quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Catástrofes geradas por mudanças climáticas custam cada vez mais caro, diz ONG

 

Catástrofes geradas por mudanças climáticas custam cada vez mais caro, diz ONG

No relatório foram contabilizados apenas os danos cobertos por seguros. A maior parte das perdas econômicas não estava assegurada, segundo a Christian Aid.

Casa em chamas na cidade de Vacaville, na Califórnia, em 19 de agosto de 2020 — Foto: Stephen Lam/Reuters

As 10 catástrofes naturais mais caras de 2020 geraram prejuízos de quase US$ 150 milhões (cerca de R$ 780 milhões). O valor, superior a 2019, reflete o aumento do impacto da crise climática, segundo a ONG britânica Christian Aid. Os desastres também deixaram 3.500 mortos e 13,5 milhões desabrigados, segundo o relatório anual da organização.

Dos incêndios monumentais na Austrália aos furacões em série no Caribe, o verdadeiro custo das catástrofes climáticas em 2020, reforçadas pelo aquecimento global, é na realidade muito mais elevado. No relatório foram contabilizados apenas os danos cobertos por seguros. A maior parte das perdas econômicas não estava assegurada, segundo a ONG.

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Sem surpresa, os países pobres arcaram com o preço mais alto, com apenas 4% das despesas pagas pelas seguradoras, contra 60% nos países ricos. O relatório cita um estudo recente publicado na revista The Lancet.

Responsabilidade

Moradores removem destroços de suas casas destruídas pela passagem do furacão Iota em Puerto Cabezas, na Nicarágua, no dia 17 de outubro de 2020 — Foto: Oswaldo Rivas/Reuters

Muitos países atingidos por catástrofes climáticas não têm grande responsabilidade pelo aquecimento global. Um exemplo é a Nicarágua, afetada pelo furacão Iota, o mais forte da temporada no Atlântico, e as Filipinas, atingida por Goni e Vamco.

Catástrofes desse tipo já ocorriam no planeta antes do aumento das mudanças climáticas provocadas pela humanidade, mas o aumento da temperatura em ao menos 1,1º C desde o começo da era industrial aumentou a frequência e os impactos.

“Sejam inundações na Ásia, gafanhotos na África ou tempestades na Europa e na América, a mudança climática continua a destruir em 2020”, disse Kat Kramer, responsável Clima da Christian Aid.

As cinco catástrofes mais caras de 2020 estavam ligadas principalmente a chuvas das intensas monções ocorridas na Ásia. “As inundações de 2020 foram as piores da história de Bangladesh, e deixaram mais de um quarto do país sob as águas”, diz Shahjahan Mondal, climatólogo da Universidade de Engenharia e Tecnologia de Bangladesh.

Tempestades e desastres

Desde 1971 não eram registrados cinco ciclones tropicais ativos ao mesmo tempo — Foto: CENTRO NACIONAL DE FURACÕES DOS EUA via BBC

Um grande número destes desastres causaram danos de ao menos US$ 5 bilhões (cerca de R$ 25 bilhões), como o ciclone Amphan no golfo de Bengala, em maio, os incêndios do oeste dos Estados Unidos durante o verão e o outono, ou os da Austrália, em janeiro.

Em 2020, o número de furacões no oceano Atlântico bateu um recorde, com 30 tempestades que provocaram pelo menos 400 mortes e US$ 41 milhões (cerca de R$ 200 milhões) em perdas nos Estados Unidos, na América Central e no Caribe, segundo o representante da ONG.

Entre as perdas mais importantes deste ano, a Christian Aid destaca também duas tempestades que varreram a Europa causando um total de prejuízos de US$ 5,9 bilhões: Ciara, no Reino Unido e na Irlanda em fevereiro, e Alex, na França e Itália em outubro.

O aumento das catástrofes climáticas corresponde a previsões científicas e aos progressos feitos nos últimos anos pela ciência conhecida como “de atribuição”, que permite avaliar quantas vezes é provável que um evento específico causado pelas mudanças climáticas aconteça.

O acordo de Paris sobre o clima prevê limitar o aquecimento a 2º C, se possível 1,5º C, em relação à era pré-industrial, mas os compromissos de redução de gases do efeito estufa dos Estados ainda são insuficientes para atingir estes objetivos.

Fonte: G1

O pequeno inseto de 1 mm que salvou economia de um país

 

O pequeno inseto de 1 mm que salvou economia de um país

Antes de os pesticidas químicos serem inventados, os agricultores dependiam de predadores locais para controlar as pragas que devastavam plantações, mas agora a prática está sendo revitalizada.

Antes de os pesticidas químicos serem inventados, os agricultores dependiam de predadores locais para controlar as pragas que devastavam plantações — Foto: Getty Images via BBC

Espalhados entre as florestas com alta biodiversidade do Sudeste Asiático, milhões de fazendeiros tiram seu sustento do cultivo de mandioca. Essa safra comercial — cultivada tanto por pequenos agricultores que possuem apenas um ou dois hectares de terra, quanto por fazendas industriais que se estendem por milhares de hectares — é vendida sobretudo para fabricantes que usam o amido do tubérculo em plásticos e colas.

Quando a mandioca foi importada pela primeira vez da América do Sul para o Sudeste Asiático (como aconteceu com a África algumas décadas antes), ela era capaz de ser cultivada sem a ajuda de pesticidas.

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Mas, em 2008, um inseto chamado cochonilha acompanhou o tubérculo até a região e começou a devastar as lavouras. Para compensar as perdas, agricultores começaram a avançar pela floresta no entorno de seus terrenos na tentativa de obter uma produção um pouco maior em suas terras.

“Algumas dessas áreas estão sob pressão significativa do desmatamento”, afirma Kris Wyckhuys, especialista em controles biológicos do Instituto de Proteção de Plantas da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas em Pequim.

“O Camboja tem uma das taxas mais altas de desmatamento tropical”, acrescenta.

A chegada da cochonilha não só teve um grande impacto no sustento daqueles que cultivam mandioca, como também afetou as economias dos países da região e pode ter reverberado em outros lugares.

