segunda-feira, 25 de junho de 2018

Sustentabilidade da Amazônia é fator-chave para frear mudanças climáticas


Sustentabilidade da Amazônia é fator-chave para frear mudanças climáticas

07.06.2018Notícias
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Karina Toledo , da Agência FAPESP*

O combate ao desmatamento da Amazônia e a promoção de iniciativas de reflorestamento em larga escala visando aumentar o armazenamento de carbono na biosfera terrestre são estratégias essenciais para evitar o agravamento das mudanças climáticas, segundo avaliação feita pelos participantes da 5ª Conferência Regional sobre Mudanças Climáticas Globais na tarde de terça-feira (5/6/2018).

Realizado pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Mudanças Climáticas (NapMC-Incline), em parceria com o Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP) e o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP), o evento tem o objetivo de celebrar o aniversário de 90 anos do físico José Goldemberg, presidente da FAPESP, e reconhecer sua atuação expressiva no debate sobre o papel das energias renováveis no desenvolvimento,
sustentabilidade das florestas e nas negociações internacionais para o combate às mudanças no clima.

O painel dedicado ao tema “Florestas Tropicais e Sustentabilidade” foi coordenado por Thelma Krug, membro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). A pesquisadora apresentou dados divulgados em 2014, no Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, e destacou a importante contribuição das florestas tropicais como sumidouros de carbono, ou seja, para a absorção de parte do CO2 emitido pelas atividades humanas.

“Das emissões totais anuais, 30% aproximadamente acabam retornando para a biosfera terrestre e outros 30% são sequestrados pelos oceanos. Cerca de 40% permanecem na atmosfera. O CO2 é considerado um dos gases mais críticos, pois cerca de 30% permanecem por mais de cem anos na atmosfera”, disse.

Segundo Krug, na última década houve uma mudança significativa nas fontes de emissões antrópicas de CO2 devido a dois fatores principais: iniciativas de reflorestamento em larga escala adotadas na China e a significativa queda no desmatamento da Amazônia registrada a partir de 2004. “O desmatamento era o nosso grande vetor de emissões e hoje passou a ser a agricultura e a geração de energia”, afirmou.

Krug lembrou ainda que na conferência que antecedeu a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, o Brasil se comprometeu a reduzir em 37% as emissões até 2025, tendo como ponto de partida as emissões de 2005, podendo chegar a uma redução de 43% até 2030.

“O Brasil fez o exercício de dizer como seria possível atingir essa meta e a mudança no uso da terra tem contribuição significativa. Isso inclui combate ao desmatamento ilegal na Amazônia, recuperação de florestas e áreas degradadas e reflorestamento”, disse.

Carlos Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas – um dos INCTs apoiados pela FAPESP e pelo CNPq no Estado de São Paulo –, falou sobre como os impactos causados pela mudança no uso da terra podem prejudicar a capacidade da floresta amazônica de se autossustentar.

Nobre lembrou que, a partir dos anos 1970, os países amazônicos adotaram um modelo de substituição da floresta para expansão de suas fronteiras agrícolas, o que colocou em xeque a ideia de que a Amazônia é um elemento essencial para a estabilidade planetária por sua capacidade de armazenar carbono, regular a hidrologia e o balanço energético em diversas regiões e abrigar pelo menos 10% da biodiversidade do planeta, entre outros fatores.

“O Inpe teve o papel de nos acordar para a realidade. No fim dos anos 1980 divulgou os primeiros números [sobre o desmatamento] que chocaram o planeta. A partir de então, o interesse em descobrir cientificamente o que poderia acontecer caso o desmatamento continuasse aumentou muito”, disse o pesquisador aposentado do Inpe.

Nobre comentou sobre sua participação em pesquisas que permitiram levantar a hipótese da savanização da floresta. Segundo essa teoria, se o desmatamento atingir um determinado limite, em torno de 40%, a alteração no clima regional será tão profunda que a área desmatada nunca voltará a ser uma floresta e assumirá características de savana.

Falou ainda sobre projeções mais recentes que levaram em conta, além do desmatamento, outros fatores que começaram a impactar o ciclo hidrológico amazônico, como as mudanças climáticas e o uso indiscriminado do fogo por agropecuaristas durante períodos secos – com o objetivo de eliminar árvores derrubadas e limpar áreas para transformá-las em lavouras ou pastagens.

Segundo Nobre, a combinação desses três fatores indica que o novo ponto de inflexão a partir do qual ecossistemas na Amazônia Oriental, Sul e Central podem deixar de ser floresta seria atingido se o desmatamento alcançar entre 20% e 25% da floresta original – algo que está muito perto de ocorrer, segundo o pesquisador.

“Até 2004, havia uma ideia clara entre os economistas de que o desmatamento era controlado pela demanda de grãos e proteína animal e de que a economia controlava a taxa de ocupação na Amazônia. Mas tivemos uma política muito bem-sucedida a partir de 2004, reforçada em 2008, e com muita vigilância e conscientização o desmatamento despencou. No entanto, o preço da carne e da soja continuou a subir e a produção agrícola só aumentou no período. Isso mostra que há um desacoplamento entre os dois fatores”, disse.

