sexta-feira, 11 de agosto de 2017

A integridade de Brasília está em jogo

Aqui está o artigo q não saiu no Correio Brasiliense, mm tendo enviado para 2 pessoas diferentes... Divulguem!!!!

Depois de tentar publicar no Correio Brasiliense e não conseguir (só estão publicando matérias a favor do que o governo vem propondo), divulgo artigo sobre os riscos que Brasília está correndo:



Suzana Padua
Educadora ambiental e Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela UnB



Em meio a diversas crises, inclusive hídricas de Brasília, vários projetos estão sendo propostos que ameaçam a integridade da capital federal. O governo local articula-se para aprovar a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), tendo à frente a Secretaria de Gestão do Território e Habitação, a SEGETH. Propaganda recente do GDF na rádio CBN não reflete o sentimento que se espraia pelo bairro, de estar sofrendo um atentado que vai mudar o propósito para o qual o bairro foi criado.



A LUOS propõe autorizações para prestação de serviços nas residências, com CNPJs, o que não é a vontade da população, como quer fazer crer tal propaganda. Pesquisa feita pelo próprio governo, a partir de critérios questionáveis, afirma uma atitude de “tudo bem, quase todo mundo está a favor”, o que não bate com o que pensa número expressivo e crescente de moradores dos bairros atingidos, sobretudo na Península Norte.



Há uma espécie de “sedução” na forma como tudo é apresentado e na reiteração de que a população está sendo ouvida, inclusive por meio da tal pesquisa, cujos resultados parecem endossar uma decisão já tomada. Não estão claras as pressões econômicas por trás de tanto empenho para destruir esses bairros eminentemente residenciais (Lago Sul, Park Way e Lago Norte), mas devem certamente existir. O fato é que o rumo dos acontecimentos gera desaprovação e desconfiança da maioria dos moradores da Península Norte.





Reuniões numerosas a acaloradas demonstraram indignação. No dia 11 de julho, em encontro com mais de 400 pessoas na Igreja Nossa Senhora do Lago, foram raras as exceções à opinião de que o Lago Norte não deve abrir qualquer permissão a CNPJs em suas áreas residenciais. Isso porque onde houve tais iniciativas no passado, hoje os problemas são tratados como fatos consumados e, pior, não há a quem efetivamente recorrer quando algo dá errado.




Várias leis vêm sendo articuladas ao mesmo tempo, mesmo que apresentadas como independentes. Primeiro, a LUOS, que permite comércio e serviços em residências, o que trará trânsito, pessoas estranhas, barulho e movimento anômalo em ruas feitas para abrigar apenas moradias (sem saída, não afeitas a estacionamentos ou uso além daquele que é próprio dos moradores).



Segundo, a orla do Lago Paranoá. Não faz sentido o que está acontecendo: retiram-se áreas de quem cuidava e as deixam em estado lastimável, com a ideia de implantar ali infraestrutura comercial e turística. Além disso, é andar na contramão, pois exemplos mundo afora mostram que ocupações atabalhoadas em beira de lagos causam danos irreversíveis ao bem mais precioso: água.


Nessa crise hídrica de Brasília, o governo deveria mostrar responsabilidade e cuidar verdadeiramente da orla, no mínimo deixando essas áreas como estavam, ao invés de tomá-las sem lhes dar a devida proteção. Terceiro, existe um projeto em “banho maria” (proposta do deputado distrital Joe Vale), que diz respeito ao uso das áreas verdes, arquivado não se sabe até quando.



Os moradores são chamados de “invasores” quando nada invadiram, uma vez que diversas normas permitiram cercar as áreas verdes para a garantia da absorção da água da chuva e alimentação dos lençóis freáticos. Finalmente, uma lei prevê a permissão de sons mais altos, ou flexibilização do aumento dos decibéis, provavelmente antevendo a presença de bares, restaurantes e casas de shows. Não se sabe o que poderá acontecer, mas o fato é que esses projetos devem estar mais articulados do que parecem.


