quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Deixemos de ser ingenuos!!!!

 

Deixemos de ser ingênuos! 

Cristiana Simão Seixas
A crise multidimensional que vivemos hoje está ancorada em um modelo de crescimento econômico ilimitado, que já se provou insustentável durante mais de um século

É fato. Vivemos uma crise multidimensional. Talvez a maior crise que a humanidade já experienciou. Hoje os holofotes estão na crise sanitária promovida pela covid-19 e nas suas antecipadas consequências – como uma recessão econômica mundial –, mas pouco se fala de suas causas. Sem dúvida, a maioria dos países enfrentará, ou já está enfrentando, uma crise econômica sem precedência na história. Muita inovação, criatividade e novos acordos e pactos sociais serão necessários para navegar os tempos difíceis que teremos pela frente. Entretanto, para (re)pensar e planejar o futuro é fundamental que aprendamos com as lições do passado. Parece clichê, mas não é. A história mostra que evoluímos e acumulamos conhecimentos por tentativa e erro. Temos que ter humildade para olhar os erros e acertos do caminho já percorrido e que nos levou à crise multidimensional que enfrentamos atualmente.

A crise sanitária é reflexo também da crise global da perda da biodiversidade. A perda de habitat de espécies selvagens devido a expansão agropecuária, urbana e de infraestrutura e a mineração, entre outros, juntamente com o consumo dessas espécies têm favorecido o surgimento de muitas zoonoses como a covid-19. Essa mesma crise da perda da biodiversidade está intimamente ligada à crise global das mudanças climáticas. Ambas resultam de um modelo econômico de crescimento ilimitado, que já se provou insustentável ao longo de mais de um século, e que continua regendo o modus operandi da esmagadora maioria dos países e nações do mundo. A crença nesse modelo econômico, que privilegia o crescimento ilimitado e o acúmulo de capital nas mãos de poucos indivíduos e corporações em detrimento do esgotamento de recursos naturais, mudanças climáticas e elevada desigualdade de renda, contribuiu enormemente para eleger recentemente governos de ultradireita em alguns países, como o nosso.

A crise sanitária é reflexo também da crise global da perda da biodiversidade

A ganância de parte dos seres humanos pelo acúmulo de riquezas gera um contínuo aumento das desigualdades socioeconômicas, étnicas e de gênero. A prepotência de muitos em achar que o ser humano é capaz de controlar a natureza permitiu que zoonoses como a covid-19 surgissem e se alastrassem por todo o planeta. Tristemente, o descrédito e a desvalorização da ciência promovidos por alguns governos de ultradireita só fizeram acirrar a crise sanitária em seus países, como é o caso do Brasil e Estados Unidos, líderes mundiais em casos e mortes por covid-19.

Nas últimas três décadas, muito avançamos no conhecimento científico e nas políticas públicas sobre as questões ambientais e socioambientais, e o Brasil ganhou destaque e foi liderança internacional nesses âmbitos. Inovou em políticas sobre áreas protegidas – como as reservas extrativistas – e em políticas sociais e socioambientais – como o Bolsa Família, o Bolsa Verde e o reconhecimento de povos indígenas e comunidades tradicionais e seus territórios –, contribuindo assim para a redução das desigualdades socioeconômicas. Construiu um arcabouço de legislação ambiental, incluindo o antigo Código Florestal, considerado do ponto de vista ambiental um dos melhores do mundo, que possibilitava a produção agropecuária em larga escala alinhada à conservação da biodiversidade e à manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais a tal produção, como a regulação climática, da quantidade e qualidade de água, de organismos prejudiciais ao ser humano e suas atividades, a polinização, e a formação e proteção dos solos.

Nos últimos anos, entretanto, temos visto um acelerado retrocesso em todas essas conquistas. Todas as semanas, cientistas e ambientalistas no Brasil se deparam com mais uma ação (senão muitas!) de desmonte realizada pelo governo federal. Enquanto escrevia estas linhas recebi a notícia de que o Ministério do Meio Ambiente pretende reduzir a meta oficial de preservação da Amazônia, uma meta compromissada em acordos internacionais.

Ex-ministros do Meio Ambiente e da Fazenda (hoje Economia), cientistas, ambientalistas, educadores, sociedade civil organizada, instituições religiosas – e mais recentemente até mesmo parte do setor privado – têm se mobilizado para combater a agenda de desmonte social e ambiental implantada pelo atual governo federal, que declaradamente utilizou a crise sanitária da covid-19 como “boi de piranha” para “passar a boiada”.

Grande parte da articulação dos diversos setores tem sido no âmbito da divulgação de dados científicos e da comunicação de princípios éticos e democráticos que colocam em xeque a atual agenda social e ambiental. E aqui tiro o chapéu para todos os esforços feitos nesse sentido, a exemplo da Coalizão Ciência & Sociedade. Entretanto, há muito vivemos uma guerra de (des)informação motivada enormemente pela ganância por riqueza e poder (mas também pela intolerância à diversidade cultural e religiosa), o que tem levado a um negacionismo da ciência em nosso país.

Deixemos de ser ingênuos! É hora de olharmos e enfrentarmos com coragem e responsabilidade a raiz do problema.

Necessitamos compreender que nossas escolhas de consumo e estilo de vida têm impacto direto na crise da perda da biodiversidade (e dos serviços ecossistêmicos dela derivados), nas mudanças climáticas e nas crises sanitária, política e econômica que vivemos.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas jamais serão atingidos se continuarmos operando dentro do modelo econômico vigente, assim como a grande maioria das Metas de Aichi da Convenção da Diversidade Biológica da ONU também não o foram.

Precisamos de um novo modelo de desenvolvimento econômico para lidar com a crise multidimensional que vivemos: um modelo que fomente a cooperação e não a competição, a prosperidade e não o crescimento, a saúde e a educação pública de qualidade para todos, a ciência e a inovação, e o respeito à biodiversidade e à diversidade de culturas e conhecimentos. Mais do que tudo, precisamos de um modelo que combata veementemente as desigualdades sociais. Um passo fundamental desse esforço será reconectar o “Homo urbanus” com a natureza que provê a maioria dos bens e serviços ecossistêmicos que afetam sua qualidade de vida e seu bem-estar. A natureza nos faz contribuições materiais, como alimento, água, fibras, biocombustível e recursos medicinais; contribuições imateriais, como inspiração, conexão espiritual, espaço para lazer, aprendizagem e continuidade cultural; e contribuições como a regulação do clima, da qualidade da água e do ar.

Que modelo seria esse? Não sei, mas estou disposta a me juntar àqueles que querem pensar e agir para construir esse novo modelo de desenvolvimento, pois é fato que o atual não é e nunca será sustentável! Só chegamos a este ponto de uma crise multidimensional por conta das escolhas que fizemos até o momento. Insistir nas mesmas escolhas, nas mesmas fórmulas e modelos não nos trará a solução que precisamos para enfrentar esta crise.

