quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Contra a legalização da caça no Brasil


A BR-101 é o pior caminho para a Rebio de Sooretama

Por Aureo Banhos
A rodovia BR-101 recorta a Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama e é a principal ameaça à fauna silvestre da região. Foto: João Marcos Rosa.
A rodovia BR-101 recorta a Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama e é a principal ameaça à fauna
 silvestre da região. Foto: João Marcos Rosa.

A Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama é uma Unidade de Conservação (UC) federal, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, localizada no norte do Estado do Espírito Santo, a 170 quilômetros da capital Vitória pela rodovia BR-101.

Entretanto, longe de ser o melhor caminho para a Rebio de Sooretama, o trecho da BR-101 que atravessa o interior da reserva foi construído no final da década de 1960, durante o governo militar no Brasil, à revelia da legislação ambiental, por ser uma Área Protegida pelo Código Florestal da época. Desde sua inauguração, essa rodovia promove a matança de animais por atropelamento e isola as populações de animais e plantas silvestres. Além disso, a BR-101, uma das mais movimentadas rodovias do país, é um vetor de poluição e pressão antrópica sobre a Rebio de Sooretama e sua Zona de Amortecimento (ZA), gerando vários conflitos ambientais no uso e ocupação da terra e das águas na região.


A reserva é a mais antiga área protegida no Espírito Santo e é uma das maiores UCs de proteção integral na Floresta de Tabuleiro da Mata Atlântica, com 27.858,68 hectares. A Rebio de Sooretama abrange os municípios de Jaguaré, Linhares, Sooretama e Vila Valério, mas a maior parte da reserva está no município de Sooretama, um dos mais jovens municípios do Espírito Santo, emancipado em 1994, que levou o mesmo nome da reserva. Cerca de 40% da área do município de Sooretama faz parte da Rebio de Sooretama. O nome Sooretama na língua indígena tupi significa ‘terra dos animais da floresta’, este foi o sentido empregado pelo Governo Federal ao estabelecer a UC na região.


A Rebio de Sooretama é resultado, principalmente, do esforço do naturalista e pesquisador Álvaro Aguirre, servidor público da antiga Divisão de Caça e Pesca do Ministério da Agricultura. Em 1942, Aguirre foi designado para realizar um estudo sobre a possibilidade de criação de uma reserva de animais silvestres no Espírito Santo, em uma área doada pelo Governo do Estado ao Governo Federal.


Preocupado com o processo de uso e ocupação do solo no norte do Espírito Santo já na época, Aguirre escreveu em seu relatório: “Tais motivos não permitem que seja adiada para mais tarde a reserva de uma área de terra naquela região, para os fins em vista, se quisermos legar aos nossos descendentes um pouco de nossa fauna e flora herdados dos nossos antepassados (...). A criação de uma reserva florestal no Vale do Rio Doce com o fim de proteger e apascentar os animais silvestres pertencentes à nossa fauna indígena, nos moldes sugeridos no presente relatório, consagrará uma administração pública perante a consciência das futuras gerações".


Outros pesquisadores também foram importantes para a criação e consolidação da Rebio de Sooretama, como o naturalista e pesquisador Augusto Ruschi, Patrono da Ecologia do Brasil, que nos anos de 1936 a 1939 visitou a região nas expedições para a criação da reserva, e, em 1981, colaborou na elaboração do Plano de Manejo da reserva.


Tem uma estrada no meio do caminho da Reserva Biológica de Sooretema. Foto: Leonardo Merçon.
Tem uma estrada no meio do caminho da Reserva Biológica de Sooretema. Foto: Leonardo Merçon.


O processo legal de criação da Rebio de Sooretama se iniciou em 1941, quando a Reserva Florestal de Barra Seca foi criada pelo Governo Estadual. Em 1943, o Parque de Reserva, Refúgio e Criação de Animais Silvestres Sooretama foi criado pelo Governo Federal em uma área doada pelo Governo do Estado, adjacente à Reserva Florestal de Barra Seca.


