terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Brasil se compromete com a conservação de espécies ameaçadas de extinção, mas pretende liberar a caça (??!!!).

 

09 Dezembro 2016  |  

 
Por Frederico Brandão, de Cancun

Durante o Segmento de Alto Nível da Conferência das Partes (COP) 13, em Cancun, o Brasil se comprometeu a garantir que 100% de suas espécies ameaçadas estejam sob alguma forma de estratégia de conservação até 2020, além de melhorar o status de conservação de pelo menos 10% dessas espécies.

Um dos primeiros passos para isso foi o levantamento de espécies ameaçadas, realizado entre 2009 e 2014, e que representou o maior esforço mundial sobre o tema já feito em um país. O processo envolveu mais de 1,2 mil pesquisadores que avaliaram 12.254 espécies - 8.922 vertebrados e 3.332 invertebrados. Como resultado, foram identificadas 1.173 espécies ameaçadas da fauna do Brasil, em diferentes níveis de perigo de extinção.

Os dados estão publicados no Sumário Executivo do Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, lançado oficialmente hoje (8/12), em evento paralelo na COP 13. O trabalho foi realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com treinamento e orientação da UICN e colaboração de diversas organizações. Foi a primeira vez que o órgão coordenou o processo de avaliação das espécies da fauna, identificando o risco de extinção de todos os vertebrados com ocorrência no Brasil e de um grupo selecionado de invertebrados. A previsão é que o trabalho seja contínuo e aconteça a cada cinco anos.

O documento tem 75 páginas, em versão bilíngue, e disponível no site do ICMBio. O Livro Vermelho completo será lançado em março de 2017 e terá entre 4 mil e 6 mil páginas, incluindo a descrição dos dados de todas espécies, fotos e mapas de ocorrência.

A avaliação é considerada pelos especialistas uma das mais relevantes do mundo, por se tratar do Brasil, país megadiverso com alto índice de biodiversidade. “Não é apenas sobre o número de espécies, mas também sobre as principais ameaças e drivers relacionados ao seu estado de conservação. O levantamento confirmou que a perda de habitats, como conversão de ecossistemas e desmatamento, é a ameaça mais importante para a extinção de espécies terrestres e de água doce”, explica Claudio Maretti, diretor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

De acordo com Ana Paula Prates, coordenadora dos Planos de Ação para a conservação das espécies ameaçadas (PAN), do ICMBio,  esse é um primeiro passo, crucial, para o Brasil alcançar a meta 12 de Aichi - que prevê a extinção zero de espécies até 2020. “O País lança esse Sumário em um momento crucial que o mundo está aqui em Cancun no meio do caminho da avaliação da implementação das metas de Aichi. O levantamento das espécies ameaçadas faz parte dos critérios para se atingir essa meta”, avalia.

“A lista de espécies ameaçadas é uma ferramenta essencial para direcionar os esforços de conservação do Brasil, inclusive aqueles relacionados à criação de novas unidades de conservação, foco da Meta 11 de Aichi. A redução do status de ameaça dessas espécies exigirá um trabalho coordenado para garantir que planos e programas de diferentes setores do governo e sociedade incorporem a conservação e manejo dessas espécies”, avalia Mariana Napolitano, coordenador do Programa de Ciências do WWF-Brasil.

Próximos passos
Compreender o estado de conservação da biodiversidade é o ponto de partida para um planejamento sistemático das medidas que devem ser tomadas para reduzir o risco de extinção das espécies, garantir sua sobrevivência e manter a funcionalidade dos ecossistemas.

Uma medida importante para reduzir as ameaças e conservar espécies são as áreas protegidas. Atualmente, o Brasil possui 2.029 áreas protegidas, que compreendem cerca de 1,6 milhão de quilômetros quadrados, dos quais 326 são de nível nacional com aproximadamente a metade da área total. A avaliação de espécies ameaçadas mostrou que, do total encontrado, apenas 180 espécies não estão dentro de unidades de conservação (UCs).

