Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima
- quinta-feira, 02 fevereiro 2017 16:00
O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados.
Vão-se os anéis, ficam os dedos. O Ministério do Meio Ambiente está
negociando com a bancada ruralista uma nova proposta de lei de
licenciamento ambiental que isenta da necessidade de licença 97% dos
imóveis rurais do país. O objetivo é evitar que a numerosa bancada
ruralista, apoiada pelas confederações nacionais da indústria e da
agricultura, aprove na Câmara dos Deputados o chamado “licenciamento
flex”, que na prática acabaria com o licenciamento ambiental no Brasil.
O ministro Sarney Filho (PV-MA) apresentou aos deputados em janeiro o
rascunho de um novo texto. Não será mais uma proposta do governo
federal, como se tentou fazer, mas uma espécie de construção coletiva –
ambientalistas e Ministério Público também serão chamados a palpitar no
texto, segundo declarou o ministro ao
OC.
Sarney resolveu tomar a dianteira da negociação com os deputados depois que a Casa Civil, no fim do ano passado,
retalhou a proposta original de lei elaborada pelo MMA,
que deveria ser enviada ao Congresso como projeto do Executivo. Diante
de reclamação do Meio Ambiente contra o enfraquecimento do texto, o
ministro Eliseu Padilha (PMDB-RS)
deu carta branca à Câmara para
votar o PL do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), redigido pelos
ruralistas em colaboração com a CNA e a CNI. Apelidado “licenciamento
flex”, o texto de Pereira essencialmente deixaria todas as decisões
sobre o rigor da licença nas mãos dos Estados – até mesmo a decisão de
não ter rigor algum.
O episódio quase causou a demissão de Sarney, que mandou uma
carta a Padilha pedindo
que interviesse para retirar o projeto de pauta, sob risco de causar
uma avalanche de ações na Justiça contra o licenciamento e uma guerra
ambiental entre os Estados. O “licenciamento flex”
acabou não sendo votado, mas o tema é prioridade máxima dos ruralistas para 2017.
A nova minuta do MMA, datada de 17 de janeiro, tem metade do número
de páginas do texto que saiu da Casa Civil e 31 artigos a menos. Ela
mantém a essência do projeto inicial, que considera a localização do
empreendimento o critério principal para definir o rigor do
licenciamento. Mas faz uma série de concessões que, se aprovadas,
enfraquecerão a lei em relação ao texto original e poderão dificultar a
fiscalização do desmatamento e tirar do gancho centenas de fazendas
embargadas pelo Ibama na Amazônia.
Uma das principais é a dispensa de licenciamento para propriedades
rurais com área de até 15 módulos fiscais. Um módulo fiscal é uma medida
que varia de município para município, usado pelo Incra (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para categorizar as
propriedades em pequena, média e grande e orientar as políticas
fundiárias. Na Amazônia, a medida de um módulo pode chegar a 100
hectares.
Segundo levantamento feito pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) a pedido do
OC,
97% das propriedades rurais registradas no Cadastro Ambiental Rural
estariam enquadradas na isenção (o CAR tem cerca de 3,2 milhões de
propriedades cadastradas). Mas o número pode crescer, porque também
estariam dispensadas de licenciamento todas as propriedades rurais em
“área consolidada”, ou seja, que foram desmatadas até junho de 2008 e
são passíveis de anistia pelo Código Florestal – independentemente de
sua área.
Ninguém sabe quantos imóveis existem nestas condições no Brasil; isso
será objeto dos PRA (Planos de Regularização Ambiental) do código nos
Estados, mas os ruralistas estão se mobilizando para incluir o maior
número possível de fazendas na anistia.
Essas isenções tendem a dificultar a ação do Ibama de embargo a propriedades com desmatamento ilegal na Amazônia.
O embargo tem sido o principal instrumento de controle do
desmatamento. No ano passado, a devastação chegou a quase 8.000
quilômetros quadrados, a maior em oito anos, com a emissão de cerca de
130 milhões de toneladas de gases de efeito estufa.
Hoje há cerca de 2.000 fazendas embargadas na região por falta de
licença ambiental. Se a lei de licenciamento for aprovada nesses termos,
cerca de metade delas poderia se livrar do embargo e voltar a tomar
crédito nos bancos.
“DOLO OU CULPA”
Outro ponto, que já está sendo criticado por especialistas que
tiveram acesso ao texto, é a responsabilização dos bancos pelo dano
ambiental. A proposta da Casa Civil, apresentada em novembro do ano
passado, isentava completamente o sistema financeiro de
corresponsabilidade por dano ambiental.
A nova minuta restitui em alguma
medida a responsabilização, mas com uma ressalva: as autoridades terão
de provar que houve “dolo ou culpa” da instituição financeira e ligação
causal entre o financiamento e o dano apontado. Como isso nem sempre é
simples de estabelecer, os bancos podem ficar mais à vontade para
emprestar para poluidores e degradadores.
Há mudanças também na chamada matriz de enquadramento, que define o
grau de rigor do licenciamento de acordo com o local, o porte do
empreendimento e seu potencial poluidor. Esta é a grande inovação da
proposta do MMA, que reconhece que um posto de gasolina na cidade de São
Paulo não pode passar pelo mesmo trâmite burocrático que uma
hidrelétrica na Amazônia.
Uma das principais novidades da lei geral de licenciamento, a matriz
será baseada no mapa de áreas prioritárias para a conservação do
Ministério do Meio Ambiente. Na proposta original, empreendimentos de
grande porte e alto potencial degradador precisariam de licenciamento em
três fases e com EIA (estudo de impacto ambiental) em qualquer
localização. A nova matriz só impõe essa necessidade caso o
empreendimento esteja em áreas de relevância alta e extremamente alta
para a conservação.
Procurado pelo OC, o ministro Sarney Filho afirmou que “não houve
afrouxamento” da proteção na minuta. “A concessão principal é no
licenciamento das atividades agrossilvopastoris em áreas consolidadas.
Mas isso não compromete de jeito nenhum, porque hoje é pior”, afirmou.
Sarney se mostrou otimista com a reação dos ruralistas – que toparam
sentar para discutir o texto com o ministro, cuja cabeça vinham pedindo
um dia sim e outro também – e da indústria. “Eles estão aceitando o EIA
com o mapeamento das áreas sensíveis.”
O deputado Mauro Pereira evitou fazer comentários a respeito da
proposta do MMA. Mas sinalizou que existe um diálogo. “Não há queda de
braço”, afirmou ao
OC. Os ruralistas ainda defendem a proposta do deputado gaúcho, mas temem uma onda de ações judiciais caso ela seja aprovada.
Pereira disse que a lei de licenciamento aguarda para ser votada “há
12 anos” e que a bancada tem pressa, mas que é preciso bom senso. “Não
adianta a Câmara estar na contramão do Ibama, do Conama [Conselho
Nacional do Meio Ambiente]. Temos de discutir como gente madura, senão
não anda.”
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.