Cristiana Simão Seixas é Ph.D. em gestão ambiental e de recursos naturais pela Universidade de Manitoba, no Canadá. É também pesquisadora do Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais) da Universidade Estadual de Campinas, membro da coordenação da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) desde 2016 e expert junto à IPBES (Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) desde 2014. Na IPBES, foi cocoordenadora do Diagnóstico Regional das Américas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.

Os artigos publicados na seção Opinião do Nexo Políticas Públicas não representam as ideias ou opiniões do Nexo e são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

O novo Código Florestal explicado em 12 pontos

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O novo Código Florestal explicado em 12 pontos

Qual é a importância de conservar a vegetação nativa de propriedades rurais privadas? Qual é o déficit estimado de vegetação nativa do estado de São Paulo? O que é identidade ecológica? Veja as respostas para questões sobre essa legislação

Conforme os dados do MapBiomas, a cobertura de vegetação nativa1 no Brasil é de 569 milhões de hectares, o que representa 66% do território do país. Desse total, 53% ocorrem em propriedades privadas. No caso do estado de São Paulo, a cobertura com vegetação nativa dentro de imóveis rurais tem uma relevância ainda maior, visto que representa 69% da vegetação nativa do estado. As unidades de conservação públicas e os territórios indígenas, áreas de proteção criadas para conservar a biodiversidade, recursos naturais e serviços ambientais, estão concentradas em algumas regiões, como na Amazônia, quando olhamos para o Brasil todo, e na Serra do Mar, no caso de São Paulo. Além disso, apenas 6% do território brasileiro está sob proteção restrita em unidades de conservação de proteção integral, portanto essas áreas não são suficientes para proteger a vegetação nativa do país. A cobertura de vegetação nativa das propriedades privadas é maior que a de áreas públicas protegidas e está distribuída de maneira mais uniforme e capilarizada pela paisagem brasileira.

A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (lei federal n. 12.651/12), conhecida como novo Código Florestal, regulamenta o uso e a proteção de florestas e demais tipos de vegetação nativa dos imóveis rurais privados. A quantidade de vegetação nativa que ocorre nessas propriedades e sua distribuição uniforme na paisagem faz com que o novo Código Florestal tenha importância similar e complementar às unidades de conservação públicas na conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, assim como na regulação climática.

O novo Código Florestal passou por um longo e turbulento processo até a sua aprovação em 2012, com conflitos de interesse entre diversos grupos. O setor rural argumentava que a adequação das terras ao Código Florestal anterior, de 1965, era difícil e prejudicava o desenvolvimento da agricultura no país. Cientistas e ambientalistas alertavam que as alterações trariam ameaças à conservação ambiental. Após oito anos de sua aprovação, a lei ainda não está totalmente implementada e segue gerando polêmicas. A seguir apresentamos algumas perguntas e respostas que ajudam a entender o tema.

1. O que é o novo Código Florestal e para que ele serve?

O novo Código Florestal é o nome pelo qual ficou conhecida a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (lei federal n. 12.651/12), que revogou o Código Florestal de 1965 (lei federal n. 4.771/65). Ele se originou de um longo e conflituoso processo de revisão da lei anterior e é a principal lei que regula a conservação e o uso da vegetação nativa existente nas propriedades rurais privadas.

Os dois principais mecanismos do novo Código Florestal para a proteção e regulamentação do uso da vegetação nativa são as reservas legais e as APPs (áreas de proteção permanente).

As reservas legais são áreas que correspondem a um percentual da propriedade rural que devem ser mantidas sem práticas agrícolas intensivas, parcial ou totalmente cobertas de vegetação nativa, mas que podem ser exploradas economicamente com atividades de extração ou produção de baixo impacto ambiental, como a produção sustentável de espécies frutíferas. A área destinada à reserva legal depende do bioma no qual a propriedade se encontra, podendo variar entre 20% e 80% da área total da propriedade. Por exemplo, no estado de São Paulo, para os biomas Mata Atlântica e Cerrado, esta porcentagem é de 20%. No entanto, alguns artigos do Novo Código Florestal permitem a redução dessas áreas. Na maioria dos casos a área de APP pode-se somar à reserva legal para atingir o percentual necessário.

As APPs são áreas que precisam de proteção ambiental prioritária para prover serviços ecossistêmicos como regulação hídrica e manutenção da qualidade da água, ou áreas sensíveis muito suscetíveis à degradação caso utilizadas intensivamente com agricultura. Entre elas estão, por exemplo, margens de rios, encostas, topos de morros, altitudes elevadas, veredas e manguezais. Intervenções em APPs só são autorizadas em casos comprovados de atividades de baixo impacto ambiental e com utilidade pública, com algumas exceções maiores nas propriedades rurais pequenas.

2. Qual a importância de conservar florestas em propriedades privadas?

As unidades de conservação, na maioria públicas, são criadas para proteger a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, mas não são suficientes para essa proteção, visto que, de 18% do território nacional que está protegido por estas áreas, apenas um terço (cerca de 6%) se localiza em unidades de conservação de proteção integral onde não é permitida a exploração direta dos recursos naturais. O restante (12%) está sob proteção de UCs de uso sustentável, em sua maioria APAs (Áreas de Proteção Ambiental), situações que permitem certo grau de uso dos recursos e podendo inclusive se sobrepor à propriedades particulares. Além disso, de maneira geral, essas áreas de proteção públicas estão concentradas em algumas regiões, como a Amazônia e, em grande parte, encontrando-se isoladas em áreas remotas, com baixa densidade populacional e pouca atividade agrícola. Portanto, as áreas agrícolas que dependem fortemente dos serviços ecossistêmicos providos pela vegetação nativa — como polinização, controle de pragas e provimento de água — ficam desprovidas desses serviços e recursos naturais.

Já as propriedades rurais particulares possuem 53% da vegetação nativa brasileira e encontram-se amplamente distribuídas pelo território. Assim, a conservação de sua vegetação, além de aumentar a conectividade2 entre as unidades de conservação existentes, é essencial para a proteção de serviços ecossistêmicos como a polinização, a estabilização do ciclo hidrológico (o que evita a escassez de água ou inundações) e a regulação do clima local. Além disso, os rios não obedecem aos limites das propriedades, portanto suas margens devem ser conservadas, dentro de áreas públicas ou privadas, para garantir a manutenção do provimento de recursos hídricos em quantidade e qualidade. Da mesma maneira, outras áreas frágeis, como encostas e várzeas, devem ser protegidas para evitar processos erosivos e de assoreamento, que causam desastres como desabamento de casas, enchentes e comprometimento de abastecimento de água.

3. Se o imóvel rural é um bem privado, por que o proprietário é obrigado a manter a reserva legal e a área de preservação permanente?

4. Por que é preciso manter a vegetação nativa nos imóveis rurais, se a população está cada vez mais vivendo nas cidades?