Apesar disso, ponderou Nobre, a pressão para a expansão da fronteira agropecuária permanece e os países amazônicos, entre eles o Brasil, terá de escolher qual trajetória seguir. “Sou otimista e acredito que vamos privilegiar a preservação, mas para isso é preciso ampliar o conhecimento e usá-lo como base da sustentabilidade da Amazônia”, disse.

Mortes precoces
Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), também destacou a importância da ciência para extinguir o desmatamento na maior floresta tropical do planeta.
Segundo o pesquisador, a área já desmatada equivale a duas vezes o tamanho da Alemanha ou do Estado de São Paulo – cerca de 74 milhões de hectares. Desse total, 65% são usados em pastagens de baixa eficiência.

“O desmatamento ocorrido entre 2007 e 2016 [7.502 km2] adicionou R$ 453 milhões em valor bruto da produção agropecuária, o que equivale a 0,013% do Produto Interno Bruto (PIB) médio no período”, disse.

Por outro lado, acrescentou, o desmate causou centenas de mortes precoces devido às queimadas e um gasto de R$ 15 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS) com o tratamento de doenças relacionadas à fumaça, gerou conflitos sociais e provocou aumento de 0,5ºC nas temperaturas da bacia do Xingu. “Não há motivos que justifiquem a derrubada da floresta. Sabemos como fazer, já derrubamos as taxas. Mas agora estamos estagnados”, afirmou.

Para avançar, Moutinho sugeriu quatro eixos de ação: o desenvolvimento de políticas públicas ambientais efetivas, perenes e coerentes; a promoção de usos sustentáveis da floresta e de melhores práticas agrícolas; a restrição drástica do mercado a produtos associados a novos desmatamentos (dando como exemplo a Moratória da Soja); e o engajamento de eleitores, investidores e consumidores nos esforços de combate ao desmatamento.

Temos 70 milhões de hectares de florestas que correspondem a áreas públicas que não foram destinadas. Um estudo recente mostrou que 30% do desmatamento amazônico em 2017 aconteceu nessas áreas. Portanto, uma das ações essenciais é estancar a grilagem de terras públicas. Elas precisam continuar públicas e florestas, não com uma cerca em volta e intocáveis, mas como uma cobertura florestal contínua funcionante, exercendo seu papel ecológico. As áreas protegidas foram um dos fatores que ajudaram a derrubar as taxas de desmatamento”, disse Moutinho.

Em seguida, o diretor de Concessão Florestal e Monitoramento do Serviço Florestal Brasileiro, Marcus Vinicius da Silva Alves, falou sobre a importância do manejo sustentável e sobre como a possibilidade de conceder a empresas e comunidades o direito de manejar florestas públicas para extrair madeira, produtos não madeireiros e oferecer serviços de turismo pode funcionar como um vetor de redução da pressão sobre a Amazônia e como instrumento de conservação.

Por último, a diretora da organização não governamental World Resources Institute Brasil (WRI Brasil), Rachel Biderman, falou sobre a existência de um movimento global que visa acabar com o desmatamento no mundo e promover a restauração de 350 milhões de hectares florestais como forma de evitar a emissão de 4,5 bilhões a 8,8 bilhões de toneladas de CO2 por ano até 2030. O número é equivalente à remoção de todo o dióxido de carbono produzido por 1 bilhão de carros que circulam hoje no mundo.

Uma ampla coalizão de governos, indústria e indivíduos endossou o compromisso materializado na Declaração de Nova York sobre florestas, em 2014.

“Detectamos que uma parte da solução climática pode se dar até 2030 pelo sequestro de carbono. Aqui no Brasil nós estamos trabalhando na implementação da Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa, conhecida como Proveg”, disse

A 5ª Conferência Regional sobre Mudanças Climáticas Globais continuou nesta quarta-feira (06/06/2018) com um painel sobre o Futuro do Combate à Mudança Climática e com uma sessão em homenagem aos 90 anos do professor Goldemberg realizada no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na USP.

Nota sobre o anúncio de desmatamento no Cerrado em 2016 e 2017

Nota sobre o anúncio de desmatamento no Cerrado em 2016 e 2017

21.06.2018Notícias
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Os dados divulgados hoje pelo governo federal de desmatamento no Cerrado mostram que, entre 2016 e 2017, o segundo maior bioma do Brasil perdeu 14.185 quilômetros quadrados de vegetação nativa, ou 6.777 km2 no primeiro ano e 7.408 km2 no segundo.

O número foi comemorado pelo governo federal como positivo, pois a taxa caiu em relação a 2015, quando 11.881 km2 foram desmatados. Porém, o acumulado no Cerrado é equivalente ao da Amazônia em 2016 e 2017, quando 14.840 km2 foram desmatados. Considerando que a área do Cerrado é metade da Amazônia e tem 49,9% de remanescentes, enquanto a Amazônia tem 85%, a savana consolida-se como bioma mais ameaçado do Brasil atualmente.

