Publicado em abril 9, 2015 por
Redação
Se você acredita que a crise da água está somente relacionada com a
falta de chuvas e com a seca dos reservatórios, talvez esteja se
esquecendo de um estágio extremamente importante, a degradação dos
solos. O uso e manejo incorretos da terra comprometem os mananciais
provocando a desertificação de grandes áreas. A sobrevivência humana
neste planeta depende de todos os elementos da natureza e assim como a
água, os solos constituem insumo fundamental para o desenvolvimento
humano e ambiental.
Nenhuma nação consegue desenvolver-se plenamente sem acesso ao solo.
As suas riquezas são inumeráveis e em conjunto com todas as esferas que
compõe o planeta terra (atmosfera, hidrosfera, biosfera e a litosfera), o
solo é responsável pelos principais processos biogeoquímicos que
garantem a vida no planeta. Ademais, ele estoca a água e recicla
nutrientes, protege contra enchentes, sequestra carbono e abriga um
quarto da biodiversidade mundial.
Porém, estamos vivendo em um momento onde o mundo atual é urbano,
digital, eletrônico, consome muito e não comporta espaço nem discussão
sobre assuntos considerados rurais, de outra esfera que não sejam
brotados no cimento. Em meio a outras prioridades cotidianas, a água de
repente está sumindo das torneiras. Pronto, a realidade que ninguém
imaginava chegou às nossas casas. Repentinamente somos obrigados a
refletir e discutir o porquê que a pauta
‘racionamento de água’ se
tornou matéria diária nos grandes jornais, se há poucos meses não
estávamos informados que os nossos reservatórios de água, principalmente
na região sudeste, já estavam secos.
A nossa reflexão não precisa ir tão longe, os fatos estão bem perto.
Basta olharmos a nossa volta e veremos as cidades cada vez mais cheias,
menos arborizadas, os rios empanturrados de terra, de solo perdido,
juntamente com seus nutrientes e dos fertilizantes químicos, mas também
de esgoto e lixo de todo tipo. As taxas de desmatamento começam
novamente a subir, florestas viram savanas e as súbitas mudanças nas
temperaturas são constantes.
Isso sem entrar nas discussões sobre os
retrocessos das políticas públicas relacionadas ao meio ambiente, que
ora optam por ações urgentes incabíveis no meio da terra seca, como o
futuro rodízio de água em São Paulo, ora pelos cortes da água nas
indústrias, na agricultura e para os demais usuários, desestabilizando a
economia do país.
Mas o que o solo tem a ver com isso?
Que fique claro que o solo é um recurso natural, não renovável e
finito. Para continuar nossa reflexão, vale relembrar que necessitamos
dele para produzir 95% de nossos alimentos, roupas, moradia e energia.
Além disso, o solo também armazena e filtra a água, recicla os
nutrientes e constitui-se como um amortecedor contra as inundações.
Muitas vezes esquecido, é o seu papel na absorção do carbono, cooperando
na luta e na mitigação das mudanças climáticas.
Mesmo sabendo de sua importância, o solo está em perigo e não faz
parte das prioridades na agenda política. Segundo estudos da Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), cerca de dois
hectares de nosso solo são destruídos a cada minuto pelo crescimento
urbano em todo mundo. Já impropriamos 33% dos solos no mundo e em 2050
essa estatística pode alcançar os 60% se não adequarmos o uso e o manejo
com sustentabilidade.
As causas são diversas. Além do papel da
superpopulação nas grandes cidades, há também a intensificação da
agropecuária de grande a pequeno porte, o descontrole e aumento da
poluição, as atividades mineradoras. A expansão da agricultura
insustentável no século passado levou à destruição de cerca de 30-75% do
material orgânico das terras aráveis, e 50% do material orgânico nas
pastagens e pradarias. Essa perda massiva de matéria orgânica é
responsável por entre 25% e 40% do atual excesso de CO2 na atmosfera
terrestre. Estas ações antrópicas deixam o solo desprotegido,
contaminado e degradado e para se formar poucos centímetros de solo
fértil é necessário milênios.
A Amazônia vai virar sertão
Na Amazônia, também persistem atualmente várias práticas com efeitos climatológicos no sentido de maior agravo da seca.
