segunda-feira, 19 de junho de 2017

Vida das Aves: Alfred Russel Wallace, o velho marinheiro e a extinção de espécies

Por Marcos Rodrigues
*Publicado originalmente no blog Vida das Aves.
Alfred Russel Wallace
Alfred Russel Wallace
A saga da jornada amazônica de Wallace é um ponto alto na história da ciência para qualquer pessoa que goste de calamidades, perseverança, aventuras, intrepidez e ironia negra
(D. Quammen em ‘O canto do dodô’).
Água, água por todos os lados, nem uma gota para beber [1].
Talvez fosse esse o poema trágico de Samuel Taylor Coleridge, a balada do velho marinheiro, que veio à cabeça de Alfred Russel Wallace enquanto ele estava a bordo de um bote salva-vidas em companhia da tripulação do navio inglês chamado Helen. O bote estava à deriva em pleno triângulo das Bermudas em agosto de 1852. Alfred, na época apenas um anônimo caçador de borboletas e besouros, ficou dez dias neste bote esperando pelo quase impossível: um resgate. O navio mercante Helen havia pegado fogo em alto mar, próximo ao arquipélago das Bermudas e afundado em chamas levando toda a mercadoria para o fundo do mar.
Wallace embarcou no Helen na cidade de Belém do Pará, situada no estuário do rio Amazonas no dia 12 de julho de 1852 rumo à velha Grã-Bretanha, sua terra natal, da qual havia se separado havia quatro anos. Durante todos esses anos vivera na Amazônia, coletando borboletas, besouros e o que mais fosse possível a mando de certo Samuel Stevens, que vendia esse material para colecionadores ingleses. Na Inglaterra vitoriana, colecionar qualquer coisa (de selos a borboletas) era um hábito comum e bem visto.
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Anúncio de jornal feito por Samuel Stevens, agente de Alfred Russel Wallace.
A bagagem de Wallace no Helen consistia de trinta e quatro animais vivos (macacos, tucanos, papagaios, várias caixas apinhadas de borboletas, besouros e outros insetos devidamente conservados). O naufrágio de Wallace em alto mar talvez seja uma das histórias mais trágicas de toda a história da biologia, pois com ele todo o material inédito e insubstituível coletado por Wallace se perdeu, bem como suas principais anotações, diários e desenhos. O acidente foi descrito pormenorizadamente pelo próprio Wallace no seu livro ‘Viagens pelo rio Amazonas e Negro’ publicado em 1853[2].
Na manhã de segunda-feira, 12 de julho, embarcamo-nos, fazendo assim as nossas despedidas às alvas casas e ondulantes palmeiras de Belém do Pará. A carga do nosso veleiro consistia em cerca de 120 toneladas de borracha, grande quantidade de sementes de cacau, urucu, piaçaba e óleo de copaíba.
A viagem parecia tranquila, com a exceção dos surtos de febre malárica que Wallace contraíra em algum período daqueles quatro anos passados na planície amazônica. Até que na manhã do dia 6 de agosto Wallace é importunado na sua cabine pelo capitão e proprietário do navio, o inglês John Turner.
Naquela manhã, após o almoço, estava eu lendo tranquilamente em meu camarote, quando ali desceu o capitão Turner, dizendo- me então:

– Estou receoso de que o meu navio esteja a incendiar-se! Venha ver o que o senhor pensa a respeito disso!
E o drama se instala a bordo do Helen.
Ali, a fumaça era muito mais densa, e, em curtíssimo espaço de tempo, tornou-se tão insuportável e tão sufocante, que os homens não puderam permanecer no porão, para retirar mais carga.