Produtos alternativos no mercado de amido, como milho e batata, aumentaram de preço. O preço da fécula de mandioca triplicou na Tailândia — o maior exportador mundial do produto.

“Quando um inseto reduz a produção agrícola em 60-80%, você tem um grande choque”, diz Wyckhuys.

A solução foi encontrar o inimigo natural da cochonilha, uma vespa parasita de 1 mm de comprimento (Anagyrus lopezi), em sua terra natal, a América do Sul.

Essa vespa é extremamente seletiva no uso da cochonilha como hospedeiro de suas larvas. No fim de 2009, ela foi introduzida nas áreas de cultivo de mandioca na Tailândia e começou a agir sobre as cochonilhas.

Não há informações detalhadas sobre quão rápido a vespa conteve a população de cochonilhas no país. Mas, em meados de 2010, “as vespas parasitas estavam sendo criadas aos milhões e liberadas em massa em toda a Tailândia, inclusive por avião, e podemos supor que seu impacto sobre as populações de cochonilhas pôde ser sentido com bastante rapidez”, afirma Wyckhuys.

A safra de mandioca é extremamente importante para as economias do Sudeste Asiático — Foto: Getty Images via BBC

Quando a mesma vespa foi usada para controlar as cochonilhas na África Ocidental no início dos anos 1980, ela suprimiu imediatamente os níveis da praga — de mais de 100 em cada extremidade da mandioca para menos de 10-20.

Menos de três anos depois, a vespa havia se dispersado efetivamente por mais de 200 mil km² no sudoeste da Nigéria e podia ser encontrada na grande maioria das plantações de mandioca da área.

Esse tipo de intervenção é denominado controle biológico clássico. Você encontra um predador natural e o introduz em uma plantação para conter a propagação de uma praga.

Wyckhuys calcula o benefício econômico para os agricultores em 26 países da Ásia-Pacífico em cerca de US$ 14,6 bilhões a US$ 19,5 bilhões por ano.

“A ação de uma vespa de 1 mm ajudou a resolver um impacto financeiro significativo no mercado global de amido”, diz ele.

Nosso conhecimento sobre os benefícios que o predador certo pode trazer para terras agrícolas remonta a centenas de anos, embora o biocontrole tenha saído de moda nas práticas agrícolas modernas.

“O controle biológico foi o padrão por milhares de anos, então é engraçado pensar nisso como algo novo”, diz Rose Buitenhuis, cientista da organização científica independente de horticultura, Vineland Research and Innovation Centre, em Ontário, no Canadá.

Se o controle biológico pode ser tão bem-sucedido, por que agora é um método pouco usado no combate a pragas? O que acontece quando dá errado? E por que os pesquisadores estão fazendo pressão para mudar isso?

Para as civilizações pré-colombianas da Mesoamérica, os sapos-cururu existiam em algum lugar entre a vida e a morte — e eram reverenciados como mediadores do submundo. Os anfíbios produzem uma toxina poderosa capaz de induzir experiências alucinógenas que os sacerdotes usavam em rituais para se comunicar com seus ancestrais mortos.

A civilização maia é famosa por cultuar cobras e aves de rapina, que aparecem em exemplares primorosos da arte Mesoamericana. Mas os maias e outros povos indígenas também retrataram o sapo em seu artesanato, muitas vezes sorrindo alegremente como se estivesse desfrutando dos efeitos de sua própria toxina psicodélica.

Os maias esculpiram sapos e rãs em potes e vasos. Como animais semiaquáticos e arautos da chuva — essenciais para a saúde das plantações — eles eram sinônimo de água e, portanto, de vida. A metamorfose dos ovos em girinos e sapos indicava o início da estação das chuvas, emergindo da água como se emergisse do mundo subterrâneo.

Este antigo artesanato maia em forma de sapo-cururu celebra o anfíbio — Foto: Justin Kerr/K5935/Dumbarton Oaks

O sapo também era visto como um aliado poderoso para manter afastadas as pragas que destroem as plantações. Eles eram bem-vindos em milharais e silos, onde agiam como predadores naturais de besouros e pequenos roedores que podiam dizimar uma plantação.

Mas a mesma neurotoxina, a bufotenina, que os sacerdotes usavam como alucinógeno também era a principal defesa do sapo-cururu contra seus próprios predadores — e é venenosa o suficiente para matar um ser humano se ele for descuidado.

Os povos indígenas da Mesoamérica compreenderam a dualidade do mundo natural. O sapo-cururu representava tanto a vida quanto a morte. Pintado em um vaso maia está um sapo-cururu que apresenta uma bandeja com um olho, osso e mão humanos para um jaguar e uma serpente que dançam alegremente no submundo.

Os maias respeitavam o poder do sapo e saudavam sua presença. Eles também sabiam que mexer com a natureza pode ter consequências perigosas.

O sapo-cururu é odiado na Austrália. Importado das Américas como um biocontrole em 1935, ele prosperou em seu novo ambiente, as plantações de cana-de-açúcar no nordeste do país. A abundância de sua presa favorita, o besouro-da-cana, junto com outros insetos australianos nativos, e a ausência de predadores adequados, levaram a um boom de sapos-cururu.

Em 2007, estimou-se que o sapo-cururu cobria cerca de 1,2 milhão de quilômetros quadrados de selva australiana, com 1,5 bilhão de representantes da sua espécie. E é provável que seu alcance aumente com as mudanças climáticas.

O sapo-cururu secreta sua perigosa bufotoxina por meio das glândulas atrás de sua cabeça — Foto: Getty Images via BBC

O resultado foi devastador. As populações de predadores despencaram — espécies que normalmente se alimentariam de sapos nativos, como quolls, um tipo de marsupial, e goannas, um lagarto-monitor grande, morreram por causa da toxina do sapo-cururu. O governo australiano e ativistas locais destroem milhões de sapos todos os anos.

A reputação do sapo-cururu é tão ruim no país que o drama do anfíbio tem sido tema de livros infantis irônicos.

“Os sapos foram soltos contrariando os pareceres científicos da época”, afirma Wyckhuys.