Esse desmatamento equivale à emissão de 440 milhões de toneladas de CO2 equivalente, numa estimativa conservadora. “Apesar de estarmos dentro da meta nacional de redução do desmatamento do Cerrado, que por sinal é uma meta alta, precisamos derrubá-la ainda mais ser quisermos o Cerrado cumprindo seu papel”, afirma a diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Ane Alencar. “Quando pensamos nos desafios que temos à frente, quanto ao controle do efeito estufa, a perda em biodiversidade e em serviços ambientais que o Cerrado fornece e o impacto sobre populações tradicionais que dependem desses recursos, um desmatamento desse vulto tem um custo muito alto para o Brasil.”

O desmatamento concentrou-se na região conhecida como Matopiba, que cobre o Cerrado nos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Essa é hoje uma das grandes frentes de avanço agropecuário, ao lado do sul da Amazônia, com uma produção crescente de grãos e gado. Os quatro Estados somaram 8.785 km2 de desmatamento em 2016 e 2017, ou 74% do registrado. É também a região onde havia mais remanescentes em 2015: 69,7%, de acordo com o Mapbiomas.

O governo não soube precisar os motivos para a queda, mas citou ações contra o desmatamento ilegal e o monitoramento por satélite. O ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, lembrou que o Código Florestal permite o desmatamento de até 80% da propriedade rural localizada no Cerrado, o que também pode influenciar nessas taxas elevadas registradas no bioma.

domingo, 17 de junho de 2018

O mito da área de proteção ambiental


Para especialistas, número de acres destinados às reservas não reflete numa maior proteção às espécies

Richard Conniff, The New York Times
16 Junho 2018 | 10h00

A história é amplamente celebrada como um dos poucos sucessos na campanha para proteger a vida selvagem que dizemos amar: desde o início dos anos 1990, os governos praticamente dobraram a extensão de terras em áreas de proteção ambiental, com quase 15% dos continentes e talvez 5% dos oceanos reservados agora para a vida silvestre. Entre 2004 e 2014, os países criaram impressionantes 43.000 novas áreas protegidas.
Esses números devem aumentar, conforme os 168 países signatários da Convenção pela Diversidade Biológica de 1993 trabalham para alcançar a meta de 17% da superfície terrestre e 10% de volume marinho protegidos em áreas desse tipo até 2020. E, nesse momento, metas ainda mais ambiciosas devem ser adotadas.

Reservas
Um estudo de 2014 revelou que as áreas protegidas excluem 85% das espécies ameaçadas em todo o mundo. Parque Nacional Glacier, em Montana. Foto: Lauren Grabelle para The New York Times
Parece bom, não? Infelizmente, há duas falácias nessa proposta. A primeira está na relativa simplicidade da criação de áreas protegidas, enquanto ninguém parece preocupado com o trabalho duro de realmente protegê-las. Aproximadamente um terço dos parques nacionais, reservas, refúgios e áreas do tipo está sujeita a uma pressão humana já intensa e cada vez maior, de acordo com estudo recente publicado na revista Science.
Não se trata apenas de casos de países pobres que não conseguem manter uma força de patrulha devidamente treinada e equipada, de acordo com o principal autor do estudo, James E.M. Watson, cientista da preservação da Universidade de Queensland. Ele aponta para o Parque Marinho da Ilha Barrow, na Austrália, que recebeu o mais elevado status de proteção de um país rico por abrigar espécies raras de mamíferos, répteis, pássaros e invertebrados, das quais muitas são únicas do local. Ainda assim, disse Watson, em 2003, o governo permitiu a construção e a expansão de um vasto complexo energético no local, abastecido por mais de 450 poços de petróleo e gás natural - o equivalente australiano à perfuração em busca de petróleo no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico. “Outros países observam o que está ocorrendo na Austrália e nos Estados Unidos e perguntam, ‘Por que devemos nos importar?’”, disse ele.
Watson disse que os governos que se gabam de suas áreas protegidas sem de fato protegê-las estão “vendendo um mito". Até os locais designados como Patrimônio Mundial Natural pela Unesco (em tese os maiores tesouros naturais do planeta) são geralmente locais domesticados como fazendas, e não terrenos de natureza intocada, destaca ele. Quando a Tanzânia quis cavar uma mina de urânio da Reserva de Caça Selous, que já abrigou uma grande população de elefantes, a Unesco aprovou o projeto de 350 quilômetros quadrados, e prontamente colocou o Selous na sua lista de patrimônios mundiais ameaçados.
Há tantas áreas protegidas sendo exploradas que há até uma sigla em inglês para se referir a essa categoria: Paddd, que significa redução, contenção e desproteção de áreas protegidas, e uma página na internet para acompanhar as más notícias.
O segundo problema com as áreas protegidas é o resultado de um ponto fraco da consciência humana: os políticos, como o restante de nós, adoram metas numéricas como as propostas na Convenção pela Biodiversidade. Essas metas parecem simples, objetivas e baratas de medir. Mas o resultado perverso está no fato de os governos ignorarem a diretriz da convenção que pede a proteção de áreas “de relativa importância para a biodiversidade”,concentrando-se em vez disso quase exclusivamente no tamanho das áreas, de acordo com estudo recente publicado na Nature Ecology and Evolution.
A estratégia é designar áreas protegidas em regiões remotas onde o custo e a inconveniência para os humanos sejam mínimos. A Austrália, por exemplo, criou áreas protegidas principalmente na sua vasta região central, em vez de áreas costeiras onde a proteção se estenderia a um maior número de espécies ameaçadas, incomodando também um maior número de pessoas. Da mesma maneira, em março, o Brasil criou novas áreas de proteção marinhas do tamanho de França e Grã-Bretanha juntos, mas deixou de fora áreas próximas da costa onde a diversidade de espécies ameaçadas diretamente pela atividade humana é maior.
Ao escrever a respeito do Projeto Half-Earth, proposta dos preservacionistas para manter metade do planeta “tão selvagem e protegida da intervenção e atividade humanas quanto possível", E.O. Wilson alertou que tomar decisões a respeito de quais hábitats proteger sem um conhecimento mais completo das espécies da Terra “pode levar a erros irreversíveis". Mas os autores do estudo publicado na Nature Ecology and Evolution foram mais diretos: fingir que o número de acres protegidos se reflete numa maior proteção às espécies é como administrar o atendimento de saúde humano com base no número de leitos hospitalares, “sem levar em consideração a presença de funcionários treinados em medicina". 
Pesquisadores que analisaram as áreas habitadas por mais de 4.000 espécies ameaçadas em todo o mundo para um estudo de 2014 descobriram que as áreas protegidas deixam de fora 85% delas. Mesmo se todos os 168 signatários da convenção alcançarem suas metas de áreas protegidas para 2020, o foco nas áreas significa que eles manterão sem proteção 84% das espécies ameaçadas, diz Oscar Venter, cientista e preservacionista da Universidade do Norte da Colúmbia Britânica e principal autor do estudo. Não surpreende que espécies e subespécies continuam a se extinguir - o rinoceronte-negro-ocidental em 2011, o leopardo-nebuloso de Formosa em 2013, o roedor melomys de Bramble Cay em 2016 - enquanto celebramos nossas histórias de sucesso.
“Se quisermos levar a sério a história natural, e todas as coisas das quais dependem nossas comunidade e nossas economias nas áreas naturais", disse Venter, “temos que começar a criar parques nos lugares certos". Para isso teremos que deixar de lado nossos lucros e nossa preciosa conveniência, e talvez pareça um exagero imaginar nossa espécie, tão autoindulgente, agindo de maneira responsável diante dessa realidade. Mas a alternativa é passar nossas vidas num mundo cada vez mais desprovido de vida selvagem.
Richard Conniff é o autor de “House of Lost Worlds: Dinosaurs, Dynasties and the Story of Life on Earth” [A casa dos mundos perdidos: dinossauros, dinastias e a história da vida na Terra]

