Vale reler hoje o que o próprio Lula escreveu quando era candidato na “Carta ao povo brasileiro”
RUTH DE AQUINO
19/06/2014 21h45
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É uma vergonha e uma irresponsabilidade com o povo brasileiro a guerra
entre classes sociais que Lula vem fomentando. Uma guerra fictícia que
só serve a objetivos eleitoreiros.
Os insultos grosseiros dirigidos a
Dilma Rousseff na estreia da Copa do Mundo, no Itaquerão, têm sido
usados por Lula para atacar, mais uma vez, a tal “elite branca” que ele
adulou em 2002 como candidato à Presidência.
Há 12 anos, Lula tentava cativar banqueiros, empresários e a classe
média. Queria afastar o medo de que um metalúrgico sindicalista no
Planalto pudesse lançar o Brasil no comunismo.
Um medo infundado, porque
Lula manteve a política econômica de Fernando Henrique Cardoso e
conservou a seu lado ministros-chave. Lula prometia construir “um Brasil
solidário e fraterno, um Brasil de todos”. Uma de suas bandeiras era a
ética, a mudança na forma de fazer política, o combate inclemente à
corrupção.
>> Nem gols brasileiros impedem vaias a Dilma
Hoje, o que significa ser brasileiro e patriota? Quem faz greve, para o PT, é oportunista, e as paralisações são políticas, visam derrubar Dilma. Os estudantes que protestam por direitos como educação, saúde e transporte não passam de garotos mimados, filhinhos de papai.
Hoje, o que significa ser brasileiro e patriota? Quem faz greve, para o PT, é oportunista, e as paralisações são políticas, visam derrubar Dilma. Os estudantes que protestam por direitos como educação, saúde e transporte não passam de garotos mimados, filhinhos de papai.
Os médicos
e professores que exigem melhores salários e condições de trabalho são
antipatriotas. Melhor importar cubanos e pagar salários aviltantes
porque o grosso vai para Fidel. Os metroviários, os rodoviários tampouco
são o povo brasileiro, porque, afinal, tocaram o terror antes da Copa
das Copas. Os sem-terra e sem-casa, que não viram o governo do PT
cumprir um décimo das promessas de habitação, não passam de uns
ingratos.
O maior inimigo de Lula e Dilma, hoje em dia, é o que eles chamam de
“elite branca”. Primeiro, pela cor da pele – Lula já deixou claro que
brancos, na sua opinião, são perniciosos e causam desastres
internacionais na economia. Especialmente, os de olhos azuis.
Em segundo
lugar, estudaram demais, leram demais, fizeram mestrado, doutorado.
Segundo Lula, isso estraga o caráter. As convicções de Lula deveriam
impedi-lo, moralmente, de aceitar e comemorar os títulos de doutor honoris causa
de universidades no mundo inteiro.
Acadêmicos, professores
universitários, cientistas não são, definitivamente, “o povo
brasileiro”. Ricos, então... Esses deveriam ser banidos. Não os ricos
“públicos” – políticos, senadores, deputados, sindicalistas, amigos do
PT.
O ódio é contra os ricos “privados”. Esses são mal-educados, xingam
Dilma, em pleno estádio. O povo brasileiro não é assim. É cordial e
civilizado. E, quando sai quebrando tudo na rua, deixa de ser
brasileiro?
Temos presenciado o exercício pobre, populista, ignorante, de tentar
desviar a insatisfação popular para uma guerra entre classes sociais e
até entre grupos étnicos. É o maniqueísmo do Poder. Trata-se de um
recurso comum de governos acuados, de qualquer coloração política.
É bem
verdade que, dentro do governo, tem gente que se envergonha do “nós
contra eles”. Na quarta-feira, o ministro Gilberto Carvalho,
secretário-geral da Presidência, afirmou que não foi só a “elite branca”
que xingou Dilma. “Não tinha só elite branca, não! Fui e voltei de
metrô.
Tinha muito moleque gritando palavrão dentro do metrô que não
tinha nada a ver com elite branca. A coisa desceu! Esse cacete diário de
que não enfrentamos a corrupção, aparelhamos o Estado, somos um bando
de aventureiros que veio se locupletar, essa história pegou na classe
média.” A classe média no Brasil tem renda familiar per capita
de R$ 291 a R$ 1.019, segundo o governo.
Ela é centrista, conservadora
e, hoje, insatisfeita com a inflação crescente, o descontrole dos gastos
públicos, o baixo nível dos serviços públicos e a corrupção
institucionalizada. Ela estava no estádio.
Nesses momentos de retórica radical, vale entrar no túnel do tempo e
reler o que o candidato Lula escreveu há exatos 12 anos na “Carta ao
povo brasileiro”:
– O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Nosso
povo constata com pesar e indignação que a corrupção continua alta e,
principalmente, a crise social e a insegurança tornaram-se assustadoras.
O país não pode insistir nesse caminho. O povo brasileiro quer mudar
para valer. Quer trilhar o caminho da reforma tributária, que desonere a
produção. Da reforma agrária que assegure a paz no campo. Da redução de
nossas carências energéticas e de nosso deficit habitacional.
Da reforma previdenciária. O novo modelo não poderá ser produto de
decisões unilaterais do governo. Acredito que o atual governo colocou o
país novamente em um impasse. A estabilidade, o controle das contas
públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros.
Não são um bem exclusivo do atual governo. Vamos ordenar as contas
públicas e mantê-las sob controle.
Luiz Inácio Lula da Silva, 22 de junho de 2002.
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