quarta-feira, 19 de abril de 2023

Justiça Federal determina suspensão de todas as licenças do complexo eólico da Voltalia, perto de único refúgio da arara-azul-de-lear

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Justiça Federal determina suspensão de todas as licenças do complexo eólico da Voltalia, perto de único refúgio da arara-azul-de-lear

Exatamente um mês após o Ministério Público Federal (MPF) ter se posicionado pela anulação do licenciamento ambiental do complexo eólico da multinacional Voltalia, no município de Canudos, na Bahia, agora foi a vez do juiz federal Marcel Peres de Oliveira se pronunciar sobre o assunto e decidir pela suspensão de todas as licenças concedidas anteriormente para a empresa.

No documento ao qual o Conexão Planeta teve acesso, o magistrado da 3ª Vara Federal Cível e Criminal de Feira de Santana, estabelece a suspensão “dos efeitos da Licença Prévia, da Licença de Instalação e da Licença de Operação, concedidas em favor da requeridas EOLICA CANUDOS II SPE S.A., EOLICA CANUDOS III SPE S.A. e VOLTALIA ENERGIA DO BRASIL LTDA, até que seja apresentado e aprovado o competente EIA/RIMA, inclusive com realização de audiência pública, na forma da legislação ambiental pertinente”.

Na decisão, Oliveira estabelece ainda que os réus sejam intimados por mandado, “inclusive para o imediato cumprimento da medida de urgência ora deferida”, e que se dê “ciência da presente demanda ao Ibama e à União”.

Há quase dois anos há uma batalha judicial entre comunidades locais, organizações ambientais do Brasil e do exterior e a multinacional francesa da área de energia. Em questão está a construção, que já começou, do referido complexo eólico, próximo ao único refúgio da arara-azul-de-lear do Brasil. 

A companhia pretende instalar 80 turbinas perto do principal habitat dessa espécie, considerada em perigo de extinção. Pelo último censo, realizado em 2022, estima-se que sejam apenas 2.500 indivíduos ainda em vida livre (leia reportagem completa aqui).

Acontece que uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece a exigência de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), além de audiências públicas, para plantas eólicas que estejam situadas em “áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção e endemismo restrito”.

Apesar disso, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) aprovou o projeto do complexo eólico da Voltalia somente com a apresentação do licenciamento simplificado.

Desde então, o Ministério Público da Bahia já tinha recomendando a suspensão da obra, assim como os Conselhos Regionais de Biologia do Nordeste. Todavia, de acordo com a investigação realizada pelo Ministério Público Federal, a Voltalia “se expressou pelo não atendimento da recomendação” e defendeu que as “licenças apresentadas são válidas, ainda que não tenham adotado o rito legalmente previsto”.

Protestos internacionais contra o complexo eólico

No final do ano passado, 70 organizações civis e associações comunitárias denunciaram ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos o projeto da Voltalia na Bahia. Assinaram a petição entidades como a American Bird Conservancy (ABC), WWF e Re:wild.

“A arara-azul-de-lear voltou da beira da extinção por meio de esforços intensivos de conservação nos últimos 35 anos e agora enfrenta o risco de colisões mortais com turbinas e linhas de transmissão”, alertou Amy Upgren, diretora da Aliança para Extinção Zero e Programa de Áreas Chave para a Biodiversidade da ABC.

O complexo eólico de Canudo tem custo estimado em R$ 500 milhões. O empreendimento contará com uma rede de transmissão de energia de 50 km, adentrando o município de Jeremoabo. Toda a eletricidade produzida será vendida para a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), num contrato já fechado pelos próximos 20 anos.

A arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) é uma espécie endêmica do Brasil, ou seja, só existe em nosso país e em nenhum outro lugar do mundo. Infelizmente, ela é considerada em perigo de extinção, de acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN).

