quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Boi é o bombeiro do Pantanal’ é mais uma falácia contada pelo governo

 

Boi é o bombeiro do Pantanal’ é mais uma falácia contada pelo governo

Atualizado, às 21h, para incluir informação sobre declaração de Ricardo Salles, (anti)ministro do meio ambiente

Na semana passada, em 9/10, a ministra da agricultura, Tereza Cristina, disse, em audiência pública da comissão temporária do Senadoque acompanha ações de enfrentamento aos incêndios no Pantanal –, que o boi é o “bombeiro” desse bioma e que os incêndios não teriam se alastrado, como aconteceu este ano, se houvesse mais gado na região.

(no dia seguinte, em transmissão ao vivo nas redes sociais, o presidente Bolsonaro confirmou o que disse a ministra e voltou a acusar indígenas e caboclos, no caso da Amazônia, como em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU; hoje, 13/10, Ricardo Salles foi ouvido pela mesma comissão que ouviu a ministra e reiterou o que ela disse, claro. E pra não variar, culpou os governos anteriores pela desestrutura dos órgãos de fiscalização, o que é mentira, como já temos falado aqui, no site: foi neste governo que Inpe, Ibama e ICMBio começaram a ser desmontados).

As declarações dos três – Tereza Cristina, Bolsonaro e Salles – se baseiam na tese defendida pelo chefe da Embrapa Territorial, Evaristo de Miranda, assessor de Bolsonaro para assuntos que envolvem meio ambiente e agropecuária. Para ele, o boi pasta o capim que se transforma em massa combustível para os grandes incêndios no bioma.

Ninguém pode reclamar de incoerência entre eles, hein? Estão bem alinhados no política antiambiental.

Evaristo de Miranda, da Embrapa Territorial, com Bolsonaro e
o general Santos Cruz / Foto: Alan Abreu, PR

Vale lembrar que Miranda era um dos cotados para assumir o cargo de ministro do meio ambiente. Bolsonaro escolheu Salles e ele ganhou o posto de uma espécie de “guru ambiental“, porque suas ideias apoiam o que o governo defende. Desde que assumiu essa “função”, ele tem divulgado falácias.

De acordo com o site de checagem de informações ambientais, Fakebook.Eco, não há qualquer relação “entre o tamanho do rebanho nos municípios pantaneiros e a ocorrência de queimadas. Ao contrário, o rebanho cresceu desde 1999, enquanto as queimadas variaram imensamente”. 

Em agosto, o site rebateu as declarações de Miranda baseando-se em informações científicas e mapas – e ainda produziu um vídeo, que você pode assistir no final deste post. Tais dados também valem para contrapor as declarações recentes da ministra.

Quase que a totalidade das ocorrências de incêndios no Pantanal (especialistas falam em 95% a 98%) está associada à ação humana. Em vez de diminuir, como afirmou Tereza Cristina, a atividade pecuária foi expandida e o uso do fogo para fazer a limpeza das pastagens, eliminando o excesso de biomassa, aumentou. Quando o manejo com fogo sai de controle, é fonte de incêndios agravados pelo clima seco.

O boi maneja o capim, é verdade, mas sua ausência não é a principal causa do fogo já que não existe gado em todo o bioma. A grande questão, de acordo com essa checagem, é “a substituição da pecuária tradicional nos campos naturais por uma pecuária sobre áreas desmatadas, que converte áreas de floresta, savanas e campos naturais em pastagens com espécies exóticas”.

Vale ler a análise completa.

Conversa pra boi dormir

Em seu perfil no Instagram, o biólogo e divulgador científico, Hugo Fernandes, publicou post no qual rebate, de forma bastante dinâmica e pop, a declaração mentirosa de Tereza Cristina.

“Boi bombeiro é conversa pra boi dormir”, escreveu. “Entenda essa e outras balelas que estão distorcendo as reais causas para o descontrole das queimadas no Pantanal”.

Em sete ‘cards’ (acima, está o primeiro), ele explica que “representantes do governo têm afirmado que o boi come matéria orgânica no solo pantaneiro, diminuindo o material combustível que propicia os incêndios. A justificativa é que ‘estão proibindo de criar boi no Pantanal’ e, por isso, os incêndios estão fora de controle. E a culpa seria das unidades de conservação e das populações indígenas“. E acrescenta: “Essa narrativa não é verdadeira”.

Em seguida, confirma que o boi pode ajudar a reduzir o material combustível do solo, mas que a afirmação de que proibiram a presença dos bois e que isso colaborou para que os incêndios se alastrassem “é a mais pura balela”. Em 20 anos, o gado no Pantanal aumentou 43%!

O biólogo também nega que a culpa é das unidades de conservação, que não têm boi nem pasto, que o “fogo frio (queima preventiva) foi proibido e ainda explica que, “embora os incêndios ocorram todos os anos, o que está acontecendo em 2020 é completamente fora dos padrões“.

Fernandes alerta: “30% do bioma já foi consumido pelas chamas!“. E sentencia: “Hoje, a principal causa para os incêndios é climática. O Pantanal enfrenta uma seca histórica, com 50% a menos do regime de chuvas. Mas há outros fatores a serem considerados, inclusive políticos”.