Liberar os sapos “era algo que nunca deveria ter sido feito e é totalmente impossível no biocontrole moderno — você não libera predadores vertebrados generalistas, polífagos. Não é um alerta vermelho pequeno, é um alerta vermelho enorme”.

O sapo-cururu não está sozinho. Há pelo menos dez casos de biocontroles que se tornaram espécies invasoras ao longo da história. Na Segunda Guerra Mundial, as forças japonesas e aliadas liberaram peixes-mosquitos para atacar larvas de mosquitos na tentativa de reduzir a propagação da malária entre as tropas nas ilhas do Pacífico.

Esses pequenos peixes de aparência inofensiva são agora uma espécie invasora naquela área, onde se dispersaram rapidamente e desbancaram as espécies locais. O mesmo se aplica à joaninha asiática na Europa, introduzida para controlar afídeos.

Como resultado de desfechos como esses, o uso de controles químicos — pesticidas — ganhou força na primeira metade do século 20. Mas, com um punhado de exceções, a imagem controversa dos biocontroles é amplamente infundada. As introduções bem-sucedidas de biocontroles superam as falhas em pelo menos 25 vezes.

Por isso, alguns pesquisadores estão tentando mudar agora a percepção em relação aos controles biológicos. E dizem que os dias dos pesticidas estão contados.

Será o fim dos pesticidas?

“Os controles químicos resolveram muitos problemas nas décadas de 1930, 1940 e 1950”, diz Buitenhuis.

“Os agricultores não precisavam trabalhar tanto. Eles podiam simplesmente ir até o armário, pegar um spray e as pragas morreriam.”

O problema com os controles químicos é que as espécies de pragas se reproduzem rapidamente, o que significa que um indivíduo resistente a um pesticida pode produzir descendentes resistentes muito rápido.

Os produtores de pesticidas precisam então aperfeiçoar constantemente seus produtos apenas para estar à altura da praga — o que Buitenhuis chama de esteira da resistência a pesticidas, e é conhecido em outros lugares como “efeito Rainha Vermelha”, em referência à personagem de “Alice Através do Espelho”.

Se o uso de pesticidas deve diminuir, será que mais agricultores vão recorrer a controles biológicos como esta vespa parasita? — Foto: Getty Images via BBC

O número de pesticidas disponíveis para os agricultores está se esgotando. Em 2018, três inseticidas de uma classe de substâncias químicas chamadas neonicotinoides foram proibidos de forma definitiva pela União Europeia, tendo seu uso já severamente restringido em 2013.

Esses produtos químicos, que têm uma estrutura semelhante à da nicotina, revestem as sementes para protegê-las de pragas no solo. No entanto, conforme a plantação cresce, o pesticida é absorvido e se espalha por todo o tecido da planta, se acumulando no pólen e no néctar. Polinizadores selvagens e domesticados que se alimentam dessas plantas são então expostos ao pesticida.

Os críticos da proibição apontam que limitar os pesticidas para o tratamento de sementes pode acabar levando à sua substituição por pesticidas em spray, que podem ser igualmente prejudiciais para os polinizadores e são mais caros para os agricultores.

“Há uma grande variedade de fatores sociais e ecológicos negativos associados aos pesticidas”, diz Wyckhuys.

“Dos gases de efeito estufa usados ​​para produzir e distribuir produtos químicos — emissões significativas de gases do efeito estufa — às implicações para a saúde dos agricultores e consumidores. Os impactos não se restringem apenas às plantações ou às fazendas, mas são amplificados pela paisagem [por lixiviação] , propagados pela água ou poeira, absorvidos no ar por aerossóis. “

Resíduos de pesticidas foram encontrados na floresta nublada da Costa Rica e na Grande Barreira de Corais na Austrália. E quando os pesticidas aparecem no lugar errado, eles se tornam biocidas — algo que mata a vida.

Ao contaminar o meio ambiente ao redor das terras agrícolas, eles simplificam comunidades biológicas e degradam ecossistemas. O que atrai os cientistas, como Wyckhuys, na técnica de biocontrole é que sua aplicação pode ser muito mais direcionada.

Caroline Reid, líder técnica da Bioline Agrosciences, produtora de controle biológico no Reino Unido, concorda. Se você somar à especificidade dos biocontroles a redução no número de produtos químicos seguros para uso e o incentivo à agricultura sustentável por toda a União Europeia, você vai entender por que os biocontroles estão ganhando cada vez mais força.

Mas como eles funcionam?

Controles biológicos

Há basicamente três tipos de biocontroles: predadores, parasitoides e patógenos. Sapos-cururu são um exemplo de biocontrole predatório. Eles se alimentam de besouro-da-cana, mas infelizmente não são muito exigentes (são “polífagos”), e na Austrália começaram a se alimentar de outros insetos nativos que não eram pragas.

Os parasitoides são um pouco mais macabros. Frequentemente, esse tipo de biocontrole é feito por espécies de vespas ou moscas parasitas que colocam seus ovos dentro de lagartas ou besouros apenas para que as larvas resultantes escapem do abdômen do hospedeiro, matando-o no processo.

Já os patógenos podem assumir a forma de fungos, vírus ou bactérias que matam ou tornam seu hospedeiro infértil. Eles tendem a ter como alvo espécies bastante específicas de pragas, o que os torna uma escolha popular para pesquisas modernas de biocontrole, uma vez que há um risco menor de atacarem outras espécies inofensivas com consequências indesejadas. Embora, como todos nós descobrimos recentemente, os vírus podem de vez em quando saltar de espécies com bastante sucesso.

Biocontroles bem-sucedidos devem ter uma alta taxa de reprodução, para que possam se multiplicar rapidamente ao detectar uma praga, ser bem específicos no que se refere às espécies que têm como alvo e capazes de buscar suas presas com eficiência.

Na prática, nenhum controle biológico é perfeito. Então, os pesquisadores pesam os riscos associados a cada um deles.

Há ainda três maneiras como os controles biológicos podem ser aplicados a uma plantação: clássica, de conservação e abordagem aumentada.