Existem várias teorias sobre o futuro da Amazônia, caso os
desmatamentos não diminuam e políticas públicas adequadas não sejam
implementadas para a sua preservação. Uma das principais teses aponta
para a savanização, ou seja, a transformação da densa floresta em uma
vegetação rala, parecida com a do cerrado brasileiro, resultando,
possivelmente e em longo prazo, na formação de um deserto.
Atividades
humanas, como as citadas anteriormente, em conjunto com os fenômenos
climáticos, como longos períodos de seca e chuvas intensas, são algumas
das causas que podem nos levar a esse cenário.
Para entender como a floresta será afetada pelo aquecimento global, o
IPAM lidera uma pesquisa em Querência (MT), desde 2004, em áreas de
transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, conhecida como a parte
mais seca da Amazônia por motivos relacionados às queimadas.
A pesquisa
realiza queimadas controladas em três áreas de maneiras diferenciadas:
uma área intacta, outra com queima a cada ano e outra a cada três anos.
De acordo com os pesquisadores, nos anos iniciais nenhuma alteração foi
percebida. Mas em 2007, ano de extrema seca na região, o ambiente
começou a se transformar.
Após a queima foi possível identificar a
entrada de capim na mata, mudando todos os aspectos funcionais da
floresta e os processos de seus ecossistemas. Em 2010, novo período de
seca potencializou o processo e o fogo limpou a mata, abrindo espaço
para a entrada de gramíneas, transformando a Amazônia em algo mais
parecido com savana.
De acordo com os dados identificados, a floresta é severamente
afetada por queimadas em anos de seca, podendo causar uma degradação
permanente no bioma. Isso aponta que o bioma Amazônia merece
consideração urgente, pois é mais vulnerável às mudanças climáticas do
que imaginamos. Além dos estudos do IPAM demonstrarem como a floresta
será afetada, já existem fortes indícios de que eventos de seca extrema
serão cada vez mais frequentes na região.
É por isso que o desmatamento é
um dos fatores mais preocupantes, pois agrava o processo de
desertificação no bioma. O procedimento se inicia na retirada das
árvores, o que expõe o solo às fortes chuvas, frequentes na região. A
água deixa o solo enfraquecido, uma vez que carrega os materiais
orgânicos e nutrientes, além de pedras e detritos, provocando
assoreamento e diminuindo a vazão de água dos rios.
O solo empobrecido e
a diminuição do fluxo dos rios dificultam o nascimento de árvores nas
áreas abertas, onde a vegetação torna-se similar ao cerrado brasileiro.
Aos poucos perderia até mesmo as pequenas árvores e os arbustos, levando
ao surgimento de um ambiente semidesértico.
As consequências do avanço do processo de desertificação, tanto na
Amazônia, como nos outros biomas brasileiros, são graves e impactam não
apenas a questão ambiental nas regiões, como também podem ocasionar
problemas sociais e econômicos em diversos setores.
Alguns desses
impactos influenciam na diminuição da qualidade de vida da população, no
crescimento da pobreza, na perda de receita econômica, na redução dos
recursos hídricos e consequentemente no aumento das doenças e
subnutrição devido à falta de água potável. Para agravar o cenário, este
processo afeta igualmente o setor agrícola, com o comprometimento da
produção de alimentos, o que encarece a recuperação da capacidade
produtiva de extensas áreas desmatadas e aumenta a extinção de espécies
nativas.
Perante este cenário, o problema é muito mais fundamental do que uma
falta de conscientização dos indivíduos, onde informar a população em
todas as suas instâncias, urbana e rural, é de extrema importância.
Um problema nacional e mundial
Pela primeira vez o Brasil recebeu em Brasília um evento para se
falar do solo. Durante três dias, 25 a 27 de março, o Tribunal de Contas
da União (TCU) em parceria com diversos especialistas nacionais e
internacionais discutiram na
‘Conferência Governança do solo’ maneiras
e meios para aprimorar os mecanismos de governança relacionados a este
recurso, como também criar incentivos e estruturas para popularizar a
ciência do solo.