Além disso, o ICMBio tem coordenado os PANs para reduzir as ameaças às espécies. Atualmente 545 das espécies ameaçadas (cerca de 47%) são cobertas por pelo menos um plano de ação (com 40 desses planos atualmente em funcionamento). A meta nacional para 2020 é ter todas as espécies ameaçadas cobertas por planos de ação em implementação.
© Frederico Brandão/ WWF-Brasil

O ônus socioambiental da contemporaneidade ‘Flex’


, artigo de Sucena Shkrada Resk



artigo de opinião

[EcoDebate] Quando dizemos que um indivíduo ou uma nação têm “palavra”, o sentido implícito nesta frase implica retidão, ética e relação de confiança. Mas nos deparamos hoje na contemporaneidade com uma fragilidade que reflete um mundo em que leis, direitos instituídos e promessas se encaminham cada vez mais à flexibilização.



Por artifícios que seguem a bula dos procedimentos legais ou por meios ilegais, as artimanhas se consolidam de forma orquestrada ao sabor dos interesses dos atores envolvidos, tendo como mote a relação com o estabelecimento do poder em detrimento do bem comum. É, estamos falando de um mundo “flex” que gera temor pela inconstância. Essa característica cada vez mais acentuada se deflagra na nossa política interna e internacional. Tempos difíceis que nos deixa uma carga considerável de ônus para as atuais e próximas gerações.



Hoje algumas das áreas que estão mais vulneráveis a essas estratégias são as do direito indígena e de povos tradicionais, e da conservação ambiental, destituindo já os fracos órgãos que atuam nos papeis de avaliação e fiscalização, reduzindo o espaço de escuta dessas populações e da sociedade e abrindo espaço para que os setores que provocam passivos tenham maior poder. Projetos de lei em tramitação no Congresso revelam esse rumo de retrocesso aos direitos estabelecidos constitucionalmente.



Na agenda, estão propostas que tratam da flexibilização do licenciamento ambiental, das outorgas de mineração, de demarcação de terras indígenas, de caça de animal silvestre, de introdução de pastagem em reserva legal, de autorização de vaquejadas e rodeios. Como também de ações menos restritivas, como não aprovar penas mais altas a quem promove queimadas. Por outro lado, também enfrentamos outra questão importante: as políticas que “não pegam”. Vide a situação da Política Nacional de Resíduos Sólidos.


Na esfera internacional, as declarações e medidas tomadas pelo atual presidente dos EUA, Donald Trump, enfatizam a anulação de iniciativas na área socioambiental tomadas por Barack Obama, no contexto das conferências do clima, entre outros espaços de negociação. Ao mesmo tempo já nomeou para a pasta, um cético quanto às mudanças climáticas e aliado da indústria petroleira, que gera Gases de Efeito Estufa (GEEs).


Com tudo isso, observamos que o que hoje é uma norma ou linha política, amanhã pode deixar de ser, de acordo com a visão de mundo dos detentores do poder e também do mercado global. A chamada moeda de “valoração” dos bens intangíveis desaparece nesta escala, em que valores monetários se sobressaem. Aí volta à tona a reflexão entre ser e ter. Uma boa pauta para estar no centro dos debates nesses tempos “flex”.


Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 25 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (http://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade e assessora de comunicação no terceiro setor socioambiental.

in EcoDebate, 24/01/2017


"O ônus socioambiental da contemporaneidade ‘Flex’, artigo de Sucena Shkrada Resk," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/01/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/01/24/o-onus-socioambiental-da-contemporaneidade-flex-artigo-de-sucena-shkrada-resk/.

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O clima mudou, é a hora de mudarmos também


, artigo de André Ferretti


aquecimento global

[EcoDebate] Eventos climáticos extremos, como secas e chuvas fortes, têm se tornado cada vez mais frequentes no Brasil. E junto com eles, prejuízos diretos a diversos segmentos sociais e econômicos, aos quais estão ligados, direta ou indiretamente, os mais de 200 milhões de brasileiros, como a agropecuária, que depende de fenômenos climáticos em certa intensidade e em determinados períodos para garantir sua produtividade.



O novo relatório do Banco Mundial “Unbreakable: Building the Resilience of the Poor in the Face of Natural Disasters” (Persistência: construindo a resiliência dos mais pobres frente a desastres naturais – em tradução livre) traz dados sobre a perspectiva socioeconômica do impacto de tais fenômenos. Segundo o documento, intervenções para tornar as sociedades mais resilientes a eventos climáticos resultariam em uma economia de 100 bilhões de dólares por ano a países e comunidades. O relatório foi lançado, oportunamente, durante a 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP22, no Marrocos, em novembro passado.



