quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

A bronca dos jovens contra seus avós por causa do desrespeito aos bens naturais


A bronca dos jovens contra seus avós por causa do desrespeito aos bens naturais
26/12/2018 09h18 Atualizado há 2 semanas

Greta Thunberg, de 15 anos, protesta em frente ao Parlamento da Suécia com o cartaz: 'Greve das escolas pelo clima' — Foto: TT News Agency/Hanna Franzen via Reuters
Greta Thunberg, de 15 anos, protesta em frente ao Parlamento da Suécia com o cartaz: 'Greve das escolas pelo clima' — Foto: TT News Agency/Hanna Franzen via Reuters 

A história da menina sueca Greta Thunberg, de 15 anos, que ostentou um cartaz em frente ao Parlamento de seu país onde se declarava em greve na escola enquanto os políticos não tomassem uma atitude decente contra as mudanças climáticas que afetariam diretamente sua vida adulta, é emblemática de nossa era. Thunberg foi também à Polônia, durante a COP24, onde falou para os líderes na abertura da Conferência: 

"Como nossos líderes se comportam como crianças, teremos que assumir a responsabilidade que eles deveriam ter assumido há muito tempo", disse ela.

Há 26 anos, a canadense Severn Suzuki, na época com 13 anos, calou os líderes mundiais durante a Rio92 chamando a atenção para a disparidade entre gestos e intenções. Seu discurso ganhou os devidos holofotes da mídia e ela não poupou críticas aos governantes. 

Severn é hoje uma ambientalista atuante em seu país, teve um filho e, em 2010, o diretor Jean-Paul Jaud fez um documentário sobre ela, mostrando algumas das atrocidades cometidas pela indústria alimentícia e eternizando as palavras da menina: 

“Vocês vivem dizendo que nos amam, mas eu os desafio a tomarem atitudes que reflitam, verdadeiramente, essas palavras”.

Usar os bens naturais hoje, de maneira a preservá-los para as gerações futuras, é uma expressão que começou a ser conhecida depois da publicação do Relatório Brundtland – “Nosso futuro comum” – em 1987. O texto foi escrito por 21 líderes, encabeçados por Gro Brundtland, então primeira-ministra da Noruega e escolhida pelas Nações Unidas para chefiar a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e se aprofundar no tema. 

Fica muito claro, na nova visão das relações homem-meio ambiente exposta pelo Relatório, que não existe apenas um limite mínimo para o bem-estar da sociedade; há também um limite máximo para a utilização dos recursos naturais, de modo que sejam preservados. 

Na visão de muitos ambientalistas que hoje fazem uma espécie de mea culpa, o discurso apresentado pelo Relatório estava perfeito, a não ser por um ponto. Ele joga para o futuro distante, fim do século XXI, os efeitos causados pelo impacto que hoje se provoca ao meio ambiente. Este foi um dos problemas. 

Se já está difícil viver as privações de hoje, como aceitar ser necessário cuidar do futuro, ainda por cima com uma data determinada tão longínqua? Um exemplo claro: se não há consciência sobre o lixo plástico, que continua sendo jogado nos rios, mares e oceanos, como educar os cidadãos a não criar problemas para o fim do século? 

A marca de nossa civilização tem sido o imediatismo, o desrespeito à natureza é parte do afã de acumular coisas, de consumir demais. Seria necessária uma mudança de paradigma profunda, uma tomada de consciência que vai se delineando aos poucos, mas num ritmo muito mais lento do que o desejado. E as broncas dos netos, será que funcionarão?

Faz sentido que sejam cobrados os líderes dos países, aqueles que podem e deveriam criar políticas públicas para uma economia e um desenvolvimento pró-pessoas, não apenas visando ao lucro. Mas é preciso também lembrar o papel das indústrias. Tão logo se apagaram os holofotes da Rio-92, um grupo de 50 empresários criou suas próprias metas num documento chamado “Mudando o Rumo”, em que promessas foram feitas por um caminho melhor, de investimentos em tecnologias, sempre visando a um futuro menos poluído. 

Esperavam, talvez, mais mimos do que receberam por parte dos governantes. 