Em 1955, o Governo Estadual doou ao Governo Federal a Reserva Florestal de Barra Seca. Em 1969, o Parque de Reserva, Refúgio e Criação de Animais Silvestres Sooretama foi denominado como Reserva Biológica de Sooretama, atual nome da Unidade de Conservação.


Em 1971, a área da Rebio de Sooretama foi ampliada, com a anexação da Reserva Florestal de Barra Seca. Em 1981, o Plano de Manejo da Rebio de Sooretama foi elaborado. Em 1982, a delimitação da sua área foi concluída. Em 2015, foi estabelecido os novos limites para a sua Zona de Amortecimento.


Vale destacar que em 1951, vizinha à Rebio de Sooretama, foi criada a Reserva Vale do Rio Doce. Atualmente, é conhecida como Reserva Natural Vale (RNV), possui 23 mil hectares e é administrada pela empresa Vale. Apesar de não ser uma UC, é uma área protegida pela Lei da Mata Atlântica (Lei Nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006) e pelo Código Florestal (Lei Nº 12.651, de 25 de maio de 2012), faz parte da ZA da Rebio de Sooretama e está dentro de uma das áreas de extrema prioridade para a conservação e criação de UCs no Espírito Santo. Além disso, a RNV é um Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.


Em 1999, a Rebio de Sooretama e a RNV foram destacadas como parte das Reservas de Mata Atlântica da Costa do Descobrimento, do sul da Bahia e norte do Espírito Santo, declaradas como Patrimônio Natural Mundial da Humanidade pela UNESCO.


As Reservas de Mata Atlântica da Costa do Descobrimento possuem aproximadamente 112 mil hectares, sendo que as duas reservas capixabas compõem cerca de 44% da área e a outra parte (56%) é composta pelas seis reservas baianas: a Reserva Biológica de Una, os Parques Nacionais do Pau Brasil, do Monte Pascoal e do Descobrimento e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) Pau Brasil e Vera Cruz.



Em 2007, duas reservas foram criadas com autorização do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo, as RPPNs Recanto das Antas e Mutum Preto, com 2.212 e 379 hectares, respectivamente, administradas pela empresa Fibria. As reservas estão dentro da ZA da Rebio de Sooretama.



Em 2010, a Rebio de Sooretama foi reconhecida oficialmente pelo Governo Federal como uma das reservas do Mosaico da Foz do Rio Doce, juntamente com a Floresta Nacional de Goytacazes, Reserva Biológica de Comboios, Área de Relevante Interesse Ecológico do Degredo e as RPPNs Restinga de Aracruz, Recanto das Antas e Mutum Preto.


Nem a ágil onça-parda escapa da perigosa BR 101. Foto: Leonardo Merçon.
Nem a ágil onça-parda escapa da perigosa BR 101. Foto: Leonardo Merçon.


Hoje, a Rebio de Sooretama, a RNV e as RPPNs Recanto das Antas e Mutum Preto formam aproximadamente 53 mil hectares de floresta contínua e estão entre as principais áreas do Corredor Central da Mata Atlântica, compreendendo o sul da Bahia e todo o Espírito Santo. A área está entre as mais ricas em biodiversidade do mundo e é uma das poucas que ainda possui exemplares de grandes animais na Mata Atlântica, como a onça-pintada, a anta, o tatu-canastra e o gavião-real. Esta área consta nos mapas de áreas verdes que prestam relevantes serviços ecológicos em nível regional e global, como na manutenção do clima e da água.


Diante deste cenário, de extrema prioridade para a conservação, resta ao poder público pelo menos honrar o histórico compromisso e os objetivos que levaram a criação da Rebio de Sooretama, reparando os danos que a reserva vem sofrendo em seu interior e entorno, inclusive retratando o desrespeito à legislação por aqueles que atravessaram uma rodovia federal nesta área protegida. Pelas consequências causadas pela BR-101, como a morte de animais, barulho, despejo de detritos, etc., a área de influência da mesma recebeu a denominação de  Zona de Uso Conflitante, desde 1981, no Plano de Manejo da Rebio de Sooretama, pois é incompatível com os objetivos de manejo de uma Reserva Biológica, uma das categorias de manejo mais restritiva do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.



