sexta-feira, 6 de março de 2020

Descoberta a nova "cara" da poluição por plástico


Descoberta a nova "cara" da poluição por plástico

Descoberta a nova "cara" da poluição por plástico
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ANP|WWF

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A descoberta aconteceu a 6900 metros de profundidade, na Fossa das Marianas, no Oceano Pacífico. O local, situado entre o Japão e as Filipinas, é um dos lugares mais profundos do planeta.

O anfípode (pequeno crustáceo) foi descoberto por investigadores da Universidade de Newcastle. No corpo do crustáceo encontraram tereftalato de polietileno (PET), uma substância encontrada em utensílios domésticos de uso comum, como garrafas de água e roupas de ginástica. Por causa do plástico que ingeriu, a nova espécie foi oficialmente nomeada de Eurythenes plasticus. A pesquisa, apoiada pela World Wide Fund for Nature (WWF), foi publicada hoje na revista científica Zootaxa.

Heike Vesper, diretor do Programa Marinho da WWF Alemanha, afirmou que “a espécie recém-descoberta mostra-nos o quão abrangente são as consequências da nossa utilização excessiva e fraca gestão de resíduos plásticos. Existem espécies que vivem nos lugares mais profundos e remotos da Terra que já ingeriram plástico antes mesmo de serem conhecidas pela humanidade. Os plásticos estão no ar que respiramos, na água que bebemos e agora também nos animais que vivem longe da civilização humana”.

Alan Jamieson, chefe da missão de pesquisa da Universidade de Newcastle, sublinha que são precisas medidas imediatas para impedir o dilúvio de resíduos plásticos nos oceanos.

ANP|WWF
Antes de chegarem aos corpos dos animais marinhos, estes residos fazem uma longa viagem, que normalmente começa em países industrializados.


De acordo com estimativas globais, a percentagem de objetos reciclados no período 1950-2015 foi apenas de 9%, sendo que 12% foi incinerado. Os restantes 80% ficaram acumulados em aterros e perdidos no meio ambiente.
Uma vez na água, a poluição por plástico decompõe-se em microplásticos e nanoplásticos. Espalha-se pelo oceano e é ingerida por animais marinhos como Eurythenes plasticus.

Em Portugal, a maior parte do lixo marinho encontrado nas praias é plástico descartável. O relatório da ANP (Associação Natureza Portugal) |WWF“X-Ray da Poluição por Plástico - Repensar o Plástico em Portugal” identifica vários registos da ingestão de plásticos por algumas espécies aquáticas: um estudo no sul do país observou plásticos no organismo de 22,5% das 160 aves marinhas analisadas e outro estudo ao longo da costa portuguesa identificou plásticos em 12,9% das 288 aves analisadas.

Catarina Grilo, Diretora de Conservação e Políticas da ANP|WWF lembra que “Nem todos os espécimes da nova espécie E. plasticus contêm plásticos. Portanto, ainda há esperança de que o nome E. plasticus sirva apenas de lembrança da extensão da poluição marinha por plásticos no mundo".


A vida secreta das árvores e o déficit de natureza,

A vida secreta das árvores e o déficit de natureza, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Este mundo curioso que nós habitamos é mais maravilhoso do que conveniente,
mais bonito do que útil, mais para ser admirado e apreciado do que usado”
Henry Thoreau (1817-1862)
“O bem-estar e o florescimento da vida humana e da não-humana sobre a terra têm valor em si próprios (valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são independentes
da utilidade do mundo não-humano para os propósitos humanos”
Arne Næss e George Sessions (1984)

A vida secreta das árvores
Imagem: Amazon
[EcoDebate] O livro “A vida secreta das árvores”, do cientista alemão Peter Wohlleben (Editora Sextante, 2015), começa da seguinte forma: “Quando comecei a carreira como engenheiro florestal, eu sabia tanto sobre a vida secreta das árvores quanto um açougueiro sabe sobre os sentimentos dos animais. 