Já o estudo “Valorando tempestades”, realizado pelo Grupo de Economia do Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Janeiro, aponta que entre 2002 e 2012 a perda do Brasil só com desastres climáticos extremos relacionados a chuvas foi, em média, de R$ 278 bilhões.



É evidente a relação entre o aumento da intensidade e periodicidade de eventos extremos e o aumento da temperatura média do nosso planeta. O ano de 2015 foi o mais quente desde que começaram os registros de temperatura, no fim do século 19, e este ano caminha para superar esta marca. O desequilíbrio do clima tornou-se realidade e engana-se quem acredita que os impactados serão apenas ursos polares ilhados em blocos de gelo. O impacto já está acontecendo aqui e agora.



As próximas duas décadas serão decisivas para o futuro climático do planeta, exigindo grandes transformações. Sairemos de uma sociedade alicerçada na energia fóssil e nos motores a combustão para algo muito diferente e que mudará o nosso modo de vida e das futuras gerações. Deixar de utilizar materiais fósseis significa o desaparecimento de produtos derivados de petróleo e seus subprodutos como asfalto, gasolina, plástico, isopor e muitos outros.


Como suas opções de consumo hoje estão contribuindo para criar uma sociedade de baixo carbono, que polua menos e emita menos gases causadores da mudança climática? Quais oportunidades de novos negócios surgirão a partir dessas mudanças na forma como consumimos? Novas ideias que caminhem nessa direção serão líderes de mercado em um futuro muito próximo. É hora de sair na frente e mudar para melhor.


*André Ferretti é gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, coordenador geral do Observatório do Clima (OC) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

in EcoDebate, 23/01/2017


"O clima mudou, é a hora de mudarmos também, artigo de André Ferretti," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/01/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/01/23/o-clima-mudou-e-hora-de-mudarmos-tambem-artigo-de-andre-ferretti/.

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Importância do papel das populações tradicionais nas ações de conservação da agrobiodiversidade




Do Jornal da Unicamp, nº 677
amostras usadas em pesquisas desenvolvidas pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
No Brasil, assim como no restante do mundo, os bancos de germoplasma, unidades que armazenam recursos genéticos de plantas, não constituem instrumentos de conservação da agrobiodiversidade se não estiverem associados a outras ações de preservação que levem em conta o papel das populações tradicionais e os seus sistemas de cultivo. 



A constatação faz parte da tese de doutorado da antropóloga Laura Rodrigues Santonieri, defendida em 2015 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob a orientação do professor Mauro William Barbosa de Almeida. De acordo com o trabalho, a circulação do material genético contido nessas coleções obedece principalmente à lógica comercial, que produz mais homogeneidade que diversidade. A pesquisa foi contemplada recentemente com o Prêmio Capes de Tese, na Área de Antropologia e Arqueologia.



A conquista do Prêmio Capes, conforme Laura, foi um importante reconhecimento ao trabalho. “Fiquei muito feliz com a premiação, visto que o desenvolvimento da pesquisa foi muito desafiador”, relata. A antropóloga procurou identificar a interface entre os sistemas agrícolas tradicionais, as instituições públicas de pesquisa e as políticas científicas que operam sobre a diversidade agrícola do país. Ela queria entender qual era o papel desempenhado por esses atores no combate ao crescente processo de erosão genética vegetal. “Um aspecto que pude constatar é que a relação entre esses segmentos frequentemente é marcada pelo conflito”, revela.



A falta de entendimento ocorre, acredita a antropóloga, pela própria tradição da ciência agrícola, que foi criada sob os auspícios do conceito do desenvolvimentismo e do discurso do combate à fome mundial. “Isso vem desde a criação da FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura], em 1945. Os pesquisadores que atuam na área têm compromisso com metas e resultados que contribuam para o cumprimento de objetivos como o desenvolvimento de cultivares melhoradas de alto rendimento capazes de aumentar a escala de produção. Desse modo, poucos pesquisadores possuem interesse em conhecer e investigar mais profundamente os sistemas agrícolas tradicionais. Normalmente, eles se limitam a coletar material e só”, explica.



