sexta-feira, 3 de março de 2017

Ministério declara emergência ambiental

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017


O Diário Oficial da União (DOU) traz, nessa quarta-feira (22/02), Portaria do Ministério do Meio Ambiente declarando emergência ambiental em várias localidades de 16 estados e no Distrito Federal. A medida de rotina é tomada no início do período da seca em várias regiões do país, para assegurar o combate ao fogo ao longo do ano.



O Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais), do Ibama, pode contratar temporariamente até 2.520 brigadistas em todo o país. No ano passado foram mobilizados 925 brigadistas, selecionados e treinados pelo órgão, para prevenir e controlar incêndios na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal, na Caatinga e na Mata Atlântica.


De acordo com o coordenador do Prevfogo, Gabriel Zacarias, “ainda não há nada que indique que 2017 terá uma temporada de incêndios mais intensa que a do ano passado”. Ele explica que o regime de secas acompanha o comportamento do El Niño, que aquece as águas do Atlântico, gerando seca mais intensa na região Norte do Brasil, e do La Niña, no Pacífico, na região Sul.


Em 2016, o primeiro semestre foi crítico para o combate aos incêndios, mas no segundo semestre, quando eles são mais numerosos, nem tanto. Gabriel explica que a falta de uma tendência, influenciada pelos dois fenômenos climáticos, não permite fazer previsões para a demanda de combate ao fogo.  “Nesses casos, trabalhamos com a média dos últimos 10 anos”, esclarece. 



ESTRATÉGIA
O combate aos incêndios florestais faz parte da estratégia brasileira de cumprimento das metas do Acordo de Paris, para redução das emissões de carbono, gás que agrava o aquecimento global. Somadas aos desmatamentos, as queimadas são responsáveis por grande parte das emissões brasileiras.


O Brasil é referência no domínio das técnicas de controle do fogo em florestas. No início do ano, técnicos do Prevfogo auxiliaram o Chile, que passou por uma temporada intensa de fogo nas florestas.


Fonte: Ministério do Meio Ambiente

Cuidado com os biomas brasileiros e a defesa da vida são temas da Campanha da Fraternidade 2017




Cartaz Campanha da Fraternidade 2017
Cartaz Campanha da Fraternidade 2017

Com o tema Fraternidade: biomas brasileiros e a defesa da vida, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) abriu ontem (1º) a Campanha da Fraternidade 2017. Segundo a entidade, o objetivo da ação é dar ênfase à diversidade de cada bioma, promover relações respeitosas com a vida, o meio ambiente e a cultura dos povos que vivem nesses biomas. “Este é, precisamente, um dos maiores desafios em todas as partes da terra, até porque as degradações do ambiente são sempre acompanhadas pelas injustiças sociais”, disse o papa Francisco, em mensagem ao Brasil.




O papa destacou que o desafio global pela preservação, “pelo qual toda a humanidade passa”, exige o envolvimento de cada pessoa junto com a atuação da comunidade local. Para ele, os povos originários de cada bioma ou que tradicionalmente neles vivem oferecem um exemplo claro de como a convivência com a criação pode ser respeitosa.



“É necessário conhecer e aprender com esses povos e suas relações com a natureza. Assim, será possível encontrar um modelo de sustentabilidade que possa ser uma alternativa ao afã desenfreado pelo lucro que exaure os recursos naturais e agride a dignidade dos pobres”, argumentou o papa.



Para o arcebispo de Brasília e presidente da CNBB, cardeal Sergio da Rocha, ninguém pode assistir passivamente à destruição de um bioma, por isso o assunto não pode ser deixado de lado pela Igreja. “Há muito a ser feito por cada um espontaneamente, como mudança no padrão de consumo, cuidados com a água e com o lixo doméstico, mas necessitamos de iniciativas comunitárias, que exigem a participação do Poder Público e ações efetivas dos governos”, disse. “Precisamos de um modelo econômico que não destrua os recursos naturais”, ressaltou.



Venda de terras a estrangeiros
O lançamento da campanha, ontem em Brasília, contou com a presença do deputado federal Alessandro Molon (REDE-RJ), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista. Ele pediu o apoio da CNBB à Frente em projetos em tramitação no Congresso Nacional, destacando, entre eles, o projeto que quer liberar a venda de terras a estrangeiros. “Essa compra não será para proteger a biodiversidade, mas para estimular a exploração predatória e a serviço do dinheiro”, disse.



Para Molon, o desmatamento já é um problema no país e, se houver a facilitação da venda de terras a estrangeiros, tende a se agravar. Caso o projeto passe pela aprovação do Congresso será preciso, segundo o deputado, criar o máximo de barreiras possíveis. “Sabemos que a venda de terras será usada seja para expandir a fronteira agrícola, seja para levar a agropecuária a lugares onde hoje ainda têm biomas naturais”, disse.



Para o secretário de Articulação Institucional e Cidadania do Ministério do Meio Ambiente, Edson Duarte, a preocupação é que a possibilidade de venda a estrangeiros exerça uma pressão maior sobre os biomas brasileiros, já que a terra teria grande valorização. “É preciso fortalecer o setor, mas, talvez não necessariamente, com a abertura para venda ao exterior. O agronegócio é importante para a economia brasileira e é possível conviver com a proteção dos remanescentes florestais que temos no Brasil”, afirmou.



Segundo Duarte, caso o projeto saia do papel, o trabalho do ministério seria no sentido de garantir que as leis brasileiras, como o Código Florestal, sejam respeitadas, que o comércio não venha a exercer pressão sobre as florestas brasileiras.


De acordo com o cardeal Sérgio da Rocha, as terras devem ser valorizadas e respeitadas, considerando as pessoas que vivem e sobrevivem dela. “Elas não podem perder o direto às terras e à sua vida, e sua cultura deve ser valorizada nessas diferentes circunstâncias”.