O sapo-cururu é um exemplo (embora um tanto ruim) do biocontrole clássico — em que uma nova espécie é introduzida no meio ambiente.

“A forma clássica de biocontrole é voltada especificamente para o manejo de espécies invasoras”, diz Wyckhuys.

O biocontrole oferece a opção de voltar à região de origem daquela praga, estudar os inimigos naturais coevoluídos e escolher os organismos que são altamente eficazes no seu controle.

“Não queremos introduzir um organismo que vai atacar outros organismos. Selecionamos um biocontrole eficaz que seja altamente específico”, explica Wyckhuys.

Alternativamente, em abordagens de conservação, pode-se ajudar predadores que já existem numa região ao proteger seu habitat. Isso pode ser feito aumentando a quantidade de cercas-vivas ou pradarias ao redor de uma plantação.

Em um estudo sobre o cultivo de repolho, onde havia uma alta proporção de pradarias ao redor de uma plantação, o número de lagartas comedoras de repolho foi menor. Isso provavelmente se deve à maior presença de vespas parasitas nesses ambientes, dizem os pesquisadores.

No entanto, em outros casos, as pradarias promoveram a presença de espécies de pragas como afídeos e besouros-pulga. Não é tão simples quanto introduzir mais pradarias para reduzir as pragas — a dinâmica entre as terras agrícolas e as terras selvagens precisa ser administrada com cuidado.

Biocontroles de conservação como este também se limitam ao controle de pragas nativas do ambiente local. Como os biocontroles clássicos, muitas espécies de pragas foram introduzidas pela primeira vez em seu ambiente pelo homem — elas já não estavam lá necessariamente. Como os países importam sementes e safras do mundo todo, é fácil presumir que uma ou outra praga venha junto acidentalmente. Agora, quando se encontram em um novo ambiente sem um predador natural, elas prosperam.

Uma vespa parasita (Cotesia congregata) sobe em uma lagarta, seu hospedeiro, onde depositará ovos — Foto: Getty Images via BBC

Finalmente, em abordagens aumentadas, um patógeno ou parasita é introduzido em uma plantação em um momento chave — talvez quando as pragas começam a se reproduzir ou botar ovos, ou até mesmo antes da chegada da praga — de modo que as espécies de controle rapidamente anulem sua ameaça, antes que sejam reduzidas e também extintas naquela área. A vantagem dessa abordagem é que você pode ser muito específico ao atacar as espécies de pragas.

“O controle aumentado é muito popular no setor de estufa europeu”, diz Wyckhuys.

“Em algumas áreas, o uso de pesticidas é zero.”

As estufas são reduto dos biocontroles há décadas, mesmo quando os pesticidas químicos tiveram seus anos de boom. Elas têm a grande vantagem de ser um sistema mais ou menos fechado, não permite que um biocontrole predatório saia voando por aí. Depois, há o fato de que as plantações em estufa tendem a ter um valor mais alto — tomates, pimentões e pepinos são vendidos por um valor mais alto por unidade de área do que os cereais, por exemplo.

Nos últimos anos, a popularidade dos biocontroles se espalhou para outros setores, como floricultura, viticultura (cultivo de uva) e de frutas ao ar livre, como morangos.

“No Canadá, fizemos um levantamento em 2017/2018, 92% dos floricultores usam o biocontrole como principal estratégia de controle de pragas”, diz Buitenhuis.

“É uma história de sucesso incrível e surgiu por causa da resistência aos pesticidas, especialmente no Canadá.”

Buitenhuis e Reid sabem que quando os agricultores de grandes áreas de plantio passarem a adotar biocontroles para seus cereais e grãos, os ventos terão voltado a soprar a seu favor.

“Se um agricultor de culturas arvenses decidiu que um controle biológico pode ser usado no trigo ou na cevada, nós resolvemos a questão”, afirma Reid.

Da mesma forma, Buitenhuis diz que convencer países como Colômbia, Equador e Quênia a adotar tais abordagens seriam “grandes vitórias”.

“Está chegando”, diz Buitenhuis.

“Usar apenas produtos químicos não é uma estratégia sustentável de longo prazo.”

Fonte: G1

As espécies escondidas nas profundezas do Atlântico que a ciência desconhecia até agora

 

As espécies escondidas nas profundezas do Atlântico que a ciência desconhecia até agora

Estudo de quase cinco anos no Atlântico profundo revelou novos moluscos, musgos e corais — muitos dos quais são ameaçados pelo impacto das mudanças climáticas nas águas marítimas.

Epizoanthus martinsae vive em corais negros em profundidades de quase 400 metros — Foto: Atlas via BBC

Um estudo que investigou as profundezas do oceano Atlântico durante quase cinco anos revelou detalhes sem precedentes de 12 espécies até então desconhecidas da ciência.

Trata-se de musgos marinhos, moluscos e corais que não tinham sido descobertos até agora porque o fundo do mar é ainda muito inexplorado, afirmam os cientistas.

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Mas os pesquisadores alertam que os animais recém-descobertos já podem estar sob a ameaça das mudanças climáticas, que estão mudando a composição das águas marítimas.

O dióxido de carbono absorvido pelo oceano está tornando-o mais ácido, causando a corrosão dos esqueletos dos corais.

Os cientistas envolvidos no projeto, chamado de Atlas, enfatizaram que “não é tarde demais para proteger essas espécies especiais” e os importantes habitats que elas ocupam.

Corais são como as fundações das cidades nas profundezas, fornecendo abrigo e comida para várias espécies — Foto: Atlas via BBC

Algumas descobertas importantes da missão no Atlântico:

  • Novas espécies: “Pelo menos” 12 novas espécies de águas profundas. A equipe também encontrou cerca de 35 novos registros de espécies em áreas onde antes eram desconhecidas
  • Mudanças climáticas: o aquecimento dos oceanos, a acidificação e a diminuição da disponibilidade de alimentos irão se combinar para mudar significativamente e reduzir a disponibilidade de habitats adequados para as espécies do fundo do mar até 2100
  • Fontes hidrotermais: os cientistas descobriram um campo destas fontes termais no fundo do mar nos Açores, em Portugal. Os campos hidrotérmicos são áreas importantes de produtividade biológica relativamente alta, que hospedam comunidades complexas no meio do vasto oceano profundo

Cidades das profundezas

A Antropora gemarita se alimenta de partículas de comida suspensas na água — Foto: Atlas via BBC

Como observou o professor George Wolff, químico oceânico da Universidade de Liverpool que esteve envolvido no projeto, “ainda podemos dizer que temos mapas melhores da superfície da Lua e de Marte do que do fundo do mar”.