A silvicultura moderna é uma ciência que estuda os métodos naturais e artificiais de regeneração dos povoamentos florestais, mas, na prática, busca a produção de madeira, ou seja, derruba árvores para aproveitar os troncos e, em seguida, plantar novas mudas no lugar. 

Ao ler qualquer periódico especializado, logo se tem a impressão de que o bem-estar da floresta só interessa na medida em que é necessário para sua administração operacional otimizada. Aos poucos essa rotina distorce sua visão das árvores. Todos os dias eu avaliava centenas de abetos, faias, carvalhos e pinheiros para saber se podiam ir para a serraria e descobrir seu valor de mercado, e isso só serviu para estreitar minha percepção do assunto”.

Ou seja, Wohlleben tinha uma visão instrumental das florestas e das árvores. Nessa perspectiva, tanto ele, quanto a maioria dos seres humanos, só dão valor à natureza na medida em que esta pode fornecer bens e serviços que ajudem ao enriquecimento das pessoas. Esta posição antropocêntrica tem dominado o progresso e o avanço da civilização, desde o florescimento do Homo sapiens, e que foi a pedra angular da construção do mundo moderna, que tem como base a oposição entre o enriquecimento da humanidade e o empobrecimento do meio ambiente. 

As florestas são fundamentais para a sustentabilidade. Nos cursos de ecologia aprendemos o quanto dependemos das árvores. Elas retiram dióxido de carbono da atmosfera, nos dão oxigênio por meio da fotossíntese, absorvem poluentes e amortecem o ruído. As árvores nos fornecem abrigo, alimento, fibras, ajudam a evitar a erosão. Se todos esses benefícios forem colocados em termos monetários, daria uma fortuna.

Mas as árvores possuem outras verdades secretas. No segundo parágrafo do livro, Peter Wohlleben diz: ““Há cerca de 20 anos, comecei a oferecer treinamento de sobrevivência e excursões na floresta. Mais tarde, também passei a cuidar das áreas de reserva e a administrar funerais naturais – prática em que as cinzas do corpo humano são enterradas em urnas biodegradáveis ao pé das árvores. 

Conversando com muitos visitantes, mudei minha forma de enxergar a floresta. As árvores tortas, retorcidas, que antes eu considerava de menor valor, deixavam os visitantes fascinados. Aprendi com eles a não prestar atenção só nos troncos e em sua qualidade, mas também em raízes anormais, padrões de crescimento diferentes e camadas de musgo na casca das árvores”.

O autor mostra que a vida das árvores, com suas mais distintas características, se organiza em uma “comunidade social”. Ele mostra o relacionamento entre as diversas espécies, a educação e o cuidado com os brotos, a questão do coletivo, a defesa contra ameaças externas, a reprodução, a noção de tempo e muitos outros detalhes da vida vegetal. Ao longo dos capítulos, os leitores vão se identificando com estes seres incríveis e com a complexidade da natureza e o entendimento como todas as coisas nos ecossistemas estão interligadas. 

Em um vídeo no Youtube (17/03/2017), o cientista alemão e a cientista Suzanne Simard (da Universidade de British Columbia, Canadá) explicam como se dá a comunicação entre as árvores e a teia da vida que existe em uma floresta. Eles mostram que as árvores são seres vivos que têm sentimentos e sabem se comunicar entre si, além de formarem uma floresta onde todos (ou quase todos) se ajudam e contribuem para formar um organismo vivo e dinâmico. 

Estas descobertas vêm reforçar as teses de Alexander von Humboldt (1769-1859) e Henry Thoreau (1817-1862) que já mostravam, no século XIX, que a natureza é um todo vivo e que cada espécie tem o seu valor próprio independente do egoísmo humano. A escola de pensamento conhecida como “Ecologia Profunda” também advoga uma visão ecocêntrica da natureza. Segundo Arne Næss e George Sessions (1984): a vida não humana “têm valor em si próprios (valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para os propósitos humanos”.