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Kamikatsu, uma cidade sem lixo



Kamikatsu, uma cidade sem lixo

Povoado no Japão recicla 80% do seu lixo e a separação é feita em 45 diferentes categorias. Moradores praticam o consumo consciente há 15 anos




Povoado de Kamikatsu, no Japao. Foto de divulgacao
Povoado de Kamikatsu, no Japão, onde 90% do lixo é reciclado, virou ponto turístico.
Foto de divulgação
Existe um lugar onde praticamente o lixo acabou. Ele fica nas montanhas da ilha de Shikoku, no sudoeste do Japão. Não fosse pelo fato de todo material orgânico virar adubo e o índice de reciclagem dos resíduos sólidos ser o maior do mundo – acima de 80% -, Kamikatsu seria um povoado rural esquecido no mapa-múndi. Só que não. A cidade virou uma referência global em reciclagem e gestão dos resíduos e é hoje o exemplo mais emblemático de cidade lixo zero no mundo. O desperdício zero será alcançado em dois anos, em 2020. Uma meta aparentemente impossível, mas que os moradores desta cidade estão mostrando ao mundo que é factível.


Central de Reciclagem em Kamikatsu. Foto de Divulgacao
Central de Reciclagem em Kamikatsu. Foto de Divulgação
A separação é complexa e detalhada. Enquanto no padrão global a divisão do lixo é restrita a quatro itens (papel, plástico, alumínio, vidro e orgânicos), neste povoado, pasme: a separação é feita em 45 categorias. Os detritos que não são reaproveitados – um percentual de 20% de tudo que é consumido na cidade -, vai parar em lixões, que estão com seus dias contatos. Jogar fora uma latinha de cerveja Sapporo, por exemplo, não é tarefa simples. Se ela for de alumínio, a embalagem é descartada em um recipiente; se for de aço, o destino já é outro. Uma embalagem de vidro pode ter até quatro diferentes destinações – tudo vai depender do tipo de material. E por aí vai. Há caixas para jornal, revista, tampas de metal, adesivo de garrafas, lâmpadas…


Fomos a primeira cidade do Japão a declarar a ambição de lixo zero
Akira Sakano
Presidente do Conselho da Zero Waste Academy
“Fomos a primeira cidade do Japão a declarar a ambição de lixo zero”, lembra Akira Sakano, que ganhou, durante o Fórum Econômico Mundial, o título de “transformadora global”. O reconhecimento em Davos veio há três anos, pouco mais de uma década depois da revolução que ajudou a liderar em Kamikatsu, sua cidade natal.