Um empresário que se destacou, tornando-se ele mesmo um garoto-propaganda de sua história foi Ray Anderson, morto em 2011, fundador da Interface, de carpetes, que escreveu o livro “Lições de um empresário radical”. Também logo depois da Rio-92, Anderson começou a se dar conta do quanto retirava da Terra para obter lucro, sem devolver nada em troca. E foi por causa do incômodo que sentiu quando não conseguiu responder à pergunta de uma cliente sobre o que a empresa fazia em prol do meio ambiente, que o empresário decidiu mudar tudo. 

No livro, ele reinventa a definição de sustentabilidade: “Operar este negócio dependente do petróleo de uma maneira que só retire da terra o que for natural e rapidamente renovável – nenhuma gota nova de petróleo – e não causar nenhum dano à biosfera”. E afirma que conseguiu seu objetivo, com métodos nem sempre simples, mas bastante efetivos. Passou a dar palestras, seduzindo novos empresários a seguirem seu caminho. 

“Estamos deixando um legado terrível de veneno e de impactos ao meio ambiente para nossos netos e para os netos de nossos netos, gerações que ainda nem nasceram. Algumas pessoas chamam a isso de tirania intergeracional, uma forma de taxação sem representação da geração que virá. É um jeito errado de fazer as coisas”, disse ele no depoimento ao documentário “The Corporation”

Enquanto relia este texto que escrevi ontem à noite para ser publicado hoje, quarta-feira (26), as notícias que chegam do Japão não deixam sombra de dúvidas que, sim, estamos fazendo tudo errado. O país decidiu deixar de participar da comissão que protege as baleias e liberou de novo a caça a estes animais. A desculpa é que elas servem para pesquisas científicas, mas todo mundo sabe que a carne delas é vendida comercialmente. 

Outra desculpa é que comer carne de baleia é uma tradição cultural, na Noruega e em outros países. 

Mas, se as baleias estão acabando por conta da caça indiscriminada, por que não pensar numa mudança de cultura? E olha que nem estou falando no horror que é a caça a um desses animais, horror também para os humanos que trabalham nisso. Hão de dizer que matar boi também é horrível, e eu concordo. 

No fim e ao cabo, precisamos dar um jeito de reinventar nossa civilização. E o período de festas de fim de ano é muito bom para pensar a respeito.

No meio ambiente, pouco a comemorar em 2018 e muito ainda a debater

No meio ambiente, pouco a comemorar em 2018 e muito ainda a debater

Por Amelia Gonzalez, G1

Para falar a verdade, 2018 começou muito bem para os ambientalistas do mundo todo. A notícia de que o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, comprara briga contra cinco petroleiras, sob o argumento de que elas provocam a tragédia climática que põe em risco a vida de muitos e não movem uma palha para descontinuar o processo funcionou como um aditivo poderoso para quem acredita que é possível uma mudança de paradigma capaz de fazer estancar a enxurrada de gases poluentes que a humanidade vem despejando sobre o planeta. 


Mas, caros leitores, escolhi esta notícia para abrir o texto com a retrospectiva de 2018 porque já ando meio zonza de ouvir/assistir/ler a divulgação de fatos tão tristes e desalentadores para a natureza (humana). Bill de Blasio realmente envergou sua melhor armadura e ganhou os holofotes da imprensa no início do ano. No entanto, seis meses depois, um juiz de Manhattan, John Keenan, revogou o processo, alegando que a Justiça não tem condições de julgar um desafio global como este. E ainda convidou outros municípios que haviam seguido a mesma trilha, a abandonar o projeto para “economizar recursos do contribuinte e se concentrar em soluções significativas”. 


Terminou assim, portanto, quase como uma bravata, a batalha que poderia ter conduzido a cidade que abriga o maior centro financeiro do mundo a trilhar um caminho bem diferente. E, é claro, carreando dessa forma outros tantos municípios que poderiam se espelhar. 


Estamos virando o ano em mais um período sem soluções plausíveis para os problemas que enfrentaremos cada vez mais, causados pelo excesso de combustíveis fósseis que está mudando o clima, aquecendo a Terra. Como foi dito pelo primeiro ministro indiano, Narendra Modi, na abertura do Forum Econômico de Davos, que aconteceu em janeiro, “todos falam sobre a redução das emissões de carbono, mas há muito poucas pessoas ou nações que usam recursos para ajudar os países em desenvolvimento a adotarem a tecnologia apropriada”. Faltou solidariedade em 2018, portanto. E isso, infelizmente, não tem sido novidade nesta nossa era. 