O atropelamento de fauna é o impacto ambiental mais evidente provocado pela BR-101 na Rebio de Sooretama e seu entorno. A mortandade de dezenas de animais diariamente, incluindo indivíduos de espécies ameaçadas de extinção, é um problema considerado gravíssimo pelos gestores da UC e pela comunidade científica.  No ano de 2014, durante um workshop realizado em Vitória - ES, um grupo de pesquisadores e técnicos apontaram um conjunto de medidas emergenciais para serem estabelecidas no trecho da BR-101 que intercepta a Rebio de Sooretama e sua ZA, com o objetivo de reduzir os atropelamentos. O documento contendo as medidas foi recebido pelo Ministério Público Federal, que acordou a adoção das mesmas com a concessionária que administra a rodovia, mas nada efetivamente foi realizado pela concessionária.



Todos os tipos de crimes ambientais atravessam a Rebio de Sooretama pela rodovia BR-101, trazidos de norte e sul do país. Essa violência, negligência e omissão contra a reserva afronta as palavras de Álvaro Aguirre, pois as gerações atuais conhecem a fauna herdada com os esforços de proteção empregados pelos antepassados, como vítimas de crimes ambientais, os atropelamentos e a caça. Por esse caminho, muitas das espécies de animais na região não serão mais conhecidas pelas próximas gerações. A geração atual de tomadores de decisão está destruindo o que a geração de Aguirre consagrou, a “terra dos animais da floresta”. 



O golpe fatal será a ampliação da BR-101 nesse cenário, que está planejada para ocorrer nos próximos anos. Esse trecho de rodovia está na contramão da conservação da biodiversidade. Definitivamente, o melhor caminho para a Rebio de Sooretama não passa pela BR-101.



Um novo caminho
Nova proposta. Foto: João Marcos Rosa.
Nova proposta. Foto: João Marcos Rosa.


Uma proposta de caminho melhor para a Rebio de Sooretama seria desviar a BR-101 com seu alto fluxo de veículos da área da UC e de sua ZA. Após desviar a rodovia, transformar o trecho de estrada deixado na região em uma Estrada Parque Estadual. O trecho da Estrada Parque seria da altura do km 107 ao km 124 da rodovia (do córrego Cupido no distrito de Juerana até próximo ao trevo, em Sooretama, no sentido de norte para sul), incluindo a área non aedificante adjacente (faixas de terra com largura de 15 metros, contados a partir da linha que define a faixa de domínio da rodovia), dentro da ZA da Rebio de Sooretama.


A Estrada Parque teria 17 km, corresponderia a uma área de aproximadamente 76 hectares e alavancaria a conservação de várias outras áreas naturais privadas e públicas em seu entorno. A Estrada Parque sanaria o passivo socioambiental que seria deixado após o desvio da rodovia BR-101. Para isso, seria necessário incluir a categoria de Estrada Parque no Sistema Estadual de Unidades de Conservação, a exemplo dos sistemas de alguns estados brasileiros. O trecho deveria ser concedido ao Governo Estadual pelo Governo Federal. A partir de então, dar início ao processo de estudo e consultas públicas para a criação Estrada Parque no trecho.


Em homenagem àquele que foi o maior responsável pelo início do processo de conservação da área, esta nova UC poderia ser chamada de Estrada Parque Estadual Álvaro Aguirre. A Estrada Parque deverá ter todos os dispositivos de funcionamento, manejo e gestão. Dentro da mesma proposta, o trecho de 5 km da estrada que corta diretamente a Rebio de Sooretama, do km 102 ao km 107, deveria ser administrado pela própria UC, pois faz parte desta, mas poderia permitir o acesso à Estrada Parque pelo norte da região. O poder público, as comunidades e os empreendimentos locais estão convidados a caminhar por esse sustentável caminho.