Uma forma de reconhecer a importância das árvores e reconhece-las como seres evoluídos e integrados de maneira simbiótica à natureza é através do movimento “abraçar árvores” ou “abraços de árvores” (Tree Hugger). Como mostra Ian Spellerberg (16/02/2017), os abraçadores de árvores são pessoas que não só reconhecem a importância e o valor destes seres vegetais lindos e importantíssimos, mas também são pessoas que se beneficiam da energia emanada pelas árvores e pelas matas. Abraçar árvores traz benefícios para a saúde física e mental, sendo que os abraçadores de árvores contribuem significativamente para a sustentabilidade ambiental e social.

Segundo diversos especialistas, frequentar parques e florestas faz bem à saúde. Segundo eles, o contato com a natureza afasta o estresse, revigora as energias e melhora a qualidade de vida das pessoas. Matéria de Mariana Della Barba, na BBC, mostra que o ‘déficit de natureza’ provoca problemas físicos e mentais em crianças. Para o pesquisador americano Richard Louv, autor do livro A Última Criança na Natureza, existe uma doença chamada “Transtorno de Déficit de Natureza”, pois a falta de contato das crianças com a natureza causa problemas físicos, como a obesidade, e mentais, como depressão, hiperatividade e déficit de atenção.

Artigo de Andrew Nikiforuk (22/10/2018), com base em entrevista com a famosa botânica irlandesa Diana Beresford-Kroeger, discute o efeito dos incêndios florestais na América do Norte, que somente na Colúmbia Britânica, liberaram entre 150 e 200 megatoneladas de dióxido de carbono em 2017. Isso é mais que o dobro do volume criado por atividades humanas na província. Ela considera que a civilização moderna, ao demonizar o fogo e ampliar as construções em áreas florestais, fizeram com que as florestas se tornassem mais densas, uniformes e inflamáveis. O ar seco desseca os tubos polínicos. Como resultado, as sempre-vivas produzem mais oleorresinas, que podem alimentar incêndios: “Quanto mais oleoresina, maior a carga de fogo.”

O Brasil com o maior superávit de biocapacidade do planeta não tem dado valor à sua riqueza natural. Infelizmente, o país tem derrubado árvores desde a exploração do pau-brasil pelos exploradores portugueses, sendo que já derrubou cerca de 90% da Mata Atlântica. Não satisfeita, a nação brasileira continua desmatando e defaunando suas riquezas naturais, pois já derrubou 20% da Amazônia e 50% do Cerrado, sem falar nos demais biomas que foram igualmente degradados.
E o mais preocupante é que o desmatamento na região amazônica cresceu 48,8% durante a campanha eleitoral (de agosto a outubro de 2018). Segundo o Deter B, projeto do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que monitora o desmatamento em tempo quase real para subsidiar a fiscalização ambiental a floresta perdeu 1.674 km2 nesses três meses, área um pouco maior do que a do município de São Paulo.

Ou seja, em vez de conhecer a vida social das árvores e se encantar com a beleza e os benefícios da floresta, os brasileiros estão destruindo uma riqueza incomensurável e provocando um holocausto biológico de grandes proporções. 

O livro de Peter Wohlleben mostra o quão estúpidos, ecocidas e suicidas são as pessoas e os governos que permitem uma aniquilação ecológica e a extinção da biodiversidade. 

Um dia, talvez, a humanidade vai perceber que a “sociedade das árvores” é muito mais democrática e sustentável do que a egoísta e ecocida sociedade humana.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Referências:

