Além da mordida de Suárez, que dizer das dentadas que os políticos dão uns nos outros?
RUTH DE AQUINO
27/06/2014 07h00
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As maiores zebras da Copa até agora foram protagonizadas por um herói
isolado e por milhões de vilões. O herói era o uruguaio Suárez, ou
“Luisito” para os íntimos. Ao abocanhar com seus dentes protuberantes o
ombro do italiano Chiellini, Suárez decepcionou torcedores e
patrocinadores – e foi suspenso. Logo no início da Copa, emocionou o
mundo ao vencer uma contusão séria, fazer um gol decisivo contra a
Inglaterra e beijar seu fisioterapeuta.
Por que o ídolo Celeste vira
vampiro em plena luz do dia e, assim, renuncia a si próprio, num
suicídio moral diante das câmeras?
Paixão e contato deveriam significar algo bem diferente. O “beijinho no ombro” do adversário rendeu ao craque suspensão por nove jogos oficiais e multa equivalente a R$ 247 mil. É uma tragédia pessoal.
Psicólogos do esporte afirmam que a dentada de Suárez revela alguém que não sabe lidar com a frustração. A mordida reincidente vai além do carrinho, da cotovelada, da rasteira e até da cabeçada – todas elas manifestações desleais e antiesportivas. Foi a terceira agressão primitiva dele. O close em vídeo é chocante. Mesmo assim, sou contra as manchetes sensacionalistas de “canibal”. Está claro que esse rapaz tem um problema e deve se tratar.
A outra zebra somos nós. Os vilões, no período que precedeu a Copa, eram o povo brasileiro. Houve tantos episódios de crueldade bárbara, tantos assassinatos com requintes de violência, domésticos ou urbanos, tantos protestos incendiários e desumanos, que todos perguntávamos, aturdidos: onde está o homem cordial do Brasil? Ele reapareceu com força total na primeira fase deste Mundial.
Os turistas estrangeiros elogiaram as belezas naturais do Brasil e foram conquistados por algo mais: o povo brasileiro, de todas as cores e todas as classes. “Fantastic people”, alegre, generoso, gentil, caloroso e atencioso – foi o que disseram de nós. Claro que os gringos não conseguem entender que o país decrete feriados mesmo sem jogo do Brasil, para evitar engarrafamentos. Um estudante de engenharia colombiano, Mario Rojas, achou ótimo: “O ambiente é maravilhoso, porque o país inteiro para na hora dos jogos”.
Especialmente no Rio, onde havia medo de insegurança, a Fan Fest na Praia de Copacabana tem sido um sucesso, um Carnaval fora de época, com azaração e beijaços entre várias nacionalidades. O sol carioca ajuda. O maior artilheiro da Copa é o povo. “As pessoas são extraordinárias e ajudam muito os visitantes”, afirmou o jornalista colombiano Jorge Ceballos. De vilões, viramos heróis...
Se somos anfitriões desse naipe, fica claro que a mordida raivosa das ruas pode ser evitada se nossa verdadeira “classe dominante” – a elite política, a burguesia do Planalto – respeitar os direitos básicos escritos na Constituição. A maioria dos brasileiros condena a violência contra o patrimônio público e privado, contra jornalistas e contra os trabalhadores. A maioria dos brasileiros também se sente desrespeitada no dia a dia.
Com a trégua do Mundial, ficou óbvio o que já sabíamos: o brasileiro prefere festa a protestos, prefere beijos a mordidas. Diante desse traço da personalidade verde-amarela, nossa classe política deveria ser mais inteligente e responsável, se não for pedir muito. Os governantes não deveriam abusar da cordialidade brasileira.
Podemos ser gentis, mas não servis. Festeiros, mas não alienados. Todas as pesquisas mostram que o brasileiro não é um povo deprimido. Recuperar a confiança e o otimismo no Brasil depende muito da classe política e de sua influência no mundo real, fora da Copa.
O que esperar, se muitos deles se mordem uns aos outros com dentes gananciosos, cheirando dinheiro como a seleção de Gana? As traições entre partidos e dentro de partidos se avolumam. O objetivo é levar vantagem nessa disputa onde tudo é permitido: cotoveladas, carrinhos por trás, socos e simulações. Não há coerência ideológica nem programas partidários claros. Só marketing.
Depois da abstenção e do voto nulo, suspeito que o voto útil seja a grande estrela da eleição de 2014, porque o eleitorado sente hoje mais rejeição que paixão. O troca-troca afobado entre políticos, por interesses eleitoreiros, tem sido apelidado de suruba eleitoral. Acho uma injustiça com o termo suruba.
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