Objetivos da Estrada Parque Estadual Álvaro Aguirre:
  1. Promover o desenvolvimento sustentável da região de Sooretama, Linhares, Jaguaré e Vila Valério na Zona de Amortecimento da Rebio de Sooretama, reduzindo os conflitos de uso da rodovia.
  2. Desenvolver o turismo de observação de animais selvagens (uma atividade que gera muita renda no mundo inteiro; a região já é rota para essa atividade, tem grande potencial, mas a atividade ainda é incipientemente fomentada);
  3. Desenvolver o turismo rural (circuito de produção de frutas, eucalipto, café e pimenta; lazer em fazendas e sítios na região);
  4. Desenvolver o turismo de contemplação da natureza, esporte, aventura e lazer (ciclismo de asfalto e estrada de terra no entorno; corridas de asfalto e nas estradas de terra; realização de caminhada em trilhas; canoagem);
  5. Desenvolver a rede hoteleira e os eventos que tenham como cenário a natureza (a região tem sido procurada para essa finalidade);
  6. Gerar empregos e renda pela via do turismo (capacitar e estruturar as comunidades locais para se desenvolverem explorando essa fonte econômica);
  7. Garantir um selo de origem geográfica para os produtos agrícolas da região (aumentar a renda da produção agrícola pela qualidade ambiental da área e forma de produção sustentável);
  8. Disciplinar os empreendimentos instalados na região para o uso respeitoso da Estrada Parque;
  9. Evitar o crescimento desenfreados de empreendimentos impactantes na ZA da Rebio de Sooretama.
Dispositivos de funcionamento, manejo e gestão da Estrada Parque Estadual Álvaro Aguirre:
  1. Restaurar com floresta nativa as faixas non aedificandi de 15 m de cada lado da estrada;
  2. Estabelecer postos de controle e fiscalização nas extremidades da Estrada Parque (no km 124 e km 107);
  3. Fixar o limite máximo de velocidade de 40km/h em todo o trecho, incluindo o trecho que corta diretamente a Rebio de Sooretama, para evitar o atropelamento de fauna e não favorecer o uso da área para finalidades que não sejam relacionadas com os objetivos da Estrada Parque;
  4. Colocar postos de fiscalização eletrônica e quebra-molas de dois em dois quilômetros em todo o trecho, incluindo o trecho que corta diretamente a Rebio de Sooretama, para evitar o excesso de velocidade;
  5. Fazer a adequação das tubulações de drenagem existentes sob a estrada para servir como passagem de fauna terrícola;
  6. Instalar passagens de fauna aéreas entre as árvores, sobre a pista, para a fauna arborícola poder atravessar a estrada;
  7. Estabelecer uma ciclovia de 17 km no trecho, para desenvolver a contemplação da natureza com atividade física;
  8. Estabelecer áreas de estacionamento para as pessoas poderem deixar os veículos para caminhar e pedalar pela Estrada Parque (com lanchonetes);
  9. Estabelecer um centro de visitação para receber os turistas e usuários da Estrada Parque;
  10. Estabelecer uma torre turística de 40 m de altura no km 107 para observação da floresta por cima (como a torre do Museu da Amazônia na cidade de Manaus, que recebe centenas de turistas diariamente);
  11. Estabelecer uma área para a prática da atividade de arvorismo;
  12. Disciplinar o uso da rodovia pelos empreendimentos e comunidades locais, para a utilização da rodovia sem conflitos com a sua finalidade;
  13. Fechar durante a noite o trecho do km 101 ao 107 que corta diretamente a floresta da Rebio de Sooretama (esse é o horário de maior atividade da fauna, que pode atravessar a rodovia em busca de recursos).
 http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/28777-br-101-uma-ameaca-ao-refugio-dos-animais-da-mata/

Preservar o Cerrado não é questão de escolha, mas de sobrevivência


11.09.2017Notícias
 
 
Bioma que abriga 8 das 12 regiões hidrográficas do Brasil, o Cerrado é central na preservação da água que abastece boa parte do país e tem papel decisivo em um contexto de crises hídricas mais e mais frequentes, enfrentando a pressão das mudanças climáticas e do desmatamento, que já consumiu mais de 50% da sua vegetação nativa.