Ações da campanha
O texto-base da Campanha da Fraternidade 2017, que tem como lema Cultivar e guardar a criação, aborda cada um dos seis biomas brasileiros, suas características e significados, desafios e as principais iniciativas já existentes na defesa da biodiversidade e da cultura dos povos originários.
Entre as ações propostas estão o aprofundamento de estudos e debates nas escolas públicas e privadas sobre o tema abordado pela campanha.


Segundo a CNBB, o fortalecimento das redes e articulações, em todos os níveis, também é proposto com o objetivo de suscitar nova consciência e novas práticas na defesa dos ambientes essenciais à vida. Além disso, o texto chama a atenção para a necessidade de a população defender o desmatamento zero para todos os biomas e sua composição florestal.



No campo político, o texto-base da campanha incentiva a criação de um projeto de lei que impeça o uso de agrotóxicos. “Ele indica ainda que combater a corrupção é um modo especial para se evitar processos licitatórios fraudulentos, especialmente em relação às enchentes e secas que acabam sendo mecanismos de exploração e desvio de recursos públicos”, informou a CNBB.



No Brasil, a Campanha da Fraternidade existe há mais de 50 anos e sua abertura oficial sempre ocorre na Quarta-feira de Cinzas, quando tem início a Quaresma, época na qual a Igreja convida os fiéis a experimentar três práticas de penitência: a oração, o jejum e a caridade.


Por Andreia Verdélio, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/03/2017

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Crise hídrica no DF realça importância das unidades de conservação (UCs)



Parque Nacional de Brasília
Parque Nacional de Brasília. Foto: ICMBio

Praticamente toda a água consumida em Brasília vem de fontes e barragens protegidas por unidades de conservação federais. Sem elas, a situação que já exige racionamento seria pior
As unidades de conservação (UCs) federais cumprem papel decisivo na manutenção dos recursos hídricos que abastecem o Distrito Federal. E essa importância fica mais evidente agora, quando Brasília, a capital federal, enfrenta a maior crise de abastecimento d´água de sua história, exigindo a adoção de medidas duras como o racionamento.


O diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Paulo Carneiro, destaca que quase 100% da água usada pelos mais de 2,5 milhões de brasilienses, incluindo residências, empresas e órgãos públicos, vem de reservatórios e pequenas captações protegidas por unidades de conservação federais, geridas pelo Instituto.


Pelo menos, quatro unidades de conservação do ICMBio têm relação direta com a conservação dos recursos hídricos no Distrito Federal: o Parque Nacional de Brasília, a Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio Descoberto, a Floresta Nacional (Flona) de Brasília e a Reserva Biológica da Contagem.


APA e Flona
A APA do Descoberto e a Flona de Brasília são responsáveis pela sobrevivência das nascentes que irrigam a maior represa da região, a do Descoberto, responsável por aproximadamente 70% do abastecimento d´água do DF.


A barragem do Descoberto garante recursos hídricos para a mancha urbana mais populosa do DF, a que vai da Ceilândia ao Gama, abrangendo ainda cidades como Samambaia, Taguatinga e Recanto das Emas, além do Park Way e Águas Claras.


“Se não fosse a existência dessas duas unidades de conservação, a região da represa, que sofre muita pressão da agricultura e da ocupação humana, estaria hoje degradada, comprometendo ainda mais a captação de água”, diz Carneiro.


Parque
Do outro lado do quadrilátero do DF, no meio da vegetação de Cerrado conservada pelo Parque Nacional de Brasília, fica a segunda maior represa da região, a de Santa Maria, que responde pela água potável consumida por cerca de 30% da população.


Junto com a barragem do Torto, o sistema garante água para a região centro-norte, que vai do Plano Piloto ao Paranoá, passando pelos Lagos Sul e Norte e condomínios do Jardim Botânico, área que começou a ser habitada mais recentemente. A represa de Santa Maria está integralmente situada no interior da poligonal do parque.


“Um dos objetivos da criação do Parque Nacional de Brasília, em 1961, foi exatamente o de conservar as nascentes, riachos e rios que alimentam hoje o sistema Santa Maria-Torto. Essa visão de futuro permitiu a sustentabilidade do sistema de fornecimento de água durante anos”, afirma o diretor do ICMBio.


Rebio da Contagem
Já a Reserva Biológica (Rebio) da Contagem, ao lado do parque nacional, guarda um conjunto de nascentes de onde a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) faz captações (em torno de 1% dos recursos hídricos locais) que levam água para parte de Sobradinho e dos condomínios horizontais que despontaram nos últimos anos na região norte de Brasília.


Por tudo isso, o diretor do ICMBio chama a atenção para o papel das UCs. “Ainda valorizamos pouco os serviços ambientais prestados pelas unidades de conservação. É hora de repensar a ocupação dos territórios e hábitos do dia a dia. Valorizar as unidades que protegem nossas nascentes é, certamente, um desses passos”, conclui Paulo Carneiro.



Informe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/03/2017

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Ameaças à conservação no Brasil


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017


Caros Colegas
Para o meio ambiente, as coisas estão ficando assustadoras no Brasil.

O artigo em anexo [Removing the abyss between conservation science and policy decisions in Brazil: Azevedo-Santos et al. 2017 ], liderado por Valter Acevedos-Santos, e os alertas (links) do especialista em Amazonas Phil Fearnside, dão uma sinopse da escalada de ameaças políticas ao Brasil e à Amazônia:
Tudo de bom a todos(as)
Bill
William F. Laurance, PhD, FAA, FAAAS, FRSQ
Distinguished Research Professor
Australian Laureate & Prince Bernhard Chair in International Nature Conservation (Emeritus)
Director of the Centre for Tropical Environmental and Sustainability Science (TESS)
Fonte: EcoDebate

Estudantes usam a ciência em prol de ambientes sustentáveis no coração do Pantanal


Por Rede de Ecomunicadores do Pantanal e da Serra da Bodoquena – Grupo Corumbá/MS
Texto: Willian Gnoatto, Gabriela de Lima Gonzaga, Greice Amanda, Jeniffer Ribeiro Braga, Jessica Ribeiro Braga – Estudantes do Ensino Médio da Escola Estadual Dom Bosco.
Feira de Ciências. Foto: Divulgação/ParaTudo
Feira de Ciências. Foto: Divulgação/ParaTudo

Há muito tempo as sociedades humanas uniram tecnologia e natureza. Um exemplo disso é a agropecuária, transformada e adaptada num modelo moderno e maquinofatureiro. Essa relação se estabeleceu visando às necessidades humanas, mas, agora, há também uma busca com o intuito de usar a tecnologia e o conhecimento científico para ajudar a natureza. E os jovens são parte dela.