A proteção de recursos naturais essenciais para a população humana, como a água, depende da proteção da vegetação nativa (Metzger et al. 2019). A vegetação nativa nas áreas rurais é importante para a estabilização de encostas, a proteção de margens de cursos de água contra a erosão e o aumento da infiltração de água no solo — o que evita processos erosivos e regula os ciclos hidrológicos nas bacias hidrográficas. Assim, a proteção dessa vegetação impede a degradação dos recursos hídricos pelo escoamento excessivo de sedimentos e poluentes em direção aos cursos d’água, previne a escassez de água em períodos de seca, controla eventos de enchentes em períodos chuvosos e evita o desmoronamento de encostas. Além disso, a presença de vegetação nas áreas agrícolas protege o solo de empobrecimento, aumenta a polinização das próprias culturas agrícolas e o controle natural de pragas, diminuindo os custos com insumos agrícolas. Essa vegetação também é responsável por regular o clima (evitando o aumento excessivo das temperaturas) e o controle do fogo, que pode destruir áreas agrícolas e chegar a áreas urbanas. Áreas de vegetação nativa também contribuem para o controle de dispersão de doenças que afetam a saúde humana.

Apesar de a vegetação existente nas unidades de conservação também contribuir para todos esses benefícios, em geral essas áreas estão afastadas das áreas urbanas e geograficamente concentradas em parte do território brasileiro. Já as reservas legais e as áreas de proteção permanente permeiam todo o país, inclusive áreas próximas a grandes centros urbanos. Portanto, conservar a vegetação dessas áreas protegidas pelo Código Florestal é extremamente importante para a produção de alimentos, abastecimento de água, diminuição de desastres — como desabamento de encostas e alagamentos —, geração de energia e saúde pública, que são de total interesse das pessoas que vivem nas cidades.

5. Qual é o total estimado do déficit ambiental do estado de São Paulo? E onde ele está concentrado?

Utilizando as regras existentes na lei que regula a implementação do novo Código Florestal nos estados, o Programa de Regularização Ambiental, do estado de São Paulo, estimamos que o déficit total no estado — ou seja, a área de vegetação nativa que falta para a propriedade se adequar à lei — de áreas de reserva legal e de áreas de preservação permanente é de 1,02 milhão de hectares.

O estado de São Paulo tem 334.911 propriedades rurais. Entre elas, 9.222 (3%) apresentam déficit de reserva legal, somando um total de 328 mil hectares a serem restaurados ou compensados. Oitenta e dois por cento dos déficits estimados encontram-se em áreas de Mata Atlântica e 18%, no Cerrado. Apenas 1% do número de imóveis rurais de São Paulo (1.228) concentra 50% do total do déficit estadual, que está localizado principalmente nas regiões noroeste paulista e o Pontal do Paranapanema.

Para as APPs são estimados 228 mil imóveis rurais com irregularidades, o equivalente a 68% do total de propriedades no estado de São Paulo. A área soma 692 mil hectares que precisam ser restaurados. Desse total, 83% encontram-se na Mata Atlântica e 17%, no Cerrado. Assim como no caso das reservas legais, o déficit estimado das APPs está muito concentrado em poucas propriedades rurais: 2% dos imóveis do estado (7.484) retêm 50% desse déficit.

6. Como o proprietário de um imóvel rural pode adequar a sua propriedade ao novo Código Florestal?

O novo Código Florestal traz algumas opções para o proprietário rural que apresenta déficit de vegetação nativa em áreas de reserva legal ou em áreas de preservação permanente regularizar suas terras.

Para as reservas legais, o proprietário pode optar pela recomposição, regeneração natural ou compensação da vegetação nativa3. Na recomposição, o proprietário deve realizar o plantio de mudas de espécies nativas, que podem ser combinadas com até 50% de espécies exóticas4. O proprietário também pode optar por deixar a vegetação nativa se regenerar naturalmente. Uma terceira opção é compensar o seu déficit de reserva legal em outra propriedade, preservando a vegetação existente ou restaurando. A compensação deve ocorrer em áreas que estejam no mesmo bioma e sigam o critério de identidade ecológica (ver pergunta 7). Caso estejam em estados diferentes, a área de compensação deve ser considerada como prioritária para a conservação. A área de compensação pode ser adquirida pelo proprietário com déficit por meio da compra das chamadas cotas de reserva ambiental, arrendamento de áreas de servidão ou doação de áreas dentro de unidades de conservação. As reservas legais permitem esse tipo de compensação em outro local pois são como um “estoque” de vegetação nativa, e não áreas ecologicamente sensíveis, como é o caso das APPs.

Já para as APPs, o proprietário pode optar apenas entre a restauração e a regeneração natural — ou seja, não há a opção de compensação. Isso porque as APPs são áreas com características físicas e biológicas específicas, que têm alto valor ambiental, como são as margens de rios, encostas de morros e manguezais. Portanto, é preciso recuperar a vegetação existente no próprio local para que se recupere, ao máximo, a função ecológica da área (Guidotti et al., 2020).

7. O que é identidade ecológica, e qual é a importância de compensar a reserva legal em áreas ecologicamente equivalentes?

8. O que ainda falta ser resolvido para implementar o novo Código Florestal, e como a ciência pode contribuir?

Um dos principais desafios para a implementação do novo Código Florestal é a aplicação do artigo 68, que isenta de compensação, restauração, ou regeneração, os proprietários que suprimiram a vegetação nativa de sua reserva legal de acordo com os percentuais exigidos pela legislação em vigor à época da supressão. Outra questão que depende de conhecimento científico é a implementação do conceito de identidade ecológica na compensação de reserva legal.

Ambos os temas vêm sendo bastante discutidos e estudados pelo meio acadêmico, com propostas para sua aplicação sem inviabilizar a implementação do novo Código Florestal. A decisão do Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2018 de restringir a compensação de reserva legal entre áreas com identidade ecológica gerou polêmica entre os setores envolvidos na implementação da lei. Porém, os estudos científicos (ver pergunta 7) apontam que a aplicação desse conceito é importante e possível, balanceando uma área muito restrita que era estabelecida para a compensação no Código Florestal de 1965 (microbacia) e uma área muito extensa como o bioma, conforme previsto no Novo Código Florestal. A ciência apresenta métricas para medir essa equivalência e modelos de aplicação.

Em relação ao artigo 68, muitos estados ainda precisam definir em seus Programas de Regularização Ambiental (PRA) quais serão os marcos legais utilizados para a aplicação desse mecanismo. No caso do estado de São Paulo, após o julgamento do PRA, ficaram estabelecidos os seguintes marcos: Código Florestal de 1934, lei federal n. 7.803 de 1989 e o Código Florestal de 1965. No entanto, para o Código Florestal de 1934 não existem mapas espacialmente precisos sobre a distribuição da vegetação nativa. Portanto, para esse período, no estado de São Paulo, a equipe do Projeto Temático BIOTA/FAPESP do Código Florestal desenvolveu um mapa que representa a probabilidade da distribuição da vegetação nativa. No entanto, por ser um mapa probabilístico e para o qual não é possível avaliar o grau de incerteza, ele não é adequado para a tomada de decisão na hora de avaliar se o proprietário tem direito aos benefícios do artigo 68.