Colocando o tema na mesa, o evento “O berço das águas do Brasil pede socorro” reuniu diversos especialistas na Câmara dos Deputados neste 11 de setembro, data em que se comemora o dia nacional do Cerrado.


O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, reconheceu que o Cerrado pede socorro. Para ele, é preciso estimular o envolvimento da sociedade na preservação dos biomas. “É possível crescer sem aumentar a degradação, afinal sem o Cerrado não tem água e sem água não tem plantação”, lembrou.


No desafio de conciliar crescimento sustentável com desmatamento zero, as empresas têm um papel importante. “O Cerrado tem como um dos maiores gargalos o fato de ainda poder ser legalmente desmatado. É preciso que as áreas já desmatadas sejam mais bem utilizadas e o engajamento das empresas nessa cadeia é fundamental”, ponderou a diretora de ciência do IPAM, Ane Alencar.


A realidade vivida pelos povos tradicionais que enfrentam os problemas do desmatamento, do envenenamento, das queimadas, a secura dos rios e a violência no campo foi trazida por Maria do Socorro Teixeira Lima, coordenadora geral da Rede Cerrado e representante do Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu. “Eu sinto na pele essa falta de respeito com o Cerrado e com a população que lá vive todos os dias”, afirmou. A sobrevivência das comunidades tradicionais e demais povos do bioma, indispensáveis para a sua preservação, está em xeque, assim como o desenvolvimento econômico da região.


Mercedes Bustamante, professora da UnB e uma das principais pesquisadoras do Cerrado, chamou a atenção para os estoques de carbono que o bioma apresenta. “O Cerrado compõe cerca de 20% do território nacional, é a savana mais biodiversa do mundo. Porém, em 50 anos não teremos o dia nacional do Cerrado se o desmatamento continuar”, cravou.


Nesta terça, organizações ambientalistas também se uniram e lançaram o manifesto “Nas mãos do mercado, o futuro do Cerrado: é preciso interromper o desmatamento” em que elencam 15 argumentos que embasam os pedidos do manifesto, como o fato de que, se mantido o padrão de destruição do Cerrado observado entre 2003 e 2013, até 2050 serão extintas 480 espécies de plantas e mais 31-34% do Cerrado será perdido.


O evento “O berço das águas do Brasil pede socorro” foi realizado pela EcoCâmara em parceria com a Aliança Cerrado, Associação Alternativa Terrazul, CEMA-UnB, Cerratenses, Ecodata, Fundação Mais Cerrado, Instituto Sociedade, População e Natureza, ISPN e Movimento Cerrado Vivo.

O que ainda precisamos perder para nos preocuparmos com o Cerrado?

12 Setembro 2017   |   0 Comments
 
Por Julio César Sampaio é coordenador do Programa Cerrado Pantanal do WWF

O Cerrado é o bioma brasileiro mais desmatado no Brasil, superando em duas vezes o índice de desmatamento da Amazônia. Segundo dados recém-lançados pelo Ministério do Meio Ambiente, o Cerrado perde quase 1 milhão de hectares de vegetação nativa por ano. Se esse ritmo alarmante se mantiver, haverá, até 2050, o maior processo de extinção de espécies já registrado na história da ciência global, com perdas três vezes maiores do que as já registradas desde 1500.

Uma de cada quatro espécies de fauna que estão ameaçadas de extinção vive no Cerrado, o que significa que um total de 137 espécies estão em risco de desaparecer. Mesmo que paremos o desmatamento hoje, mais de 50% do bioma já foi dizimado e o que resta está comprometido pela expansão da nova fronteira agrícola nos estados do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia. Conhecida como Matopiba, essa é uma das poucas regiões que ainda concentram grande quantidade de vegetação nativa preservada.

