sexta-feira, 26 de março de 2021

Indígenas dos EUA resgatam o bisão para suas terras

 

Indígenas dos EUA resgatam o bisão para suas terras

O bisão-americano dominava as pradarias do Alasca até o Texas, mas atualmente sobraram apenas pequenos rebanhos
O bisão-americano dominava as pradarias do Alasca até o Texas, mas atualmente sobraram apenas pequenos rebanhos

O bisão-americano impressiona. Coberto por um espesso pelo castanho-escuro, pode chegar a ter mais de dois metros de altura e pesar mais de uma tonelada. Numa certa época, mais de 60 milhões deles habitavam as pradarias da América do Norte, desde o Alasca Ártico até o sul do Golfo do México.

Não é nenhuma surpresa que os animais – também conhecidos popularmente como búfalos – fossem parte essencial dos ecossistemas locais e vitais para a sobrevivência de muitos povos nativos americanos que conviviam com eles.

A situação mudou durante o século 19, quando os colonizadores europeus caçaram e abateram sistematicamente os rebanhos e quase aniquilaram a espécie. Já em 1889, haviam sobrado apenas 541 bisões-americanos.

“Nós virtualmente eliminamos o bisão, e muito disso tem a ver com a expansão para o oeste e com as atrocidades cometidas contra os nativo-americanos”, diz Chamois Andersen, porta-voz da organização de conservação ambiental Defenders of Wildlife.

Atualmente, os descendentes dos nativo-americanos estão ajudando a trazer de volta este símbolo do oeste americano ao dar aos bisões-americanos um novo lar nas reservas dos Índios das Planícies.

Um desses descendentes é Jason Baldes da tribo Shoshone do leste, baseados predominantemente no atual estado de Wyoming. Baldes é também o diretor executivo da organização comunitária Wind River Native Advocacy Center em Fort Washakie. A vida de seus ancestrais estava intimamente ligada aos bisões.

“Em vez de fazer compras no supermercado, o búfalo era o nosso Walmart”, diz Baldes, referindo-se à enorme cadeira varejista americana. “O retorno do bisão-americano é uma bênção.”

A população de bisões-americanos foi dizimada de 60 milhões para pouco mais de 500 espécimes no século 19
A população de bisões-americanos foi dizimada de 60 milhões para pouco mais de 500 espécimes no século 19

Os Índios das Planícies – nativos americanos que viviam nas planícies de pastagens, uma faixa larga de pradarias que se estende a leste das Montanhas Rochosas, do sul dos Estados Unidos até as províncias canadenses de Saskatchewan e Alberta – dependiam de todas as partes do animal para sobreviver: de comida, vestimentas a abrigo.

Baldes afirma que a perda dos rebanhos de bisões-americanos foi quase tão devastadora para seu povo quanto a realocação forçada – em grande parte no século 19 – para reservas estipuladas pelo governo dos Estados Unidos.

Desde o final do século 19, a população de bisões-americanos tem se recuperado lentamente e computa atualmente cerca de 500 mil animais nos Estados Unidos. Os animais vivem principalmente em parques nacionais e em algumas reservas. Eles têm poucos outros lugares para ir. Ao devolvê-los às terras dos nativo-americanos, os bisões têm a chance de expandir seu habitat.

Para Baldes, esses esforços não representam somente a conservação de vida selvagem, mas também oferecem uma oportunidade de se reconectar a um modo de vida extinto há mais de um século. Baldes é responsável pelas medidas de recuperação dos bisões-americanos na reserva Wind River. Ele cuida de um pequeno rebanho de bisões-americanos selvagens em 121 hectares de pastagem no cerne da reserva de 2,4 milhões de acres.

Ele começou em 2006 com 10 bisões-americanos. Esse número cresceu para 28 animais. O objetivo é fornecer um habitat sustentável para um rebanho muito maior em 400 mil acres de terras adequadas, que permitem que o bisão-americano seja manejado como uma espécie silvestre, e não como animais cativos.

O pequeno rebanho de Baldes é descendente de búfalos selvagens e geneticamente puros resgatados da quase extinção no Parque Nacional de Yellowstone. Atualmente, cerca de três mil bisões-americanos vivem em Yellowstone.

Em contraste, cerca de 20 mil búfalos vivem em um milhão de acres de terra indígena nos EUA, onde são mantidos para fins cerimoniais, alimentação e conservação. É o ponto culminante de uma longa batalha, diz Baldes. “Há fortes interesses agropecuários em Montana, Idaho e Wyoming, em oposição aos esforços de recuperação de búfalos”, explica.