Pior, não estão aguardando o que o Zoneamento Econômico e Ecológico vai recomendar como cuidados especiais em certos locais, a exemplo da Península Norte. O próprio Ministério Público já se manifestou no sentido de que a LUOS somente seja apresentada após a aprovação do ZEE.





Os moradores não querem o que está sendo proposto. Os representantes do governo vêm recebendo diferentes grupos, sim, mas parecem fazer “ouvidos de mercador”. Distorcem o que é dito e ignoram as demandas que vão contra a prestação de serviços nos bairros residenciais.



O Secretário da SEGETH, Thiago de Andrade, recebeu moradores do Lago Norte e garantiu que acatará o que pleiteiam. Deu três semanas para as reivindicações serem apresentadas, apesar de que elas estão claras e foram expostas em diversas audiências públicas. Os moradores querem zero prestação de serviços nas áreas estritamente residenciais da Península Norte.



Para tal existe o chamado Centro de Atividade (CA), criado para isso e não para moradias como ocorre hoje, e virou fato consumado. Mais uma vez os moradores reiteram o não a tais projetos e esperam ser respeitados. O governador Rollemberg deve ouvir os moradores e não insistir em condenar o Península Norte a um futuro urbano desastroso.

A culpa é sempre do licenciamento


Por Claudio Angelo*
Em 2016, foi descoberto um recife de corais de cerca de mil quilômetros. Foto: ©Greenpeace
Em 2016, foi descoberto um recife de corais de cerca de mil quilômetros. Foto: ©Greenpeace
“Pensei: por que Deus criaria as pessoas tão imperfeitas, então as culparia pelas próprias imperfeições, então mandaria seu filho para ser torturado e executado por essas pessoas imperfeitas como forma de compensar o quão imperfeitas elas eram e o quão imperfeitas elas inevitavelmente seriam? Que ideia maluca.” (Julia Sweeney)

manchete do Valor Econômico me fez lembrar esse trecho do monólogo Letting Go of God, da comediante americana Julia Sweeney. O jornal dá voz aos empresários da indústria do petróleo, que manifestam preocupação com o destino da 14ª rodada da ANP, marcada para o fim de setembro. Eles sutilmente ameaçam uma debandada de investimentos no setor no país. E a culpa, claro, será do licenciamento ambiental, esse entrave eterno.


O jornal dá a senha logo no primeiro parágrafo: diz que o setor, recentemente, já “destravou” as regras de conteúdo nacional e a exigência da Petrobras como operadora única do pré-sal. E agora, justo quando chegavam as strippers e a cocaína a festa ia ficar boa, aparece esse Ibama para empatar.


A reportagem do Valor tem alguns problemas, devidamente apontados por Maurício Tuffani no Direto da Ciência. Talvez o principal deles seja o timing. O Congresso Nacional está voltando hoje do recesso, para azar da sociedade brasileira. Amanhã a bancada ruralista e seus aliados do “mercado” devem livrar o Presidente da República da cassação e da eventual temporada em Curitiba. Nos próximos dias, como parte da fatura pela graça realizada, devem votar no plenário a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, rifada por Temerapesar de acordo prévio com o ministro do Meio Ambiente. Nesta terça-feira (01) o licenciamento estará no “cardápio” do almoço semanal da Frente Parlamentar da Agropecuária (a sobremesa é o seu futuro, leitor). Não creio em bruxas, mas há uma coincidência retada no fato de o setor ter se lembrado só agora de contar ao principal jornal de economia do país que tem um “entrave ambiental”.

Ironicamente, o estudo de caso apresentado pelas fontes como símbolo dos supostos problemas do licenciamento sai pela culatra. Trata-se das “dificuldades” que a petroleira francesa Total estaria tendo para conseguir licenciar blocos de exploração na região da foz do Amazonas, arrematados em 2013, na 11ª rodada da ANP. O Ibama, esse inimigo do Brasil, estaria enrolando com a licença só porque a região de exploração fica ao lado de um banco de corais único no planeta, recém-descoberto e provavelmente ultrassensível a vazamentos e… não, pera.