Várias escolas desenvolvem projetos e feiras de ciências com seus estudantes cujo foco é o meio ambiente e a sustentabilidade. Eles são estimulados a pesquisar com profundidade e procurar maneiras de amenizar ou suprimir os danos que os homens causam à natureza.



Um exemplo é a FECIPAN (Feira de Ciências e Tecnologia do Pantanal), organizada pelo Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS). Na sua edição de 2016, foram expostos 152 trabalhos sobre à temática da preservação ambiental, com ênfase na proteção do Pantanal. Os jovens de Corumbá não apenas se orgulham de sua terra, mas também lutam para que ela desenvolva de forma sustentável.
Participamos da FECIPAN apresentando pesquisas e compartilhando nossa curiosidade e conhecimento com outros estudantes de escolas de ensino fundamental de Corumbá e Ladário, ambas cidades banhadas pelo Rio Paraguai e inseridas no território Pantaneiro do Brasil.



O Pantanal é reconhecido pela ONU como uma das mais ricas faunas de todo o continente americano, porém o bioma se encontra ameaçado. O Pantanal vem sendo destruído de várias maneiras, em especial para dar lugar ao agronegócio ou ao aumento das cidades e as estruturas que elas demandam, como é o caso da construção de hidrelétricas nos últimos anos. Entre os impactos negativos, há a poluição dos rios causada pelos garimpeiros e pelas indústrias; a pesca predatória, responsável pela extinção de espécies de peixes; e o assoreamento, que pode ser observado em especial no Rio Taquari. 


Projetos apresentados na FECIPAN 2016 revelam um olhar diferente sobre o assunto. Jovens estudantes da Escola Básica de Corumbá e Ladário apresentaram ações direcionadas ao cuidado eficiente da natureza, na tentativa de reverter as situações críticas.



Um deles é o “Pantanal Iron Brick”, dos estudantes Vinícius Rodrigo e Raphael Queiroz, ambos de 16 anos. O projeto se baseia em tijolos que contêm rejeitos de minério de ferro adicionados à composição tradicional feita de materiais cerâmicos. Isso evita que metais pesados sejam lançados na natureza, diminuindo os impactos ambientais. 




Outra consequência positiva do projeto é contemplar as muitas indústrias metalúrgicas do Pantanal que utilizam minério de ferro e que costumam despejar os rejeitos no meio ambiente. Para testar a eficiência do novo tijolo, ele foi submetido a testes de porosidade e de flexão (tensão) com o uso de diferentes taxas de minério, em comparação a tijolos com nenhuma adição de metal. Nos testes, os alunos perceberam que os tijolos com adição de rejeito tinham menos poros, algo positivo, pois “quanto maior a porosidade, menor será a sua resistência mecânica”, afirma Vinícius. Outra vantagem é que o novo tijolo suporta uma tensão maior que a do tijolo tradicional, que é de três Mpa (mega pascal).



Outro projeto que chamou atenção foi a “Turbina de Rio”, dos estudantes Gustavo Tercioti, Luiz Nascimento, Iraí Aparecido e Lucas Souza, da Escola Municipal de Corumbá (MS). Trata-se de uma balsa que sustenta uma turbina movida pela força da água, que a faz girar e produzir energia elétrica sustentável e que não causa desmatamento. Essa turbina pode beneficiar famílias ribeirinhas, sem que elas precisem se deslocar, algo essencial no Pantanal, onde as comunidades estão espalhadas ao longo do Rio Paraguai e seus afluentes, e, por isso, não costumam ter suas necessidades básicas atendidas, como é o caso de energia elétrica e saneamento. Esse projeto aponta para um sistema alternativo de energia no Pantanal usando o próprio rio Paraguai, e sem lhe causar danos.


Mayara Siqueira, de 15 anos, apresentou o projeto “Litro de Luz” ou “Poste Fotovoltaico” que utiliza garrafas pet e sensores alternativos para iluminação pública, com vistas a melhorar as condições de vida das comunidades ribeirinhas. O poste funciona de maneira simples: durante o dia, uma placa solar capta energia do Sol e a armazena em uma bateria de moto. À noite, um sensor detecta a falta de luz e usa a energia armazenada para acender pequenas lâmpadas LED. O sensor mantém as pequenas lâmpadas ligadas por toda noite. 



“Os postes funcionam bem por cerca de 20 anos e cada um custa aproximadamente R$2.740 a menos do que os postes de concreto”, explica Mayara. “Além disso, a cada poste instalado são 250 quilos de CO2, um gás intensificador do efeito estufa, que deixam de ir para atmosfera por ano”. O "Litro de Luz" concilia não apenas melhores condições de vida para os ribeirinhos, mas uma ideia sustentável para a produção de energia.
Peixes Pantanal. Foto: Mark Hillary (Flickr)
Peixes Pantanal. Foto: Mark Hillary (Flickr)


Preocupados com a constante ameaça que paira sobre a parte mais rica da fauna pantaneira, os estudantes Daniel Pereira e Thales Samir criaram o aplicativo para smartphones “FishKnow”. O objetivo do app é não somente informar características das 270 espécies de peixes que habitam no Rio Paraguai e seus afluentes, mas divulgar quais das espécies estão em maior risco de extinção e as regras de pesca que devem ser cumpridas ao longo dos ciclos do ecossistema. 


A diminuição do número de peixes preocupa profissionais há anos. Assim, um aplicativo cheio de boas informações, estimula a conscientização e gera alertas, ainda mais para uma geração acostumada a obter todas as informações com um clique. A inovação espera ajudar a proteger e recuperar a fauna dos rios do Pantanal.