É fundamental tornar o assunto público, se queremos
obter sucesso e avanços para qualquer programa ou política pública que
envolva o assunto. A Conferência elaborou a
‘Carta de Brasília’,
onde compartilha com a sociedade as oportunidades de melhoria, que
refletem um conjunto de medidas estruturantes a serem priorizadas pelos
diversos atores responsáveis.
O encontro reflete também a iniciativa da ONU para este ano. A FAO declarou para 2015 o
Ano Internacional dos Solos (AIS) com
o objetivo de incentivar o debate sobre a importância do cuidado e da
preservação dos solos como responsabilidade mundial. Não é a primeira
vez que a ONU alerta sobre a relevância dos solos para a sobrevivência
do homem no planeta.
Em 2011 a FAO criou a Aliança Mundial pelo Solo com
o intuito de evitar a degradação e possíveis ameaças à segurança
alimentar do planeta. O AIS veio reforçar esta inquietação e juntar
esforços em colaboração com os governos e a Secretaria da Convenção das
Nações Unidas de Luta contra a Desertificação (UNCCD).
De acordo com Eve Crowley, Representante Regional Adjunta da FAO, o
AIS visa gerar a consciência de que é essencial manter um equilíbrio
cuidadoso entre a necessidade de preservar os nossos recursos naturais e
expandir a nossa produção de alimentos.
Veja o
infográfico da FAO,
onde é apresentado que além do agravamento da competição por terra e
água e os impactos das mudanças climáticas, a nossa segurança alimentar
atual e futuro depende da nossa capacidade de aumentar produtividade e
qualidade dos solos utilizados atualmente.
A
matemática para o desastre é simples: se nada for feito para deter a
erosão e o desmatamento, os dois principais fatores da degradação dos
solos, em 20 anos teremos perdido mais 240 milhões de hectares,
calculando 12 milhões ao ano, segundo a ONU. Eram 110 países que sofriam
com os problemas da erosão e com o aumento da desertificação, agora são
168, ou seja, uma média anual de quase 3 países nos últimos 24 anos.
A FAO pretende durante todo o ano de 2015 trabalhar com os governos,
as organizações da sociedade civil, o setor privado e todas as partes
interessadas para alcançar o total reconhecimento das importantes
contribuições dos solos para a segurança alimentar, a adaptação às
mudanças climáticas, os serviços essenciais dos ecossistemas, a
mitigação da pobreza e o desenvolvimento sustentável.
Muito mais que consciência sustentável
Pesquisadores afirmam que o processo de desertificação pode ser
controlado e evitado. Para isso, é necessário que haja forte propagação
do incentivo à preservação ambiental, além do apoio dos governos,
incentivo à educação e auxílio técnico para o manejo das áreas afetadas.
Precisa-se de muito mais esforços no sentido de evitar tipos de
exploração que contribuam para a desertificação, além de meios para a
restauração de áreas já atingidas. Um belo passo já iniciado pela FAO, o
qual seus países membros deveriam seguir, é a adesão por
campanhas governamentais de conservação do solo.
São também necessários programas para reabilitar terras deterioradas,
como o controle da lotação de gado em pastagens, programas de
reflorestamento das margens degradadas, preservação de reservas grandes
de floresta natural, no caso brasileiro das unidades de conservação
(UCs) e dos territórios indígenas (TIs).
Tipos de desenvolvimento encorajados também podem resultar em terra
fértil, como a exploração renovável de produtos florestais em vez de
pastagem na Amazônia, ou culturas arborescentes em vez de culturas
anuais.
Se
as políticas e incentivos corretos forem colocados em prática no mundo
todo, a matéria orgânica do solo poderia ser restaurada a níveis
pré-industriais dentro de 50 anos, que foi mais ou menos o tempo que a
indústria levou para reduzi-la. Isto iria compensar entre 24% e 30% de
todos os gases de efeito estufa atuais.
Carecemos de uma reorientação do sistema de incentivos e desincentivos
para tornar as ações preservadoras do meio ambiente rentáveis, e para
tornar as ações destrutivas antieconômicas. Caso contrário, nos próximos
anos as pautas das grandes mídias serão sobre o esgotamento geral dos
recursos naturais e não só na falta imediata da água.
Assistam o
video da Conferência Governança do Solo preparado pelo TEC.