A região conhecida como Raso da Catarina, na Bahia, é considerada área prioritária para a proteção da espécie. Um primeiro censo, realizado em 2001, apontou a existência de 228 indivíduos.

Graças aos esforços de conservação, eles já são mais de 2 mil, observados em seus cinco dormitórios: Serra Branca, Estação Biológica de Canudos, Fazenda Barreiras, Baixa do Chico (Terra Indígena Pankararé) e Barra do Tanque. Por causa da melhora nos números da população, a arara-azul-de-lear passou da categoria “criticamente em perigo” da IUCN para “em perigo”, em 2011.

Mas desde que organizações de proteção ambiental tomaram conhecimento do projeto da Voltalia, em 2021, teme-se pela segurança das araras.

A espécie tem o hábito de realizar longos voos diariamente, cerca de 60 a 80 km. Sai do dormitório ao amanhecer, se alimenta em áreas vizinhas à sua morada, basicamente dos cocos da palmeira licuri, e no final da tarde, pode ser vista, aos bandos, chegando de diversas direções.

MPF determina anulação do licenciamento ambiental de complexo eólico na Bahia, perto de único refúgio da arara-azul-de-lear

Localização do Complexo Eólico de Canudos está indicada com a seta vermelha, onde aparecem linhas finas laranjas. A mancha clara, em verde, apresenta a área de uso da espécie na região do Raso da Catarina

O que a Voltalia diz

Em março, quando o MPF decidiu pela anulação dos licenciamentos, o Conexão Planeta procurou a assessoria de imprensa da Voltalia para ter uma declaração da empresa. Infelizmente, não tivemos nenhum retorno.

Mais uma vez, hoje, entramos em contato com a área de comunicação da multinacional, e desta vez recebemos o posicionamento abaixo:

“Até o momento a Voltalia não foi notificada sobre os desdobramentos da ação civil pública proposta pelos Ministério Público Federal e Estadual. Os Parques Eólicos Canudos I e II são objeto de processo de licenciamento ambiental conduzido pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – INEMA/BA, que, após avaliar os estudos e projetos apresentados pelo empreendedor, concedeu todas as licenças ambientais necessárias para a sua implantação e operação.

As possíveis consequências ambientais e sociais da implementação de tais projetos foram exaustivamente estudadas, tendo sido previstas as medidas necessárias para evitar e mitigar potenciais impactos negativos, assegurando a viabilidade ambiental dos empreendimentos, conforme reconhecido pelo órgão ambiental competente.

A Voltalia reforça seu respeito e compromisso com o meio ambiente, com o desenvolvimento das regiões onde atua e com toda a sociedade demonstrados durante toda sua trajetória de mais de 15 anos de atuação no Brasil, e seguirá aberta ao diálogo para eventuais questionamentos das autoridades, comunidades, ambientalistas e sociedade civil, colocando-se inteiramente à disposição”.

*Texto atualizado às 15h23 para corrigir a informação sobre o número atual de araras-azuis-de-lear, estimado pelo censo realizado em 2022

**Texto atualizado às 20h para incluir a declaração da Voltalia

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Foto de abertura: Fábio de Paina Nunes, CC BY-SA 4.0 via Wikimedia Commons

60 maiores bancos privados do mundo sustentam indústria dos combustíveis fósseis

 Mudanças Climáticas  



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60 maiores bancos privados do mundo sustentam indústria dos combustíveis fósseis

60 maiores bancos privados do mundo sustentam indústria dos combustíveis fósseis

Por Priscila Pacheco*

Os 60 maiores bancos privados do mundo já despejaram US$ 5,5 trilhões nas mãos de empresas que exploram combustíveis fósseis desde que o Acordo de Paris foi firmado, em dezembro de 2015.

Os financiamentos vão na contramão dos compromissos internacionais para redução de emissões de gases-estufa, medida indispensável para conter a crise climática. A análise é do relatório anual Banking on Climate Chaos (Investindo no Caos Climático, em tradução livre), publicado em 13/4. 