No momento, como melhor solução, começaram a atirar água ali, enquanto outros se dirigiam para a cabine, onde já encontraram também muita fumaça, que saía do lazareto, através das juntas do tabique que a separava do porão. Fizeram-se várias tentativas para arrancar o tabique; mas as tábuas eram demasiadamente grossas, e a fumaça se tornara tão insuportável, que foi impossível levar isso a efeito.
A tragédia parecia irreversível.
Vendo, afinal de contas, a pouca possibilidade de extinguir-se o incêndio com os nossos próprios recursos, o capitão julgou mais prudente e mais acertado tratar da nossa própria segurança. Ordenou a toda a equipagem que arriasse imediatamente todos os botes e neles colocasse tantas provisões quantas fossem necessárias, prevendo, assim, o caso de ser preciso passarmos para os botes.
A retirada dos botes salva-vidas se deu sob o caos de uma tripulação desesperada e desorganizada.
Todos a bordo estavam em grande atividade. Poucas provisões puderam ser retiradas das dispensas. Ordenou- se ao cozinheiro para tapar as cavidades e fendas dos botes. Ninguém agora sabia onde se achavam os remos deles. Os toletes de pinho não se achavam no lugar próprio e não se conseguia encontrá- los.

Havia que procurar também os remos, bem como os paus, que deveriam servir de mastros e velas adequadas aos mesmos. Panos sobressalentes, fios, cordoalha, sirgas, cabos de reboque, agulhas para velas, pregos, tachas, ferramentas de carpinteiro, etc., foram retirados e levados para os botes.
Wallace ainda teve tempo e coragem para resgatar alguns dos seus inúmeros pertences.
Eu ainda desci à minha cabine, que estava agora sufocantemente quente, tomada pela fumaça, para ver o que valia a pena salvar.

Tirei apenas o meu relógio e uma pequena caixa de folha- de-flandres, que continha algumas camisas e uns dois livros de notas, com alguns desenhos de plantas e animais. Com dificuldade, agarrando-me às paredes, consegui subir para a coberta do convés.

Na minha cama, ficaram ainda as minhas roupas e um grande álbum de desenhos e esquemas. Não tive coragem de aventurar-me a descer lá pela segunda vez.

Na verdade, senti uma espécie de apatia para tratar de salvar o que quer que fosse, mesmo porque, no momento, eu dificilmente podia atinar com o que devia fazer, com o que valesse a pena salvaguardar.
Mas mesmo dentro do bote salva-vidas o drama parecia sem fim.
Tendo ficado os botes longo tempo expostos ao sol tropical, estavam com a madeira bastante ressecada, motivo por que se encheram logo de água, molhando-se os livros, as peças de roupa, cobertores, sapatos, carne de porco, queijos, etc., que haviam sido jogados para dentro deles, confusamente.

Foi preciso pôr dois homens em cada um dos botes, a fim de retirar a água que estava penetrando neles.
E finalmente toda a esperança se esvai e Wallace, dentro do bote apenas observa o inevitável.
Permanecemos junto à popa do navio, ao qual estávamos ainda atracados, assistindo de bordo dos botes ao progresso do fogo. As chamas já haviam atingido as enxárcias e as velas.

O espetáculo era estupendo.

As labaredas iam lambendo os pontos mais altos, onde avultavam armações, que já estavam com o tempo contado.

Logo depois, os aparelhos e velas de proa foram também atingidos, e as chamas irromperam das escotilhas, pelo porão de vante, vendo-se assim como rapidamente o fogo se ia alastrando, graças à carga de combustível.

Não tendo mais nenhuma vela para equilibrá-lo, o navio principiou a revolver-se, a rodar, a balancear, e os seus mastros, não podendo por mais tempo sustentar-se sem as amarras, começaram a inclinar-se, estalando, ameaçando cair a bordo a todo momento.
"O naufrágio do Minotauro" de William Turner, um dos maiores artistas da humanidade, pintado em 1810. Ao que parece, naufrágios eram comuns na época. Fonte: Wikimedia, Calouste Gulbenkian Foundation, Lisboa.
"O naufrágio do Minotauro" de William Turner, um dos maiores artistas da humanidade, pintado em 1810. Ao que parece, naufrágios eram comuns na época. Fonte: Wikimedia, Calouste Gulbenkian Foundation, Lisboa.
Enquanto o milagre de um resgate não acontecia, Alfred delirava e perguntava a si mesmo ‘com a minha besta, eu matei o Albatroz? Era mais uma vez o poema de Coleridge, que tanto fora obrigado a recitar nas aulas de literatura, infernizando sua psique.
Na balada do velho marinheiro de Coleridge, um velho marinheiro conta sua infeliz história em que, quando navegava em alto mar seu navio se perdera na gélidas águas antárticas. Quando toda a tripulação entra em desespero aparece um albatroz que os guia para mares calmos e seguro. Entretanto, o tal velho marinheiro, num gesto insano mata o albatroz, a ave de bom augúrio. A partir daí, a desgraça cai novamente sobre o navio, que permanece à deriva num oceano hostil.
E do sul um bom vento nos soprava alento;
O Albatroz nos seguia,
E à nossa saudação, por fome ou diversão,
Buscava todo dia!