A permanência desse marco no PRA paulista faz com que a análise do artigo 68 (ou artigo 27 da lei estadual), provavelmente, tenha que ser feita caso a caso, o que pode atrasar ainda mais a implementação do novo Código Florestal. Portanto, os demais estados devem avaliar cuidadosamente os benefícios em comparação aos desafios da manutenção da lei de 1934 para a análise do artigo 68.

9. Cumprir o novo Código Florestal limita a capacidade de produzir alimentos e outros produtos agrícolas (etanol, papel e celulose)?

Esta pergunta foi respondida no artigo “Why Brazil needs its Legal Reserves”, do pesquisador Jean Paul Metzger e colaboradores. As reservas legais geralmente ocorrem em terras de baixa aptidão para a agricultura intensiva. Elas não competem com áreas propícias para a cultura agrícola e acarretam apenas ganho econômico a curto prazo e limitado, com a venda do carvão vegetal e criação do gado em áreas recém-convertidas. A médio e longo prazo, na verdade, a degradação ambiental pode levar à perda da produtividade agrícola, gerando mais ônus ao proprietário do que ganho na produção de uma cultura. Na região amazônica, muitas áreas desmatadas para pastagem são abandonadas depois de alguns anos devido à baixa aptidão para o cultivo e a criação de gado, gerando áreas de vegetação nativa secundária (INPE, 2014).

Ademais, estudos como do pesquisador Sparovek e seus colaboradores (2015) apontam que o Brasil tem imensas áreas de pastagens degradadas altamente adequadas para agricultura. Esses dados só reforçam que a produção agrícola não deveria ser regulada apenas quanto a sua expansão nas áreas protegidas ou na implementação do novo Código Florestal, mas em buscar intensificar essa atividade nas áreas já consolidadas com os recursos técnicos disponíveis atualmente.

10. Quais são as possíveis consequências de não cumprir de forma eficiente o novo Código Florestal, assim como aconteceu com suas versões anteriores?

O não cumprimento do Novo Código Florestal ameaça a proteção e a restauração de grandes áreas de vegetação nativa e, com ela, da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, como a regulação do clima, o abastecimento de água, a polinização e o controle de pragas agrícolas e arboviroses. Portanto, o seu cumprimento é importante não apenas para o meio rural e a agricultura, mas para a população das cidades.

Tomando apenas o estado de São Paulo como exemplo, 1,02 milhão hectares de vegetação nativa podem deixar de ser restaurados com o não cumprimento do código. Em relação ao Brasil como um todo, sem considerar as reduções de reserva legal fornecidas pelo artigo 68 do novo Código Florestal, essa área pode ser de 19 milhões de hectares (Guidotti et al., 2017)

11. Qual a importância da comunicação científica em veículos de fácil acesso à população, não só em forma de artigos científicos? Como esse tema aparece no Projeto Temático BIOTA/FAPESP sobre o Código Florestal?

Entre o tempo de escrever um artigo científico até a sua publicação é possível que se passe um ano ou até mesmo mais tempo. No entanto, muitas questões importantes para a sociedade exigem decisões urgentes e planos de ação rápidos. Portanto, é de interesse tanto dos cientistas quanto da sociedade que as políticas públicas, bem como outras decisões socialmente relevantes, sejam baseadas em evidências científicas Nesse sentido, é necessário que os cientistas utilizem outros meios para divulgar seus estudos para além de periódicos científicos, que geralmente têm alcance restrito ao público acadêmico. Por exemplo, notas técnicas, publicações para mídias de jornalismo científico e divulgações por meio de sites de acesso público são algumas opções para uma divulgação mais ampla e mais rápida da ciência.

Além disso, por meio de outros meios de comunicação, os cientistas podem se valer do uso de uma linguagem mais acessível do que aquela extremamente técnica e, por vezes, árida para o público em geral, exigida pelos periódicos científicos. Assim, é possível não apenas levar os resultados científicos para um maior número de pessoas, como garantir que eles sejam compreendidos por qualquer um que tenha interesse. No caso do Projeto Temático BIOTA/FAPESP do Código Florestal em São Paulo, essa forma de ciência, participativa e inclusiva, foi realizada por meio de reuniões abertas ao público para levantar as demandas por informações científicas, apresentar resultados e discutir metodologias. Além disso, os dados gerados foram disponibilizados em um site de acesso livre e divulgados por meio de notas técnicas e da mídia em geral, e não apenas em artigos científicos.

12. Quais são os desafios para que a ciência seja mais aplicada na formulação de políticas públicas?

Embora se dê cada vez mais importância à necessidade de interação entre a ciência e a formulação de políticas públicas, ainda existem diversos desafios para que ambas caminhem juntas. Parte desses desafios se deve ainda à falta de costume do desenho de projetos científicos que permitam, desde seus estágios iniciais, a cocriação entre cientistas, gestores, membros do governo, setor privado, ambientalistas e outros atores da sociedade civil. Para isso, cientistas precisam fazer um esforço para balancear seus interesses de pesquisa com demandas da sociedade por informações científicas. Por outro lado, tomadores de decisão precisam se habituar a basear suas ações em informações científicas e evidências sempre que possível, independentemente de questões ideológicas. Assim, um grande desafio ainda a ser enfrentado é assegurar que a ciência não seja silenciada por forças políticas que visam a garantir o interesse de poucos. Ainda é preciso encontrar meios para que a razão dos fatos científicos fale mais alto do que interesses políticos.

Bibliografia

Brancalion, P.H.S., Garcia, L.C., Loyola, R., Rodrigues, R.R., Pillar, V.D., Lewinsohn, T.M., 2016. A critical analysis of the Native Vegetation Protection Law of Brazil (2012): Updates and ongoing initiatives. Natureza e Conservação, 14, 1–15. https://doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.003

Bull, J., Strange, N. 2018. The global extent of biodiversity offset implementation under no net loss policies. Nature Sustainability, 1, p. 790-798, https://doi.org/10.1038/s41893-018-0176-z

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Perguntas que a ciência já respondeu

As queimadas na Amazônia explicadas em 10 pontos

NEXO JORNAL 

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FOTO: Victor Moriyama/Getty Images - 25.AGO.2019
Candeias do Jamari, próximo de Porto Velho, Rondônia
O fogo nos ajudou a evoluir devido ao seu uso para o preparo da terra na agricultura e para cozinhar alimentos. Mas agora esse aliado parece estar fora de controle, trazendo consequências para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos

Na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, nas savanas africanas e australianas, a disseminação do fogo, fenômeno que é natural em alguns ecossistemas, vem causando preocupação na sociedade e intrigando a comunidade científica, que tenta entender suas causas e consequências em cascata.

Mesmo nos ambientes onde queimadas são naturais, como no Cerrado, as mudanças no regime de fogo para além do que esses ambientes conseguem suportar colocam em risco várias espécies, inclusive a humana.

Mais graves ainda são os incêndios em áreas onde o fogo não era comum até bem pouco tempo atrás. O impacto de incêndios provocados pelas pessoas na Amazônia é grave devido a pelo menos quatro pontos: maior perda de biodiversidade, maior emissão de carbono, dificuldade de regeneração da floresta e alteração no ciclo da água — que consequentemente, leva a mudanças na temperatura e no regime de chuvas global. Por isso, as consequências dos incêndios para os serviços ecossistêmicos fornecidos na região podem ser percebidas a quilômetros de distância das chamas.