60 maiores bancos privados do mundo sustentam indústria dos combustíveis fósseis

O relatório produzido pelas organizações Rainforest Action NetworkBankTrackIndigenous Environmental NetworkOil Change InternationalReclaim FinanceSierra Club e Urgewald mostra que, do total, US$ 673 bilhões foram liberados pelos bancos em 2022, ano em que as petrolíferas obtiveram US$ 4 trilhões em lucros.

Apesar de o investimento total ser o menor desde 2016, o valor segue alto e é determinante para a execução de diversos projetos de exploração de combustíveis fósseis. US$ 150 bilhões do montante do ano passado, por exemplo, ficaram concentrados nas mãos das 100 principais empresas do setor, como as estadunidenses TC Energy, Venture Global e ConocoPhillips, a francesa Total Energies e a saudita Saudi Aramco.

O levantamento mostra que, dos 60 bancos analisados, 49 assumiram compromissos de emissões líquidas zero. A maioria das instituições, no entanto, não conta com políticas rigorosas que excluam o financiamento para a expansão dos combustíveis fósseis.

Os 49 bancos supostamente “comprometidos” com emissões-zero foram responsáveis por 81% do financiamento recebido pelas 100 gigantes do ramo ano passado. 

Uma exceção é o La Banque Postale, da França, que, em 2021, se comprometeu a parar de financiar o setor de petróleo e gás, anunciando sua retirada completa do setor até 2030. Após ter despejado, nos últimos anos, US$ 441 milhões nos bolsos de exploradores de combustíveis fósseis, no ano passado o banco francês não liberou nem US$ 1,00 para o setor. 

Por outro lado, há quem esteja ampliando o financiamento. É o caso do Royal Bank of Canada (RBC).

No ano passado, o RBC investiu US$ 42,1 bilhões, um crescimento de 4,18% comparado a 2021, e ocupou o primeiro lugar no ranking de investidores do ano, posto até então ocupado pelo americano JP Morgan Chase. No acumulado de 2016 a 2022, o RBC ocupa a 5ª posição com US$ 253,9 bilhões em financiamentos. Está atrás dos estadunidenses Bank of America (US$ 281,2 bi), Wells Fargo (US$ 318,2 bi), CITI (US$ 332,9 bi) e JP Morgan Chase (US$ 434,1 bi).

O relatório destaca oito bancos estadunidenses e cinco canadenses. Todos possuem políticas que permitem a continuação de apoios a empresas que desenvolvem novos projetos de petróleo e gás. Os canadenses RBC, TD e Bank of Montreal, inclusive, estão no topo dos investimentos para a exploração de petróleo de areias betuminosas, que pode emitir de três a cinco vezes mais gases de efeito estufa do que a média global por barril de óleo por requerer mais energia para a extração. Ano passado, foram responsáveis por 89% dos US$ 21 bilhões financiados para esse tipo de petróleo. 

Os três também financiam a construção do gasoduto Coastal GasLink, que passa por terras indígenas no Canadá, da TC Energy. Richard Brooks, diretor de Finanças Climáticas da Stand.earth, lembra que o RBC ganhou o posto de banco mais sujo do mundo por sustentar a economia de combustíveis fósseis enquanto propaga ser sustentável e apoiar os direitos indígenas.

“Na realidade, o banco está poluindo nossas comunidades, financiando o caos climático e as violações dos direitos indígenas em bilhões”, diz.

O RBC, junto ao gigante JP Morgan Chase, também é o principal financiador de petróleo e gás fracking, técnica de perfuração com capacidade de alcançar minúsculas bolhas de gás que necessita de substâncias químicas, algumas muito tóxicas, para auxiliar na extração.

É um dos processos que mais resulta em “vazamentos” de metano. Em 2022, o financiamento alcançou US$ 67 bilhões, um aumento de 8% em comparação a 2021. O RBC também é um dos financiadores da estadunidense ConocoPhillips, empresa que tem explorado o Ártico, área ambientalmente sensível.