Peter Wohlleben. A vida secreta das árvores, Sextante, 2015
Peter Wohlleben. A vida secreta das árvores, Sextante, Youtube, 17 de mar de 2017
As árvores conversam, conhecem laços familiares e cuidam de seus filhos? Isso é estranho demais para ser verdade? https://www.youtube.com/watch?v=DBRg-2N3sMI
Arne Næss and George Sessions. Basic Principles of Deep Ecology, The Anarchist Library, 1984
Ian Spellerberg. A hug for the tree huggers: Why ‘tree hugger’ is not an insult, Feb 16 2017 https://www.stuff.co.nz/environment/89427331/A-hug-for-the-tree-huggers-Why-tree-hugger-is-not-an-insult
Frequentar parques e florestas faz bem à saúde, 22 de Junho de 2016
Mariana Della Barba. ‘Deficit de natureza’ provoca problemas físicos e mentais em crianças, alerta especialista, BBC Brasil, 25 junho 2016
Andrew Nikiforuk. Tree Teachings: How Forests and Wildfires Are Critically Linked, TheTyee, 22 Oct 2018 https://thetyee.ca/News/2018/10/22/Tree-Teachings-Forest-Wildfires/?fbclid=IwAR35svh2kEDZD8XftxlAukEb1bRcF_NbJlkso-mRTeb-QHcmk_ZCYEcQxI4

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/12/2018
A vida secreta das árvores e o déficit de natureza, artigo de José Eustáquio Diniz Alves, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/12/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/12/14/a-vida-secreta-das-arvores-e-o-deficit-de-natureza-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Resoluções ambientais para o ano novo, artigo de Marina Bhering



Resoluções ambientais para o ano novo, artigo de Marina Bhering



reciclagem
Foto: EBC
[EcoDebate] Feliz ano novo! Agora que o carnaval acabou, finalmente o ano do brasileiro começou. Todos os problemas que deixamos para resolver depois da folia agora nos engole, incluindo as resoluções para o novo ano, que prometemos lá em janeiro. Você ainda lembra da sua lista?

O início de um novo ano abre um leque de possibilidades. A sensação de que tudo pode acontecer é o gatilho incentivador que você precisa para mudar velhos hábitos e transformar sua vida de uma vez por todas. O ritual simbólico da passagem de ano nos preenche de coragem para finalmente tirar do papel aquela velha promessa de frequentar a academia, ter uma vida mais saudável, ler mais livros.

Talvez sua lista inclua também começar um trabalho voluntário, ajudar um abrigo ou escolher uma organização para colaborar financeiramente. Mas você já pensou que pode incluir mudanças de hábitos simples que podem fazer muita diferença para o planeta?

Antes de relembrar, fazer ou concluir sua lista de resoluções e metas para 2020, te convido a refletir sobre a situação do planeta atualmente e seus hábitos enquanto morador desta casa. Existe uma gama de ações que podemos adotar para cuidar do meio ambiente. Desde as mais simples, como fechar a torneira ao escovar os dentes, até ir à campo enfrentar as chamas, qualquer ação é válida e tem muito valor.

Escrevi minhas metas para 2020 e incluí novos hábitos que você também pode adotar ou se inspirar.

Medicamentos
As cartelas de medicamentos usados não podem ser descartadas diretamente no lixo comum. Enviadas para aterros ou lixões, esses materiais podem contaminar o solo e lençol freático. No cenário ideal, todas as farmácias deveriam receber as cartelas e medicamentos vencidos e fazer a destinação de forma ambientalmente correta. Enquanto isso não é realidade, você pode “colecionar” as cartelinhas por alguns meses e procurar a farmácia mais perto da sua casa ou trabalho que recebe este material. Não esqueça que as caixinhas de papelão e as bulas devem ir para a reciclagem.

Rolinhos de papel higiênico
Já parou para pensar que o rolinho do papel higiênico é feito de papelão e, portanto, totalmente reciclável? Quantos rolinhos você já descartou no lixo comum do seu banheiro quando poderia ter destinado o material para a reciclagem? Se você gosta de artes, pode transformar os rolinhos em brinquedos ou quadros. Basta uma rápida pesquisa na internet para ver dezenas de possibilidades para reaproveitar materiais como o rolinho. Aproveite o embalo e fique atento ao lixo da sua casa: garanto que há muito mais produtos recicláveis do que você imagina – embalagens de pasta de dente ou shampoo, caixas de presente, sacolas de papel, garrafas de plástico, embalagem de congelados…

Descartáveis
O plástico está tão presente na nossa rotina que quase já não percebemos sua presença. Porém já sabemos os efeitos devastadores de seu descarte incorreto para o meio ambiente. O material precisa de mais de 400 anos para se decompor. Sem o destino correto, centenas de milhares de resíduos plásticos vão parar nos oceanos, impactando o ecossistema marinho. Os animais não são capazes de identificar o material e acabam ingerindo-o pensando que é comida. O plástico não é digerido e os bichos morrem por inanição. Baleias já foram encontradas com mais de 100 toneladas de plástico em seu estômago, bem como aves e tartarugas.