Temos, então, que o licenciamento ambiental é acusado de ser lento e rigoroso demais porque o governo concedeu uma área de exploração de óleo numa zona ecologicamente sensível, onde o licenciamento ambiental precisa ser, necessariamente, mais lento e rigoroso, porque tem o mandato de proteger essa zona ecologicamente sensível. O raciocínio é perfeitamente circular. Julia Sweeney na veia. (Se eu fosse ministro do Meio Ambiente, ainda mais neste clima de baile da Ilha Fiscal que está este governo, me fazia de loka e decretava um parque nacional marinho na região. Sarney, #ficaadica.)

O “prejuízo” causado pelo Ibama ao país no caso seria US$ 300 milhões, que é o que a Total havia planejado investir na região em 2017. Para colocar em perspectiva, US$ 300 milhões equivale a 3 UBV (Unidade Barusco de Valor), ou seja, três vezes o que um único diretor da Petrobras, Pedro Barusco, aceitou devolver aos cofres públicos do dinheiro que ele tinha roubado sozinho. Você me diga se essa grana vale arriscar os corais da Amazônia.

Mais adiante, o texto meio que derruba a si próprio: diz que a 14ª rodada está ameaçada pela lerdeza do licenciamento, mas que que a maioria dos blocos a serem oferecidos não ficam em áreas ambientalmente sensíveis e sim em regiões “já conhecidas”, ao contrário dos da 11ª rodada, que estavam em “novas fronteiras”.

E aí o Valor cita um caso emblemático de outra barbeiragem licitatória da ANP supostamente implodida pelo licenciamento: em 2002, uma empresa americana arrematou blocos de exploração numa área próxima a outro banco de corais — o dos Abrolhos, entre Espírito Santo e Bahia, onde já existia um parque nacional marinho. Em 2004, o Ministério do Meio Ambiente bateu o pé e disse que não dava para furar ali. O ministério de Minas e Energia aquiesceu. A empresa deixou o país dois anos depois e os corais de Abrolhos foram deixados em paz, por enquanto.


A ministra de Minas e Energia que se dobrou ao bom senso na época se chamava Dilma Vana Rousseff.

*Texto originalmente publicado no blog Curupira. 

Tartarugas pescadas ilegalmente são libertadas na Revis Tabuleiro do Embaubal


Foto:  Ascom Ideflor-bio
Foto: Ascom Ideflor-bio

Nesta terça-feira, dia 02/08, 24 tartarugas foram soltas no Refúgio de Vida Silvestre Tabuleiro do Embaubal (PA), após serem resgatadas em uma ação de fiscalização de pesca predatória por agentes do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio) e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

Durante a fiscalização também foram encontradas 7 tartarugas e 2 jacarés, sem vida, além de pescado e redes de pesca. No meio do ano a caça ilegal é intensificada e os órgãos atuam no combate a ilícitos na área.

A unidade de conservação é a área de maior desova de tartarugas do Pará. Cerca de 29 mil ovos chegam a eclodir em um dia. Além delas, desovam na área pitiús e tracajás. Outras espécies aquáticas de importância para a conservação que ocorrem na área são o boto-vermelho, o peixe-boi amazônico e jacarés.

De acordo com Maria Bentes, Gerente da GRX/Ideflor-bio, as ações são diárias. “Estamos no início da migração das tartarugas da Amazônia e posterior período de desova no interior do REVIS Tabuleiro do Embaubal e na Reserva de Desenvolvimento (RDS) de Vitória de Souzel. Todos os dias os agentes ambientais detectam atividades ilegais na área”, contou.