1. Quando ouvimos sobre fogo na Amazônia, o que exatamente está queimando?

Primeiro precisamos diferenciar queimadas de incêndios florestais. A queimada é uma técnica milenar na agricultura familiar com o intuito de limpar áreas para o plantio de lavouras e pastagens. As cinzas contribuem para a fertilidade do solo, num primeiro momento, mas, se usado muitas vezes, o fogo pode empobrecê-lo. Quando ficam fora de controle, queimadas podem se transformar em incêndios. Incêndios devoram paisagens e avançam sem direção. O fogo atinge plantas secas ou mortas, animais que não conseguem escapar e seus abrigos. Os incêndios queimam também plantas vivas, mesmo que ainda estejam verdes e úmidas, como é típico em florestas tropicais como a Amazônia. É um evento raro, mas acontece.

As áreas que mais queimam são as áreas de desmatamento, de limpeza de pasto ou de floresta em pé. Nas áreas de desmatamento, o uso do fogo é uma técnica barata para consumir o que a derrubada de árvores deixou para trás: tocos, galhos, árvores. Mas a quantidade de biomassa na Amazônia é tão grande que o fogo muitas vezes precisa ser empregado mais de uma vez para consumir tudo e “limpar” o terreno. Já o fogo para limpeza de pasto possibilita a rebrota do capim e sua renovação. Essa prática tradicional está longe de ser o maior problema na Amazônia — a menos que vire um incêndio florestal ou que ocorra em ambientes naturais, como os lavrados e as campinaranas.

Entre 2019 e 2020, sabemos que no sul da Amazônia brasileira, por exemplo, mais da metade das queimadas tiveram relação com a derrubada da floresta. Elas ocorreram, majoritariamente, em áreas de fazendas, assentamentos rurais e florestas que pertencem ao Estado e que ainda não têm destinação.

2. Qual a relação entre fogo e desmatamento na Amazônia?

A triste imagem de uma área desmatada tem como primeira cena o corte das árvores. As motosserras cortam as toras de madeira, que têm valor econômico. Depois, fortes correntes arrastadas por um trator vão derrubando as árvores que sobraram. Esses processos deixam para trás uma quantidade imensa de tocos, galhos e folhas — o que chamamos de biomassa inflamável. É uma pilha de matéria seca que pode queimar por várias semanas.

Vale lembrar que esses fogos não começam com um raio, porque raios na época seca são raros. Conseguimos diferenciar o fogo de desmatamento dos demais tipos devido aos vários dias durante os quais essas áreas queimam, por meio da altíssima energia liberada no processo e porque esse fogo não se alastra, ficando concentrado nas leiras de madeira que os desmatadores deixam propositalmente para queimar.

Para iniciar um fogo são necessários três elementos: clima seco, combustível e uma fonte de ignição. O desmatamento contribui com dois desses três elementos: o clima seco e a biomassa inflamável. Isso porque o desmatamento afeta o clima local (tirando sua umidade) e cria bordas na floresta (área de transição entre a floresta e áreas estruturalmente mais abertas) que, expostas ao vento e a outras intempéries, tornam-se suscetíveis a incêndios. Fica faltando a fonte de ignição, que parece estar sendo mais usada do que nunca na Amazônia brasileira.

3. Quanta floresta está sendo destruída anualmente por incêndios e quais áreas são mais afetadas?

Entre janeiro e agosto de 2020, 3.437.300 milhões de hectares, uma área equivalente a 22 vezes a cidade de SP ou o estado de Alagoas e Distrito Federal juntos, do bioma amazônico queimaram. Doze por cento dos incêndios ocorreram em floresta em pé e 83% em áreas recentemente desmatadas. Em comparação com 2013 e 2018, isso significa um aumento de 100% e de 84% de áreas queimadas até agora, respectivamente. Como o manejo por meio do fogo está legalmente suspenso na Amazônia por 120 dias desde julho de 2020, a maior parte desse fogo é ilegal.

Em anos de seca intensa (como foram 2005, 2007, 2010, 2015 e 2016), até 2% das florestas da Amazônia podem queimar. Vale lembrar que mapear as cicatrizes que o fogo deixa é um trabalho muito difícil, e precisaríamos dessas cicatrizes para medirmos precisamente a área queimada de floresta. Portanto, os números calculados de 2020 devem ser ainda maiores do que os que sabemos até agora.

Tudo indica que em 2020 estamos vivendo um aquecimento da superfície das águas do Atlântico. Isso aumenta a intensidade das secas que este ano acometeram o Pantanal, a Argentina e o sudeste da Amazônia, região que mais queimou até agora. Para citar um exemplo, em um único dia (17 de agosto de 2020), quase 10 mil hectares foram consumidos pelo fogo em São Félix do Xingu, no Pará.

4. Há uma estimativa de perda de espécies pelo fogo?

Talvez essa seja uma das estimativas mais difíceis de serem feitas, especialmente quando se fala dos animais. Isso porque a maior parte deles pode fugir. Aliás, grande parte da adaptação dos animais ao fogo é comportamental e implica em correr na hora certa.

Para as plantas, metade das espécies que estão sob risco de extinção ocorrem em áreas que estavam a menos de 10 km dos focos de incêndio na Amazônia em 2019. A maior parte dessas espécies pode ter perdido, no mínimo, de 20 a 30% de suas ocorrências.

Vale lembrar os malefícios do fogo à própria espécie humana. No sudeste da Amazônia, não são raras as manhãs de inverno encobertas por fumaça. A prática de atividade física é praticamente inviabilizada. Para os indígenas, a caça, a pesca e o trabalho nas roças de mandioca são muito dificultados. A fumaça impõe riscos de acidentes nas estradas e de doenças respiratórias que podem surgir ou se agravar. Síndromes respiratórias agudas graves, como a covid-19, provocada pelo novo coronavírus, podem ter seu quadro piorado em pacientes que estejam em uma região com alto índice de queimadas. Durante a pandemia, com as distâncias amazônicas, muitas pessoas estão sofrendo pela falta de assistência médica ou de equipamentos básicos de socorro.

5. Os incêndios na Amazônia têm se tornado comuns. Mas eles são naturais?

Incêndios na Amazônia não são naturais, embora sejam cada vez mais comuns. Sabe aquela sensação de frescor que sentimos ao entrar embaixo de uma árvore? Ela é causada por um processo conhecido como evapotranspiração. A evaporação da água do solo e a transpiração das plantas geram vapor de água e consomem calor, deixando o ambiente mais fresco. Graças a esse microclima úmido e fresco favorecido pelas árvores, a floresta fica protegida dos incêndios.

