quinta-feira, 11 de maio de 2017

Valor Econômico – Sem proteção, Pantanal vê a soja como maior ameaça



Por Daniela Chiaretti | De Miranda (MS)

Sobre o deque, no pôr-do-sol, dois conservacionistas franceses e um sul-africano discutem como o turismo ecológico poderia se tornar real opção de desenvolvimento para a região. Estavam inspirados pelo safári de minutos antes, exuberante no avistamento de pássaros, bandos de capivaras e queixadas (para eles, bichos muito exóticos), uma aglomeração de mais de 30 jacarés e uma jaguatirica tranquilona. O lago adiante e o lodge atrás, a sofisticada Baiazinha, do Refúgio Ecológico Caiman, no Mato Grosso do Sul, poderiam ser cenário do Delta do Okavango, em Botsuana, um dos pontos globais mais cobiçados por amantes de natureza. Bastaria que à frente boiassem hipopótamos, o entorno fosse parque público e não área privada e, mais importante, o Pantanal estivesse devidamente protegido e não sob risco.



A recomendação da Constituição Federal, de que o Pantanal siga a trilha da Mata Atlântica e tenha legislação específica, nunca se concretizou. Na Câmara há uma proposta de lei do atual ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho; no Senado, outra, do ministro da Agricultura Blairo Maggi. Há muitas dúvidas sobre se a proposta do Senado daria conta de proteger os 11 pantanais que existem dentro do Pantanal, se a cultura pantaneira seria preservada, se modelos econômicos sustentáveis seriam promovidos. O Código Florestal diz que áreas como o Pantanal devem ter uso restrito, e o Estado do Mato Grosso do Sul aprovou uma lei, em 2015, que permite interpretações muito permissivas de uso. Não há proteção nesse caldo de leis. O meio ambiente do Pantanal precisa de segurança jurídica.




A agricultura em escala comercial está se aproximando da planície pantaneira. E é a soja, e isso é aterrorizante. Podemos ter problemas sérios com diques, áreas secando, uso de herbicidas, contaminação da vida selvagem", comenta o empresário Roberto Klabin, há 30 anos atuando na região, dono da Caiman, fundador da SOS Mata Atlântica e, desde 2009, do Instituto SOS Pantanal.




No exemplo de Botsuana, o turismo ecológico tornou-se a segunda fonte do PIB, superando a pecuária e perdendo apenas para diamantes, diz Christopher Roche, o conservacionista sul-africano que também é diretor de marketing da Wilderness Safari, a maior empresa global deste tipo de turismo. São 250 mil turistas por ano em Botsuana, gastando entre US$ 1 mil e US$ 3 mil por dia no Okavango, um turismo para poucos e de pouco impacto ambiental. O setor emprega 35% dos adultos da região. Quando o governo de Botsuana percebeu o filão, desenvolveu uma marca, investiu na proteção da vida selvagem e começou a cobrar royalties dos donos dos hotéis e operadores turísticos. "Aqui é diferente da África, mas tem muito potencial. 




A onça é a mais carismática criatura e pode trazer turistas ao Pantanal, que já é um destino muito desejado", diz Roche.




Com ele concorda o francês Pierre-Cyril Renaud, professor associado da Universidade Angers e conhecedor dos embates brasileiros entre agricultura e ambiente. Ele está envolvido com dois projetos na região que pretendem estudar os sinais de perda de biodiversidade e desenvolver uma ferramenta que aproxime as demandas da produção e da preservação. "Temos que trabalhar no sistema como ele é e observar a dinâmica destes dois grupos", diz Renaud. "Um não pode se sobrepor ao outro".




"É discutir o capital natural", resume o agrônomo Felipe Dias, secretário-executivo da SOS Pantanal, instituto que está procurando abrir o debate promovendo um seminário internacional em Campo Grande, Cuiabá e Brasília para discutir experiências internacionais como a do Okavango e o marco legal que o Pantanal precisa. "Qualquer coisa que hoje em dia possa impor algum limite de práticas, independente se forem positivas ou negativas, gera uma ação brutal do agronegócio. A nossa dificuldade é a de tentar falar com pessoas que não querem nos ouvir. Em momento algum queremos propor que se congelem áreas, que se impeça o desenvolvimento. Não é isso que estamos advogando", diz Klabin. "Esta é uma região com potencial brutal de turismo. E é preciso que se entenda que propriedades que tenham equilíbrio entre conservação e produção vão valer muito mais do que propriedades que so tem visão de produção."




Dados divulgados pela SOS Pantanal indicam que 15,7% da planície do Pantanal já foi "antropizada". Isso quer dizer que a paisagem natural foi convertida, principalmente, para pastos com capim exótico. Isso representa 23.700 km2 ou 2 milhões de campos de futebol. Nas bordas do Pantanal, no planalto, áreas de cerrado e Amazônia já foram alteradas em 132.592 km2 ou assombrosos 13 milhões de campos de futebol - 61% da área. O que assusta é a tendência de alta na troca de pastos naturais por pastos exóticos e o que vem atrelado a esse movimento - erosão e concentração de sedimentos nos rios, alteração do regime hídrico do Pantanal, uso de agrotóxicos e mais impactos ambientais. Isso tudo em um lugar onde vivem, pelo menos, 3.500 espécies de plantas, 550 de aves, 124 de mamíferos, 80 de répteis, 60 de anfíbios e 260 espécies de peixes.




O Pantanal é muito esquecido entre os biomas brasileiros", constata Klabin. "O Pantanal é como se fosse uma pia para onde todas as águas convergem", explica. "O que acontece no planalto, a borda, é fundamental para a sobrevida da planície. É ali que estão as nascentes que abastecem o Pantanal. Mas o planalto está extremamente comprometido, a agricultura e a pecuária são feitas sem preocupação de conservação de solos, há miniusinas que barram os rios, muita erosão", continua.




Um safári de poucas horas revela uma miríade de fauna em uma paisagem que há 200 anos se adaptou à pecuária. O biólogo Guilherme Raeder, chefe dos guias da Caiman, vai nomeando um pássaro atrás do outro, revelando seus hábitos, indicando cantos e gritos. Entre as experiências mais bonitas, o projeto Arara Azul conseguiu tirar a espécie das listas de animais ameaçados, combater o tráfico e estudar os hábitos destas aves.

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