Akira e Rodrigo Sabatini. Foto de Divulgacao
Akira e Rodrigo Sabatini, organizador do congresso em Brasília. Foto de Divulgação
Presidente do Conselho da Zero Waste Academy, no Japão, e consultora de políticas de Lixo Zero no seu país, Akira veio ao Brasil apresentar a experiência de Kamikatsu durante o 1º Congresso Internacional Cidades Lixo Zero. Depois de 30 horas de voo, desembarcou no palco do encontro e mostrou como sua cidade resolveu um problema que vai além da gestão do lixo.
“A consciência ambiental de cada um dos moradores de Kamikatsu é nossa maior aliada”, comentou, acrescentando que a meta de chegar em 2020 com zero de desperdício não se restringe a gestão do lixo. “A redução do consumo é fundamental para reduzir a produção de lixo”, defende, acrescentando que os moradores da cidade praticam a redução, a reutilização e a reciclagem – o que na linguagem acadêmica é conhecida como 3 Rs, ou seja, reduzir, reutilizar e reciclar.


Kimono é transformado em bolsa. Foto de Divulgacao
Kimono é transformado em bolsa. Foto de Divulgação
Não há caminhões de lixo em Kamikatsu, a quinta menor cidade do Japão em termos populacionais. Com uma população eminentemente idosa – mais da metade dos moradores tem acima de 65 anos, o consumo consciente é um mantra seguidos por todos. Nada é desperdiçado. Um quimono velho, por exemplo, pode virar uma bolsa. A cidade tem algumas lojas no estilo Kuru-kuru – espécie de loja de troca, onde o morador pode deixar uma peça de roupa ou um utensílio que não usa mais e trocar por outro, ou ainda apenas deixá-lo para ser reciclado.

 https://youtu.be/eym10GGidQU

Lixo nos oceanos faz mal à saúde

Lixo nos oceanos faz mal à saúde

Capitão Moore, que descobriu a mancha de resíduos no pacífico, alerta que epidemias de obesidade e diabetes tipo 2 estão associadas ao uso intensivo dos plásticos



Denúncia de lixo no mar, não importa onde aconteça é problema (Sergio Hanquet/ Biosphoto/AFP)
Denúncia de lixo no mar, não importa onde aconteça é problema 
(Sergio Hanquet/Biosphoto/AFP)
Os peixes e outros animais marinhos que nadam no Oceano Pacífico andam se alimentando de uma sopa intragável, que boia a 1,6 mil quilômetros da costa entre a Califórnia e o Havaí: uma mistura de plástico com plânctons e mais uma enorme quantidade de lixo. É uma dieta pouco saudável e que vem sendo ingerida há anos. A sopa só aumenta de tamanho, desde que, há duas décadas, foi descoberta, por acaso, pelo capitão Charles Moore. Da imagem perturbadora do lugar, que batizou, à época, de “mancha de lixo”, Moore se transformou em ativista, criou duas ONGs ambientais, a Algalita Manine Research Foundation e a Long Beach Organic, e virou um pessimista assumido.


“Usem menos plástico”, bradou, em alto e bom som,  capitão Moore no palco do 1º Congresso Internacional Cidades Lixo Zero, que está ocorrendo em Brasília desde o último dia 5. A mancha, que é duas vezes maior que o estado do Texas, nos Estados Unidos, não é a única. As ilhas de lixo dos oceanos – conhecidas no jargão científico como vórtices – somam cinco ao todo. Os redemoinhos formados pela circulação oceânica recebem materiais, especialmente plásticos, que vem de milhões de quilômetros de distância e o lixo circula, sem ter como sair.

Capitao Charles Moore. Foto de Liana Melo
Capitao Charles Moore. fala surante o Congresso Internacional de Cidades Lixo Zero 
(Foto de Liana Melo)
Ele conclamou os participantes do encontro a transformarem o dia 15 de setembro, Dia Mundial de Limpeza de Rios e Praias, numa data de combate à poluição plástica nos mares. “O lixo que boia nos oceanos está a quilômetros de distância de qualquer zona econômica, de qualquer país, e, por isso, não tem dono”. O problema só cresce de tamanho, já tendo se transformado num dos maiores desafios ambientais do nosso tempo.

Dados das Nações Unidas indicam que, todos os anos, mais de oito milhões de toneladas de plástico nos oceanos. Ainda segundo a ONU, a cada minuto, são compradas um milhão de garrafas plásticas e 90% da água engarrafada contêm microplásticos. E os animais marinhos e os peixes que comem qualquer coisa que encontram pela frente, passaram a comer plástico. Recentemente, em mais uma de suas expedições, Moore encontrou uma micropartícula de plástico dentro de uma água viva.

Estamos produzindo plástico de forma estúpida e irresponsável
capitão Charles Moore
fundador das ONGs Long Beach Organic e Algalita Manine
Alguns cientistas já defendem que o planeta está entrando na Era do Plástico, por consideraram que a superfície da Terra está alterada pelo descarte de materiais de longa durabilidade. As mudanças não estão restritas ao meio ambiente. A saúde humana tem sofrido as consequências, por exemplo, da dieta plástica.