Assista ao vídeo da soltura
Video Player

*Com informações da Ascom Ideflor-bio

Agência Nacional da Mineração e o desmonte das estâncias hidrominerais

Por Ana Paula Lemes de Souza e Marcos Rodrigues*
Foto: Lennart Tange/Flickr.
Foto: Lennart Tange/Flickr.


O Governo Federal anunciou no dia 25 de julho mudanças no marco regulatório da mineração, através de Medidas Provisórias (MPs) .  Dentre essas mudanças, anunciou a extinção do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM). Ao todo, foram três MPs que começaram a valer de modo imediato, mas que precisam passar pelo crivo do Congresso Nacional em até 120 dias para não perderem a validade. Pressente-se aqui, mais uma vez, o mesmo jogo de compra de votos dos políticos, que se arrasta no atual sistema político-partidário.


Em contrapartida, a população, as ONGs, Universidades e Ministério Público vêm debatendo desde fevereiro do corrente ano alternativas à gestão da água mineral. Esses debates que buscam repensar os aspectos histórico-culturais, medicamentosos e jurídicos relacionados à água mineral, embora antigos, acirraram-se recentemente por conta da consulta número 01/2017, proposta pela CODEMIG (Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais), prevendo exploração em Parceria Público-Privada do engarrafamento das águas de Cambuquira e Caxambu.


Foto da manifestação realizada em Caxambu no início de março. Divulgação ONG Nova Cambuquira.
Foto da manifestação realizada em Caxambu no início de março. Divulgação ONG Nova Cambuquira.

O Edital não chegou a ser lançado, graças à ação conjunta e firme da sociedade civil organizada, especialmente pela ONG Nova Cambuquira e Ampara (Caxambu), em conjunto com o Ministério Público de Minas Gerais, que expediu através do Promotor de Justiça Bergson Cardoso Guimarães, representante da Coordenadoria da Bacia do Rio Grande, recomendação ministerial para que se suspendesse a publicação do Edital.


Um dos objetivos principais desse movimento ligado à defesa da água é questionar o seu enquadramento como minério na legislação brasileira em vigor, bem como a gestão deficiente do DNPM, que desconsidera o valor terapêutico e sociocultural desse recurso hídrico.


Antes mesmo do anúncio pelo Governo Federal das referidas MPs, foi montado Grupo de Trabalho envolvendo todo o Circuito Mineiro das Águas com o intuito de elaborar um relatório multidisciplinar que visa propor alterações no tratamento da água mineral e desenvolvimento sustentável das respectivas estâncias hidrominerais que dela dependem.


Esse pretenso programa do Governo Federal de revitalização da indústria mineral desconsidera todo o trabalho, pesquisa e conquistas alcançados pelos agentes locais, além de se configurar uma tentativa de desmonte da democracia, ressaltando seus aspectos meramente econômicos e fiscais, que tem sido o único viés das ações públicas, tanto federais quanto estaduais.


A transformação do DNPM em uma Agência Reguladora do setor reforça o já praticado. É continuar insistindo no erro, com o agravante de que fragiliza ainda mais a fiscalização dos bens minerários, expondo as populações que vivem ao redor da ação minerária a maiores riscos e não devolvendo, como prometido, o desenvolvimento que elas merecem e precisam.


“A tentativa com as MPs é evitar ao máximo a atuação da sociedade nos atos de governança pública, deixando o controle e as decisões nas mãos de poucos privilegiados, que têm uma agenda própria e interesses nem sempre claros”.
A tentativa com as MPs é evitar ao máximo a atuação da sociedade nos atos de governança pública, deixando o controle e as decisões nas mãos de poucos privilegiados, que têm uma agenda própria e interesses nem sempre claros. Como exemplo dessa exclusão, há a proibição de integrar a Diretoria Colegiada qualquer pessoa que tenha histórico de participação em organização sindical, constante no artigo 12º, inciso III, da MP 791/2017.