A Feira de Ciências e Tecnologia do Pantanal nos mostrou que um mundo sustentável não é algo tão improvável, um mundo onde as atividades humanas suprem as necessidades atuais sem comprometer o futuro das próximas gerações. Cada vez mais jovens se preocupam em garantir que a natureza seja respeitada sem que seja necessário limitar as conquistas humanas. No futuro, nós, jovens, nos tornaremos adultos participando dos governos das cidades, da gerência das empresas, dos comércios, mas cumprindo o dever de manter a salvo o planeta que habitamos e a natureza da qual fazemos parte.

Populações tradicionais e a biodiversidade


Por Fábio Olmos
Não se preocupe, estamos aumentando a biodiversidade! Área invadida por Guaranis no Parque Estadual Intervales, em São Paulo. As árvores ao fundo dão uma idéia da floresta que foi destruída. (Foto: Fábio Olmos)
Não se preocupe, estamos aumentando a biodiversidade! Área invadida por Guaranis no 
Parque Estadual Intervales, em São Paulo. 

As árvores ao fundo dão uma idéia da floresta que foi destruída. (Foto: Fábio Olmos)
Uma das crenças mais populares do ecologismo afirma que "populações tradicionais" criam e mantêm biodiversidade. Esta afirmação, formulada de diferentes formas, tem aparecido com freqüência em artigos sócio-ambientalistas e das chamadas ciências sociais.



Esta hipótese, que para alguns se tornou dogma, é em geral associada a conflitos entre unidades de conservação que não contemplam a presença de humanos caçando, plantando ou extraindo outros recursos naturais, como parques nacionais, e populações que ocupam estas áreas. Seu corolário é de que as práticas das populações tradicionais são importantes na "conservação da biodiversidade". A retirada do homem destas áreas significaria uma perda em termos de biodiversidade e de saber "acumulado por várias gerações sobre plantas, animais e técnicas de manejo". Ou seja, é um argumento para que ocupantes de áreas protegidas sejam deixados onde estão, fazendo o que sempre fizeram.


A retórica dos criacionistas tenta dar roupagem científica às suas crendices ("desenho inteligente") e um sem-número de ativismos políticos também procura justificativas "científicas" para seus credos. Seguindo as pegadas destes antecessores, é exatamente o que ocorre no caso das supostas benesses biodiversas oferecidas pelas populações tradicionais. Trata-se de retórica com camuflagem científica.
Simples na sua formulação, a hipótese deve ser examinada em seus detalhes.



O primeiro é exatamente o que significa "populações tradicionais". O termo foi tão abusado para incluir grupos heterogêneos como índios (estes com uma gama que vai de grupos aculturados aos não-contatados), quilombolas, caiçaras, gerazeiros, seringueiros, ribeirinhos, açorianos, pomeranos etc que o termo parece ser sinônimo de populações rurais pobres. Seria piada se não fosse levado a sério por muitos.


Também é surpreendente que a crença no papel benigno de populações tradicionais exista apesar do corpo de evidência arqueológica e histórica que mostra padrões de uso insustentável de recursos que vão de esturjões na Califórnia pré-colombiana a avelãs na Escócia neolítica, além de maranhões (flamingos) no Maranhão e mutuns nas reservas extrativistas acreanas do século XX.



O Fator Humano
Se humanos que hoje seriam considerados populações tradicionais não tivessem colonizado as Américas, Colombo teria encontrado as Antilhas povoadas por preguiças terrícolas e De Soto e Cabral teriam sido recepcionados por mastodontes e tigres-dentes-de-sabre. Mamutes ainda poderiam vagar na Sibéria se humanos não tivessem chegado lá. Madagascar poderia ser coberta por florestas habitadas por aves-elefante e lêmures-gigantes se navegadores da Indonésia não tivessem colonizado a ilha. O mundo teria 2 mil espécies de aves a mais se os polinésios não tivessem colonizado o Pacífico. Os exemplos cobrem o planeta.



Um legado daquelas "populações tradicionais" é que nunca veremos estas espécies a não ser em reconstruções feitas a partir de seus ossos. Humanos não começaram a destruir a natureza após a Revolução Industrial e a ascensão do capitalismo, como querem alguns mal informados. Começamos a tornar este planeta mais pobre quando nos tornamos humanos.



A hipótese do papel gerador/mantenedor de biodiversidade, além de se chocar com as evidências históricas, tem nuances que precisam ser explicitadas. Sobre qual biodiversidade se está falando? Da mesma forma que "populações tradicionais" se tornou um guarda-chuva sob o qual quase qualquer grupo pode se abrigar, o significado do termo biodiversidade tem sido usado em um sentido que talvez seja amplo demais.



"Povos tradicionais" têm um histórico impressionante de domesticação de plantas e animais que gerou o que são, efetivamente, novas espécies. Nas Américas, povos pré-colombianos criaram a abóbora, o milho, a batata, a mandioca, o feijão, a pupunha sem espinho, a quinua, a alpaca, a lhama, a cobaia e o cão pelado peruano. Todos são resultado de seleção artificial feita ao longo de milhares de anos, e tremendamente diferentes de seus ancestrais selvagens.



É claro que este processo de "criação de biodiversidade" não é exclusivo dos povos tradicionais, mas foi continuado e aprimorado por todas as civilizações complexas. Afinal, a gênese das mesmas está ligada à agricultura e pecuária mais produtivas e seus excedentes. Não é esta a parcela da biodiversidade que necessita ser mantida em unidades de conservação.



Faz tanto sentido defender que "populações tradicionais" continuem a trocar habitats naturais por plantios para "conservar a biodiversidade" como defender que a Monsanto faça o mesmo para desenvolver novas variedades de grãos. Afinal, a agroindústria moderna, literalmente, também cria biodiversidade. E de forma mais rápida que a agropecuária tradicional.