Em névoa ou nuvem vem, no mastro ou no ovém,
Por vésperas nove pousar;
Enquanto a noite inteira, em bruma alva e ligeira,
Luzia o alvo luar.”

“Velho Marujo! Deus te salve dos demônios
Que de ti vão empós…
Que olhar! Que te molesta?” Com a minha besta
Eu matei o Albatroz.
“Eu matei o albatroz” ilustrado por Gustave Doré.
“Eu matei o albatroz” ilustrado por Gustave Doré.
Depois disso, o navio onde estava o velho marinheiro fora subitamente imobilizado e o albatroz começa a ser vingado.
E num ardente céu de cobre, ao meio dia,
Em sangue o sol flutua,
Pairando bem em cima do alto mastro,
Não maior do que a Lua.

Dia após dia, o barco ali, dia após dia,
Sem sopro, ali, cravado;
Ocioso qual uma pintada embarcação
Num oceano pintado.

Água, água, quanta água em toda a parte,
E a madeira a encolher;
Água, água, quanta água em toda a parte,
Sem gota que beber.
gua, água, quanta água em toda a parte, Sem gota que beber. Ilustrado por Gustave Doré.
gua, água, quanta água em toda a parte, Sem gota que beber. Ilustrado por Gustave Doré.
Em pleno desespero o navio do velho marinheiro é abordado pelo fantasma da morte e pela figura da vida-em-morte, que disputam as almas dos marinheiros. O fantasma ganha toda a tripulação e a figura da vida-em-morte ganha a alma do marinheiro, que daí em diante terá uma vida pior que qualquer morte. Qual seria o destino de Alfred Russel Wallace?
A morte e a vida-em-morte disputam os marinheiros. Ilustração de Gustave Doré.
A morte e a vida-em-morte disputam os marinheiros. Ilustração de Gustave Doré.
Wallace e a tripulação já estavam há nove dias em oceano aberto, às vezes sob sol escaldante, intensa sede, outras vezes sob chuva e ventos frios que faziam seu bote balançar perigosamente frente as ondas que os molhavam de mais água salgada. Certamente, ao longo desses nove intermináveis dias, Alfred encontrou-se frente a frente com a morte. Mas, diferente da sina do velho marinheiro de Coleridge, o milagre aconteceu.
Já estávamos quase desesperançados de ver algum navio, ou, então, de alcançar as Bermudas.

Cerca das 5 horas da manhã, justamente quando tomávamos a nossa matinal refeição, notamos que o bote grande, que ia a alguma distância à nossa frente, repentinamente virou de bordo.

– Eles devem ter visto uma vela ou algum navio! – exclamou o capitão.

Correndo o olhar em roda, distinguimos, então, um navio, que vinha aproximadamente em nossa direção, e que deveria estar a umas cinco milhas de distância.