Inclua na sua lista adotar um canudo de aço inox, vidro ou bambu; e um copo e/ou garrafa reutilizável. Assim, você fica preparado para qualquer ocasião e pode recusar, de uma vez por todas, canudos, copos e garrafas de plástico.

Lixo eletrônico
O chuveiro da minha casa queimou recentemente e, apesar da visita de um eletricista, não teve conserto. Ele foi para a área de serviço, ao lado de um estabilizador para computador, um controle remoto velho, cabos e pilhas. Esta foi a primeira vez que me dei conta do lixo eletrônico que estava gerando. E agora, o que faço com tudo isso? Esse tipo de resíduo também não pode ser descartado no lixo comum pelo risco de contaminação. Existem empresas especializadas na reciclagem de lixo eletrônico e algumas aqui de Belo Horizonte, inclusive, buscam os produtos em casa.

Estas são algumas das minhas resoluções para cuidar melhor do planeta. Como você pode ver, não é nada complicado e nem difícil de incluir na rotina. O ano já começou! O que você vai fazer pelo planeta em 2020?

Marina Bhering é jornalista. Especialista em comunicação e marketing digital e ativista ambiental.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/03/2020

Resoluções ambientais para o ano novo, artigo de Marina Bhering, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 5/03/2020, https://www.ecodebate.com.br/2020/03/05/resolucoes-ambientais-para-o-ano-novo-artigo-de-marina-bhering/.

Os rios e as cidades

Os rios e as cidades

Para demonstrar como os governos vêm ignorando alertas sobre mudança climática e o planejamento integrado das cidades, o manifesto mais contundente, nas capitais mineira e paulista, veio dos próprios rios

19 de fevereiro de 2020 - Por Malu Ribeiro
 
Por Malu Ribeiro, Gustavo Veronesi e Marcelo Naufal*

As enchentes que atingiram as regiões metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte deixaram evidente o quanto as nossas cidades estão despreparadas para eventos climáticos extremos. Cientistas e especialistas têm alertado que esses eventos tendem a se intensificar daqui para frente e se repetir em intervalos cada vez mais curtos.

Para demonstrar como esses alertas e o planejamento integrado das cidades, regiões metropolitanas e bacias hidrográficas não são priorizados pelos governos, o manifesto mais contundente, nas capitais mineira e paulista, veio dos próprios rios. As águas ressurgiram violentamente após as chuvas, demonstrando que canalizar, tampar e retificar rios, ocupando suas margens, foi um erro. Esse modelo urbanístico, que escondeu os rios e impermeabilizou o solo, não se adequa às mudanças climáticas.

As enchentes deste início de ano não podem ser atribuídas somente às chuvas, por mais intensas que tenham sido, pois há um vasto acúmulo de conhecimento, de recomendações técnicas e planos, como o de macrodrenagem da região metropolitana de São Paulo. Esses planos reúnem um conjunto de ações e estratégias que precisam ser implementadas de forma integrada e continuada. A segurança hídrica nas regiões metropolitanas de Minas Gerais e de São Paulo depende da gestão integrada da água e do solo e da proteção da mata atlântica, em especial nas áreas de manancial.

Neste momento de solidariedade às vítimas e de esforços para recuperação das cidades, é muito importante redobrar a atenção para a necessidade de ações preventivas. A própria Organização das Nações Unidas recomenda a urgente adoção de soluções baseadas na natureza para que as cidades possam se adaptar às mudanças do clima.