Espécies de plantas e animais domesticados hoje ocupam a maior parte das terras férteis do planeta (ao contrário de ecossistemas naturais) e aquelas variedades que correm o risco de desaparecer por terem perdido o interesse de produtores, incluindo grupos indígenas, são melhor conservadas em instituições como a Embrapa e similares.


Outro componente da biodiversidade que pode ser gerado por populações tradicionais é exemplificado pela origem do HIV-1, por sinal um excelente exemplo de evolução darwiniana. No final do século XIX ou início do século XX, um habitante das florestas do Congo matou um chimpanzé portador do vírus SIVcpz para o jantar. Isso permitiu que o SIVcpz colonizasse um novo hospedeiro (Homo sapiens) e evoluísse rapidamente, se transformando no HIV-1 (efetivamente uma nova "espécie"). Este se tornou conhecido quando a epidemia de AIDS explodiu na década de 1980. Seu irmão, o HIV-2, descende do SIVsmm, originalmente um hospedeiro inócuo dos macacos mangabeys do oeste africano, surgiu de forma similar.



Novas contribuições deste tipo à biodiversidade deverão ser feitas conforme aumenta o número de pessoas ocupando (e detonando) áreas naturais. Nada de novo sob o sol, já que muitos patógenos novos evoluíram a partir de ancestrais adquiridos de animais domésticos (como a varíola) ou silvestres, e os hospitais modernos também têm produzido novos patógenos que podem ser considerados artefatos humanos.


Multiplicando habitats
Biodiversidade também tem sido igualada de forma simplista a número de espécies. Em geral, quanto maior a variedade de habitats existente em uma determinada área, maior a riqueza de espécies. Este conceito é importante para compreender a hipótese da biodiversidade gerada por populações tradicionais.


Imagine uma área de floresta. Temos um habitat. Se nesta área colocamos uma plantação de mandioca, temos dois habitats. Se adicionarmos uma pastagem, temos três. Se o plantio é feito através do sistema de corte e pousio de quatro anos (comum em várias regiões), temos um mosaico de floresta, capoeiras de quatro diferentes idades, áreas agrícolas ativas e pastagens. Onde havia um único habitat natural, agora temos sete!



As áreas agrícolas e pastagens têm suas espécies domesticadas e suas espécies associadas. Por exemplo, bois permitirão o estabelecimento de insetos (moscas de chifre, bernes, rola-bostas etc) que não existiam na floresta. As áreas abertas nas bordas das roças permitirão que plantas e animais de áreas abertas e detonadas, que antes não existiam na floresta intacta, também se estabeleçam. É graças a este "aumento na diversidade de habitats" que bichos bonitinhos, mas ordinários, vindos de outras regiões, como tizius e pardais, estão colonizando a Amazônia na trilha das rodovias e suas inevitáveis frentes de desmatamento.



Florestas são sistemas dinâmicos, o que significa que sua composição se altera ao longo do tempo em resposta a perturbações como alterações climáticas e nas interações ecológicas. Há todo um conjunto de espécies adaptadas a ocupar espaços deixados vagos pela queda de árvores, deslizamentos de terra, inundações, erosão das margens dos rios etc.
São estas espécies, muitas com ampla distribuição e definitivamente não-ameaçadas, que irão colonizar as áreas agrícolas abandonadas, constituindo formações bastante diferentes da floresta original. Ou mesmo de algumas áreas de perturbação natural, já que o uso do fogo destrói o banco de sementes do solo e espécies de árvores e arbustos cultivados podem continuar a crescer nestes locais, substituindo as espécies nativas.



Estes novos habitats são importantes a ponto da atividade humana necessitar ser mantida em áreas protegidas? A resposta é não. Olhando apenas o território de uma unidade de conservação, as espécies típicas das capoeiras e áreas perturbadas continuarão ocorrendo nas áreas de perturbação natural. O resultado, por exemplo, é que ao invés de ter centenas de quilômetros quadrados de embaubais, estes estarão restritos a faixas estreitas em algumas margens de rios ou clareiras.



Olhando para além de qualquer unidade de conservação, há o fato óbvio de que boa parte da vegetação existente fora da mesma é formada por aquelas espécies e suas associações que representam o "aumento" da biodiversidade de nossa área protegida.



Ou seja, manter as atividades das "populações tradicionais" no interior de uma unidade de conservação "gera e mantém" no seu interior a mesma biodiversidade que existe e se mantém em áreas alteradas que não são protegidas. Não vejo porque dedicar parte de uma área protegida para aquilo que existe alegremente nas juquiras do outro lado da cerca ou, pior, destruir áreas que podem conter espécies com distribuição restrita para substituí-las por habitats pobres e repetitivos (os que fabricamos) e que já ocupam a maior parte do planeta.



Adaptando o ambiente
Humanos não se adaptam ao ambiente, fazemos o ambiente se adaptar a nós. Isso resulta na troca de habitats mais maduros, que tendem a acumular maior riqueza de espécies e biomassa, por habitats mais jovens e pobres. Pobres e monótonos, pois enquanto florestas maduras tendem a variar bastante em composição em uma escala espacial pequena, capoeiras tendem a ser parecidas entre si. Como as tediosas capoeiras de embaúbas e manacás encontradas em toda a Mata Atlântica.



Os anus, polícias-inglesas, tizius, bem-te-vis e rolinhas que colonizam as pastagens que estão sendo abertas na Reserva Extrativista Chico Mendes (AC) representam acréscimos à biodiversidade local, compensando em número de espécies os mutuns e cujubins extintos pelas atividades dos seringueiros-boiadeiros locais. A biodiversidade ornitológica aumentou (duas espécies foram perdidas, cinco surgiram).



Mas isso é trocar quadros de Van Gogh e Leonardo por latas de Coca-Cola e mostra a falha de usar apenas o número de espécies como medida simplificada da biodiversidade. Manter agricultura e outras atividades, por quem quer que seja (a ecologia não é racista) é que resulta em perda de biodiversidade, e não o contrário.