“Então, sempre que você vai para o fundo do oceano, você encontra algo novo — não apenas espécies individuais, mas ecossistemas inteiros.”

O professor Murray Roberts, da Universidade de Edimburgo — que liderou o projeto Atlas—, disse à BBC News que quase cinco anos de exploração e investigação revelaram alguns “lugares especiais” no oceano e “como eles funcionam”.

“Encontramos comunidades inteiras formadas por esponjas ou corais, que formam as cidades do fundo do mar”, explicou.

Equipamento de robótica subaquática permitiu a exploração em profundidades que esmagariam mergulhadores humanos — Foto: Atlas via BBC

“Elas sustentam a vida. Portanto, peixes realmente importantes usam esses locais como áreas de desova. Se essas cidades forem danificadas por usos humanos destrutivos, esses peixes não terão onde se reproduzir e a função de todos esses ecossistemas será perdida para as gerações futuras.”

“É como entender que a floresta tropical é um lugar importante para a biodiversidade terrestre. O mesmo vale para o fundo do mar: há lugares importantes que precisam ser protegidos — e, o mais importante, todos estão conectados.”

Diminuindo a velocidade das correntes oceânicas

Os pesquisadores realizaram mais de 40 expedições atlânticas para explorar o fundo do oceano em detalhes — Foto: Atlas via BBC

O projeto envolveu pesquisadores de 13 países ao redor do Atlântico — combinando química e física oceânica, além de descoberta biológica, para descobrir como o ambiente do oceano está mudando com o aquecimento mundial e como os humanos exploram mais do fundo do mar para pesca e extração de minerais.

O estudo das correntes oceânicas e dos depósitos de fósseis no fundo do mar revelou que as principais correntes do Atlântico Norte diminuíram drasticamente em resposta às mudanças climáticas.

“As implicações disso são complicadas, mas potencialmente as conexões entre os ecossistemas estão sendo reduzidas”, explicou o professor Roberts, porque as correntes oceânicas são as rodovias que ligam diferentes habitats na vastidão do oceano profundo.

Fora de vista

Um briozoário chamado Microporella funbio foi descoberto em um vulcão submarino de lama na costa espanhola — Foto: Atlas via BBC

“O valor de todo esse conhecimento nos permite entender o que podemos arriscar e perder”, disse a professora Claire Armstrong, economista de recursos naturais da Universidade de Tromsø, na Noruega.

“O fundo do oceano pode estar tão longe da vista e da mente que não temos consciência do que estamos fazendo aos seus ambientes e das consequências do que fazemos.”

Com uma população global em crescimento, poluição crescente e áreas emergentes de atividade comercial no fundo do mar, incluindo a prospecção para produtos médicos e industrialmente úteis, os cientistas marinhos dizem que é vital preencher as lacunas em nosso conhecimento sobre o oceano.

O oceano não é um recurso infinito, acrescentou o professor Armstrong. “Conservar e saber o que podemos precisar no futuro é muito, muito difícil.”

Fonte: G1

O projeto que tenta resolver ‘briga’ entre agricultores e arara ameaçada de extinção na Caatinga

 

O projeto que tenta resolver ‘briga’ entre agricultores e arara ameaçada de extinção na Caatinga

Espécimes de arara-azul-de-lear cresceram em número, para alívio de conservacionistas; mas, como seu habitat natural está desmatado, elas se voltaram aos milharais da região para se alimentar.

Arara-azul-de-lear em um licurizeiro, a palmeira que dá o licuri, um coquinho que cresce aos cachos nestas árvores. O alimento é a principal fonte de nutriente destas aves, mas a escassez provocada pela seca e desmatamento está levando as aves a atacarem milharais. — Foto: Marcelo Brandt/G1

Graças a projetos de recuperação e proteção de sua população, o número de exemplares de arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) — uma espécie ameaçada de extinção, que vive exclusivamente na região conhecida como Raso da Catarina, na Caatinga do Nordeste da Bahia — aumentou de apenas 60 para mais de 1,7 mil nos últimos 40 anos.

É uma boa notícia, sem dúvida, mas que trouxe um efeito colateral indesejado, não previsto.

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Devido à escassez de sua comida natural preferida, o coquinho licuri (coquinho pequeno que dá em cachos grandes), as aves se voltaram aos milharais, entrando em conflito com os agricultores do entorno da área de proteção onde vivem.

De acordo com a agrônoma e mestre em Ciências Florestais Kilma Manso Raimundo da Rocha, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), que atua na região desde 2005, a conservação da arara-azul-de-lear se deve a um conjunto de esforços de diferentes instituições, responsáveis, dentre outras ações, pela proibição do tráfico de animais silvestres e à caça furtiva; preservação do habitat da espécie; pesquisas sobre ela e seu ambiente; mitigação dos conflitos com produtores rurais e educação ambiental.

Retorno de arara quase extinta na caatinga mostra os desafios da conservação de espécies

“O aumento da população de araras é o resultado direto da integração dessas ações, quer desenvolvidas em conjunto ou de forma isolada, há mais de três décadas”, diz.

Mas com o aumento do número das aves vieram os conflitos com os agricultores, principalmente com os plantadores de milho, que, na região, serve de alimentos para as pessoas, o gado e as galinhas.

E agora, contra a vontade dos produtores, alimenta também as araras-azuis-de-lear. “Infelizmente, a espécie é considerada praga por eles na região do Raso da Catarina, por atacar sistematicamente milharais”, conta Kilma.

Arara-azul-de-lear — Foto: ECO

Segundo ela, os ataques às lavouras de milho ocorrem em diversas fases de cultivo, mas principalmente durante o período de amadurecimento das espigas.