A degradação do bioma não significa apenas extinção de espécies, pela fragmentação e falta de conectividade entre as áreas de remanescentes florestais – tanto espécies vegetais quanto animais dependem dessas conexões e das trocas genéticas que a conectividade possibilita para garantir a viabilidade de importantes populações na região –, significa também aumento nas emissões de gases de efeito estufa do país, o exaurimento de um modelo produtivo insustentável e ameaças a comunidades tradicionais e indígenas associadas.

Os impactos dessa devastação já estão evidentes na falta de água em Brasília, nas estiagens e secas mais severas como no caso da região do Matopiba, que apresentou queda de 30% na safra de grãos de 2015-2016, na escassez hídrica desde 2013 na região do São Francisco, fazendo com que os reservatórios das hidrelétricas chegassem aos menores índices da história, afetando a vida de nove em cada dez brasileiros que consomem eletricidade produzida com águas do Cerrado.

Nem parece que estamos falando do Cerrado, berço das águas, considerado a caixa-d'água do Brasil. No bioma nascem as principais bacias do país, que vertem as águas que alimentam as bacias do São Francisco, do Tocantins-Araguaia, do Paraná e Paraguai – esta última, tão importante para a vida no Pantanal.

Diante dessa situação, é urgente buscar uma série de soluções que precisam ser adotadas por toda a sociedade, pelos governos e pelo setor privado. Ações como o uso de pastagens degradadas para expansão dos plantios de oleaginosas e eucalipto, adoção da rastreabilidade das cadeias produtivas do agronegócio e acordos setoriais evitando o consumo de produtos advindos do desmatamento no Cerrado.

Mais do que isso, é fundamental criar programas de monitoramento periódico do desmatamento, a exemplo do Prodes-Cerrado, a fim de informar a taxa de perda de vegetação anual, ajudando na prevenção e combate do desmatamento e no fortalecimento de políticas de financiamento para recuperação de áreas de Cerrado em propriedades privadas, buscando atender aos passivos ambientais em conformidade com o Novo Código Florestal.

Faz-se necessário, ainda, o cumprimento das metas de Aichi da Convenção da Diversidade Biológica, em que o Brasil é signatário e prevê que 17% das zonas terrestres e de águas continentais devem estar protegidas por lei, já que no Cerrado o percentual de áreas protegidas é de apenas 7,73%, sendo que na categoria de proteção integral o índice é de míseros 2,89%. É urgente, também, aprovar um marco legal de proteção do bioma, caso da aprovação da PEC 504/2010, que trata de incluir na Constituição Federal o Cerrado e a Caatinga como patrimônio nacional, e do PL 25/2015, que dispõe sobre a conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do bioma.

Precisamos de um grande pacto contra a destruição do Cerrado, do contrário, em alguns anos, restará muito pouco desse bioma tão precioso. Está na hora de assumir que a agropecuária só pode se expandir sob pastos degradados e não sob ecossistemas naturais, ou seja, estabelecer um pacto pelo desmatamento zero no bioma, de modo que possamos salvar o Cerrado e fazer algo de concreto em prol do uso inteligente e sustentável. É o momento de a sociedade brasileira fazer uma escolha. Estamos atrasados.
 

Valor Econômico – O desafio de tirar do papel os compromissos climáticos / Artigo / Elisabeth de Carvalhaes

Em 2015, mais de 190 países firmaram um pacto mundial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e conter o aumento da temperatura média global em 2o C. Este acordo resultou em compromissos, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), que deverão ser colocados em prática a partir de 2020, obrigando governos a primar pela baixa emissão de carbono e consumir produtos e tecnologias mais sustentáveis.