Ah, mas teve outra boa notícia, que eu já ia me esquecendo de dar a vocês: no mês de agosto, um simples jardineiro causou tremor no mundo do agronegócio quando ganhou uma ação contra a Monsanto, alegando que contraiu câncer pelo uso constante dos herbicidas “Roundup” e “Rangerpro”. A causa, ganha, abriu caminho para uma série de outros processos, abertos por pessoas também atingidas pelo produto. Todas essas pessoas usaram o Roundup acreditando nos avisos dados pela empresa, de que o produto é seguro para a saúde. Não é, ou pelo menos há muita controvérsia a respeito, como se vê na reportagem publicada em outubro pelo jornal “The Guardian”

Ainda nesse tema, aqui no Brasil, a sociedade civil se organizou e divulgou um Atlas do Agronegócio, mostrando como o uso dos fertilizantes causam custos energéticos, ambientais e impactos para a saúde dos humanos. Dias antes, uma Comissão Especial da Câmara votara a favor de um projeto que flexibiliza ainda mais a compra de agrotóxicos. Como se já não bastasse o fato de o país ser o maior consumidor de agrotóxicos de todo o mundo. 

A explicação para tolerar ainda mais produtos que, além de servirem para matar pragas também acidificam os solos, poluem lençóis freáticos, lagos, rios e danificam bastante a saúde dos humanos, é que eles são necessários para alimentar os 7 bilhões de pessoas que hoje habitam a Terra. 


Porém, segundo dados publicados em setembro pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 821 milhões de pessoas, cerca de uma em cada nove, foram vítimas da fome em 2017, um aumento de 17 milhões em relação ao ano anterior . Aqui no Brasil, os números publicados por Marcelo Neri, do Ipea, também em setembro, dão conta de que mais seis milhões entraram para essa linha da pobreza e que a desigualdade aumentou. O último Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) o Brasil é o 10º país mais desigual do mundo, num ranking de mais de 140 países

E um outro estudo publicado pela sociedade civil, desta vez a Oxfam, deixa claro que até para quem produz o alimento levado às gôndolas dos supermercados, está difícil sair do mapa da fome.
Fica evidente, portanto, que o problema da fome no mundo não é de falta de alimentos, mas de distribuí-los bem e de as pessoas terem dinheiro para comprá-los. Foi assim em 2017, em 2018, é assim agora. E só vai deixar de ser quando as grandes corporações e os grande líderes pararem de botar o lucro à frente das pessoas. É, portanto, altamente questionável justificar o uso abusivo de produtos tão danosos à saúde dos humanos sob o argumento de que isto é preciso para acabar com a fome no mundo.


Mudando de assunto: os eventos extremos se sucederam em 2018, a maioria causada pelas mudanças do clima, como se a natureza quisesse estampar em letras garrafais o tamanho do problema que a humanidade tem que enfrentar com seriedade. Só no mês de setembro e num período concomitante, um furacão avançou pela costa das Carolinas Norte e Sul dos Estados Unidos e uma tempestade tropical, apelidada de super tufão, varreu as Filipinas. Quinze pessoas foram mortas nos Estados Unidos, dezenas de outras perderam as vidas nas Filipinas. E não ficou por aí. 

A seca, outro efeito das mudanças climáticas, tomou o Cerrado, aqui no Brasil, e compromete seriamente a distribuição de água em todo o país. De novo, neste caso, a responsabilidade pelos danos ambientais recai sobre os ombros do agronegócio. 

Diante deste cenário - e como se não bastasse - os ambientalistas do Brasil receberam um duro golpe com os resultados das últimas eleições. Pouco mais da metade dos brasileiros elegeram um presidente, Jair Bolsonaro, que prefere retroceder aos tempos em que os bens naturais eram considerados infinitos e dar prioridade a impulsionar o desenvolvimento do país, mesmo que para isso seja necessário degradar terras, poluir ambiente, rios, lagos e mares. 