Para São Paulo, essa recomendação significa que é preciso ampliar as áreas verdes, retirar do papel os 110 parques lineares que a cidade já deveria ter recebido e que possibilitariam requalificar os rios urbanos criando áreas de lazer e segurança para as comunidades.

Na região metropolitana de São Paulo, o Parque Várzeas, localizado na zona leste da capital até o município de Itaquaquecetuba, tem o objetivo de aumentar a capacidade de absorção de água na bacia do Alto Tietê, em uma região altamente impermeabilizada e contribuir para diminuir enchentes. As várzeas e áreas verdes exercem a função de esponja, aumentando a infiltração da água no solo.
Por esse motivo, é urgente a recuperação dessas áreas, em especial nos trechos alterados por ocupações irregulares, com realocação e reassentamento das moradias existentes para áreas seguras, dotadas de saneamento básico e infraestrutura.

É preciso também cobrar das autoridades atenção para o grave problema social que é a falta de moradias populares, que leva ao aumento de ocupações irregulares em áreas de risco e sem serviços de saneamento básico. Muitas pessoas vítimas das enchentes na bacia do Tietê estavam morando em áreas irregulares.

Vale destacar que a legislação ambiental voltada a promover segurança hídrica e climática vem sendo enfraquecida no Brasil. Como ocorreu com o Código Florestal de 1965, que seguia critérios científicos para proteger topos de morro, fundos de vale e beiras de rios, com distâncias adequadas para as faixas de preservação permanente. No Novo Código essas faixas de proteção foram muito reduzidas com efeitos nocivos ao ambiente, aumentando os riscos à população que passou a ocupar de forma mais intensa essas áreas.

As leis de uso do solo devem ser analisadas com maior critério para estimular o planejamento das cidades com ampliação de áreas verdes, de pavimentos permeáveis, calçadas e telhados verdes, sistemas de bacias de contenção e eco-piscinões associados a praças, parques e equipamentos de convívio social e lazer. Essas medidas podem trazer melhoria no microclima e para a saúde, e contribuições para minimizar os impactos de eventos extremos como esses.

Para a bacia hidrográfica do Tietê, que corta o estado de São Paulo de leste a oeste, é urgente a recuperação ambiental dos sistemas de barragens, eclusas e reservatórios do Sistema Tietê – Pinheiros, com o desassoreamento, recuperação da qualidade dos rios e definição de novas regras operativas capazes de promover o manejo mais adequado das águas, nos momentos de chuva e estiagem, com aperfeiçoamento dos sistemas de alerta e informação à sociedade.

Por fim, o mundo tem falado sobre as cidades do futuro, tema destacado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 11). Podemos ainda citar os ODS 6 (água potável e saneamento), além de muitos outros que, indiretamente, têm relação com a questão ambiental. Já passou da hora das cidades brasileiras, principalmente as consideradas mais desenvolvidas, aplicarem um desenvolvimento que seja, de fato, justo, inclusivo e sustentável.

Malu Ribeiro é jornalista e gerente da causa Água Limpa da Fundação SOS Mata Atlântica.
Gustavo Veronesi é geógrafo e coordenador técnico do projeto Observando os Rios da Fundação SOS Mata Atlântica.

Marcelo Naufal é advogado e monitor do projeto Observando os Rios da Fundação SOS Mata Atlântica.

Crédito: Artigo publicado originalmente no NEXO Jornal em 18/02/2020

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Setores unidos reforçam movimento contra retrocessos legislativos

Setores unidos reforçam movimento contra retrocessos legislativos

Ambientalistas e indígenas convergem agendas de trabalho no Congresso Nacional
19 de fevereiro de 2020 
 
Na retomada dos trabalhos deste ano no Congresso Nacional, nesta terça (18), na Câmara dos Deputados, as frentes parlamentares ambientalista e indígena deixaram claro que atuarão conjuntamente contra propostas do Executivo e do Legislativo que ampliem retrocessos socioambientais, trazendo prejuízos a todo o país. 