Mesmo quando iniciados, a maioria dos incêndios em florestas tropicais se extingue durante a noite, quando a umidade do ar e do combustível atingem seu pico. Em raras ocasiões, as frentes de fogo dentro da floresta persistem durante as partes mais quentes do dia em regiões com estações secas prolongadas (por exemplo, o sudeste da Amazônia), embora esses incêndios raramente avancem mais que 40 metros por hora ou liberem mais de 300 kW/m — o que é, digamos, um fogo brando.

Trilhas e ninhos de formigas cortadeiras também impedem frentes de fogo. Isso porque esses espaços geralmente não contêm combustíveis, agindo como aceiros (espaço sem vegetação seca e que é criado para conter o fogo) naturais. Os incêndios florestais geralmente queimam pequenas áreas em anos normais, quase exclusivamente nas regiões mais secas. Anos e anos de evolução da floresta que se protege do fogo ajudaram a selecionar espécies de plantas que não conseguem sobreviver ao calor das chamas. Plantas de áreas onde queimadas são naturais – como o Cerrado – têm características que denotam uma relação íntima e duradoura com o fogo. Entre elas, estão cascas mais grossas para suportar altas temperaturas e sementes que germinam só depois de queimadas. Contudo, quando chega alguém e inicia uma queimada na vizinhança da floresta, ou até mesmo no seu interior, esse fogo brando pode ter consequências catastróficas. Por não serem adaptadas ao calor das chamas, 75% das árvores da Amazônia morrem depois de um fogo de baixa intensidade no sub-bosque.

6. Como sabemos onde está pegando fogo? E qual o impacto das queimadas nos estoques de carbono?

Graças aos satélites que sobrevoam a maior parte da superfície da Terra, não precisamos mais ir até cada lugar para averiguar se ali está chovendo ou se está ocorrendo uma queimada ou desmatamento. Conseguimos até mesmo saber qual é a temperatura do solo e do ar em cada hectare da floresta amazônica sem sair de casa.

Quando aquela região queima, a temperatura local aumenta, e alguns satélites percebem a elevação dos índices. Acontece que alguns lugares da Amazônia estão cobertos por nuvens, o que dificulta e até impossibilita a captura de informações por esses satélites. Outros locais da região não têm cobertura de nuvens, mas o dossel da floresta – aquele teto formado pelas copas das árvores – fecham tão bem o tapete verde do seu topo, que torna quase impossível identificarmos incêndios florestais ou de sub-bosque.

Além dos satélites MODIS que são atualmente utilizados pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), hoje existe um novo satélite, o VIIRS, que consegue identificar quando o fogo acomete a floresta em pé, mas não de maneira imediata e acurada. O que conseguimos ver é o efeito do fogo na região depois de algum tempo. Na Global Fire Emissions Database, uma plataforma lançada recentemente pela Nasa, é possível ver onde o fogo está queimando e qual é seu tipo: se é fogo de desmatamento, na floresta em pé (ainda que um pouco subestimado) ou em área de pasto.

Para saber quanto carbono foi perdido devido ao fogo, basta pensar que, quando queimamos um pedaço de papel, uma árvore ou uma floresta, liberamos o carbono que compunha esses elementos. É esse ganho ou perda de biomassa que os satélites conseguem medir. A partir daí, é só calcular quanto dessa biomassa era carbono.

7. Como o fogo afeta o ciclo da água?

A floresta tem um papel crucial na manutenção do ciclo da água. Derrubá-la tem consequências diretas para onde os recursos hídricos vão.

Primeiro, vamos pensar na escala local. Quando pega fogo na mata ao redor de um corpo d’água, como um rio, a vegetação queimada vai para dentro desse rio, levando para ele mais nutrientes, numa situação que só vai normalizar vários meses depois. Quando a floresta queima muito, aumenta também a entrada de luz e de sedimentos, como terra e areia, na água, o que causa erosão. O aumento de luz e de nutrientes na água é uma condição ideal para as algas, cujo crescimento acaba saindo logo do controle e causando o que chamamos de eutrofização do corpo d’água (entrada de nutrientes na água para além do que pode ser incorporado, diminuindo o oxigênio disponível e deixando a água turva). O avanço desordenado das algas mata os outros organismos que vivem no corpo d’água, desde insetos aquáticos até peixes e plantas mais sensíveis. Resultado: água suja e seres vivos morrendo.

A vegetação queimada também pode morrer ou perder muito da sua capacidade de bombear água para a atmosfera, quando se pensa na escala regional. Uma árvore de porte médio, saudável, pode bombear até 500 litros de água para o ar todos os dias. Para se ter uma ideia, a potência de resfriamento de uma árvore é equivalente a 70 kWh para cada 100 litros de água transpirada (o suficiente para alimentar duas unidades centrais de ar condicionado residenciais médias por dia). Cada árvore perdida para o fogo vai resultar em menos calor dissipado e menos vapor de água que em condições normais se condensaria, formaria nuvens e cairia novamente no solo em forma de chuva.

8. Quais os impactos das queimadas para a saúde humana?

A floresta amazônica armazena algo em torno de 90 a 100 pentagramas de carbono. Para se ter uma ideia, isso é equivalente a todo o carbono emitido pela queima de combustíveis fósseis por toda a humanidade por um período de 10 anos. A queima de áreas de vegetação natural culmina na liberação desse carbono — ela vai converter todos os açúcares, proteínas e lipídios que compõem as plantas, o solo e os animais em gases tóxicos, gases de efeito estufa e material particulado inalável, entre outros.

A conversão dessa biomassa afeta e muito a saúde humana. A fuligem (especificamente o material particulado de 2,5 micras (micra é o mesmo que dividir 2.5 milímetros por mil) entra em nossas vias respiratórias e não sai mais. O material irrita nossas vias respiratórias e causa problemas respiratórios graves, especialmente em crianças, que podem também apresentar déficit de atenção e aprendizagem. Um relatório publicado em agosto de 2020 pelo Ipam (Instituto de Pesquisas da Amazônia) e colaboradores utilizou dados de saúde de 168 dos 450 municípios da Amazônia e mostrou que, em 2019, 4,5 milhões de pessoas na região respiraram um ar de menor qualidade do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Um ar de menor qualidade do que do centro urbano da cidade de São Paulo. No contexto de uma pandemia de uma doença que acomete os pulmões, parece uma ideia ainda pior colocar fogo e produzir fumaça na floresta.

Com essa prática, há ainda a liberação de gases como o CO (monóxido de carbono), que fica no ar por poucas semanas, mas pode causar irritação nas mucosas, e o CO2 (gás carbônico), que pode persistir na atmosfera durante muitas centenas de anos. Suas moléculas ficam no ar absorvendo calor e tornando o ambiente mais quente.

9. O que são programas de crédito de carbono? Como eles podem ajudar a controlar o fogo?

Os programas de crédito de carbono são incentivos para pessoas físicas ou governos que adotam práticas que ajudam a preservar a vegetação nativa, evitando a degradação e o desmatamento de florestas. A ideia é recompensar financeiramente os atores por seus resultados na redução de emissões de gases de efeito estufa, considerando ações de conservação de estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono no solo.