Estávamos salvos!
Alfred Russel Wallace e toda a tripulação do Helen foram resgatados por outro navio mercante inglês de nome Jordeson que fazia a mesma rota. Apesar da tragédia pessoal e do enorme patrimônio científico perdido na viagem, Wallace conseguiu dar a volta por cima, e no aconchego do lar ainda conseguiu reunir cartas enviadas, pequenas anotações e dados guardados na memória para escrever sua narrativa amazônica publicada em 1853. Além disso, Wallace reuniu dados para escrever o mais importante artigo de biogeografia de todos os tempos, publicado nos anais da Sociedade Zoológica de Londres em 1852, intitulado “On the monkeys of Amazon” [Sobre os macacos da Amazônia][3]. É o artigo mais admirável da biogeografia porque Wallace fora o primeiro naturalista a enfatizar a importância de se acumular dados sobre a distribuição geográfica das espécies da fauna e flora, pois só assim ele achava (o que se tornaria uma verdade) que poderia responder ao “mistério do mistério” (termo cunhado por Charles Darwin no seu diário do Beagle para se referir à substituição das espécies extintas por outras – uma clara referência ao filósofo da ciência John Hershel[4]). Neste artigo Wallace mostra que estava à frente do seu tempo, e assim escreveu:
O grande vale do Amazonas é rico em espécies de macacos, e durante a minha residência lá eu tive muitas oportunidades de me familiarizar com os seus hábitos e distribuição. As poucas observações que eu tenho a fazer se aplicam principalmente a este último particular. Eu mesmo vi vinte e uma espécies; sete com cauda preênsil e quatorze com caudas não preênsil, como mostra a lista a seguir.
A partir daí Wallace descreve a distribuição de cada uma dessas espécies.
Nas várias obras sobre história natural e em nossos museus, temos as declarações mais vagas de localidades das espécies. América do Sul, Brasil, Guiana, Peru, estão entre as mais comuns; e se temos “Rio Amazonas” ou “Quito” anexado a um espécime, podemos contar com a sorte para obter qualquer coisa que defina melhor a localidade: embora ambos estejam na fronteira de dois distritos zoológicos distintos, não temos mais nada a nos dizer, ou seja, se uma veio do norte ou do sul da Amazônia, ou o outro do leste ou a oeste dos Andes. Devido a esta incerteza da localidade, e a confusão adicional criada por espécies confundidas com outras de países distantes, não há praticamente um animal cujos limites geográficos exato possamos marcar no mapa.
E então Wallace coloca as perguntas fundamentais da biogeografia:
Nesta determinação exata da distribuição geográfica de um animal dependem muitas perguntas interessantes. São espécies estreitamente aliadas sempre separadas por um amplo intervalo de terras? Quais são as características físicas que determinam os limites das espécies e dos gêneros? Será que as linhas isotérmicas estão sempre com precisão ligadas a gama de espécies, ou são completamente independentes destas? Quais são as circunstâncias que tornam certos rios e serras os limites de numerosas espécies, enquanto outros não são? Nenhuma dessas perguntas pode ser respondida de forma satisfatória até termos a gama de numerosas espécies determinada com precisão.
Wallace apresenta os seus dados:
Durante a minha residência na Amazônia aproveitei cada oportunidade de determinar os limites das espécies, e logo descobri que a Amazônia, o Rio Negro e o Madeira formam os limites além dos quais certas espécies nunca passam. Os caçadores nativos estão perfeitamente familiarizados com este fato, e sempre atravessam o rio quando eles querem adquirir determinados animais, que são encontrados até mesmo na margem do rio de um lado, mas nunca por acaso, no outro lado. Ao se aproximar as nascentes dos rios que deixam de ser uma fronteira,  a maioria das espécies são encontradas em ambos os lados deles. Assim, várias espécies da Guiana chegam ao Rio Negro e Amazonas, mas não os passam; Espécies brasileiras, pelo contrário alcançam, mas não passam a Amazônia para o norte. Várias espécies do Equador do leste dos Andes descem para a língua de terra entre o Rio Negro e o Alto Amazonas, mas não passam nenhum desses rios, e outros do Peru são delimitados a norte pelo alto Amazonas, e no leste pelo rio Madeira. Assim, há quatro distritos, a Guiana, o Equador, o Peru e o distrito do Brasil, cujos limites de um lado são determinados pelos rios que mencionei.
E Wallace finalmente conclui:
A distribuição dos macacos está limitada pelos rios. Espécies aparentadas são vizinhas de margens. Como isso ocorre? Por que? Isso é um padrão geral para outros elementos da flora e fauna?
Alfred Russel Wallace havia lançado as sementes da biogeografia, disciplina que se tornaria essencial para que se conhecesse o processo de extinção de espécies, hoje um dos temas mais importantes do nosso tempo. Agora imagine e pense: o que teria sido se o desconhecido caçador de borboletas Alfred tivesse morrido de fome e sede em alto mar? Estaria sua alma penando como a do velho marinheiro que matara o albatroz e cujo destino então seria apenas contar sua história?
Tenho um estranho dom do verbo; e, como a noite,
Errar de terra em terra é meu destino;
No momento em que vejo um rosto num lugar,
Eu sei que é o homem que precisa me escutar,
E meu caso lhe ensino.
No aconchego do lar, com sua mãe e irmã em 1853/4. Fonte:
No aconchego do lar, com sua mãe e irmã em 1853/4. Fonte: Wallace Fund
PS. Este texto é dedicado à amiga bióloga e escritora Ana Carolina Neves, que me apresentou a Samuel Taylor Coleridge.