Alguns podem argumentar com estudos que mostram que a maior parte das espécies de algumas florestas é usada por humanos e foi plantada ali, que as tais florestas são artefatos humanos que aumentaram a diversidade local etc. Se sua floresta cresceu sobre o que até a poucos séculos era uma cidade maia ou uma mega aldeia pré-colonização européia é de se esperar que seja formada pelo que os antigos habitantes plantaram, mantiveram ou não conseguiram eliminar. É óbvio que espécies beneficiadas por humanos irão dominar.



O que não se fala é das espécies intolerantes às atividades humanas que desapareceram sem deixar vestígios. E do fato óbvio que estas florestas antropogênicas só existem porque as populações humanas desapareceram. Elas não são exemplos de diversidade gerada por populações tradicionais, mas sim de como a natureza agradece quando saímos de cena e tenta retomar a vida.



Ambientes moldados ao homem
Um exemplo mostra como viver em um ambiente cronicamente afetado por atividades humanas leva a idéias erradas. As florestas européias são em sua vasta maioria bastante jovens, tendo regenerado ou sido plantadas a partir do século XIX. Além disso, são tremendamente "manejadas", ou seja, árvores não morrem de velhice e não se permite o acúmulo de "madeira morta". Para completar, grandes mamíferos como bisões, auroques, tarpans, ursos, lobos e outros foram extintos na maior parte do continente.



Apenas na Polônia e Belarus (Bialowieza) existem florestas extensas com árvores de mais de 500 anos e existe quase todo o complemento faunístico. Desgraçadamente, estas estão sendo destruídas pelo "manejo sustentado" de madeira.



As comunidades de aves das florestas européias sempre foram caracterizadas como tendo baixa riqueza de espécies, altas densidades e alta produtividade com base em estudos feitos nos remanescentes jovens e manejados que cobrem o continente. Isso até trabalhos na floresta primeva de Bialowieza mostrarem que comunidades de florestas maduras são muito diferentes, com riqueza de espécies muito superior, baixas abundâncias e presença de espécies que dependem de grandes árvores mortas e outros nichos inexistentes em florestas com poucos séculos.



Uma parcela muito importante das espécies de florestas tropicais também necessita de habitats maduros, mais estruturados, para se estabelecer. Por exemplo, veja a riqueza e densidade de bromélias e orquídeas em uma Mata Atlântica com 100 anos de sossego e outra sob manejo "tradicional".



Pesquisa sobre Mata Atlântica mostra que esta ganha riqueza conforme o tempo passa, e que necessita de 100 a 300 anos para atingir parâmetros (como porcentagem de espécies dispersas por animais) indicadores de maturidade. Mas para atingir à proporção de espécies endêmicas, as mais interessantes para serem conservadas, são necessários de 1.000 a 4.000 anos sem humanos detonando o lugar. Na Amazônia, ocorre o mesmo padrão, florestas secundárias sendo mais pobres que as maduras, e sem muitas das espécies originais (o que tem rendido uma discussão interessante).



Pelo fim dos impactos
O argumento freqüente de que não existem florestas virgens e todas apresentam impactos humanos (o que é verdade, embora o nível de impacto varie enormemente) tem levado à conclusão absurda de que estes impactos devem continuar. Ao contrário, lugares onde habitats naturais puderam maturar sem humanos caçando, queimando, derrubando e extraindo mostram biodiversidade (em quantidade e qualidade) máxima.



Ao contrário do que os sócio-ambientalistas pregam, as evidências mostram que florestas e outros ecossistemas, de savanas a recifes de coral, precisam de paz para envelhecer e atingir seu potencial pleno de diversidade. Este processo de maturação provavelmente explica porque florestas tropicais são sumidouros de carbono. No caso da Mata Atlântica, um bioma na berlinda, é uma completa aberração que atividades como agricultura de corte e queima sejam permitidas sob as desculpas esfarrapadas de "aumentar a biodiversidade" ou de que "não causam impactos negativos". Ainda mais em unidades de conservação.



A fauna é um componente da biodiversidade para os quais "populações tradicionais" tem sido um desastre. Um corpo enorme de estudos por grupos de pesquisa como os de Carlos Peres, na Amazônia, e Mauro Galetti, na Mata Atlântica, mostra como a caça "de subsistência" ou "tradicional" realizada por índios, seringueiros, caiçaras e companhia nada tem de sustentável e tem gerado florestas vazias. Populações tradicionais no interior de áreas protegidas significam uma catástrofe para a fauna, especialmente na Mata Atlântica, onde há muita gente para pouca floresta e ainda menos bichos.



Como outros já apontaram (veja sugestões de leitura abaixo) e com os dados ao seu lado, a idéia de que povos tradicionais (que não foram influenciados por alguma ONG interessada em melhorar sua imagem) deliberadamente conservam recursos naturais é mera parte da mitologia moderna do bom selvagem ecologicamente correto. Há exceções, é claro, mas que apenas confirmam a regra.



Alguns argumentam que manter "populações tradicionais" é necessário para manter "saberes acumulados sobre a biodiversidade". Não vejo o que uma coisa tem a ver com a outra e uma análise crítica destes "saberes" iria bem. Afinal, quando a coisa aperta na aldeia, a Fundação Nacional de Saúde tem mais demanda do que os pajés, e o exame das "enciclopédias da floresta" da vida lembra um mix dos livros de Eurico Santos com o bom e velho "Plantas Úteis do Brasil".



Muitos profissionais já ficaram decepcionados com o limitado conhecimento tradicional em áreas como a medicina e não me impressiona o fato da maioria das plantas medicinais usadas por caiçaras paulistas ou pataxós baianos serem as mesmas espécies introduzidas usadas por minha avó portuguesa (que era benzedeira). Na minha própria área, nunca encontrei um índio, seringueiro ou caboclo que não afirmasse que salamantas e jequitirinambóias são terrivelmente venenosas (o que é uma bobagem) ou não chamasse as 30 ou 40 espécies locais de little brown jobs (aquelas pequenas aves muito semelhantes) somente de "passarinho", sem distinguir uma da outra. Mas admito que caçadores e passarinheiros locais comumente tenham informações interessantes sobre as espécies gastronômica ou comercialmente utilizadas.