Do lado dos agricultores familiares e tradicionais e grupos de pesquisa parceiros, acrescenta Laura, também há resistência em relação aos cientistas de instituições de pesquisa agrícola como a Embrapa, que normalmente são classificados numa única categoria: a de prepostos dos interesses do agronegócio. “Existe uma clara falta de diálogo entre os atores envolvidos com o tema da agrobiodiversidade. Penso que é preciso construir pontes que permitam uma interlocução mais efetiva entre eles, tendo a conservação da agrobiodiversidade como um objetivo comum e possível”, considera a autora da tese.



Em seu trabalho, Laura desenvolveu uma pesquisa etnográfica na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, instalada em Brasília. Lá, ela entrevistou pesquisadores e conheceu alguns dos estudos desenvolvidos na unidade. Além disso, a antropóloga também realizou uma ampla revisão bibliográfica sobre o tema “Aquela unidade da Embrapa é muito fechada e muito permeável a questões políticas porque dispõe da coleção de base do país e é responsável por coordenar as atividades de todos os bancos de germoplasma do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, que é bastante diversificado. 



É a partir dos bancos de germoplasma (só a Embrapa tem 46 unidades) que são desenvolvidas novas variedades e cultivares lançadas no país. Ocorre que as tecnologias geradas a partir das sementes armazenadas estão voltadas principalmente às necessidades da indústria da agricultura. As pesquisas são, em boa medida, orientadas por um interesse marcadamente comercial”, aponta.



A antropóloga laura Rodrigues Santonieri



Esse interesse comercial se revela, com frequência, na cooperação com empresas nacionais e estrangeiras que investem recursos no desenvolvimento de sementes mais resistentes e produtivas, mas que são inférteis [híbridas]. “Ou seja, as plantas originárias dessas sementes não geram sementes que possam ser utilizadas para a produção de outra safra. Isso obriga o agricultor a comprar mais sementes para fazer um novo plantio. Por outro lado, ao favorecer a monocultura em escala industrial, esse processo gera homogeneidade. É por isso que um banco de germoplasma não pode ser considerado, por si só, um recurso contra a erosão genética”, reforça.


Ao questionar os pesquisadores da Embrapa sobre esse ponto, a autora da tese ouviu de boa parte deles que o principal compromisso da estatal é garantir a segurança alimentar e combater a fome no Brasil. “Não duvido que isso esteja sendo feito e nem da importância desse posicionamento. Ocorre, porém, que esses objetivos não estão sendo alcançados. Dados recentes revelam que 3/4 das pessoas que passam fome no mundo vivem no campo, o que é uma imensa contradição, visto que essas pessoas são agricultores”, destaca.



Ainda em relação ao banco de germoplasma, Laura lembra que as coleções nele contidas estão disponíveis somente às instituições pesquisa e empresas. “As comunidades e populações tradicionais dificilmente conseguem ter acesso às sementes. Esse acesso seria importante e ajudaria a conservar a agrobiodiversidade, uma vez que essas comunidades fazem as variedades circular. Em algumas comunidades do Rio Negro, por exemplo, quando a mulher se casa e muda de localidade, ela ‘ganha uma roça de mandioca da sogra’. Só depois de um tempo ela busca a ‘sua roça’. As dinâmicas locais são importantes porque a circulação ajuda a gerar diversidade e assim garantir a sobrevivência de muitas espécies”.



Ademais, as variedades melhoradas a partir das plantas e sementes coletadas em determinadas regiões há dez ou quinze anos nem sempre apresentam bom desempenho em relação às condições locais quando são reinseridas, como alerta Laura. De acordo com ela, assim que uma planta é coletada, ela cessa sua evolução. “Essa planta deixa de dar seguimento, por exemplo, ao processo de adaptação às mudanças climáticas, ao contrário do que ocorre quando ela está sob cultivo. É esse processo evolutivo que assegura a sua adaptabilidade e resistência. Nada garante que uma semente melhorada a partir de uma planta que não passou por esse processo terá condições de sobreviver na região da coleta daqui a dez anos”, compara.