Além do RBC, outros 15 bancos aumentaram os financiamentos de 2021 para 2022. O francês Crédit Mutuel, apesar de estar na 59ª posição, deu um salto de 799,19% nos financiamentos do período. Outros exemplos são o espanhol Caixa Bank (364,85%) e o australiano ANZ (148,51%).

Destaques de financiamento

O financiamento para gás natural liquefeito (GNL) aumentou de US$ 10,8 bilhões em 2021 para US$ 21,3 bilhões em 2022. Os principais bancos que contribuíram para o crescimento foram os estadunidenses Morgan Stanley, JP Morgan Chase e CITI, os japoneses Mizuho e grupo SMBC e o holandês ING.

As 30 principais empresas que expandiram a produção de GNL usaram a guerra entre Ucrânia e Rússia para garantir mais financiamento dos bancos. A justificativa era que o conflito poderia causar alguma falha no fornecimento de energia na Europa.

exploração de petróleo gás offshore, extração ocorrida no mar, tem no topo de financiadores os franceses BNP Paribas e Crédit Agricole, além do grupo SMBC.

Já 87% do financiamento para as 30 maiores empresas de mineração de carvão vieram dos chineses CITIC, China Everbright e Industrial. 97% do financiamento para energia a carvão também vieram de bancos chineses. 

As instituições financeiras também têm contribuído para a exploração de combustíveis fósseis em áreas ambientalmente sensíveis, como no Ártico e na Amazônia.

A exploração de petróleo e gás na região do Ártico, por exemplo, conta com o suporte financeiro de 30 bancos, sendo os principais financiadores de 2022 os bancos chineses ICBC, Agricultural Bank of China e China Construction Bank. Somado, o trio desembolsou US$ 2,9 bilhões ano passado. 

Na Amazônia, a exploração de combustíveis fósseis já recebeu US$ 769 milhões de investimento. Apesar de os americanos JPMorgan Chase, CITI e Bank of America serem responsáveis pela maior parte dos recursos desde 2016, no ano passado a liderança ficou com o espanhol Santander, que desembolsou US$ 169 milhões. Entre as empresas beneficiadas estão a colombiana Ecopetrol, Petróleos del Perú, PetroEcuador e a brasileira Petrobras.

Uma investigação do Stand Research Group de 2021 mostrou que o JPMorgan Chase é um dos bancos classificados como de alto risco para a floresta amazônica, pois possui políticas ambientais e sociais fracas e alto volume de financiamento para empresas que atuam no bioma e geram devastação.

O inglês HSBC e o CITI também foram considerados de alto risco por possuírem políticas insuficientes para governar os perigos ambientais e sociais. O CITI, por exemplo, financiou a compra da Amerisur pela GeoPark Ltd, uma empresa colombiana com histórico negativo em questões ambientais e sociais.

O relatório conclui que é essencial que os bancos parem de financiar a indústria de combustíveis fósseis imediatamente, para que a temperatura não continue aumentando e agravando a emergência climática.

O documento ressalta que deve haver aumento no financiamento para energia renovável e outras soluções de baixo carbono, além de exigir planos de transição robustos de todos os clientes que exploram combustíveis fósseis.

“As empresas de combustíveis fósseis são quem despeja petróleo, gás e carvão no planeta, mas são os grandes bancos que seguram os fósforos. Sem financiamento, os combustíveis fósseis não queimarão”, diz April Merleaux, Gerente de Pesquisa e Políticas da Rainforest Action Network.

O relatório foi apoiado por mais de 550 organizações de mais de 70 países, que pedem aos bancos a paralisação de investimentos contra o clima. O Observatório do Clima é uma das instituições apoiadoras.
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*Este texto foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima em 18/4/2023

Foto: reprodução da capa do relatório ‘Banking on Climate Caos