Doenças "antigas" como diarreias, hepatite A, verminoses, esquistossomose, leptospirose e dermatites, ganharam a companhia de surtos provocados pelo mosquito
Um oceano de lixo na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro (Foto Custodio Coimbra)
“A exposição durante a gravidez ao bisfenol A (BPA), substância utilizada para a fabricação de garrafas plásticas, aumenta substancialmente o risco de o bebê desenvolver diabetes e outras doenças cardíacas”, advertiu capitão Moore. A epidemia de obesidade e de Diabetes tipo 2 está intimamente ligada ao uso intensivo de plástico no nosso dia a dia. “Estamos produzindo plástico de forma estúpida e irresponsável”, concluiu.

Os dejetos microscópicos criam ainda outras anomalias, como uma tartaruga que cresce com um anel de plástico em volta do casco ou albatrozes com emaranhado de fios dentro do corpo.

Brincando de Deus com o planeta


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Brincando de Deus com o planeta

As criativas e imprevisíveis soluções da geoengenharia para o aquecimento global




As soluções mágicas da geoengenharia e os seus resultados nem sempre previsíveis. Imagem VSC / Science Photo Library
As soluções mágicas da geoengenharia e os seus resultados nem sempre previsíveis. 
Imagem VSC / Science Photo Library
Há diversos meios testados e comprovadamente eficazes de evitar que o planeta Terra aqueça antes de chegar a patamares considerados perigosos. Se a principal causa do aquecimento global é a queima dos combustíveis fósseis, não deveria haver muitas dúvidas sobre as saídas. Elas são claras, porém, não são simples. Pois dependem de uma boa dose de vontade política e de altos investimentos em energia renovável.

Existem também outros meios de enfrentar o problema, mais radicais e cujos resultados são imprevisíveis. É o caso da geoengenharia.  Ela não chega a ser exatamente nova. Nos primeiros anos da Guerra Fria, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética gastaram uma quantia considerável de dinheiro para controlar o clima como parte de sua estratégia militar. Uma das primeiras propostas foi a de represar o Estreito de Gibraltar e o Estreito de Bering como meio de esquentar o Ártico, tornando a Sibéria mais habitável.



O progresso na elaboração de artifícios para “proteger o mundo” tem de sofrer uma pausa. Os governos precisam de salvaguardas eficazes contra riscos incalculáveis
Janos Pasztor
Ex-assessor do secretário-geral da ONU para o Clima
Soa como uma rematada loucura. Caso o represamento tivesse ocorrido, sabe-se hoje, o derretimento ártico teria levado a uma elevação do nível do mar de tal magnitude que vastas áreas do planeta teriam ficado submersas.

Propostas atuais, embora pareçam mais sensatas e tenham atrás de si algum respaldo científico, resultariam em fenômenos difíceis de calcular, e pior, também irreversíveis. Elas incluem borrifar dióxido de enxofre na atmosfera para formar nuvens, resfriando artificialmente o planeta. Ou colocar no espaço espelhos gigantescos que refletissem a luz que chega ao planeta de volta para o espaço.

A defesa dessa forma de controle do clima serve ainda para esconder alguns interesses, como o da indústria dos combustíveis fósseis, que assim teria argumentos econômicos para seguir queimando-os, já que teria sido dado um jeito na questão. Não surpreende que iniciativas nesse sentido tenham dado a seus defensores espaço inédito no governo messiânico de Donald Trump. O ex-presidente da Câmara Federal, o radical republicano Newt Gingrich, afirma que a mudança do clima “é a mais recente desculpa para controlar as vidas das pessoas” e elogia a geoengenharia, por sua “promessa de tratar do problema gastando apenas alguns bilhões de dólares por ano”.



Uma das alternativas estudadas é borrifar dióxido de enxofre na atmosfera para formar nuvens, resfriando artificialmente o planeta. Foto Evolveconsciousness
Uma das alternativas estudadas é borrifar dióxido de enxofre na atmosfera para formar nuvens, resfriando artificialmente o planeta. Foto Evolveconsciousness
O cientista Alan Robock, da Universidade Rutgers, nos EUA, alerta para a consequência mais severa: “O aquecimento rápido depois que se parasse a geoengenharia seria uma enorme ameaça ao ambiente e a biodiversidade. Devastador. Teríamos de ter certeza de que fosse desativada gradualmente, e é fácil pensar nos cenários que poderiam impedir isso”.

Este aquecimento faria animais buscarem novos habitats, sem encontrar locais onde houvesse alimentos para a sobrevivência. Muitas espécies não têm essa habilidade. Plantas, embora mudem de lugar, como estão fazendo, buscando maiores altitudes, fazem isso mais lentamente.
O progresso na elaboração de artifícios para “proteger o mundo” tem de sofrer uma pausa, diz Janos Pasztor, ex-assessor do secretário-geral da ONU para o clima. “Governos precisam de salvaguardas eficazes contra riscos incalculáveis”.

Algumas alternativas já foram ou estão sendo experimentadas com sucesso relativo, como a fertilização dos oceanos. Ela implica em despejar em suas águas poeira de ferro para forçar o crescimento de algas, que absorveriam grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2). Há a modificação de colheitas para que absorvam mais carbono, florestas especialmente plantadas para isso, ou a captura e armazenamento de carbono.