A lógica desenvolvimentista que influenciou ciência agronômica, contínua a autora da tese, tende a encarar o mundo como se ele fosse uma máquina. “O que a comunidade científica afirma é que sem a tecnologia agrícola não seria possível garantir a segurança alimentar e o combate à fome. Entretanto, caminhos alternativos jamais foram testados em larga escala. O discurso que defende unicamente essa visão, no meu entender, deixa de fazer uma reflexão crítica sobre os processos que estão sendo gerados por esse modelo de pesquisa. Uma coisa é usar a ciência para fazer o melhoramento genético de uma variedade de milho, de modo que ela se adapte às características de uma colhedeira. Outra é usar a ciência para fazer o melhoramento do milho com o objetivo de aumentar o seu valor nutritivo com vistas ao incremento da alimentação humana, sem inferir na sua fertilidade”, pondera.



Apesar de criticar na tese a visão utilitarista da ciência, Laura volta a ressalvar que nem todos os pesquisadores da Embrapa defendem uma mesma posição. “Muitos deles estão de fato preocupados com a conservação da agrobiodiversidade e reconhecem a importância do papel dos sistemas agrícolas tradicionais. Da mesma forma, temos muitas ONGs, como o ISA [Instituto Socioambiental] e o CAA/NM [Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas], que atuam igualmente nessa frente. O grande obstáculo ao avanço dessa visão, vale reafirmar, está na combinação da forte tradição da ciência agrícola, da qual é muito difícil se desvencilhar, com a falta de conexões que permitam um diálogo profícuo entre os setores envolvidos com a conservação da agrobiodiversidade”, diz.



Ainda no que toca à questão mercadológica da ciência agronômica, Laura cita que no interior das próprias instituições de pesquisa agrícola há diferentes valorações relativas ao tipo de investigação realizada. “Quem trabalha com biotecnologia e melhoramento costuma ter mais prestígio do que quem faz pesquisa básica. O cientista que faz pesquisa básica não tem, por exemplo, contato direto com fontes de financiamento privado. 


Ele está na outra ponta, coletando semente, fazendo caracterização, acompanhando o ciclo de desenvolvimento da planta. Institucionalmente, ele não tem tanto reconhecimento. Isso também é paradoxal, dado que não é possível ter pesquisa aplicada sem antes ter a pesquisa básica”, observa a antropóloga, que contou com bolsa de estudo concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e com apoio financeiro da Fondation pour la Recherche sur la Biodiversité, da França. Atualmente, a antropóloga integra o grupo de pesquisa Populações Locais, Agrobiodiversidade e Conhecimentos Tradicionais Associados, registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


Publicação

Tese: “Agrobiodiversidade e conservação ex situ: reflexões sobre conceitos e práticas a partir do caso da Embrapa/Brasil”

Autora: Laura Rodrigues Santonieri

Orientador: Mauro William Barbosa de Almeida

Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

Financiamento: Fapesp e Fondation pour la Recherche sur la Biodiversité (França)

Jornal da Unicamp
Texto: Manuel Alves Filho
Fotos: Antonio Scarpinetti
Edição de imagem: André Vieira
in EcoDebate, 24/01/2017

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Laboratório de reprodução in vitro do Jardim Botânico volta à atividade

Único espaço do governo que faz o serviço é especializado em espécies de plantas ameaçadas

O Jardim Botânico de Brasília reativou em janeiro os serviços do laboratório de reprodução in vitro, especializado em espécies ameaçadas de extinção — há cerca de 300 frascos de plantas. A novidade é que agora o setor, que antes trabalhava apenas em orquídeas, também reproduzirá árvores e palmeiras em risco de desaparecimento.

Reprodução in vitro de orquídeas no Jardim Botânico de Brasília.
Reprodução in vitro de orquídeas no Jardim Botânico de Brasília. Foto: Andre Borges/Agência Brasília



O trabalho é minucioso e exige cuidados específicos para cada tipo e espécie de planta. O protocolo também varia caso a caso. As etapas do processo para a reprodução de orquídeas, por exemplo, envolvem coleta, que leva em consideração a época do ano; desinfecção, para evitar qualquer tipo de contágio da planta; regeneração, quando os calos são transferidos para um meio de cultura; multiplicação e repicagem, quando as mudas são selecionadas e transferidas para um novo recipiente; e aclimatização, que é quando as plantas são retiradas da sala de cultura e levadas para uma estufa.