É do jogo democrático. Mas é preciso perceber que isto significa que milhões de brasileiros não pensam em preservação do meio ambiente, pelo menos não como um assunto importante. Por outro lado, também faz parte da democracia a resistência a tais ideias que empurram o país um retrocesso de mais de trinta anos. Para os ambientalistas, portanto, inaugura-se um período de muito trabalho.
Até porque, no mês passado, dias antes de começar a COP24 na Polônia, um relatório da ONU foi publicado para fazer outro dos muitos alertas que não têm sido ouvidos. Segundo os estudos, os esforços globais para conter as emissões não têm tido bom resultado. Pelo contrário: o crescimento econômico é o responsável por um aumento, isto sim, de gases poluentes na atmosfera

E o primeiro resultado concreto das ideias de Bolsonaro foi a negativa de sediar a próxima cúpula do clima, a COP25. Sob alegação de que a reunião é inútil, o presidente eleito tirou do Brasil a chance de receber aqui - 27 anos depois da conferência mais famosa, a Rio-92, onde os cientistas pela primeira vez deram alerta sobre o perigo das emissões de carbono – líderes do mundo todo para debater sobre o maior imbróglio atual da humanidade. E vida que segue. 
 
Para encerrar, volto a uma boa notícia. Em 2018 os indígenas de todo o mundo ganharam um presente da Relatora Especial das Nações Unidas para os Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz que, num estudo divulgado em julho, condena a criação de Unidades de Conservação. Segundo ela, a terra tem que servir para os humanos e, neste sentido, ninguém melhor que os indígenas para conservá-las. Victoria afirma que “há crescentes evidências de que as florestas prosperam quando os povos indígenas permanecem em suas terras”. 

Temos muito o que aprender com eles, e a troca poderia ser bem intensa e produtiva, sobretudo aqui no Brasil, onde já há grupos organizados e ancorados por excelentes organizações. Mas não é o que ocorre: um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), publicado em outubro, dá conta de que a violência contra estes povos, no Brasil, tem um aumento sistêmico, contínuo

Não consegui manter o tom otimista, como vocês podem constatar. Para me dirimir, deixo de presente palavras do Papa Francisco em sua Encíclica de 2015, “Laudato Si”. 

“Sabemos que é insustentável o comportamento daqueles que consomem e destroem cada vez mais, enquanto outros ainda não podem viver de acordo com a sua dignidade humana. Por isso, chegou a hora de aceitar certo decréscimo do consumo em algumas partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável em outras partes”.

Sobre o calor nas grandes cidades e como sobreviver a ele Por Amelia Gonzalez


Sobre o calor nas grandes cidades e como sobreviver a ele

Por Amelia Gonzalez 

02/01/2019 09h43 Atualizado há uma semana

Palco da virada, a Praia de Copacabana ficou lotada de banhistas para aproveitar o dia de calor com vista para o Pão de Açúcar — Foto: Alexandre Macieira/Riotur
Palco da virada, a Praia de Copacabana ficou lotada de banhistas para aproveitar o dia de calor com vista para o Pão de Açúcar — Foto: Alexandre Macieira/Riotur 

A conversa entre amigos girou sobre o calor que nos espera, aqui no Rio de Janeiro, nestes primeiros dias do ano. Não quisemos esquentar mais a noite festiva trazendo o assunto da posse presidencial porque correríamos o risco de voltarem à cena as desagradáveis discussões polarizadas que, de verdade, agora não valeriam de mais nada. O fato foi dado, resta vivê-lo de maneira digna. Falemos, então, sobre o clima. 

O sol está mais quente? Ou a cidade está mais cheia, com menos árvores e mais carros? Ou é isso tudo junto que tira a vontade de botar uma roupa adequada e pegar o caminho da praia para se refrescar? E alguém consegue se refrescar na praia, de verdade? 

Sim, a cidade cresceu. Tenho aqui nos meus arquivos a evolução, em números, deste crescimento. Em 1920 éramos 1.157 milhão de pessoas dividindo o mesmo território que, hoje, abriga cerca de 6,5 milhões. A cidade do Rio de Janeiro é a segunda maior aglomeração urbana do país e a terceira da América Latina. 