Complexidade muito além dos rios

Por Vandré Fonseca
Foto: Andre Deak/Flickr.
Foto: Andre Deak/Flickr.
Manaus, AM -- O biólogo Ubirajara de Oliveira tinha uma ideia bastante diferente para o doutorado. Ele pretendia usar um modelo que desenvolveu no mestrado para identificar áreas de endemismo de espécies no Brasil. Mas os resultados eram inesperados, não batiam com a hipótese aceita até agora de que os rios limitavam grandes áreas de endemismo na Amazônia.
O resultado está em um artigo, publicado em junho na Scientific Reports, no mesmo grupo da Nature. Com base em informações da ocorrência de aves em toda a bacia amazônica, e com a ajuda de computadores, ele pode mostrar que a distribuição de espécies na Amazônia é muita mais complexa do que se imaginava, com fatores como mudanças no clima e variação na altitude que podem contribuir para a existência de dezenas de áreas de endemismo.
Mas modelos com dados mais atuais indicam que outros fatores interferem na diversificação de espécies e surgimento de áreas de endemismo, como demonstra este outro mapa. Fonte: Scientific Reports.
Mas modelos com dados mais atuais indicam que outros fatores interferem na diversificação de espécies e surgimento de áreas de endemismo, como demonstra este outro mapa. Fonte: Scientific Reports.
“No começo, achei que o modelo estava errado”, recorda Ubirajara Oliveira. “Rodei o modelo para as aves da Amazônia Brasileira e depois aumentei a amostragem com espécies de outros países. Continuou não batendo”. Depois disso, ele resolveu usar outros dois métodos conhecidos. O resultado era semelhante.
Os modelos demonstravam que a maior parte dos rios não eram limites que faziam da floresta uma grande concha de retalhos, com cada interflúvio abrigando um conjunto diferente de espécies de aves. Na verdade, apenas os maiores cursos d'água, Solimões, Madeira e Amazonas, cumpriam esse papel. Ubirajara de Oliveira conta que é um padrão semelhante ao observado para primatas por Alfred Wallace no século XIX.
Mais do que isso, ele identificou também uma complexa combinação de áreas de endemismo definidas não por rios, mas por outros fatores, com zonas menores dentro de maiores, numa combinação que é chamada, segundo ele, de boneca russa, dada a semelhança com o tradicional brinquedo.
“Estes resultados têm uma implicação muito grande para a conservação”, afirma o biólogo. “A gente tem áreas de endemismo muito pulverizadas e muito pequenas. Isso cria a necessidade de muitas unidades de conservação”, defende.
Este mapa ilustra a hipótese clássica, com os rios criando barreiras e dando origens a áreas de endemismo. Cada interflúvio teria um conjunto próprio de espécies. Crédito: Divulgação.
Este mapa ilustra a hipótese clássica, com os rios criando barreiras e dando origens a áreas de endemismo. Cada interflúvio teria um conjunto próprio de espécies. Crédito: Divulgação.


Governo vetará MP que recorta Jamanxim

Por Sabrina Rodrigues e Daniele Bragança
O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho e o senador Flexa Ribeiro (PSDB-BA) anunciam o veto do governo à MP 756.
O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho e o senador Flexa Ribeiro (PSDB-BA) anunciam o veto do governo à MP 756.