A coleta é feita com o apoio de outras áreas do Jardim Botânico, como as equipes do viveiro e do herbário. A busca pelas sementes ocorre em Brasília ou em estados próximos, como Minas Gerais e Goiás. Os locais exatos, por se tratarem de espécies ameaçadas de extinção, não podem ser divulgados.


Diferentemente das árvores e das palmeiras, para as quais cada amostra coletada representa uma muda, as cápsulas das orquídeas reúnem em seu interior até mais de 100 mil sementes. Quando se tem uma cápsula saudável, 100% delas germinam, segundo a diretora de Manejo de Recursos Naturais do Jardim Botânico, a engenheira florestal Lilian Breda.




A diretora de Manejo de Recursos Naturais do Jardim Botânico, a engenheira florestal Lilian Breda.
A diretora de Manejo de Recursos Naturais do Jardim Botânico, a engenheira florestal Lilian Breda. Foto: Andre Borges/Agência Brasília
 
 
No laboratório, que Lilian compara à barriga de uma grávida, é feita a reprodução. “Na natureza, a orquídea só dará outra mudinha se a cápsula explodir e cair em um fungo específico. Se ela cair em outro lugar, ela não vai germinar.”


Na sala de cultura, é preciso se preocupar com detalhes, como temperatura, higiene e iluminação. O ar-condicionado, por exemplo, fica ligado a uma temperatura de 21 graus, e um aparelho calcula o tempo em que a planta faz a fotossíntese.


No caso de orquídeas, elas ficam por volta de um ano no laboratório — espécies mais raras podem chegar a ficar três anos — até alcançarem o tamanho de 12 a 15 centímetros e estarem prontas para serem transferidas para a estufa. Lá, elas passam por um período de adaptação até ficarem fortes o bastante para serem colocadas na natureza — elas são amarradas em uma árvore e, depois de 15 dias a um mês, se fixam ao tronco.


O período que passam na estufa tenta imitar o máximo possível o que essas plantas encontrariam na natureza, mas com a sombra e a umidade adequada para que elas cresçam saudáveis.


Parcerias com outras unidades da Federação

 

A diretora conta que as árvores e palmeiras que estão em produção agora serão utilizadas para recuperar uma área tomada por espécies invasoras. O órgão também faz o trabalho de parceria com outros jardins botânicos do Brasil, enviando pelos Correios espécies reproduzidas aqui.

Laboratório de reprodução in vitro do Jardim Botânico reproduzirá também com palmeiras em risco de desaparecimento.
Laboratório no Jardim Botânico reproduzirá também com palmeiras em risco de desaparecimento. Foto: Andre Borges/Agência Brasília
 
 
A iniciativa faz parte de um plano de ação para os jardins botânicos brasileiros, que envolve a contribuição ao desenvolvimento, manejo e gestão de áreas protegidas e a produção de espécies na área de preservação. “É um trabalho de formiguinha”, defende Lilian. Por não terem como foco apenas o DF, as plantas reproduzidas no laboratório não são necessariamente típicas do Cerrado.


Edição: Paula Oliveira

Cerrado do DF é protegido por cinco reservas biológicas

Além da unidade no Guará, o território conta com áreas no Gama, no Jardim Botânico, em Sobradinho e às margens do Lago Descoberto (foto). Todas são de proteção integral

O início da desocupação do Parque Ecológico Ezechias Heringer e da Reserva Biológica do Guará, neste mês, expôs a necessidade de manter as unidades de conservação de proteção integral. Além da do Guará, o Distrito Federal tem mais quatro reservas no território: a do Lago Descoberto; a do Gama; a do Cerradão, no Jardim Botânico; e a da Contagem, em Sobradinho. Somente esta não é administrada pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram).


As reservas biológicas são criadas para preservação total da fauna, da flora e das características ambientais nelas presentes. Por isso, o acesso e a visitação são restritos e permitidos apenas para pesquisa científica, conforme prevê o Sistema Distrital de Unidades de Conservação, definido pela Lei Complementar nº 827, de 22 de julho de 2010.