As ações do DNPM eram insatisfatórias para as estâncias hidrominerais, uma vez que considerando essa água um minério e não um recurso hídrico diferenciado, relegava as necessidades locais ao descaso. Com a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), fica evidente o interesse de favorecer o mercado de mineração, ampliando esse descaso com a água mineral que já era patente.


O discurso do Governo Federal pretende favorecer as empresas que lidam com a mineração, com foco em investimento estrangeiro. Ao buscar competitividade em relação a esse bem, fragiliza o aspecto sustentável da água mineral, pois favorece a administração dessa atividade por agentes externos, corporativistas e estrangeiros, que visam a privatização desse recurso natural para atender apenas à sua ganância desmedida.



Trecho da rodovia MG-347, que é uma das principais vias de acesso aos municípios do circuito das Águas. Foto: Wikipédia.
Trecho da rodovia MG-347, que é uma das principais vias de acesso aos municípios do circuito das Águas. Foto: Wikipédia.


Os temas apresentados pelas MPs estão na contramão do caráter múltiplo deste recurso hídrico, tão caro à identidade das comunidades locais. A ideia daquele Grupo de Trabalho mencionado linhas acima, é que seja feita a reclassificação legal da água, tornando-a como de fato é, um recurso hídrico especialíssimo, com uma gestão conjunta entre Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Saúde.


A Agência Nacional de Mineração favorecerá ainda mais a exploração predatória das águas minerais, perpetuando a não contribuição para o desenvolvimento socioeconômico dos municípios que integram o Circuito. Como a história demonstra, a valorização da água em um único aspecto como produto causou profundo declínio das estâncias. A água, para a população local, é muito mais que um mero produto, mas sim um bem difuso, com propriedades curativas, cujo acesso deve ser garantido para a atual e futuras gerações.


O anúncio das Medidas Provisórias pelo Governo Federal e o profundo silêncio que paira sobre as manifestações e reivindicações das estâncias hidrominerais fragiliza ainda mais a democracia e aprofunda a lógica exploratória praticada até o momento.


Fica óbvia a eloquência desse silêncio que, além de intencional, muito comunica.

Saiba Mais
MP 789/2017 – aumenta compensação financeira (CEFEM).
MP 790/2017 – cria novas regras para pesquisa no setor minerário.
 MP 791/2017 – cria a ANM e extingue o DNPM.

O país nº 1 em aves enfrenta o desafio de frear o tráfico ilegal


Por Fabíola Ortiz
Quarentena para a recuperação de aves. Foto: Fabíola Ortiz.
Quarentena para a recuperação de aves. Acima, um Iratauá-grande (Gymnomystax mexicanus). 
Foto: Fabíola Ortiz.


Cartagena, Colômbia – O turpial, o cardeal vermelho, o Pintassilgo-da-Venezuela mais conhecido como “cardenalito”, louros, as araras ou “guacamayas” são algumas das espécies mais visadas para serem capturadas e comercializadas de forma ilegal. Com 1.921 aves registradas no Sistema de Informação sobre Biodiversidade da Colômbia (SiB), o país é o número um no mundo quando o assunto é diversidade de aves, das quais cerca de 300 são alvo de contrabando.


“Na Colômbia, todo e qualquer animal silvestre pode ser vítima de tráfico”, lamenta o biólogo Rafael Vieira, fundador do Aviário Nacional, o maior da América Latina e o sexto no mundo.


Quando uma ave é traficada e retirada de seu hábitat natural, ela não apenas corre risco de morte, contaminação por doenças, mas ainda põe em risco a sobrevivência de sua espécie e da conservação do próprio ecossistema. Para cada exemplar de um animal silvestre (não apenas de aves) que chega às mãos de um comprador, há outros nove animais que padecem pelo caminho, segundo estimativas feitas pela Corantioquia, uma entidade pública governamental com sede em Medellín dedicada à execução de políticas públicas e programas de meio ambiente.