“E por causa do grande número de araras que compõem os bandos que atacam os milharais, os danos costumam ser bastante severos, resultando em perda de praticamente toda a área cultivada e, por conseguinte, acarretando sérios prejuízos aos agricultores“, explica Kilma.

Um bando grande delas, por exemplo, é capaz de destruir um hectare de lavoura (cerca de 1,5 campos de futebol) em um ou dois dias.

No contra-ataque em defesa de suas plantações, os produtores usam pedras, paus e até armas de fogo.

Desmatamento

Segundo Kilma, os conflitos ocorrem por dois motivos principais: o crescimento vertiginoso da população de araras, principalmente nos últimos 15 anos, e o aumento significativo das áreas desmatadas, com a destruição da vegetação nativa, que fornecia alimentos para as aves.

Entre as plantas que oferecem comida para as araras-azuis-de-lear e que tiveram sua área diminuída está a palmeira licurizeiro, que produz o coquinho licuri, a iguaria preferida delas.

Licuri, coco que cresce aos cachos em palmeiras do sertão da Bahia, o alimento preferido da arara-de-lear. — Foto: Marcelo Brandt/G1

Também contribuíram as secas, cada vez mais constantes e prolongadas, que reduzem a oferta de alimentação natural na caatinga.

“Então temos por um lado, um número muito maior de araras em busca de comida e de outro um aumento contínuo da área desmatada”, explica Kilma.

“Resumindo, temos mais aves e menos alimentos da vegetação nativa. Então, com isso elas se lançam nas áreas agrícolas.”

Recompensa

Arara-azul-de-lear — Foto: ECO

Para mitigar o conflito entre os agricultores e as aves, Kilma criou a ONG ECO — Organização para Conservação do Meio Ambiente, que desenvolve o Projeto para Ressarcimento de Danos aos Milharais Decorrentes de Ataques de Araras-Azuis-de-Lear, que repõe aos produtores a mesma quantidade milho que elas destroem.

“O objetivo principal da iniciativa é evitar atitudes hostis (muitas das quais resultantes em morte das aves) contra as araras, por parte dos agricultores que têm suas lavouras atacadas e, muitas vezes, completamente destruídas”, explica Kilma.

A iniciativa foi concebida, em 2005, pela americana Linda Wittkoff, hoje falecida, que veio morar no Brasil com o marido, William, em 1961, e na época presidia a Fundação Lymington. Ela e a Parrots International, uma ONG de preservação dos Estados Unidos, se tornaram as instituições pioneiras no financiamento do projeto.

Hoje, o projeto é financiado também por outras instituições nacionais e internacionais.

Arara-azul-de-lear — Foto: ECO

Kilma diz que a iniciativa tem contribuído para evitar conflitos entre as araras e os agricultores, assim como, indiretamente, para o aumento da oferta de alimentos disponíveis para as aves, pois os produtores de milho, por terem a certeza de que serão ressarcidos dos danos em suas lavouras, terminam por permitir que elas se alimentem livremente das plantações.

“Isso acaba favorecendo a melhoria das condições de vida delas, pois é maior a oferta de alimentos para a totalidade de sua população nativa existente na região”, explica.

Os resultados do Projeto para Ressarcimento de Danos aos Milharais Decorrentes de Ataques de Araras-Azuis-de-Lear mostram a distribuição de, aproximadamente, 8,3 mil sacas de milho de 60 kg, que beneficiaram cerca de 1 mil agricultores familiares, cujas lavouras foram destruídas pelos ataques das aves ao longo dos últimos 15 anos.

Por isso, a situação está hoje mais controlada, ainda que os ataques tenham alcançado uma área de abrangência muito maior que no começo do projeto.

“Mesmo com um maior número de milharais atacados e, por conseguinte, um número igualmente maior de agricultores afetados, a percepção negativa que eles tenderiam a construir e manter sobre essas aves é sistematicamente desconstruída pelas nossas ações”, comemora Kilma.

Isso ocorre principalmente porque os danos provocados aos milharais são integralmente ressarcidos, ao que se soma o fato de que os agricultores e demais moradores das áreas rurais abrangidas pelo projeto passam a ter um melhor entendimento de todo o contexto dos ataques às lavouras.

“Eles agora entendem que é uma resposta das araras à falta de alimentos oferecidos pela vegetação nativa da Caatinga, que tem sido bastante desmatada”, diz Kilma.

Fonte: G1

50 espécies da Mata Atlântica que podem ser plantadas na calçada

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50 espécies da Mata Atlântica que podem ser plantadas na calçada

Cartilha lançada pela prefeitura de Salvador pode ser aproveitada por moradores de outras cidades, especialmente os que vivem no bioma Mata Atlântica.

Em 2017, a prefeitura de Salvador, na Bahia, criou o Plano Diretor de Arborização Urbana e como parte das ações lançou uma cartilha bem completa para quem deseja fazer plantios nos espaços urbanos.

Quais espécies são mais indicadas e como plantar árvores em calçadas são algumas das dúvidas respondidas no documento. Apesar de ser intitulado “Manual Técnico de Arborização Urbana de Salvador”, a cartilha pode ser aproveitada por moradores de qualquer cidade, especialmente os que vivem no bioma Mata Atlântica.

Veja alguns destaques do manual:

Orientações técnicas – Para plantios em passeios, por exemplo, o manual destaca a necessidade de verificar a largura do corredor, para harmonizar a circulação dos pedestres e o desenvolvimento da árvore. No caso de Salvador foi considerado as ruas estreitas e calçadas ainda mais estreitadas. Além disso, é preciso usar espécies com sistemas radiculares que reduzem danos nas calçadas e sistemas subterrâneos como água, esgoto e telefonia.

Fatores a considerar na hora do plantio – Porte, formato da copa (reduzindo a demanda constante e dispendiosa por podas) e adaptação ao clima. A distância da árvore de mobiliários urbanos como sinalização de trânsito, semáforos e hidrantes, é outro elemento importante considerado no manual.