Araras voam na área da Reserva Biológica do Descoberto
Araras voam na área da Reserva Biológica do Descoberto. Foto: Andre Borges/Agência Brasília


No Distrito Federal, elas são fortemente impactadas pela expansão urbana e pela ação humana. Dessa forma, o desafio da gestão ambiental é garantir que não se tornem apenas manchas verdes entre as cidades, mas de fato cumpram a função de preservação para a qual foram criadas. “As pressões do entorno das reservas biológicas se refletem no interior delas”, conta o coordenador de Unidades de Conservação do Ibram, Paulo César Magalhães Fonseca.

"As pressões do entorno das reservas biológicas se refletem no interior delas" Paulo César Magalhães Fonseca, coordenador de Unidades de Conservação do Ibram

Construções irregulares prejudicam área de proteção

 

A ocupação irregular é uma das ameaças a que está submetida a Reserva Biológica do Gama, criada pelo Decreto nº 11.261, de 16 de setembro de 1988, como reserva ecológica. Em 2008, ela teve o status alterado por força do Decreto nº 29.704, de 17 de novembro. Com isso, a proteção foi ampliada.


A área tem 136 hectares e deve ser protegida por causa da mata ciliar do Rio Alagado. O relevo é acidentado, com encostas íngremes e suscetíveis à erosão. Por isso, as construções ilegais no interior da unidade, resultado do parcelamento das chácaras vizinhas, é extremamente prejudicial.


Também suscetível a parcelamentos irregulares, a Reserva Biológica do Descoberto tem função estratégica para a proteção dos cursos d’água que abastecem a região. A unidade soma 434,5 hectares, distribuídos em uma faixa de 125 metros ao redor do reservatório. A área protegida foi estabelecida por meio do Decreto nº 26.007, de 5 de julho de 2005.


A reserva é, no entanto, constantemente ameaçada por chacareiros que insistem em ampliar áreas de plantio para dentro dos limites da unidade. “Para combater o problema, fazemos um trabalho de educação ambiental com os ocupantes das propriedades em volta do lago e incentivamos a revegetação por meio do programa Descoberto Coberto”, explica Fonseca.


A Reserva Biológica do Descoberto tem função estratégica para a proteção dos cursos d’água que abastecem a região
A recomposição da flora é feita com espécies típicas do Cerrado e resulta de uma parceria com a comunidade do local.

Conservação ambiental é a regra das reservas biológicas

Integridade da vegetação é uma das marcas da Reserva Biológica (Rebio) do Cerradão, no Jardim Botânico. Ela recebe esse nome em razão da ocorrência da fitofisionomia do Cerrado — ou seja, a forma como ele se apresenta — densa e similar a uma mata. A área mede 54 hectares, com ocorrência de espécies como copaíba, pequi, ipê e jacarandá.


O alto grau de conservação da flora atrai também uma diversidade de animais, desde roedores até mamíferos de médio porte. Eles são, no entanto, alvo fácil de atropelamento ao cruzar a Estrada Parque Contorno. “Felizmente, não temos problemas com fogo dentro da reserva ou construções irregulares”, destaca o coordenador de Unidades de Conservação do Ibram.


A Rebio do Cerradão foi criada pela Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, como Área de Relevante Interesse Ecológico. Em 2010, por sua vez, a unidade teve a proteção ampliada e foi transformada em Reserva Biológica por meio do Decreto nº 31.757, de 2 de junho de 2010.

Proteção para livre circulação dos animais

Única unidade do gênero sob responsabilidade do governo federal no DF, a Reserva Biológica da Contagem, em Sobradinho, foi criada por meio do Decreto de 13 de dezembro de 2002, da Presidência da República. O objetivo é proteger vegetação e cursos d’água na Chapada da Contagem, região com altitudes entre 1 mil e 1,2 mil metro. É a área mais elevada do território, bastante afetada pela ocupação do solo por condomínios.


A unidade tem 3.460 hectares e abriga também dois pontos de captação de água, no Ribeirão Contagem e no Córrego Paranoazinho, que abastecem a região administrativa. O local funciona também como corredor ecológico entre o Parque Nacional de Brasília e a Bacia do Rio Maranhão. O Cerrado se apresenta como campo sujo, ou seja, com ocorrência de arbustos de forma espaçada.



Edição: Vannildo Mendes