As políticas que mitigam o risco de incêndios podem alcançar uma vitória tripla que reduz as emissões de gases de efeito estufa, a degradação florestal e promove o desenvolvimento econômico inclusivo. O primeiro passo que os governos podem tomar é fiscalizar e punir quem promove desmatamento e incêndios a fim de especular e grilar terras. O segundo passo é promover uma política de incentivo a práticas livres de fogo junto aos produtores que ainda utilizam queimadas para o preparo do solo.

O risco de incêndio na Amazônia perpetua atividades agrícolas de baixo rendimento e degradantes do meio ambiente. Agricultores que usam fogo geralmente têm uma renda cinco vezes mais baixa, são menos capazes de investir em tecnologias livres de fogo e estão mais distantes dos mercados. Optar por práticas livres de fogo é importante, mas este manejo precisa ser coordenado entre produtores vizinhos. As famílias que investem em tecnologias agrícolas livres de fogo com uso intensivo de capital experimentam maiores perdas de receita com incêndios evitados do que os que usam o fogo. Isso porque o fogo de um vizinho que o utiliza acaba escapando para o vizinho que o evita. Para superar essa armadilha da pobreza incendiária, é necessária a criação de incentivos locais coordenados.

10. Por que a criação de unidades de conservação e terras indígenas pode evitar incêndios catastróficos?

Cerca de 2% dos incêndios que ocorreram na Amazônia em 2020 ocorreram em áreas protegidas e terras indígenas. Por outro lado, áreas de florestas públicas cuja destinação ainda não foi feita concentram altíssimas taxas de desmatamento e fogo. Áreas sem destinação são áreas que pertencem ao Estado e que ainda não receberam um título. Em 2019, as categorias fundiárias representadas pelas fazendas, assentamento, florestas públicas não-destinadas e áreas sem qualquer informação cadastral nas bases de dados do governo foram responsáveis por 85% dos focos de calor associados ao desmatamento, sendo que desse montante 33% ocorreu nas florestas não destinadas e áreas sem informação. Áreas não não destinadas são aquelas que pertencem aos Estado, mas às quais ainda não foi dada qualquer destinação de uso, sendo alvo de ocupação ilegal e grilagem. Áreas sem informação são aquelas que não constam em qualquer base de dados do governo e que portanto não sabemos a quem pertence.

Por outro lado, cerca de 2% dos incêndios na Amazônia em 2020 ocorreram em áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas. A maior porção da vegetação remanescente nas áreas mais atingidas por desmatamento está em áreas protegidas, representadas principalmente por terras indígenas demarcadas. Embora as áreas protegidas estejam sendo constantemente desmatadas, invadidas e queimadas criminalmente, elas ainda são os melhores lugares para se preservar a biodiversidade, especialmente em regiões de floresta muito fragmentadas, como o arco do desmatamento, que se estende pelo sul da Amazônia até o Maranhão.

Como a incidência de desmatamento e fogo é bem menor em áreas protegidas e terras indígenas do que em áreas privadas ou não designadas, a solução parece simples: dar uma destinação às áreas que ainda pertencem ao Estado e fiscalizar as áreas de propriedade privada. Acompanhar as mudanças rápidas nos regimes de fogo da região exige a inovação tecnológica que já temos com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) cooperação além das fronteiras políticas na Amazônia e comunicação entre agências de monitoramento e fiscalização em uma escala nunca vista antes.

Embora o sucesso anterior do Brasil na redução do desmatamento, que entre 2009 e 2015 teve uma média de incremento nas taxas anuais de desmatamento mantidas numa média de 5.6 mil km2 por ano, mas que de 2016 em diante vem crescendo a cada ano, sugira que o país poderia ser um líder eficaz nesse sentido. Contudo, sua resposta lenta aos incêndios na Amazônia de 2019, e o desincentivo à fiscalização em 2020, contam uma história bem diferente. O fato é que o futuro da floresta depende de ações decisivas agora.

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IPAM estreia na BPBES com matéria que explica as queimadas em 10 pontos

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IPAM estreia na BPBES com matéria que explica as queimadas em 10 pontos

10.09.2020Notícias
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O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) acaba de ser incluído na parceria entre o Jornal Nexo e a Plataforma Brasileira de Biodiversidade (BPBES, na sigla em inglês), iniciativa que tem por objetivo produzir sínteses do melhor conhecimento disponível sobre as temáticas da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos e suas relações com o bem-estar humano, com foco nos biomas continentais do Brasil e no costeiro-marinho.

A estreia do IPAM na plataforma foi marcada pela matéria “As queimadas na Amazônia explicadas em 10 pontos”, escrita pela pesquisadora do Instituto, Ludmila Rattis. A bióloga, que é doutora em ecologia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) agora integra o grupo independente da BPBES formado por cerca de 120 autores, dentre professores universitários, pesquisadores, gestores ambientais e/ou tomadores de decisão.

No texto, Rattis explica dez pontos importantes sobre as queimadas na Amazônia, como o que exatamente está queimando, qual a relação entre fogo e desmatamento, os impactos dos incêndios para a saúde, dentre outros.

Confira a matéria completa no site do Nexo Jornal.

Brasil perdeu 10% do território em vegetação nativa entre 1985 e 2019

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Brasil perdeu 10% do território em vegetação nativa entre 1985 e 2019

31.08.2020Notícias
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Os mapas e dados atualizados do MapBiomas mostram que o Brasil perdeu 87,2 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa, de 1985 a 2019. Isso equivale a 10,25% do território nacional.  O ritmo de perda de vegetação nativa acelerou no Brasil entre 2018 e 2019. É o que aponta a Coleção 5 do MapBiomas.

A série histórica de mapas e dados anuais de cobertura e uso da terra no país, de 1985 a 2019, foi apresentada na sexta-feira, 28, no 5º Seminário Anual do MapBiomas: Revelando o Uso da Terra no Brasil com Ciência e Transparência. O evento está disponível no YouTube (https://www.youtube.com/mapbiomasbrasil).

A atualização da plataforma, de uso público e gratuito, traz novas funcionalidades e camadas de informação, como a evolução da área de irrigação, a avaliação da qualidade das pastagens e o mapeamento da vegetação natural em regeneração em todo o território nacional.

Os dados da Coleção 5 do MapBiomas mostram que mais da metade da perda de vegetação nativa no Brasil (44 Mha) ocorreu na Amazônia. No Cerrado, a redução foi de 28,5 Mha. Entre os seis biomas brasileiros, foi o que mais perdeu vegetação nativa em termos proporcionais: 21,3%.

O Pampa também teve uma elevada taxa de diminuição de cobertura vegetal remanescente: 20% (2,3 Mha). Por outro lado, a área de florestas plantadas no bioma gaúcho cresceu 4,9 vezes.

No Pantanal, a perda de vegetação nativa foi de 12%, com aumento de 4,7 vezes da área total de pastagens plantadas. Na Caatinga, a queda de área de vegetação remanescente foi de 11%, com expansão de 26% para agropecuária.