Mas este não pode ser o problema, já que cidades foram feitas como atrativo para reunir pessoas em busca de relação e contato. É dessa forma que se consegue criar, atividade que, verdadeiramente, nos diferencia dos animais. Sozinho, o homem não consegue mais do que, apenas, sobreviver. É quando está em grupo que as ideias se encontram e se proliferam. 

Sendo assim, o que saiu errado foi mesmo a forma de administrar estes espaços chamados cidades, que hoje já atraem mais de 50% da população mundial. Foi quando as cidades viraram uma vitrine para atrair não só pessoas mas todo o tipo de negócio e de especulações, que elas começaram a deixar de lado algo que não podia ser deixado de lado: o bem estar dos cidadãos comuns. 

Quando o tema é este, gosto muito de trazer a história de “A Carta de Atenas”, livro que traz a interpretação do arquiteto Le Corbusier sobre as conclusões do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna de 1933 (http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Atenas%201933.pdf). 

O exemplar que tenho em mãos foi editado no Brasil, pela USP, em 1993, e traz uma definição para o urbanismo que nos ajuda a expandir os pensamentos sobre o incômodo que muitos de nós sentimos, vivendo numa grande cidade como o Rio de Janeiro. 

“Urbanismo é a administração dos lugares e dos locais diversos que devem abrigar o desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual em todas as suas manifestações, individuais ou coletivas”. 

Falávamos, durante a reunião festiva, sobre o projeto urbanístico que transformou – para melhor, sem dúvida – a área do Porto do Rio de Janeiro, mas também sobre como é difícil passear ali sob um sol inclemente como o que nos está castigando nestes dias. Não há árvores ou,se há, são aquelas que não dão sombra. Impossível se sentir bem ali. 

Espaços verdes são essenciais numa aglomeração urbana que às vezes provoca ilhas de calor intensas, com sensação térmica muito superior a 40 graus. Portanto, deveria ser a primeira providência dos arquitetos. Leiam um dos trechos da Carta de Atenas: 

“Quanto mais a cidade cresce, menos as ‘condições naturais’ são nela respeitadas... O indivíduo que perde contato com a natureza é diminuído e paga caro, com a doença e a decadência, uma ruptura que enfraquece seu corpo e arruína sua sensibilidade, corrompida pelas alegrias ilusórias da cidade”. 

Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciam) começaram em 1928, num período entre guerras que necessitava de reconstruções em escala, portanto os arquitetos eram imensamente requisitados. Aqui no Brasil, Oscar Niemeyer, Lucio Costa e outros se mantiveram antenados com as mais recentes pesquisas e estudos que chegavam do continente europeu. A Carta de Atenas traz o conteúdo do Ciam de 1933, onde imperou o Urbanismo Funcionalista, que entre outras coisas sugeria a limitação do tamanho e da densidade das cidades, a edificação concentrada, porém adequadamente relacionada com amplas áreas de vegetação. 

“As cidades, tal como existem hoje, estão construídas em condições contrárias ao bem público e ao privado... é preciso buscar ao mesmo tempo as mais belas paisagens, o ar mais saudável, levando em consideração os ventos e a neblina, os declives melhor expostos, e, enfim, utilizar as superfícies verdes existentes, criá-las se não existem ou recuperá-las se foram destruídas". 

O triste é reconhecer que um texto tão bem elaborado, certamente fruto de reflexões em conjunto, de pessoas que verdadeiramente imaginavam as cidades não como fonte de lucro, mas como locais para dar bom abrigo a cidadãos, hoje está em desuso. Era preciso que o planejamento urbano seguisse outras normas. “Uma crise de humanidade assola as grandes cidades e repercute em toda a extensão dos territórios”, alertaram os arquitetos naquele distante início do século passado. Como se sabe, não melhoramos nesta condição. 

O jeito é criar soluções, assim mesmo no plural. Acordar mais cedo para evitar estar na rua com o sol a pino, vestir roupas leves, proteger a cabeça e se hidratar são algumas delas. Mas tem muito mais a fazer: aliar-se à vizinhança para tentar adaptar vegetações e plantar árvores, desde que com o auxilio de especialistas para criar oásis pode ser uma boa medida. Exercer a cidadania é, neste caso, estar atento e cuidar do patrimônio público, das ruas onde vivemos. E assim vai se cuidando, também, do meio ambiente. 

Amélia Gonzalez — Foto: Arte/G1