau de ambição partiu de pressão política dos países insulares, que veem em 2oC uma ameaça à sua existência – diversos estudos vêm mostrando que 2oC de aquecimento poderiam causar instabilidade catastrófica nos mantos de gelo e acelerar a subida do oceano, condenando essas nações à extinção.


Como não há muita evidência científica de como seria um mundo a 1,5oC, o IPCC, o painel do clima da ONU, recebeu em Paris a encomenda de entregar em 2018 um relatório mostrando os impactos evitados desse limite em relação aos 2oC e das trajetórias de corte de emissões necessárias para a Terra chegar lá.


“O relatório do IPCC é considerado fundamental para embasar a revisão das metas nacionais (NDCs) do acordo do clima, um processo que ocorrerá a partir de 2023 para aumentar a ambição do corte de emissões de gases de efeito estufa”
 
 
O relatório do IPCC é considerado fundamental para embasar a revisão das metas nacionais (NDCs) do acordo do clima, um processo que ocorrerá a partir de 2023 para aumentar a ambição do corte de emissões de gases de efeito estufa.


O estudo publicado nesta terça-feira sugere que isso pode ser pouco demais e tarde demais.


Afinal, as NDCs só começam a rodar a partir de 2020. O primeiro ciclo de cumprimento de quase todas as grandes economias do mundo vai até 2030. E os únicos dois países que têm metas antecipadas, para 2025, estão hoje no rumo oposto de seu cumprimento: o Brasil, onde a bancada ruralista no Congresso e o governo federal promovem o aumento do desmatamento, e os EUA de Donald Trump, que deram uma banana para a ação climática e podem até mesmo anunciar a saída do acordo do clima nos próximos dias.


Os dados compilados pela dupla de Melbourne indicam que, quando o mundo entrar no segundo ciclo de NDCs, mais estritas, o planeta já poderá estar 1,5oC mais quente. Torçam pela IPO.


A Oscilação Interdecadal do Pacífico é um ciclo natural e de causas desconhecidas. Ela pode durar de uma a quatro décadas. Em cada fase, as temperaturas do Pacífico tropical ficam anormalmente mais quentes ou mais frias. Isso pode ajudar a acelerar ou a retardar o aquecimento causado pelos gases-estufa.


Ao longo de quase todo este século, a IPO esteve provavelmente em sua fase fria. Vários cientistas acham que essa é a principal causa do fenômeno erroneamente chamado de “pausa” no aquecimento global – o fato de as temperaturas da Terra desde 1998 terem subido muito menos que as concentrações de gás carbônico na atmosfera. “É possível que uma fase negativa da IPO desde a virada do século tenha amortecido os impactos do aquecimento global sobre eventos extremos, como ondas de calor”, escreveram Henley e King.


Eles advertem, porém, que essa maré de sorte pode estar no fim. O El Niño monstro de 2015 e 2016, que causou a quebra de dois recordes seguidos de temperatura global, sugere, segundo os cientistas, que há muito calor acumulado na superfície do Pacífico tropical – um sinal de que a IPO estaria virando para sua fase quente. Isso poderia “iniciar um período de aquecimento acelerado na próxima década ou duas”.


A estabilização do aquecimento em 1,5oC no longo prazo, prosseguem os australianos, envolveria duas coisas: uma ultrapassagem do limite durante algumas décadas e um esforço global de “emissões negativas”, ou seja, de sequestrar mais carbono do que se emite.


Muita gente boa prefere nem ouvir falar nisto, já que “emissões negativas” hoje são sinônimo de esquemas de engenharia planetária, cujos efeitos colaterais são desconhecidos e potencialmente graves.

Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.

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