As cifras batem com o que estima a Interpol em que um em cada dez animais traficados no mundo chega ao seu destino final com vida.



O tráfico de espécies silvestres é um dos mais rentáveis na Colômbia. No mundo, ele está atrás do tráfico de drogas, armas e o de pessoas. Contudo, não se tem muita informação sobre este tipo de contrabando na Colômbia e, muito menos do que sai do país, especialmente porque parte dos animais é camuflada em exportações legais driblando, assim, o controle. Em 2016, a Polícia Nacional recuperou mais de 8.300 animais silvestres e prendeu cerca de 1.500 pessoas por delitos contra a natureza.



As aves, segundo o Ministério de Ambiente, estão entre o grupo de animais mais visados para contrabando. É comum que se comercialize penas e os ovos.


“Nas últimas duas décadas aumentou a tendência de as pessoas terem mascotes. Muito do comércio que antes era destinado a outros continentes já não é tão grande, virou uma coisa mais interna, um comércio doméstico e regional”, disse a ((0))eco Adrian Reuter, coordenador regional para a América Latina e o Caribe em tráfico de espécies da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS).
Contrabando de animais pode gerar danos à conservação
Foto: Fabíola Ortiz.
Foto: Fabíola Ortiz.


A Colômbia é um paraíso para as aves pelo clima e diversidade de habitats. Como é também um paraíso para seus captores. “Culturalmente, temos arraigado o costume de ter aves em jaula ou de companhia porque cantam bonito ou repetem palavras. Vemos que há demanda. Uma vez que o consumidor final obtém o animal, já não tem muito o que fazer para impedir. As ações para desincentivar o tráfico de espécies se faz com quem vende as aves no mercado, na rua ou aeroportos”, analisou.


Reuter critica a posição reativa das autoridades que apenas atuam quando ocorre o roubo de espécies, ao invés de investir em prevenção. O biólogo conversou com ((o))eco durante o Congresso Internacional para a Conservação da Biologia (ICCB 2017) realizado em Cartagena, entre 23 e 27 de julho.


Num evento que reunira cerca de 2.000 pesquisadores e cientistas para discutir temas relacionados à biodiversidade e conservação da natureza, o tráfico de espécies teve destaque com um dia inteiro de painéis. Este, em geral, é um tema que não aparece muito nos congressos de meio ambiente, admitiu Reuter. Cada vez mais, pesquisadores têm se dado conta que o contrabando de animais pode causar graves efeitos sobre a conservação de ecossistemas e da biodiversidade.


“Você pode ter uma floresta bem conservada, mas se desaparecem os animais que vivem nessa floresta, ela estará predestinada a desaparecer. Muitas espécies têm um papel fundamental nos ecossistemas e geram resiliência, se desaparecerem, impactarão a conservação dos habitats, a cadeia alimentar e a distribuição de sementes”, explicou Reuter.


O fato de a Colômbia ter uma enorme diversidade de avifauna faz com que a responsabilidade para conservá-la seja ainda maior, afirmou o também biólogo Luis Miguel Renjifo, da Pontifícia Universidad Javeriana, em Bogotá, que avalia o risco de extinção das aves no país. Segundo sua pesquisa, em 2002, eram 112 aves ameaçadas de extinção. Em 2016, o número chega a 140. Entre os principais fatores de risco está o contrabando junto com a expansão da fronteira agrícola, mineração e pecuária.
Pouco conhecido
Ave em quarentena. Foto: Fabíola Ortiz.
Cacatua em quarentena. Foto: Fabíola Ortiz.


O contrabando de aves é pouco conhecido, disse a ((o))eco Renjifo, “mas, sem dúvida, é uma grande ameaça”. No caso das araras e louros, os filhotes também são capturados. E, para conseguir destruir o ninho, os contrabandistas muitas vezes derrubam árvores inteiras. “Uma proporção muito grande morre, muitos capturados nem chegam ao destino final e também não têm oportunidade de se reproduzir”, destacou.