Por isso, a 23ª Conferência das Partes (CoP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que acontecerá de 6 a 17 de novembro, na Alemanha, será muito importante do ponto de vista de conteúdo. Nela, as discussões para regulamentar os mecanismos econômicos que ajudarão a sustentar financeiramente a empreitada mundial se intensificarão.
Nós, brasileiros, já conhecemos nossa metas: reduzir as emissões dos gases do efeito estufa em 43% frente a 2005; restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas; incentivar a integração de lavoura, pecuária e florestas (ILPF) em 5 milhões de hectares; zerar desmatamento ilegal; atingir 45% de energias renováveis no mix brasileiro, sendo 18% em bioenergia; e expandir o consumo por biocombustíveis.


É preciso concretizar os estímulos que permitirão às empresas ampliar as atividades sustentáveis
Durante os próximos dois anos e meio - o tempo é muito curto - temos que definir como alcançar esta meta, quais serão os mecanismos de implantação e monitoramento. Para isso, é imperativo entender que este movimento não deve depender somente de recursos públicos, sob o risco desta conta acabar caindo no já prejudicado bolso do contribuinte. Então, como a conta será paga? Quais serão os mecanismos de mercado. Estima-se que o investimento para cumprir a NDC brasileira supere os R$ 750 bilhões, dos quais R$ 119 bilhões em reflorestamento para fins produtivos, R$ 51 bilhões em restauração florestal e R$ 50 bilhões em ILPF.


É necessária uma mudança cultural no pensamento de formadores políticos e de empresários. A agenda do clima deve ser encarada essencial no desenvolvimento socioeconômico e não apenas como uma pauta ambiental ou uma ação de marketing. Os setores devem caminhar na direção da economia de baixo carbono, valor que definirá mundialmente a indústria do futuro próximo.


Para incentivar a redução de emissão de CO2, pode-se penalizar tributariamente quem produz gerando impacto ao meio ambiente. Porém, em um país como o Brasil, com carga fiscal exorbitante, fica inviável sobretaxar a produção. Por outro lado, é possível trabalhar com ações positivas, criando impostos menores para a produção verde ou uma linha de incentivo a produtos renováveis.


Já há exemplos, como os da linha branca de eletrodomésticos ou do carro flex, que têm impostos reduzidos. Mas será que o governo terá fôlego para entregar enormes linhas de crédito a custo muito barato, abrir mão de impostos e incentivar a economia verde?


Na assinatura do Acordo do Clima, o então presidente francês François Hollande afirmou que a precificação do carbono será o responsável pela implantação da agenda do clima. Atualmente, existem 40 regiões no mundo que já adotam esta precificação. O Brasil ainda não precifica, mas já realiza estudos preparatórios.


A conexão com investimentos privados é decisiva para o sucesso desta tarefa, mas como incentivar a indústria a colaborar com a redução do aquecimento global? Para o setor florestal é crucial que o valor do carbono seja plenamente incorporado nas decisões de investimento e na rotina de produção. Para isso, a precificação via mercados é elemento essencial.


Outros avanços em processo de produção com ganho ambiental também podem ser monetizados, mas isso só será possível com investimento e mecanismo de remuneração que o próprio Código Florestal já prevê. No papel, já temos um dos marcos regulatórios mais avançados do mundo. Falta ao Brasil regulamentar estes mecanismos para que de fato diferenciem a nossa produção sustentável.


Neste ano, Executivo e Legislativo estão ocupados com a recuperação da economia. Nada melhor que esta retomada ocorra em bases cada vez mais limpas e sustentáveis, fatores que apoiarão a competitividade. É preciso falar sobre a política nacional do clima e seus reflexos na inserção internacional do Brasil. É um tema transversal que deve envolver diversos ministérios - Agricultura, Indústria e Comércio, Meio Ambiente, Relações Exteriores, Fazenda e Ciência e Tecnologia. Vários setores, entre os quais a indústria de árvores plantadas, já estão envolvidos. Esta política de "Estado" precisa incorporar os mecanismos de mercado que sirvam como geradores de demanda para a nova economia, verde por definição.