Entre as prioridades elencadas, estão derrubar o Projeto de Lei 191/2020 e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 187/2016, que ferem a Constituição Federal por abrir Terras Indígenas à mineração, garimpo, geração de eletricidade e outras atividades econômicas, além de alterar o Projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Outra meta para este ano é consolidar frentes parlamentares em mais Assembleias Legislativas. Hoje existem frentes em 18 estados.

“São muitos movimentos sociais que ecoam a pauta ambiental e trazem temas estratégicos para segurança climática e qualidade de vida desde os estados e para dentro do Congresso Nacional. O Licenciamento Ambiental é um tema estratégico e de grande importância na abertura da Frente Parlamentar nesta legislatura”, ressaltou Mário Mantovani, diretor de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.

Com pelo menos 3 propostas para mudar as regras do licenciamento federal tramitando no Congresso, até agora é desconhecido o relatório do deputado federal Kim Patroca Kataguiri (DEM-SP) para o PL 3729/2004. Dez audiências públicas foram realizadas sobre o tema com vários setores, mas há dúvida se sugestões da Sociedade Civil e da Academia serão contempladas.

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo esta semana, ex-ministros de Meio Ambiente demandam que os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), não permitam a votação de uma pauta que pode enfraquecer o já combalido licenciamento ambiental. 
O ex-ministro José Carlos Carvalho taxou como “crime” a possibilidade de que a avaliação de impactos ambientais indiretos deixe de ser exigida para obras de infraestrutura. A medida está no projeto de lei, segundo ele, que participou do encontro da Frente Parlamentar Ambientalista. 

“Impactos indiretos de projetos podem ser ainda mais graves que os diretos. Conflitos e aumento de custos ocorrem porque os projetos pesam as questões socioambientais só no licenciamento, que acaba loteado de condicionantes dificilmente cumpridas”, disse.

A chamada “Licença por Adesão e Compromisso (LAC)” também foi criticada. Ela permite a empreendedores que encaminhem documentos para obtenção de licenças sem visitas técnicas de órgãos ambientais. Isso pode se converter em “auto licenciamentos”, até para obras de grande impacto, como barragens de rejeitos de mineração ou de hidrelétricas e construção de rodovias. 
“LAC não é licenciamento porque o estado (Poder Público) abrirá mão de suas responsabilidades. Choverão ações contra uma lei que fragilize o licenciamento ambiental”, disse a promotora de Justiça Cristina Seixas Graça, presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente.

Outra pedra no sapato é a possibilidade de que estados e municípios deixem de exigir licenças para determinados empreendimentos. Na prática, isso pode gerar uma “guerra” entre governos flexibilizando regras para atrair mais atividades econômicas. Os estados respondem hoje por nove em cada dez licenças ambientais concedidas no país. 

“O Congresso não pode se calar diante dos retrocessos do Governo. Não há possibilidade de retorno quando destruímos florestas. O Licenciamento Ambiental não pode dispensar grandes empreendimentos diante das emergências climáticas. Que a Frente Ambientalista seja trincheira de resistência”, ressaltou a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ).

Outros pontos de discórdia são a dispensa de licenciamento ambiental para atividades agropecuárias; a falta de critérios para emissão de licença corretiva (quando o empreendedor não solicitou a licença antes de iniciar o negócio), o que incentivaria a ilegalidade; a supressão da localização do empreendimento como critério para definir o grau de rigor do licenciamento; a eliminação da avaliação de impactos sobre áreas protegidas; e a extinção da responsabilidade de instituições financeiras por dano ambiental em projetos por elas financiados.

“A gente sabe que vai ter muito trabalho do ponto vista de resistência para conseguir barrar projetos prejudiciais à questão ambiental. O licenciamento é a espinha dorsal do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). É importante que a gente tenha uma lei geral que traga equilíbrio nas relações e não uma lei geral para liberar geral”, salientou o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), novo coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista.

