O eleitor consciente não quer um presidente que pense e aja como o técnico Felipão.
Que país é este que melhora quando tudo para, e a bola rola? Os crimes
quase somem, só se pensa positivo, o trânsito flui, os homens choram
mais que as mulheres, e o Brasil dá ao mundo uma lição de civilidade e
bom humor, ao reverenciar craques de fora e confraternizar entre si e
com estrangeiros. O povo se dedica a torcer e festejar, mesmo quando a
Seleção decepciona. Hospedar celebrações é uma vocação nacional...
Não é, porém, o futebol que determinará o perfil deste país nos
próximos quatro anos. Manter ou mudar? E mudar quem, quanto, onde, com
que velocidade para ajudar o Brasil a competir sem vexame em educação,
saúde, transporte, segurança, meio ambiente e infraestrutura? O
mata-mata eleitoral depois da Copa, quando pendurarmos as rezas, é
decisivo e leva jeito de ser desleal. Vemos políticos decadentes e
reincidentes, que não resistiriam a um tira-teima. Muitos passes são
negociados na alcova. Apesar da bacanal partidária, a realidade da
eleição se limita, no fundo, a dois times: situação e oposição. Os
titulares querem decidir tudo logo. O pessoal no banco luta por uma
semifinal e uma final. O mata-mata deverá dividir o país.
Por mais que o brasileiro goste de Felipão, de seu ar bonachão e suas
fanfarronadas, o eleitor consciente não quer um presidente que diga,
como ele: “Gostou, gostou; não gostou, vai para o inferno”. Felipão deu
essa declaração na quinta-feira para jornalistas, na véspera do
confronto com a Colômbia. Felipão sempre reagiu mal a críticas à
escalação ou a seu estilo. Dias antes, chamara só alguns jornalistas
amigos para dar entrevista. “Aqueles que não foram convidados, é talvez
porque eu não goste tanto”, afirmou Felipão. Ele criticou a imprensa e
deu umas cutucadas ferinas, sem citar o nome, em seu antecessor, Mano
Menezes. Só faltou lamentar a herança maldita.
A Copa melhorou o humor nacional. Não se respira nada a não ser
futebol, e o brasileiro vai para os bares torcer pelas zebras
simpáticas. Não há a mais pálida lembrança do caos previsto nos
aeroportos ou nos estádios, só reclamações periféricas de obras
incompletas, filas e falta de comida. No Rio de Janeiro, as maiores
armas não são fuzis ou metralhadoras, mas coxinhas de frango, rodízio de
churrasco, caipirinhas, sol e telão na praia, namoros em vários
idiomas, feijoada e petiscos nas favelas. Em que próxima oportunidade as
cariocas verão tantos homens juntos, animados e disponíveis? Talvez em
2016.
Nossa maior tragédia, até a semana passada, era a queda de um “viaduto
da Copa” em Belo Horizonte, com mortes. E a ação criminosa de cambistas.
A gangue mais poderosa, suspeita a polícia, envolve um funcionário
estrangeiro da Fifa. Muito free-lancer vende ingressos descaradamente
nas redes sociais, por uma fortuna. Durante uma semana, tentei em vão
comprar oficialmente um ingresso no site da Fifa para assistir ao jogo
Alemanha e França no Maracanã. Uma amiga no Facebook disse que tinha um
amigo “repassando ingressos”. Entrei em contato. Ele queria R$ 3.500
pelo ingresso de R$ 660, “sem sol nem chuva”. Sério, a quem apelar?
Entre a Copa e a eleição, teremos pouco tempo para debater nossos
desafios e entender como cada partido pretende escalar os times de
governo. Algumas semelhanças os políticos têm com a Seleção. Falta meio
de campo. Os partidos se concentram no ataque e na defesa, abusam de
passes errados. Falta conjunto, sentimento de equipe. Talentos
individuais não mudam o rumo do Brasil. O desespero faz o capitão do
time (ou a capitã) se esconder, com medo de falhar na frente de todos e
bater para fora. Líderes de partidos dão chutões para a frente, sem
saber onde a Brazuca vai parar.
Dá vontade de dizer que jogar limpo e cadenciado, com criatividade,
honestidade e objetivos concretos, para todo o povo levar vantagem,
talvez credenciasse nossos políticos a ganhar um voto de coração,
orgulho e consciência. Do jeito como anda nossa política, ela desperta
vaia, indiferença ou idolatria. Todos esses sentimentos conduzem à
derrota do Brasil nos próximos quatro anos.
Como atrair os eleitores juniores, se a maior novidade recente do
Congresso foi o implante capilar de Renan Calheiros? Como recuperar a
confiança no exercício da política, se as promessas são sistematicamente
quebradas, como se nosso voto fosse para cambistas?
Os gols contra do
Brasil são péssimos serviços públicos, corrupção em todos os níveis de
governo, assaltos seguidos de morte em qualquer lugar e hora,
infraestrutura precária, inflação alta, crescimento baixo e aumentos
indiscriminados.
Os planos de saúde há 11 anos sobem mais que a inflação
e terão reajuste de 9,5%, o maior desde 2005. Esse é o verdadeiro
mata-mata brasileiro.
Fonte: Por RUTH DE AQUINO, revista Época - 05/07/2014 - - 11:46:10
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