O primeiro passo é o incremento do diálogo estruturado com o governo brasileiro, para aprofundar a discussão nos meios estratégicos de implantação, como o artigo 6 do Acordo de Paris, que trata da construção dos mecanismos de mercado e o Artigo 9, que aborda o financiamento. No caso do Artigo 6, vale frisar que a criação dos mecanismos globais de carbono é um processo complexo. Ainda que cada país desenvolva iniciativas domésticas, a eficácia diminui muito se a regra de um não "fala" com a dos demais. E o Brasil, com certeza, receberá investimentos de regiões que não poderão gerar a mitigação necessária em seus próprios territórios.


Temos amplas condições de realizar a transição para a economia descarbonizada. As políticas públicas brasileiras já reconhecem, conceitualmente, o potencial e as oportunidades. Porém, é preciso concretizar os estímulos que permitirão às empresas incrementar as atividades sustentáveis, para que todos os agentes envolvidos, incluindo o consumidor, possam se motivar a escolher produtos com efeito positivo no clima. Neste contexto, o governo deve encarar a floresta produtiva como um bem estratégico e valioso, que será moeda de troca com países do Acordo do Clima e gerará enormes receitas para a recuperação da economia brasileira.

Os grandes fazem muita falta

Os grandes fazem muita falta

Por Vandré Fonseca
Um muriqui-do-sul em cativeiro no zoológico de Sorocaba. Foto: Wikipédia.
Um muriqui-do-sul em cativeiro no zoológico de Sorocaba. Foto: Wikipédia.


Nenhum outro bicho faz tão bem o trabalho realizado pelos muriquis. São os maiores macacos da área, capazes de consumir os maiores e a maior quantidade de frutos. E não param por aí, levam as sementes para locais mais longe. E isso é importante. E pode ter reflexos até no estoque de carbono da floresta.


“Vários estudos já demonstraram que dispersar a semente em uma distância maior aumenta a qualidade da dispersão, aumenta a probabilidade que essa semente vai sobreviver”, afirma a bióloga Laurence Marianne Culot, do Instituto de Biociências de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista (Unesp).


Laurence é a autora principal de um artigo publicado na Scientific Reports, em agosto deste ano, sobre os efeitos da perda de grandes dispersores e grandes predadores de sementes em dois parques estaduais paulistas na Mata Atlântica, Carlos Botelho e Ilha do Cardoso.


Ela analisou o recrutamento, nesse caso, a probabilidade das sementes se tornarem pequenas plântulas e sobreviverem por pelo menos um ano. A espécie estudada foi o cajati (Cryptocarya mandioccana), uma árvore que chega aos dez metros de altura e tem frutos carnudos.


O resultado demonstra que a perda dos animais maiores tem um impacto negativo na regeneração dessa árvore. No caso dos dispersores, a falta de muriquis é compensada apenas parcialmente por animais menores, como jacutingas e bugios, que espalham menos sementes e a distâncias menores.


Já quando se trata de predadores, a perda de porcos-do-mato (queixadas e catitus), os maiores encontrados nas áreas estudadas, abre espaço para um consumo maior dos pequenos roedores. O resultado surpreendeu os pesquisadores, que imaginavam a redução na perda de sementes na ausência dos animais maiores.


“Aconteceu o contrário, aumentou a pressão de predação das sementes”, conta Laurence. “Esses pequenos roedores que predam, consomem essas sementes, aumentaram nessas áreas onde os maiores predadores eram ausentes”, completa.


Laurence afirma que o resultado pode ter implicações sobre o estoque carbono na floresta. Árvores de madeira dura, como o cajati, têm grande capacidade de armazenar carbono. A bióloga alerta que a regeneração de espécies assim pode ter um impacto sobre o futuro estoque de carbono das florestas.

Saiba Mais
Artigo:  Synergistic effects of seed disperser and predator loss on recruitment success and long-term consequences for carbon stocks in tropical rainforests.