O governo decidiu vetar nesta segunda-feira (19) a Medida Provisória nº 756, que recorta a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim com a desculpa de resolver o conflito fundiário na região. O anúncio foi feito pelo próprio ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, ao lado do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), um dos principais ruralistas do país, que luta há anos para retirar parte da área produtiva dos perímetros da unidade de conservação.
Em dezembro, o governo desmembrou a área protegida na parte mais invadida e criou ali a Área de Proteção Ambiental de Jamanxim. Estudo publicado pelo Imazon em fevereiro dava conta que a redução da Floresta beneficiava grileiros que ocuparam Jamanxim após a criação da Unidade, em 2006. Como recompensa pela diminuição, o governo aumentou o tamanho do vizinho Parque Nacional do Rio Novo, que herdou 438 mil hectares oriundos da Floresta Nacional de Jamanxim,  e criou parte da APA de Jamanxim onde não havia nenhuma unidade de conservação. Mas não foi esse o texto aprovado.
Após tramitar na Comissão Mista no Congresso e receber 12 emendas, o projeto foi modificado mais um pouquinho durante a votação no plenário da Câmara. O que foi aprovado foi uma medida convertida em lei que modificou o tamanho da Floresta Nacional de Jamanxim, que passou a ter 814.682,00 hectares, e diminuiu o tamanho da recém criada Área de Proteção Ambiental de Jamanxim, que passou de 542.309 para 486.438,00 hectares. O Parque Nacional de São Joaquim, de Santa Catarina, também entrou no balaio das alterações e teve 20% de seu tamanho reduzido, além do nome modificado para Parque Nacional da Serra Catarinense.
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Agora, com o veto, o jogo se reinicia novamente. Na quarta-feira (14), o presidente se reuniu com a bancada ruralista para definir a sanção ou o veto. O que ficou acordado foi que o texto aprovado no Congresso trazia mais problemas que solução.
O primeiro grande problema, apontado por Sarney Filho, é o da insegurança jurídica. Medidas Provisórias são instrumentos editados em caso de relevância e urgência. Não deveriam ser usados para modificar áreas protegidas. Isso poderia ser questionado na Justiça,  ocorreu quando a presidente Dilma recortou unidades de conservação na bacia de Tapajós para dar espaço para a instalação de hidrelétricas.
O segundo caso é que essa insegurança não resolveria o que motivou a edição da MP: o conflito fundiário na região, uma das mais desmatadas da Amazônia, continuaria.
O que ficou decidido é um meio termo: na próxima semana deverá ser votado um projeto de lei em regime de urgência, transformando parte da Flona em Área de Proteção Ambiental (APA de Jamanxim), categoria mais branda de Unidades de Conservação, que permite propriedades privadas e exploração produtiva dentro de seus domínios.
Segundo Sarney Filho, o ICMBio dará parecer técnico para validar quais as áreas da Flona virarão APA, dizendo claramente quais os usos, para que não tenha problema jurídico nenhum e quem já está lá, que continue com o desenvolvimento de suas atividades já existentes.
Para Flexa Ribeiro, com a medida, haverá a regularização das áreas de quem já está na região, que com CPF e CNPJ, irão responder pelas infrações que vierem a cometer. “Porque, hoje, como está lá, o Ibama não sabe a quem multar”, afirma o senador.
Existe a  possibilidade da MP 758, conhecida como a MP do Ferrogrão, também ser vetada amanhã, embora o ministro não a mencione no vídeo.

O Estado de S. Paulo – A Convenção do Clima 25 anos depois / Artigo / José Goldemberg


Com suas desastradas decisões o presidente Trump conseguiu apenas isolar os EUA

Em junho de 1992 foi assinada no Rio de Janeiro a Convenção do Clima, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Rio 92, com a presença recorde de mais de cem chefes de Estado, incluindo o presidente dos EUA, e representantes de 179 países. Essa convenção foi o resultado de intensas negociações que se iniciaram no fim do governo Sarney, em 1989, e seguiram no governo Collor a partir de 1990.




O objetivo da Convenção do Clima, que é um tratado internacional, é estabilizar a composição da atmosfera e evitar que as atividades humanas interfiram de forma prejudicial e permanente no clima da Terra.



