sábado, 15 de julho de 2017

Governo propõe ao Congresso cortar 350 mil hectares de floresta no Pará


Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima*
Estradas ilegais em áreas da Floresta Nacional do Jamanxim recém queimadas. Unidade sobre com grilagem de terras. Foto: Daniel Beltra/Greenpeace.
Estradas ilegais em áreas da Floresta Nacional do Jamanxim recém queimadas. 
Unidade sobre com grilagem de terras. Foto: Daniel Beltra/Greenpeace.


O governo federal cedeu às pressões da bancada ruralista e enviou nesta quinta-feira (12) ao Congresso Nacional um projeto de lei propondo o corte de 349.085 hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará. O PL substitui a polêmica Medida Provisória 756, que tiraria 486 mil hectares da unidade de conservação e foi vetada no mês passado pelo presidente Michel Temer.


O PL propõe a transformação da área recortada em APA (Área de Proteção Ambiental), categoria de unidade de conservação que admite propriedade privada, produção agropecuária e mineração. A Flona ficará com uma área total de 953.613 hectares – hoje ela tem 1,3 milhão de hectares.


É uma perda maior do que o que havia sido proposto na MP 756 original, de 2016. O texto de então retirava 304 mil hectares da unidade de conservação e acrescentava outros 438 mil hectares ao Parque Nacional de Rio Novo. E dez vezes maior do que o parecer inicial do Instituto Chico Mendes, o órgão federal de unidades de conservação. Em 2009,  o ICMBio admitia o corte de 35 mil hectares da Flona para “atender a demandas justas de posse”.
Mas é menos do que os 486 mil hectares que o Congresso queria retirar da Flona, para beneficiar grileiros que, em sua maioria, chegaram ao Jamanxim após a criação da unidade, em 2006.


A justificativa apresentada no texto do PL pelo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, para reduzir a Floresta Nacional é justamente o fato de ela ter sido grilada e desmatada: "A área onde se localiza a Floresta Nacional do Jamanxim tem sido palco de recorrentes conflitos fundiários e de atividades ilegais de extração de madeira e de garimpo associados a grilagem de terra e a ausência de regramento ambiental. Com reflexos na escalada da criminalidade e da violência contra agentes públicos, sendo necessária a implantação de políticas de governo adequadas para enfrentar essas questões", diz  o texto do PL.


O desenho da área a ser cortada da unidade de conservação foi feito por técnicos do ICMBio. O presidente do instituto, Ricardo Soavinsky, disse ao OC nesta quinta-feira que sua equipe procurou uma área “onde se consegue agrupar mais gente nas áreas mais antropizadas”. “A equipe defende que isso pode distensionar a situação na região.”
Diferentemente da MP original, desta vez não haverá proposta de acréscimo de área. Segundo Soavinsky, isso será feito “por outros instrumentos depois”.


O presidente do ICMBio afirmou também que o governo pretende restringir os usos da futura APA do Jamanxim em seu decreto de criação. A ideia é deixar claro que essa APA terá “vocação florestal” – muito embora a região onde ela será criada já esteja amplamente desmatada. No PL mandado ao Congresso, o governo condiciona a manutenção dos títulos de posse na APA à ausência de desmatamento ilegal.


A estratégia do Executivo é sinalizar aos parlamentares que está cedendo a todos os pleitos tecnicamente razoáveis. Qualquer modificação que venha a ser feita na Câmara será ônus dos deputados - e o presidente poderia sentir-se mais à vontade para vetá-la.
Soavinsky negou que a ampliação do corte da Flona para quase 350 mil hectares estimularia mais ocupações irregulares: “Pelo trâmite que [teve a MP], foi passado um recado muito claro: existe análise técnica, não é só passar uma MP e ponto.”


Recortar Jamanxim é uma luta que proprietários rurais e políticos da região de Novo Progresso, no sul do Pará, travam há anos. Parte desta demanda é legítima e visa retirar da unidade propriedades que já estavam lá antes de a área protegida ser decretada, em 2006. Porém, como sustentou o próprio ICMBio em censo realizado em 2010, dois terços dos ocupantes atuais são grileiros que seriam beneficiados com a legalização da posse de terras públicas invadidas.
Cegonha com 8 caminhonetes do Ibama foram queimadas em Cachoeira da Serra, no Pará. Foto: Divulgação.
Cegonha com 8 caminhonetes do Ibama foram queimadas em Cachoeira da Serra, no Pará. Foto: Divulgação.

Há mais de uma semana, pressionando pelo envio do projeto de lei, moradores de Novo Progresso e outros municípios do entorno da rodovia BR-163 iniciaram uma série de bloqueios da estrada. Os manifestantes usam caminhões e até tratores destruídos pelo Ibama em operação contra o desmatamento para bloquear a rodovia. As paralisações estão acontecendo em pontos nas localidades de Castelo dos Sonhos, Cachoeira da Serra, Vila Isol, Novo Progresso, Três Boeiras, Caracol e Moraes Almeida.


Na última sexta-feira, a tensão na região literalmente explodiu, quando madeireiros incendiaram uma carreta com oito picapes novas do Ibama no distrito de Cachoeira da Serra, no município de Altamira. Em resposta, o Ibama passou a bloquear todas as serrarias da BR-163. A ação é progressiva e não tem data para acabar.


O diretor de fiscalização do Ibama, Luciano Evaristo, disse que serão enviados reforços para dar segurança à fiscalização ambiental na área.


*Colaborou Daniele Bragança, de ((o))eco.


**Atualizada às 22h08, do dia 13/07/2017.
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