Um outro ponto difícil de lidar é a recuperação destes animais quando são resgatados. É preciso diagnosticar se foram infectados com alguma doença antes de soltá-los ao ambiente, podendo causar mais impacto ainda se estiverem doentes.


“No caso de louros e araras é muito difícil recuperá-los. Esses animais crescem acostumados ao humano e dificilmente podem ser reincorporados ao meio silvestre. É caro e envolve muito esforço”, disse Reuter. Além disso, especialmente no caso dos louros, eles são transportados em carregamento de centenas. É comum que as autoridades não tenham espaço, nem recursos suficientes para mantê-los em condições adequadas e passarem por um processo de recuperação.


Outro ponto frágil é a punição. “Em geral, as sanções são baixas para esses delitos. As pessoas raramente vão à prisão. Não se dá a seriedade necessária a esse tipo de crime ambiental em comparação aos crimes de drogas ou tráfico de pessoas ou armas. Muitas autoridades estão de mãos atadas”. Na avaliação de Reuter, é preciso conscientizar o setor judicial sobre a gravidade dos crimes ambientais e os impactos que podem gerar no longo prazo.


A Colômbia aderiu à Convenção sobre o Extinção em 1981. Desde então, o governo se comprometeu a implementar medidas para evitar o contrabando. Em 2014, o Ministério de Ambiente deu início à Estratégia Nacional para a Prevenção e Controle do Tráfico Ilegal de Espécies Silvestres.


Educação ambiental para prevenir crimes
Incubadora de aves. Foto: Fabíola Ortiz.
Incubadora de aves do aviário em Cartagena. Foto: Fabíola Ortiz.
“É preciso ir à raiz dos crimes, ir às comunidades que convivem com as espécies. É um trabalho paralelo de educação e também de desenvolvimento de fontes de renda”, comentou Reuter. Pequenos agricultores, pescadores e comunidades indígenas capturam os animais em troca de pagamentos, os entregam a distribuidores, e assim se alimenta a cadeia do contrabando. Por 100 reais, um caçador captura um flamenco rosado e o transporta ao interior do país sedado. O intermediário chega a revendê-lo a 2 mil reais.


Muitas araras na Colômbia custam 50 dólares (cerca de 150 reais), mas chegam a custar 1.000 dólares no exterior (mais de 3 mil reais), comentou o diretor do Aviário Nacional, Rafael Vieira. Quase todas as araras abrigadas no aviário foram confiscadas pela polícia e entregues à instituição para que sejam cuidadas e tenham um lar.


Para Renjifo, além de políticas públicas, a educação ambiental é fundamental tanto para sensibilizar às comunidades que capturam estes animais, quanto para conscientizar às pessoas que não comprem animais oriundos do tráfico. “A minha impressão é que aqui na Colômbia, a educação ambiental tem sido pouca”, comentou.

O criador do aviário se orgulha ao definir a área de 7 hectares como um santuário de aves aberto à visitação. Inaugurado em fevereiro de 2016, a aviário recebeu 70 mil visitantes no seu primeiro ano. Vieira espera atrair mais a atenção de turistas e chegar a 200 mil nos próximos cinco anos.


Cerca de 2.500 aves de 175 espécies, das quais vinte exóticas, estão à vista para apreciadores da natureza e pesquisadores. Localizado há uma hora de Cartagena, na ilha de Barú, o aviário fruto de um sonho de Vieira, apaixonado por animais e aves, é hoje um projeto de conservação e reprodução de centenas de pássaros, alguns ameaçados.


Ele explica que a ideia é oferecer um lugar seguro para as espécies. Sua ambição é também tornar-se em um centro de pesquisa para a conservação das aves. “As aves são entregues de forma voluntária, tanto por indivíduos, como pela polícia fruto de apreensões. O meu sonho é criar o primeiro banco genético de aves da Colômbia”, anuncia Vieira.


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