Existiam antes de 1992 inúmeros outros instrumentos nacionais e internacionais destinados a regular a emissão de poluentes e resíduos perigosos para o meio ambiente. O que fazer com o lixo urbano e os esgotos preocupa as autoridades públicas desde a Antiguidade, o melhor exemplo é o sistema de esgotos da cidade de Roma, a Cloaca Máxima, iniciado no século 4.º antes de Cristo e que existe até hoje.


A má qualidade do ar e da água, principal causa de doenças e pestes na Idade Média, foi sempre uma das principais preocupações das autoridades e deu origem, a partir de meados do século 20, à extensa legislação ambiental em vigor. Essas preocupações tomaram grande impulso com a Conferência de Estocolmo de 1972, que teve enorme repercussão e deu origem à criação de Ministérios de Meio Ambiente ou órgãos equivalentes na maioria dos países. 



Seu objetivo é minimizar os impactos resultantes dos poluentes que resultam da atividade humana no meio ambiente em nível local e regional.



Preocupações com a composição da atmosfera não faziam parte dessas atividades até 1992, quando, sob a influência de novas descobertas científicas, se tornou claro que a queima de combustíveis fósseis em grande escala lançava na atmosfera quantidades tão grandes de gases que estavam mudando a sua composição.


Há milhões de anos existia na atmosfera, além de oxigênio e nitrogênio, uma pequena quantidade de dióxido de carbono. Essa pequena quantidade, contudo, é essencial para regular a temperatura média da Terra e mantê-la em torno de 15 graus centígrados. Sem ela a temperatura média da Terra seria cerca de 15 graus abaixo de zero, o que tornaria difícil a existência da civilização como a conhecemos.


Se a quantidade de carbono na atmosfera aumenta, a Terra se torna mais quente, o que pode mudar muito as condições em que vivemos. E isso está acontecendo. Desde o início da revolução industrial, há dois séculos, a temperatura média já subiu mais de um grau pelo fato de a fração de dióxido de carbono na atmosfera ter quase dobrado.


Como os gases responsáveis pelo aquecimento global não respeitam fronteiras, era indispensável a colaboração de todos os países para enfrentar o problema. Esse foi o objetivo da Rio 92. A conferência foi um sucesso graças ao enorme esforço de vários governos, entre os quais o do Brasil, que não só a sediou, como foi extremamente atuante em convencer os grandes países industrializados (os principais emissores dos gases poluentes) a virem ao Rio de Janeiro e assinarem a convenção.


Passados 25 anos da assinatura, esta é uma boa ocasião para avaliar o seu sucesso. Há duas formas de fazê-lo: do ponto de vista de governos e do ponto de vista da sociedade.
Do ponto de vista dos governos, os progressos alcançados foram insatisfatórios, apesar das inúmeras tentativas feitas. O Protocolo de Kyoto, em 1997, tentou “dar dentes” à convenção, estabelecendo metas quantitativas e obrigatórias de redução das emissões para os países industrializados e isentando de metas os países em desenvolvimento. Não deu certo! A China, considerada um país em desenvolvimento, era um emissor modesto em 1997 e passou a ser o maior emissor mundial.


A Conferência de Paris, em 2015, tentou uma nova solução: cada país fixa voluntariamente suas metas de redução, mas, uma vez apresentadas, elas se tornam mandatórias. O conjunto de compromissos que os países submeteram ao Secretariado da Convenção do Clima após a Conferência de Paris não evitará um aquecimento gradativo do planeta, mas é um passo importante para reduzir esse aquecimento.


O governo brasileiro, desde 1992, apesar de ter sediado e apoiado o grande evento que foi a adoção da Convenção do Clima, adotou políticas contraditórias na sua implementação, usando o batido argumento de que o desenvolvimento econômico tem precedência sobre a proteção ambiental e que caberia às nações industrializadas arcar com os custos e as ações necessárias para reduzir as emissões. Essa política mudou para melhor nos últimos anos com a redução do desmatamento da Amazônia a partir de 2005 e levou a propostas adequadas de reduções voluntárias apresentadas à Conferência de Paris, conduzidas pela ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, que contou com apoio significativo dos pesquisadores de São Paulo.