Sugestões de Leitura O Poema Imperfeito, de Fernando Fernandez
Biodiversidade: a hora decisiva, de Marc J. Dourojeanni e Maria Tereza Jorge Pádua
Requiem for nature, de John Terborgh
A primazia dos cientistas naturais na construção da agenda ambiental contemporânea, de José A. Drummond
The ecologically noble savage debate, de Raymond Hames
Seja o conhecimento tradicional útil ou não, desde a invenção da escrita há formas muito mais eficientes que a memória humana e a cultura oral para acumular conhecimento, de forma a sobreviver até mesmo à extinção da sociedade que o produziu. Conhecimento é mais bem conservado em livros e HTML (uma linguagem para se produzir páginas Web) do que em unidades de conservação.



Populações de índios, quilombolas, caiçaras e outros “tradicionais” têm se mostrado um desastre para a biodiversidade de áreas protegidas, como facilmente observado em locais como os parques nacionais Monte Pascoal (BA) e Araguaia (TO) e unidades estaduais como Serra do Mar, Intervales, Jacupiranga, Juréia e Ilha do Cardoso, essas todas em São Paulo. Acreditar que mantê-las vivendo “tradicionalmente” nestes espaços é compatível com manter a biodiversidade que deve ser protegida vai contra todas as evidências e me sinto chutando um cachorro morto ao escrever este texto. O problema é que, graças à infinita credulidade humana, o cachorro é um zumbi que ainda morde.


Vinte anos depois da morte de Chico Mendes, a primeira reserva extrativista, que leva seu nome, no Acre, não apenas mostra o fracasso do extrativismo como opção econômica (anunciado 20 anos atrás...), mas pastos crescentes e extinções locais mostram seu fracasso em conservar a biodiversidade que precisa ser conservada. Apesar de todo o dinheiro e esforço ali investidos.




Em seus 71 anos de existência, o Parque Nacional de Itatiaia (RJ/SP) não deve ter recebido metade do que foi investido na Resex Chico Mendes. Mas, apesar da crônica falta de recursos, da ação de caçadores e palmiteiros e do descaso fundiário, mostra áreas florestadas crescentes e espécies interessantes, que eram raras, se tornando mais comuns.



O contraste entre os resultados das diferentes abordagens de conservação deveria ser suficiente para mostrar o caminho a seguir.


Saiba mais:

Comendo a galinha dos ovos de ouro

Populações humanas em unidades de conservação
O incrível destino do parque Nonoai
A escolha de Chico Mendes
WikiParques, o site dedicado às áreas de preservação brasileiras

O grande pomar dos índios pré-colombianos


Por Vandré Fonseca
Esta é uma floresta com espécies domesticadas em Jkalo Ijkwala, comunidade Jotï, Venezuela. Crédito: Eglee Zent.
Esta é uma floresta com espécies domesticadas em Jkalo Ijkwala, comunidade Jotï, Venezuela.
 Crédito: Eglee Zent.


Manaus, AM -- Um mapa amplo sobre a influência dos povos pré-colombianos sobre a biodiversidade na Bacia Amazônica indica duas fortes evidências de que a natureza não é a única responsável pela generosidade da floresta. Pesquisadores liderados pela bióloga brasileira Carolina Levis descobriram que a concentração de plantas domesticadas na Amazônia é cinco vezes maior do que as não domesticadas. O estudo revela também que a presença destas espécies é maior perto de antigas povoações indígenas.


Para chegar aos resultados, os pesquisadores cruzaram dados obtidos em mais de mil parcelas estudadas pela Rede de Diversidade de Árvores Amazônicas com um mapa de mais de 3 mil sítios arqueológicos encontrados na região. O foco do estudo foram 85 espécies de árvores sabidamente domesticadas por povos amazônicos, para alimentação, construção de abrigos e outros usos.


“É surpreende a grande abundância que essas espécies têm em dominância em toda a Amazônia. Elas dominam grandes extensões da floresta e estão distribuídas em uma área bastante extensa”, afirma Carolina Levis, estudante de pós-doutorado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e pela Universidade e Centro de Pesquisa Wageningen, da Holanda. A distribuição e a abundância dessas plantas, de acordo com a ecóloga, só pode ser explicada pela ação humana.


Ajuda bem-vinda
A natureza precisaria de uma ajuda para colocar lado a lado espécies tão úteis quanto diferentes quanto açaizeiros -- palmeiras que preferem solos encharcados --, e castanheiras, árvores de grande porte que se dão melhor em solos drenados. A pesquisadora pondera que se a explicação para essa abundância é a mão do homem então era previsível, e foi demonstrado, que as comunidades de espécies domesticadas estivessem perto de onde viviam as pessoas. “E a gente encontrou que a comunidade de árvores e palmeiras é mais abundância, rica, em florestas próximas a sítios arqueológicos, principalmente em duas regiões, no Sudoeste da Amazônia, na Bolívia e Acre, e no Leste, Foz do Rio Amazonas”, conta.


Para o biólogo Charles Clement, pesquisador sênior do Inpa, as descobertas colocam de lado mitos de longa data sobre uma Amazônia vazia. "Os primeiros naturalistas europeus relataram populações indígenas dispersas que viviam em florestas imensas e aparentemente virgens, e essa ideia continuou a fascinar os meios de comunicação, os formuladores de políticas, os planejadores do desenvolvimento e até mesmo alguns cientistas”, afirma Clement. ”O estudo confirma que muitas áreas da Amazônia que são vistas vazias hoje estão cheias com pegadas ancestrais", completa.
Este é um machado de pedra encontrado na base de uma árvore, durante um inventário realizado no Parque Nacional Yasuní, Amazônia Equatoriana. Crédito: Nigel Pitman, The Field Museum.
Este é um machado de pedra encontrado na base de uma árvore, durante um inventário realizado no Parque Nacional Yasuní, Amazônia Equatoriana. Crédito: Nigel Pitman, The Field Museum.