Na Mata Atlântica, encontram-se 57% das áreas urbanas do país. A área de infraestrutura urbana no bioma cresceu 2,5 vezes de 1985 a 2019; a área de agricultura dobrou.

De toda a perda de vegetação natural no Brasil, incluindo floresta, savana, campos e mangue, pelo menos 90% foram ocupados pelo uso agropecuário, cuja expansão foi de 78 milhões de hectares (43% de crescimento desde 1985).

Mais dados, mais profundidade, mais transparência
Entre as novidades da Coleção 5 estão dados de desmatamento e regeneração, como a velocidade de perda de vegetação nativa por bioma e visões dos territórios onde, proporcionalmente, há mais vegetação secundária.

Apesar de o país contar com 66,8% do território coberto por vegetação nativa, isso não significa que são áreas preservadas. “O levantamento do MapBiomas aponta que pelo menos 9,3% de toda a vegetação natural do Brasil é secundária, ou seja, são áreas que já foram desmatadas e convertidas para uso antrópico pelo menos uma vez”, explica Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas. “Da área que nunca foi desmatada, há uma fração que já foi degradada por fogo ou exploração madeireira predatória. Quantificar esse processo de degradação das florestas é um dos próximos desafios que vamos enfrentar”, complementa.

No monitoramento das áreas de agropecuária, foram incluídos dados de irrigação, lavouras temporárias, como soja e cana, e perenes, além de melhorias nos mapeamentos de pastagem e agricultura no Brasil.

Entre os trabalhos em versão experimental e inédita, está a avaliação da qualidade das pastagens no Brasil para os anos de 2010 e 2018. “Os dados mostram que houve uma evolução importante. A área de pastagem com sinal de degradação caiu de 72% para pouco mais de 60% em 8 anos”, afirma o professor da UFG e coordenador da equipe de pastagem do MapBiomas, Laerte Ferreira. O entendimento do grau de degradação das pastagens é fundamental tanto para controlar as emissões de gases de efeito estufa quanto para melhorar a produtividade e reduzir a pressão de desmatamento nos biomas. “As pastagens degradadas emitem carbono, enquanto as bem manejadas captam carbono no solo”, explica.

Os mapas anuais de cobertura e uso do solo do Brasil do MapBiomas têm resolução de 30 metros (cada pixel representa uma área de 30 metros x 30 metros). A coleção pode ser baixada e utilizada em sistemas de informação geográfica ou acessada pela plataforma web disponível em mapbiomas.org. É possível visualizar os dados em recortes territoriais de biomas, estados, municípios, terras indígenas, unidades de conservação, infraestrutura de transporte, energia, mineração e bacias hidrográficas; módulos de mapas e estatísticas de desmatamento/supressão e recuperação de florestas e vegetação nativa em todos os biomas do país; além de infográficos e mapa mural do Brasil e de cada bioma. A ferramenta é pública e gratuita.

Webinars aprofundarão os dados 
O MapBiomas promoverá, em setembro e outubro, dois webinars por semana para apresentar as novidades da Coleção 5 por bioma e temas transversais, debatendo os dados levantados com especialistas e usuários da plataforma.

“Os webinars permitirão um debate mais aprofundado sobre a situação e a evolução das atividades em cada bioma, qualificando o debate sobre o uso sustentável do território brasileiro”, afirma Júlia Shimbo, pesquisadora do IPAM e coordenadora científica do MapBiomas.

Os eventos online ocorrerão às terças e sextas-feiras, entre 4 de setembro e 9 de outubro, sempre das 10h30 às 12h, com transmissão no YouTube.

●      Amazônia (04.09)

●      Caatinga (08.09)

●      Cerrado (11.09)

●      Mata Atlântica (15.09)

●      Pastagem (18.09)

●      Pampa (22.09)

●      Pantanal (25.09)

●      Zona Costeira (29.09)

●      Fogo (02.10)

●      Agricultura, Irrigação e Florestas Plantadas (06.10)

●      Cidades, Infraestrutura e Mineração (09.10)

Sobre o MapBiomas: iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Outras iniciativas MapBiomas estão em desenvolvimento na Indonésia, toda a Pan-Amazônia, além de Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai. Todos os dados, mapas, método e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa: mapbiomas.org

Cerrado perdeu quase 30 milhões de ha em vegetação nativa em 35 anos

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Cerrado perdeu quase 30 milhões de ha em vegetação nativa em 35 anos

15.09.2020Notícias
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O Cerrado perdeu 28 milhões de hectares de vegetação nativa, uma área equivalente ao estado do Rio Grande do Sul, entre 1985 e 2019. Foi um terço de toda a vegetação nativa que o Brasil perdeu no período. Essa área representa, em 35 anos, uma redução líquida de 21%, que é a diferença entre perda da vegetação original e ganho da vegetação recuperada.

Com isso, hoje o segundo maior bioma do país tem 53,2% de cobertura de vegetação nativa, ou 19% do que é registrado nesta categoria em todo o Brasil.

Os dados são da Coleção 5 do MapBiomas (mapbiomas.org), iniciativa multi-institucional que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, e foram recém-divulgados em um evento para pesquisadores e público em geral no Dia do Cerrado (11 de setembro).

O MapBiomas também mostra que atualmente 44% da área do Cerrado é ocupada por atividades agropecuárias, com um incremento de 25 milhões de hectares em 35 anos: 72% desse aumento foi para a agricultura, especialmente de grãos. “É possível perceber visualmente a mudança, em áreas no sul do Cerrado e no Matopiba (região que engloba o Cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia)”, disse a diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Ane Alencar. No MapBiomas, o instituto é responsável pelo mapeamento da vegetação nativa do bioma.

Nesta conversão de vegetação nativa para outros usos, as formações florestais sofreram mais, por estarem em áreas com solos mais férteis, enquanto as formações savânicas têm visto o desmatamento aumentar, por causa da topografia.

“Precisamos mudar nossa realidade para que o restante do Cerrado não tenha o mesmo destino do que foi destruído”, disse o professor da Universidade de Brasília Ricardo Machado, especialista em Cerrado, que participou do evento. “Não podemos deixar que o processo simplesmente continue para mostrar para os nossos netos quando determinado pixel foi desmatado, mas devemos provocar mais estudos e políticas públicas.”

Nesse sentido, Machado afirma que o conhecimento hoje produzido sobre a conversão de outros tipos de vegetação nativa além das florestais é suficiente para que se amplie também a proteção do Cerrado. Na mesma direção, o coordenador de monitoramento da TNC Brasil, Mario Barroso, destaca a importância do MapBiomas na busca por soluções.

“Antigamente, porque os dados oficiais olhavam somente para as formações florestais, parecia que o desmatamento só acontecia neste tipo de vegetação. O MapBiomas mudou essa percepção. O que importa é o que está acontecendo no campo de forma explícita”, afirma Barroso. “Para problemas complexos, as soluções também são complexas. Há de se discutir o papel das empresas, mas também a questão da grilagem e da titulação de terra, por exemplo.”

Todos os dados do MapBiomas podem ser vistos e baixados gratuitamente na plataforma mapbiomas.org.