O descendente de nativos americanos Jason Baldes mantém 28 bisões-americanos na reserva indígena Wind River
O descendente de nativos americanos Jason Baldes mantém 28 bisões-americanos na reserva indígena Wind River

Isso é em parte porque existe o risco de que búfalos errantes possam carregar a brucelose. Bisões inicialmente contraíram a doença infecciosa depois de entrar em contato com gado doméstico não nativo. Embora tenha sido amplamente erradicado entre o gado, a doença persiste entre alguns bisões selvagens. A brucelose aparenta ter apenas um impacto marginal sobre os animais selvagens, mas pode ser devastadora para as populações de gado.

Parte do rebanho em Yellowstone é abatida todos os anos para evitar o sobrepastoreio e manter a população estável, para que os animais não se dispersem do parque. No ano passado, defensores da vida selvagem processaram agências governamentais para impedir o abate dos búfalos de Yellowstone. E caso os animais saíssem do parque, eles insistiram que fossem transferidos para reservas de búfalos depois de terem sido colocados em quarentena e considerados estáveis.

Estas ações judiciais resultaram na transferência bem-sucedida de búfalos de Yellowstone para as reservas Fort Belknap e Fort Peck, em Montana. Em 2018, os funcionários do parque também anunciaram a criação de um novo programa para capturar e colocar em quarentena o excedente de búfalos com o objetivo de estabelecer rebanhos livres de doenças em todo o país. Esses rebanhos podem ajudar a restaurar um habitat em extinção.

Cerca de 170 milhões de acres de pastagens altas existiam nas Grandes Planícies dos EUA durante o século 19. Apenas aproximadamente 4% da área original permanece intacta.

“É realmente um ambiente ameaçado”, diz Andersen. Os conservacionistas esperam devolver o bisão-americano para pelo menos parte dessa terra. Para eles, o simbolismo e o significado da conservação de búfalos são importantes, porque a presença deles não apenas desperta a imaginação de um passado distante, mas também literalmente molda a paisagem atual.

Os animais ruminantes e que adoram chafurdar também criam habitats para que prosperem outras espécies nativas, como os cães de pradaria. Suas pelagens desgrenhadas dispersam sementes de plantas nativas, e suas abundantes urinas e fezes fertilizam os campos.

Caso tudo ocorra conforme planejado, os conservacionistas esperam que o bisão-americano possa retomar seu papel de regulador da pradaria. “O bisão evoluiu com as planícies, e as planícies evoluíram com o bisão”, diz Andersen. “É uma relação simbiótica incrível.”

Fonte: Deutsche Welle


Indígenas são peça-chave contra crise climática, diz FAO

 


Indígenas são peça-chave contra crise climática, diz FAO

RELATÓRIO INÉDITO DA AGÊNCIA DA ONU COM BASE EM CENTENAS DE ESTUDOS CIENTÍFICOS CONCLUI QUE INDÍGENAS SÃO OS MELHORES GUARDIÕES DAS FLORESTAS E PEDE APOIO INTERNACIONAL PARA PROTEGÊ-LOS.

Relatório mostra que os territórios indígenas devidamente reconhecidos são os que têm áreas mais intactas de vegetação e menores taxas de desmatamento

Povos indígenas são os melhores guardiões das florestas tropicais e fundamentais para o equilíbrio do clima do planeta. A conclusão é de um relatório inédito assinado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), divulgado nesta quinta-feira (25/03).

É a primeira vez que a FAO, criada há mais de 75 anos para combater a fome e buscar a segurança alimentar no mundo, produz um documento dedicado ao papel dos povos indígenas com base em evidências científicas – mais de 300 publicações foram consultadas.

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“Está claro que a situação dos indígenas e populações tribais se tornou urgente”, justifica David Kaimowitz, especialista da agência da ONU e um dos autores.

A urgência vem de questões políticas, econômicas, geográficas e culturais que colocam os territórios indígenas em xeque, agravadas pela pandemia de covid-19. Esse cenário está diretamente ligado ao aumento da demanda por alimentos, energia, minérios e madeira, além de projetos de infraestrutura.

A cobiça pelo controle dos recursos naturais coloca os povos e seus territórios sob pressão, e os impactos ambientais e sociais dessa ameaça que recai sobre esses cuidadores das florestas serão desastrosos, alerta o relatório.

“A pandemia nos fez mais conscientes dos perigos de não responder prontamente aos problemas. E esse é um momento importante, em que estamos vendo que é preciso enfrentar a crise climática e da biodiversidade. Os indígenas são parte da solução”, adiciona Kaimowitz. 

Retrocessos no Brasil

Um terço das florestas tropicais na América Latina e no Caribe são classificadas como territórios indígenas. Com estudos de caso feitos em diferentes países, incluindo o Brasil, o documento mostrou que os territórios devidamente reconhecidos são os que têm áreas mais intactas de vegetação e menores taxas de desmatamento.