Clement é um dos coautores do artigo e tem outros estudos que contribuem para a tese de uma floresta modificada pelos povos pré-colombianos. Estudos com a pupunha, da qual se aproveitam os frutos e o palmito, demonstram que há um gargalo genético, ou seja, a indicação de que houve uma seleção direcionada. Outros estudos em desenvolvimento na Amazônia demonstram que diversas espécies encontradas hoje na floresta, como açaí, castanha e mapati, foram domesticadas e selecionadas para atender aos interesses de populações locais. E é um processo que continua vivo.



“Até hoje as populações indígenas estão na Amazônia, em menor número, mas estão se utilizando dessa floresta e manejando”, diz Carolina Levis. “As espécies que foram incorporadas pelas populações modernas aumentaram mais ainda em termos de distribuição e abundâncias”, destaca. Ela cita o caso da seringa, do cacau, da castanha e do açaí, que atualmente possuem valor econômico. Há outras, porém que tiveram seu uso limitado. É o caso da palmeira caiué, oleífera do mesmo gênero do dendê, hoje pouco usada. Carolina Levis conta que essa espécie é muito comum, associada aos sítios arqueológicos e a Terra Preta, no Rio Madeira.


O estudo ainda não traz resposta para uma pergunta importante, sobre a sustentabilidade das atividades de povos pré-colombianos sobre a floresta. Há teses de que eles tenham causado grandes desmatamentos, mas os estudos dirigidos pela pesquisadora brasileira apontam em outra direção. Antes da chegada dos europeus e dos atuais conceitos de sustentabilidade, os amazônidas já sabiam usar a floresta sem destruí-la.


“Pelo que a gente tem encontrado, a grande abundância de espécies de árvores, não acredito que tenha tido um grande desmatamento, não”, afirma. “O que parece é que as pessoas estavam manejando a floresta como floresta, talvez realmente em diferentes áreas de clareira, áreas abertas, mas com pequenas manchas, mas manejando sistemas mais agroflorestais. As árvores não estariam sobrevivendo em grande quantidade, diversidade, em uma área totalmente desmatada”, acredita.

Saiba Mais
Artigo: Persistent effects of pre-Columbian plant domestication on Amazonian forest composition

Na Amazônia, o faroeste continua em ação

Na Amazônia, o faroeste continua em ação

Por Eduardo Pegurier
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Desorganização fundiária na Amazônia gera conflitos e agrava desmatamento. 

Foto: Marcio Isensee e Sá


A desordem fundiária impera na Amazônia numa repetição do que ocorreu no oeste americano no século 19. A comparação pode parecer estranha à primeira vista, mas ela está apoiada em resultados quase idênticos: grilagem, insegurança e tiros. A diferença, no nosso caso, é a busca por salvar a floresta amazônica.


Faroeste virou palavra em português durante o auge dos filmes americanos sobre o Far West (oeste longínquo) ou Western, que invariavelmente narravam histórias violentas cujos personagens eram os colonizadores vindos do leste do país, que brigavam entre si e com os indígenas.
Soa familiar? Nos estados que compõem a Amazônia Legal, o fenômeno está em pleno andamento. Ondas de migrantes do sul do país vieram para a Amazônia a partir da década de 70. Durante um bom tempo, incentivados pelo governo a ocupar e desmatar o território antes quase intacto. Aqui também a região é assolada por crimes violentos.


Além das semelhanças óbvias entre o faroeste americano e o brasileiro, há uma questão espinhosa comum entre os dois, pouco atraente para Hollywood e que parece repulsiva ao governo brasileiro: o conflito pela posse da terra baseado na mais completa e duradoura bagunça fundiária.


Os americanos tiveram severos problemas de titulação de terras na ocupação do oeste. Para dar um exemplo, após a Corrida do Ouro, em 1859, a Califórnia chegou a ter 800 jurisdições de propriedade. Esses problemas fundiários duraram décadas mas, no grosso, foram resolvidos no século 19, através de leis e procedimentos que simplificavam a emissão de títulos e consolidavam os cadastros de propriedade.


"O governo não titula e nem sabe de quem são as terras. Impera a posse, com frequência mantida por bons contatos políticos ou na base da força"
 
 
No Brasil, o problema mal foi tocado. No Pará, no ritmo atual, as estimativas para fazer a regularização fundiária de terras estaduais variam de 40 a 80 anos. Assim, se nada mudar, é possível que o estado adentre o século 22 lidando com o problema.


Na Amazônia Legal como um todo, o governo federal mapeou 60 milhões de hectares de terras "não destinadas", nome técnico que indica sem dono privado ou uso específico. Trata-se do equivalente a uma França inteira. Desse total, a Funai se interessa por 3 milhões de hectares para terras indígenas e o Instituto Chico Mendes de Conservação da  Biodiversidade (ICMBio) quer transformar 7 milhões em áreas protegidas. Outros 34 milhões de hectares devem ser destinados a propriedades privadas, quase 3 Inglaterras. Para fechar a conta, faltam 16 milhões de hectares ainda sob análise, cerca de 2 Portugais.


No caso das terras pertencentes aos estados amazônicos, esse mapa não foi feito. Eles não têm nem mesmo estimativa da quantidade de terras não destinadas dentro das suas fronteiras.


Na cobertura jornalística do desmatamento na Amazônia, do Ministério Público ao fazendeiro, todos colocam a regularização fundiária como passo essencial para se controlar a derrubada da floresta. Não é possível punir desmatadores se não se conhece quem é o dono da terra atingida. O governo não titula e nem sabe de quem são as terras. Impera a posse, com frequência mantida por bons contatos políticos ou na base da força.


Desse jeito, a versão brasileira do faroeste segue sem previsão de acabar. Como não precisamos esperar outro século para a invenção do cinema, como foi o caso dos americanos, talvez esteja na hora de fazer uns bons filmes sobre o assunto.