Por isso, ele destacou que é preciso construir uma agenda socioambiental “positiva” no Congresso, marcada pelo combate ao desmatamento ilegal, o incentivo à preservação ambiental e a garantia dos direitos das comunidades tradicionais, aprovando a Lei do Mar (PL 6969/2013), do Cerrado e Pantanal, freando pautas bombas que tramitam contra Unidades de Conservação, Terras Indígenas e recursos hídricos. O presidente da Câmara Rodrigo Maia, acena neste sentido.

Ele recebeu de lideranças indígenas um manifesto contra a mineração, garimpo e outras atividades econômicas dentro de territórios dos índios. O documento afirma que o Projeto de Lei 191/2020, enviado pelo governo Bolsonaro ao Congresso, “tem problemas claros de inconstitucionalidade e injuridicidade, razão pela qual se impõe a imediata devolução”. 

Rodrigo Maia declarou à imprensa que “vamos aguardar, vamos deixar ele (projeto) ali do lado da mesa para que, no momento adequado, a gente trate esse debate com todo cuidado do mundo. A proposta não terá por parte da Câmara a urgência que alguns gostariam”.

Já o líder histórico Kayapó, Raoni Metuktire (90), ressaltou que “a gente não aceita mineração em terra indígena. No projeto do Bolsonaro, ele está usando uma minoria de indígenas para tirar foto com ele. É a minoria. Mas a maioria não aceita”, enquanto vestia uma camiseta onde se lia “minha ideologia é floresta em pé, água limpa, ar puro e comida sem veneno”. 

No encontro, ambientalistas e indigenistas também anunciaram a retomada do movimento Povos da Floresta, idealizado por Chico Mendes nos anos 1980. Segundo Ângela Mendes, filha do líder seringueiro assassinado em 1988, reservas extrativistas e outros territórios de uso sustentável e coletivo, legados da luta de seu pai, estão ainda mais ameaçados neste governo.

“Cremos que só unificando a nossa luta e a nossa agenda vamos conseguir enfrentar todo esse estado de retrocesso que está aí na forma de quase mil PLs, decretos e PECs que visam desmontar a Amazônia e ameaçar todos esses povos da floresta. São cerca de 300 projetos que recategorizam e diminuem esses territórios de uso sustentável e coletivo”, disse.

Crédito: Fundação SOS Mata Atlântica (com informações da Agência Câmara). 

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Congresso tem a oportunidade de manter conquistas legislativas que fizeram do país um exemplo na pauta socioambiental


qui., 5 de mar. às 19:11


ECOS DA MATA

05 de Março de 2020

Congresso tem a oportunidade de manter conquistas legislativas que fizeram do país um exemplo na pauta socioambiental

Na última terça (04) foi publicado um artigo no jornal Valor Econômico em que nossos diretores, Marcia Hirota e Mario Mantovani, chamam a atenção para a importância da agenda política e eleitoral brasileira ser pautada em propostas e compromissos que respondam à urgência climática e aos desafios do novo século. Diante da conjuntura política e da má condução da agenda socioambiental pelo governo federal, o Congresso Nacional tem a oportunidade de tentar manter conquistas legislativas que fizeram do país um exemplo para nações e organismos internacionais nesta agenda.


Entre os espaços importantes para se garantir debates públicos de interesse da sociedade está a Frente Parlamentar Ambientalista, que há 15 dias, em evento que iniciou a agenda de trabalho do ano, uniu diferentes atores contra retrocessos ambientais que estão em curso.


Outro tema que tem gerado debate na sociedade é a relação entre nossas cidades e seus rios, principalmente após grandes chuvas, que têm sido cada vez mais severas, demandando um novo olhar para a gestão local em relação ao desenvolvimento sustentável. Veja o artigo assinado por nossa equipe de Água Limpa, publicado no NEXO Jornal.


E atenção estudantes, a mostra Ecofalante está com inscrições até o dia 10 de março para curtas-metragens sobre temas socioambientais. Os participantes concorrerão a um prêmio de R$ 4.000,00.


Nossos projetos e campanhas dependem da ajuda de pessoas e empresas para continuar a existir. Saiba como você pode ajudar em www.sosma.org.br/doacao.


Boa leitura.