Guia de espécies – Um dos diferenciais do documento é o guia com fotografias e a ficha técnica contendo informações e características de cada uma das de 50 espécies indicadas para serem plantadas em ambiente urbano, como ambiente de origem, porte, locais para plantio e folhagem. Todas as plantas citadas são nativas da Mata Atlântica.

A publicação está disponível para download gratuito.

Quantas espécies de aves e mamíferos foram salvas da extinção nos últimos 30 anos?

 

Quantas espécies de aves e mamíferos foram salvas da extinção nos últimos 30 anos?

 

Por Suzana Camargo, Mongabay – 

  • Grupo de pesquisadores analisou o impacto das ações de conservação desde a Eco-92. Segundo o estudo, pelo menos 21 espécies de aves e 7 de mamíferos no mundo escaparam de desaparecer.
  • Cinco espécies de aves salvas da extinção vivem no Brasil, entre elas o mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) e a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).
  • Enquanto algumas espécies voltaram à natureza, outras entraram em extinção durante as duas últimas décadas.
  • Os pesquisadores acreditam que o estudo possa se tornar uma importante fonte científica para a elaboração de novas políticas de conservação.

Em 1992, líderes globais reunidos durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, assinaram a chamada Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), para promover o desenvolvimento sustentável. Dezoito anos mais tarde, em 2010, em outro encontro, desta vez na província de Aichi, em Nagoya, no Japão, 193 países assinaram um compromisso com 20 metas para reduzir a pressão global sobre o mundo natural. Entre as chamadas Metas de Aichi para a Biodiversidade, a número 12 estabelecia que, até 2020, fosse evitada a extinção de espécies ameaçadas, especialmente aquelas com população em declínio, e que seu status fosse melhorado e mantido.

Interessados em saber não apenas se esse compromisso foi atingido, mas também quantificá-lo, um grupo de pesquisadores internacionais, liderados por cientistas da Newcastle University, do Reino Unido, fizeram um levantamento para descobrir quantas espécies de aves e mamíferos deixaram de ser extintas graças a esforços de conservação.

“Queríamos identificar quantas extinções foram evitadas desde 1993, quando entrou em vigor a Convenção sobre Diversidade Biológica, e desde 2010, quando foram adotadas as últimas metas relativas a ela, incluindo aquela sobre prevenção de extinções. Nosso objetivo era saber como a política impactou o número de extinções evitadas”, explica Rike Bolam, principal autora do estudo, publicado na revista Conservation Letters.

Os pesquisadores decidiram focar apenas em aves e mamíferos, pois são os grupos de animais mais estudados pela ciência, com maior quantidade de dados globais disponíveis. Só foram analisadas espécies que constassem na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza como “extintas na vida selvagem”, “criticamente ameaçadas” ou “ameaçadas”.

Após um extenso levantamento, o time apurou que ações de conservação evitaram entre 21 a 32 extinções de aves e 7 a 16 de mamíferos desde 1993, e entre 9 a 18 extinções de aves e 2 a 7 mamíferos desde 2010.

Apesar do trabalho de governos e organizações não governamentais em prol da conservação, dez espécies de aves e cinco de mamíferos entraram em extinção nos últimos 17 anos (ou há fortes suspeitas de que isso tenha acontecido).

Todavia, os cientistas ressaltam que se nada tivesse sido feito, essas taxas poderiam ter sido entre 2,9 a 4,2 mais altas.

“É animador que algumas das espécies que estudamos tenham se recuperado muito bem. Nossa análise, portanto, fornece uma mensagem positiva de que a conservação reduziu substancialmente as taxas de extinção de pássaros e mamíferos. Embora extinções também tenham ocorrido no mesmo período de tempo, nosso trabalho mostra que é possível preveni-las”, afirma Bolam.

O lince-ibérico (Lynx pardinus), nativo de Espanha e Portugal, é o felino mais ameaçado do mundo. Ações de conservação nas últimas décadas permitiram que a espécie saísse do status “criticamente ameaçada” para o atual “ameaçada”. Foto: Programa de Conservação Ex-situ del Lince Ibérico/divulgação.

Que espécies desapareceram e quais foram salvas da extinção

Entre as espécies de mamíferos que suspeita-se terem sido extintas na natureza desde 1993 estão uma espécie de marsupial de Papua-Nova Guiné, um golfinho de água doce da China e um macaco da ÁfricaJá o morcego Pipistrellus murrayi e o pequeno roedor Melomys rubicola, ambos da Austrália, têm sua extinção assegurada pela ciência. Vale ressaltar que esse é um processo que leva tempo, algumas vezes muitos anos para se ter a confirmação definitiva

Quanto às aves possivelmente extintas na vida selvagem, há uma brasileira, a caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), uma pequena coruja nativa do estado que leva seu nome. Os cientistas também acreditam que a arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus), que era observada não apenas no Brasil, mas ainda em áreas da Argentina, Paraguai e Uruguai, também tenha sido extinta.

“Todas as espécies de pássaros que desapareceram viviam em ilhas como Galápagos ou Havaí, ou na América Central ou do Sul. Para as aves de ilhas, as principais ameaças foram espécies invasoras em combinação com a perda de habitat. Para as da América Central ou do Sul foi principalmente perda de habitat, muitas vezes em combinação com a caça”, revela a pesquisadora da Newcastle University.

Do lado das boas notícias, os cientistas conseguiram apurar que espécies como o lince-ibérico (Lynx pardinus); o condor-da-califórnia (Gymnogyps californianus); o porco-pigmeu (Porcula salvania), nativo da Índia; o cavalo-de-przewalski (Equus ferus przewalskii), equino selvagem da Mongólia; e o papagaio-de-porto-rico (Amazona vittata), dentre outras, conseguiram aumentar o número de suas populações.

O cavalo-de-przewalski (Equus ferus przewalskii), equino selvagem da Mongólia, chegou a ser extinto na natureza na década de 1960. Após ações com indivíduos em cativeiro, a espécie foi reintroduzida e hoje conta com cerca de 400 exemplares em liberdade. Foto: Garrett Ziegler/CC BY-NC-ND 2.0.