Os EUA – segundo emissor mundial, depois da China – não pretendem permanecer no Acordo de Paris, mas, na prática, as grandes indústrias americanas e muitos Estados importantes, como a Califórnia, já se programaram para as reduções, que serão efetivadas em razão do avanço inexorável da tecnologia e da adoção de energias renováveis (solar, eólica e outras). O que o presidente Trump conseguiu com suas desastradas decisões foi isolar os EUA, o que estimulou os demais países a redobrar seus esforços para reduzir as emissões.


Do ponto de vista da sociedade, a Convenção do Clima pode ser considerada um grande sucesso, por ter promovido a conscientização de um grave problema ambiental, cuja solução exige mudanças de processos produtivos, com redução do uso de combustíveis fósseis, e até dos nossos hábitos de consumo.


Valor Econômico – Seminário sobre clima debate crédito para projetos "verdes"


Por Daniela Chiaretti | Do Rio

O Brasil precisa encontrar recursos para financiar o corte nas emissões de gases-estufa e a adaptação aos impactos da mudança do clima. Mercados de créditos de carbono, taxação ao carbono sem aumento da carga tributária e instrumentos como "green bonds", os títulos de financiamento da dívida que podem apoiar projetos sustentáveis, vêm ganhando espaço nos debates.


"Hoje está claro que os US$ 100 bilhões ao ano para combater a mudança do clima nos países pobres, promessa dos países desenvolvidos nas negociações internacionais, não irão acontecer, e isso antes mesmo do anúncio de Donald Trump de sair do Acordo de Paris. O Brasil precisa atrair recursos", afirma Alfredo Sirkis, secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e diretor do Centro Brasil no Clima, que organiza anualmente o seminário Rio Clima. Finanças climáticas foi tema-chave na edição da semana passada, o Rio Clima 2017.


"Há recursos no mercado internacional, mas investidores têm receio de vir para cá por medo de mudanças cambiais e de políticas públicas. Precisam de garantias", disse Sirkis.
Os títulos verdes brasileiros ("green bonds", títulos da dívida de empresas emitidos no mercado internacional e direcionados a projetos sustentáveis) somaram US$ 2 bilhões até janeiro. Dez grandes investidores, como Santander, Zurich Brasil, BrasilPrev e Itaú, entre outros, assinam uma declaração onde reconhecem o crescimento do mercado internacional de títulos verdes e indicam o instrumento "como um dos mecanismos para financiar soluções para as mudanças climáticas".


"Temos certeza que a transição vai acontecer. Só não sabemos o ritmo dela. Por isso precisamos de um preço forte do carbono", defendeu o professor Emilio La Rovere, da Coppe-UFRJ, durante o seminário. " Não vejo outro país com condições melhores para que a transição ao baixo carbono possa acontecer do que o Brasil", disse.



"O Brasil tem uma janela de oportunidade única. Para uma crise de dinâmica de investimento, em que a indústria perde por falta de produtividade e competitividade, com um déficit de infraestrutura impressionante, somos o país-chave para combater e nos adaptar à mudança climática", acredita Rogério Studart, ex-Banco Mundial e hoje na Brookings Institution. Segundo ele, os bancos de desenvolvimento China Development Bank e o KfW alemão, "tornaram-se lideranças de finanças sustentáveis e criam oportunidades de exportar a indústria de seus países".


"É preciso um novo modelo de negócios que possibilite canalizar investimentos para atividades sustentáveis. Precisamos de uma engenharia financeira para permitir a canalização de recursos e, com políticas claras, dar previsibilidade aos investimentos", disse Everton Lucero, secretário de Mudança do Clima e Florestas.



O climatologista Carlos Nobre lembra que a pecuária de baixa produtividade responde por cerca de 50% das emissões de gases-estufa brasileiras. "Aumentar a produtividade da pecuária é relativamente barato e diminui a pressão do desmatamento", disse. Para o cientista, se o Brasil aumentar de 1,3 para 2 cabeças de gado por hectare, o país cumpre sua meta no Acordo de Paris. "Seria uma pecuária mais sustentável e lucrativa. Para isso, no entanto, é preciso mudar a cabeça do pecuarista."