Por outro lado, desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência, com a promessa de rever as terras demarcadas, o número de invasões e crimes ambientais disparou. Ao mesmo tempo, um projeto de lei que questiona a autonomia dos indígenas em seus territórios, o que é garantido pela Constituição, avança com apoio de parlamentares, fazendeiros, mineradoras e governo na Câmara dos Deputados.

Os retrocessos no Brasil deixam a comunidade internacional em alerta. Ainda assim, para Myrna Cunningham, presidente do Fundo para Desenvolvimento dos Povos Indígenas na América Latina e Caribe (Filac), é possível driblar esse cenário.

“Mesmo em casos como o do Brasil, consideramos que, com um movimento global fortalecido, é possível provocar mudanças de fora para dentro, via investidores, grandes organizações internacionais e um movimento global forte”, afirma em entrevista à DW.

Na visão de Cunningham, grandes consórcios de investidores estão preocupados. “Se o tema de direitos indígenas não é resolvido, eles não podem investir em novas áreas”, afirma.

Exemplo positivo ameaçado

Dentre os exemplos positivos de políticas que fortalecem a boa gestão de territórios indígenas está o PrevFogo, programa do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Com base em conhecimentos tradicionais e treinamento técnico, brigadistas são contratados pelo governo na temporada de seca para prevenir e combater queimadas e incêndios florestais.

“Diálogos interculturais entre oficiais do serviço público e comunidades indígenas podem enriquecer políticas de governo”, elogia o estudo mencionando o caso brasileiro.

Em 2020, porém, ano em que as queimadas consumiram os biomas em níveis alarmantes, o corte na contratação geral de pessoal de combate ao fogo foi 58% – caiu de R$ 23,78 milhões em 2019 para R$ 9,99 milhões no ano passado.

“Não sei se o governo Bolsonaro está repensando algumas de suas posições nesses temas. O que podemos dizer é que importante não só para o Brasil, mas para o mundo lidar com essas questões”, comenta Kaimowitz sobre o corte no PrevFogo e ataques a terras demarcadas.

“Extensas áreas de florestas intactas na Amazônia estão nas mãos de indígenas e quilombolas. Perda de florestas terão um impacto devastador na agricultura brasileira, no abastecimento de água e na saúde humana”, pontua o pesquisador com base nas publicações científicas consultadas para o relatório.

No foco da ciência

A influência dos povos indígenas na conservação das florestas despertou atenção especial de cientistas nas últimas duas décadas. Para Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a curiosidade científica se aguçou com as descobertas feitas durante os primeiros anos do Experimento de Larga Escala na Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), a partir de 1999.

“O LBA trouxe informações que permitiram avaliar o papel da floresta na manutenção do clima local e regional e como a floresta preservada afetava o clima fora da região”, comenta Moutinho, ressaltando como a conservação influencia a biodiversidade, o regime de chuvas e o transporte de umidade. “Mais tarde, outros trabalhos começaram a indicar mais precisamente o papel da preservação ambiental com participação indígena, de como as áreas sob o cuidado deles são as mais preservadas.”

Estudos publicados por Moutinho e citados no relatório da FAO, por exemplo, mostram que a perda de gás carbônico, que provoca o efeito estufa e acelera as mudanças climáticas, é infinitamente menor em reservas indígenas na Amazônia. Nesses locais, a área desmatada e degradada é, em média, menor que 2% do total. No último ano, porém, invasões ilegais para extração de madeira e garimpo têm aumentando esse índice.

“É por isso que o relatório propõe ações concretas, como fortalecer organizações indígenas”, diz Cunningham sobre os guardiões da floresta. Pagamento por serviços ambientais, apoio a projetos de manejo sustentável e garantia dos direitos territoriais são outras medidas propostas pela FAO.

No momento em que o mundo busca formas de recuperação na pós-pandemia e assiste ao avanço das mudanças climáticas, a preservação das florestas feita por indígenas é uma saída viável que precisa de apoio internacional, defende Cunningham.

“E a FAO, que publica o relatório, tem mandato para encontrar e propor aos países medidas que melhorem a segurança alimentar. O manejo de forma sustentável que os indígenas fazem de suas florestas contribui para isso”, afirma.

As mulheres indígenas, adiciona, merecem destaque. “Quando falamos das florestas, as mulheres também têm papel importante na proteção dos recursos naturais, da água, do alimento. São elas que coletam e processam as sementes tradicionais. Durante a pandemia elas seguem fazendo isso num contexto complicado, pois cresceu o racismo e a discriminação.”Fonte: Deutsche Welle