As propostas podem visar cenários locais, onde o controle seria praticável, mas não se pode dizer o mesmo de técnicas como o bombardeio de nuvens. Aplicada como solução em um lugar da atmosfera deixaria riscos sobrarem para outros. Um aerossol borrifado no hemisfério norte, por exemplo, geraria mais secas no Sahel e na Índia.

Ou seja: não vai adiantar tratar os sintomas em vez de cuidar da doença. E os seres humanos, que criaram o problema, que parem de querer agir como Deus e ajam pelo que realmente são: seres humanos.

Estudo revela que golfinhos usam nomes para se comunicar



Animais desenvolvem assinatura vocal como um sinal de identidade individual usado na comunicação e na construção de redes de relacionamentos. Habilidade é desconhecida em outros mamíferos não humanos.

Por Deutsche Welle


Espécies 'nariz-de-garrafa' são vistos na orla do Rio de Janeiro (Foto: Alexandre Azevedo / MAQUA / UERJ / Divulgação) Espécies 'nariz-de-garrafa' são vistos na orla do Rio de Janeiro (Foto: Alexandre Azevedo / MAQUA / UERJ / Divulgação) Espécies 'nariz-de-garrafa' são vistos na orla do Rio de Janeiro (Foto: Alexandre Azevedo / MAQUA / UERJ / Divulgação) 
 
Golfinhos adotam nomes individuais para se comunicar uns com os outros e construir um círculo social, aponta um estudo australiano realizado com animais da espécie golfinho-roaz, também conhecida como nariz-de-garrafa.
O golfinho macho desenvolve um "apito de assinatura" ou sinal de identidade dentro dos primeiros meses de vida, que é estruturalmente único, de acordo com o estudo divulgado nesta sexta-feira (8) pela revista científica "Current Biology".
"O apito de assinatura é um exemplo raro de um mamífero não humano usando uma etiqueta vocal que pode ser considerada comparável a um nome humano", disse o estudo.
"O golfinho-roaz aprende com habilidade a produção vocal, um dom notavelmente raro em mamíferos, e usa o aprendizado vocal para desenvolver seu apito individual específico, que usa para transmitir sua identidade", acrescenta o texto.
"Descobrimos que golfinhos machos mantêm seu apito exclusivo de assinatura, permitindo-lhes reconhecer muitos amigos e rivais diferentes em sua rede social, algo que atualmente não é conhecido em qualquer outro animal não humano", escreveu a coautora do estudo, Stephanie King, da Universidade da Austrália Ocidental no portal australiano especializado em pesquisa acadêmica The Conversation.
"Foi demonstrado que esses apitos de assinatura são, de alguma forma, comparáveis ​​aos nomes humanos. Os golfinhos os usam para se apresentar ou até copiar outros como meio de se dirigir a indivíduos específicos", acrescenta King.

Sinais de identidade compartilhados

O estudo também revelou que, como em humanos – cuja voz pode se tornar similar à de pessoas próximas –, os golfinhos-roazes também experimentam uma convergência fonética.
"Convergência em sinais de identidade compartilhados ou similares foi documentada em golfinhos-roazes masculinos aliados", informa o estudo.
A acomodação vocal convergente é usada em muitas espécies para sinalizar proximidade social a um parceiro ou grupo social.
Quanto aos motivos por trás dessas "assinaturas de aliança", o estudo afirma que os benefícios sugeridos incluem "difundir a identidade da aliança como uma unidade social específica em relação a outros machos aliados ou a fêmeas sexualmente receptivas".
O golfinho-roaz é uma das espécies mais famosas de mamíferos marinhos e está presente nos mares temperados e tropicais, tanto em áreas costeiras como em alto mar. A popularidade da espécie cresceu a partir da série americana de TV Flipper e devido à capacidade de viver em cativeiro.

Indígenas do Xingu falam sobre mudanças climáticas em documentário precioso

Por Amelia Gonzalez, G1

Documentário "Antes da Chuva" (Foto: Reprodução)
Antes da chuva", o documentário realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), dirigido por Otávio Almeida, que acaba de estrear em plataformas digitais, dá espaço para os indígenas falarem. Mas eles não estão, desta vez, reclamando seus direitos sobre as terras que lhes são devidas. As câmeras captam, neste filme, a triste constatação de jovens indígenas de que o meio ambiente está sofrendo por causa dos abusos cometidos pela humanidade. O filme revela o olhar dos xinguanos a este impacto e deixa possível uma leitura da distância entre esta vivência sensorial e o conhecimento científico sobre o fenômeno das mudanças climáticas.

A primeira cena, impactante e de uma beleza extraordinária, já deixa muito clara esta experiência peculiar. Nela aparece uma mãe indígena com um bebê no colo enrolado em manta e, ao lado, no chão, outro filho, já mais velho. Venta forte e o grupo está na porta de sua oca, feita de palha e madeira, tentando espantar o vento e a chuva que virá, com uma vassoura nas mãos. A vulnerabilidade dos três chega a ser emocionante. Assim como fica aparente a intimidade que eles têm com fenômenos naturais. 