Ações de conservação com melhores resultados

Além de fazer o levantamento de quais animais conseguiram ser salvos da extinção nas últimas décadas, os cientistas avaliaram ainda quais foram as estratégias preservação mais bem-sucedidas. Segundo Rike Bolam, entre as mais efetivas estão o controle de espécies invasoras, proteção de áreas naturais e conservação ex-situ. Esta última envolve ações realizadas fora do ambiente natural de uma espécie, como por exemplo, a reprodução em cativeiro.

Dos casos analisados, 20 espécies de aves se beneficiaram de trabalhos feitos em zoológicos e refúgios de vida silvestre. Um exemplo é o do papagaio-de-porto-rico. A população do Amazona vittata chegou a ter apenas 13 indivíduos na natureza. Entretanto, em 2006, iniciou-se um processo de reintrodução no Parque Estadual Río Abajo. Sete anos mais tarde, as estimativas indicam que já sejam entre 80 e 100 aves, distribuídas em duas áreas distintas.

Bem longe do continente americano, na Mongólia, outro projeto de reintrodução obteve ótimos resultados. O Equus ferus przewalskii, um tipo de cavalo selvagem, foi extinto na década de 1960. Após trinta anos, exemplares criados em cativeiro foram soltos na natureza e, em 1996, nasceu o primeiro filhote. Atualmente são aproximadamente 400 cavalos-de-przewalski livres em seu habitat original.

Rike Bolam destaca que um dos objetivos do estudo internacional era se tornar uma importante fonte científica para a elaboração de novas políticas de conservação: “Precisamos evitar as causas subjacentes que estão levando à extinção de espécies, como a perda de habitat por meio da expansão agrícola. Existem modelos que sugerem que podemos conseguir isso ao mesmo tempo que garantimos a segurança alimentar, por exemplo, minimizando o desperdício de alimentos. Outro ponto necessário são as ações de conservação voltadas para as espécies mais ameaçadas, como as do nosso estudo, muito próximas da extinção”.

Ações de conservação para espécies que se julga terem sido extintas na natureza a partir de 1993. Imagem: https://doi.org/10.1111/conl.12762, Bolam et al.

Os bons exemplos do Brasil

As 32 espécies de aves cuja extinção foi provavelmente evitada entre 1993 e 2020 são endêmicas de 25 países, incluindo seis da Nova Zelândia, cinco do Brasil e três do México. É preciso ressaltar que dos dez países do planeta com o maior número de espécies de aves, seis ficam na América do Sul. Colômbia, Peru e Brasil aparecem no topo dessa lista.

Ao longo das últimas décadas, entidades não-governamentais, órgãos públicos e criadores particulares têm trabalhado em parceria para preservar a diversidade e a sobrevivência de muitas aves brasileiras.

O estudo global menciona que cinco delas conseguiram melhorar seu status graças a esses esforços. São elas a choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), o mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), o mutum-de-bico-vermelho (Crax blumenbachii), a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) e a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).

Ave símbolo da Caatinga, há mais de 20 anos a ararinha-azul não é mais vista voando no bioma. Mas um programa de reintrodução da espécie, que contou com criadores internacionais e muita polêmica, conseguiu fazer com que 52 indivíduos, vindos da Alemanha, fossem levados para a Bahia em março deste ano. Atualmente passando por um processo de adaptação com o clima e a alimentação locais, há expectativa que eles sejam soltos em uma reserva de proteção em Curaçá no ano que vem.

Extinto na natureza desde a década de 1980, o mutum-de-alagoas já voltou a colorir áreas da Mata Atlântica. A história de sucesso começou em 1979, quando o criador Pedro Nardelli resgatou cinco mutuns de uma área prestes a ser desmatada. Nos anos seguintes, uma rede que contou com a participação de especialistas e institutições de vários estados, como o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e a Crax – Sociedade de Pesquisa do Manejo e da Reprodução da Fauna Silvestre, em Belo Horizonte (MG), conseguiu aumentar bastante o número de animais existentes em cativeiro.

“Foram muito importantes os trabalhos genéticos realizados, que tiveram foco no aconselhamento para os melhores acasalamentos, de modo a preservar o máximo possível da variabilidade genética ao longo das gerações e aumentar os níveis de heterozigose do plantel”, diz Mercival Roberto Francisco, biólogo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), uma das entidades envolvidas na reintrodução.

No ano passado, finalmente, após 40 anos, três casais de mutuns-de-alagoas foram soltos na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Mata do Cedro, no município de Rio Largo, próximo à cidade de Maceió.

O mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), nativo da Mata Atlântica nordestina, voltou à natureza em 2019. Foto: Crax Brasil/divulgação.

Entretanto, o trabalho de reintrodução ainda está longe do fim. “As aves serão monitoradas, permanentemente, por rádio transmissor. Precisamos acompanhar as principais informações sobre a biologia da espécie e, também, evitar a caça e ou captura”, revela Roberto Azeredo, da Crax.

Garantir a segurança da área de soltura é certamente um dos maiores desafios no processo de reintrodução de qualquer animal. “A caça ainda é uma prática muito comum em diversas partes do Brasil e no estado de Alagoas isto não é diferente”, diz Francisco.

Se tudo der certo, o plano é introduzir mais três casais na natureza, por ano, até 2024. “Devido ao fato de não haver mais áreas contínuas de Mata Atlântica no Nordeste brasileiro, muito possivelmente deverão ser formadas algumas populações em diferentes fragmentos de mata. Embora no momento ainda seja difícil prever, acreditamos que um número de 30 casais reprodutivos por área seria um número seguro”, prevê o biólogo.

A Crax também é a responsável pelo trabalho feito em relação a outro mutum, o do bico-vermelho. Essa lindíssima ave, com o corpo negro, a crista imponente, e o bico chamativo, quase foi dizimada. Nos últimos 40 anos, a equipe de Azeredo conseguiu reproduzir centenas de indivíduos em cativeiro. Cerca de 400 deles já voltaram à vida selvagem.

Imagem do banner: Mutum-de-bico-vermelho (Crax blumenbachii). Foto: Leonardo Merçon.

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