É assim, também, quando a câmera acompanha jovens coletoras de sementes pela floresta. Os protagonistas do documentário fazem parte da Associação Rede de Sementes Xingu, uma rede de trocas e encomendas de sementes de árvores e outras plantas nativas das regiões do Xingu e Araguaia, a maior rede de sementes nativas do Brasil. A facilidade com que tais jovens pegam sementes, com que vão desfolhando os mistérios do ambiente que os cerca, é aparente. Muito, muito diferente do conhecimento adquirido em livros e sites que norteiam pesquisas e relatórios de cientistas e outros especialistas em meio ambiente reunidos em fóruns e conferências do meio ambiente. Não estamos em tempo de menosprezar nenhum saber, portanto a comparação não é preconceituosa. Trata-se de uma constatação.   

       Está mais do que na hora de ouvir os indígenas para que eles possam mostrar os sinais, cada vez mais claros, das mudanças do clima. E para que eles possam ajudar a desenvolver políticas que, quem sabe, ainda nos poupem de piores fenômenos do que a seca que lhes invade os dias.
Tawa, da Rede de Sementes, põe em palavras o que tem observado quando se lança em campo para fazer a coleta:
"Antigamente a gente seguia os sinais, mas não é mais como era", diz ele.
O jovem Oreme Ikpeng, da aldeia Moygu concorda: 

"Quando a gente percebia que ia chover, a gente queimava a roça e, no dia seguinte, já chovia. Hoje a gente segue esses sinais, mas a chuva não vem. Queremos seguir as regras antigas, mas o tempo não acompanha essas regras. Ou eu sigo a cultura tradicional, como é, ou eu me adapto à nova cultura e aqueles sinais ficam só na história. Isto, para mim, é triste", diz Ikpeng. 

Já estive em algumas aldeias indígenas a trabalho, como repórter e, em todas elas, procurei fazer perguntas sobre as alterações climáticas. Para minha frustração, o que conseguia eram respostas evasivas ou muito ensaiadas. E fiquei com a sensação de que os índios não gostam de falar a respeito. Foi, portanto, uma grata surpresa ouvir os depoimentos no documentário. 

Dannyel Sá, que junto com Danilo Urzedo e Raíssa Ribeiro (todos da Rede de Sementes) concebeu o projeto e a pesquisa, aceitou minha provocação para refletir sobre esta minha percepção: 

"A dificuldade é fazer a ponte com a linguagem acadêmica, de base racional, das observações feitas, por exemplo, pelos cientistas do IPCC. O que existe é uma incompatibilidade de linguagem porque os indígenas notam mais do que todo mundo. Os sinais que eles usam são a própria referência do tempo.

 A floração de uma espécie indica que vai estar na época do pracajá, uma estrela tal que aparece avisa que é época de queimar. Todos esses sinais estão completamente desregulados, não tem mais equivalente. Fazer uma tradução para nossa linguagem de forma que dialogue com o nosso sistema é que é o ponto. O filme teve objetivo de mostrar isso, explicando pela observação deles. Eles sabem que tem algo errado, mas não sabem que tem uma discussão ampla, global, falando de motivos para isso acontecer. Ou seja, essa dificuldade de eles falarem das mudanças climáticas pode ser dificuldade de diálogo, de perspectivas, de cosmologia", disse Dannyel, por telefone.

O território indígena do Xingu fica no coração do Brasil e foi a primeira grande terra indígena demarcada pelo governo federal há 57 anos. 

"São 2,8 milhões de hectares, oito mil pessoas que compõem uma sociobiodiversidade única em uma região de transição entre Cerrado e Amazônia”, diz o site do ISA, organização que está com o povo xinguano desde 1994. O território está preservado, mas há muita destruição em volta causada, basicamente, pelo agronegócio, que provoca sérios impactos nos cerrados e nas florestas, intensificando as mudanças climáticas e dificultando a produção agrícola dos indígenas. 

Num dos trechos do documentário, a câmera dialoga com índias coletoras de sementes. Elas não têm dúvida de que o homem branco é que está causando tanto mal à floresta, tanto desmatamento:
"Estamos sofrendo com a falta de alimentos que nós mesmos causamos e que os brancos também estão causando e com isso o sol está mais quente", diz uma das mulheres.
O Rio Xingu, que garante a sobrevivência daquele povo, cuja história está imbricada com a dos indígenas, agora também está mudado. O canoeiro que transporta as sementes coletadas conta que antigamente ele gastava menos combustível em seu pequeno barco porque o caminho era mais direto, não precisava fazer tantas curvas.
"Antigamente o rio era mais cheio e não precisava fazer curvas. Mas agora mudou tudo, está diferente, o rio está muito seco. As viagens noturnas são muito perigosas", diz ele.
São detalhes preciosos que fazem parte de uma vivência que não deve, não pode ser desprezada.
O documentário em curta-metragem foi premiado como melhor fotografia no Festival dos Sertões e selecionado para mostras no Cinecipó – Festival do Filme Insurgente e VI Congresso Latino-americano de Agroecologia. A ideia do pessoal do ISA é que sejam criados grupos de pessoas interessadas no tema para assisti-lo, gerando com isso um debate construtivo.