O desmatamento na Amazônia altera a umidade do bioma e diminui “os rios voadores” (responsáveis pelas chuvas no centro-oeste e sudeste) e não tem sido combatido pelo governo, que desestruturou órgãos de fiscalização e controle (Inpe, Ibama e ICMBio) e, por consequência, reduziu as brigadas de incêndio.

Se não existissem tantos voluntários e iniciativas para formar brigadistas no Pantanal – entre elas a Brigada Alto Pantanal, sobre a qual contamos aqui -, o fogo já teria destruído muito mais áreas no bioma.

Para analisar a situação com justiça, portanto, é preciso respeitar a ciência e os fatos. E checar informações. Mais: Fernandes destaca que também utilizou dados do governo para refutar o que diz o governo. hoje.

Infelizmente, sabemos que não é possível confiar os representantes deste governo dizem, já que todos estão a serviço dos interesses de uma minoria – empresários e adeptos do desenvolvimento a qualquer custo – e não da preservação e do bem estar da maioria dos brasileiros.

Quem tiver interesse, pode baixar todo o conteúdo integral divulgado por Hugo Fernandes e compartilhar em suas redes.

PF envia para MPF provas que apontam fazendeiros como responsáveis pelos incêndios

Foto: Mayke Toscano/Secom-MT/Fotos Públicas

Em meados de setembro, a Operação Matáá (que significa fogo na língua indígena guató, povo que vive no sudoeste de MT) da Polícia Federal (PF) investigava o envolvimento de criminosos no aumento excessivo das queimadas no Pantanal nesta temporada e já suspeitava de cinco fazendeiros da região de Corumbá, no norte do Mato Grosso do Sul.

Os policiais suspeitavam que os pecuaristas teriam combinado queimadas na região, na linha do Dia do Fogo, em Novo Progresso, Amazônia, no ano passado. 

Segundo a análise dos peritos, os focos de incêndio começaram em 30/6, quase na mesma hora, em propriedades localizadas na região oeste do rio Paraguai. Para eles, isso indica que a prática de colocar fogo na vegetação para ocupar a área com pastagens pode ter sido uma ação combinada entre os fazendeiros.

Em 25/9, a PF já tinha provas suficientes para que, ao menos, quatro desses fazendeiros fossem indiciados pelo início dos incêndio. Elas foram encaminhadas para o Ministério Público Federal (MPF) para análise e possível denúncia à Justiça Federal.

Os acusados poderão responder pelos crimes de dano à floresta de preservação permanente (Art. 38, da Lei no 9.605/98), dano direto e indireto a Unidades de Conservação (Art. 40, da Lei no 9.605/98), incêndio (Art. 41, da Lei no 9.605/98) e poluição (Art. 54, da Lei no 9.605/98). As penas podem ultrapassar 15 anos de prisão.

Em 14/9, os agentes da PF encontraram e apreenderam armas e munições de uso restrito na casa de Pery Miranda Filho: duas pistolas, um revólver, 108 munições de calibre permitido e 44 de calibre.

O fazendeiro foi preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo. O crime é inafiançável, mas, de acordo com o site Repórter Brasil, ele foi solto no dia seguinte. E mais: de acordo com documentação à qual a reportagem teve acesso, o fazendeiro já vendeu gado para o governador Reinaldo Azambuja (PSDB).

Agora, assista ao vídeo produzido, em agosto, pelo site de checagem de informações Fakebook.eco sobre o “boi bombeiro”:

Foto (destaque): Reprodução do documentário Sob a Pata do Boi

Pescadores da Baía de Guanabara pescam lixo para voltar a pescar peixes


 

Pescadores da Baía de Guanabara pescam lixo para voltar a pescar peixes

Pescadores da Baía de Guanabara pescam lixo para voltar a pescar peixes

Em colaboração com ONG alemã One Earth One Ocean (OEOO), membros da colônia Z-10 recolhem quase três toneladas de resíduos em uma semana

Por Lygia Freitas

A poluição da Baía de Guanabara é um problema enfrentado há anos por pescadores artesanais. É por isso que a ONG Alemã One Earth One Ocean desembarcou no Rio de Janeiro para realizar um projeto piloto ao lado de pescadores da colônia Z-10, na Ilha do Governador, primeiro passo para ações contínuas em diversas áreas. Nos primeiros sete dias de trabalho, foram retiradas mais de duas toneladas de resíduos em um raio de cerca de 5 km no entorno da colônia.

Entre os principais materiais retirados das águas de uma das paisagens mais bonitas do Rio de Janeiro estão plásticos de diversos tipos, pneus, materiais de pesca, equipamentos eletrônicos, vidro e metais.

“A poluição traz inúmeros efeitos negativos. Os dez pescadores que participaram do projeto piloto relataram ter tido perda de renda pela ausência e qualidade dos peixes. Além disso, é inegável o dano que todos esses resíduos trazem para os oceanos, por isso precisa ser um trabalho contínuo”, conta Laura Kita Kejuo, diretora-presidente da OEOO Rio.

A partir de agora, os dados coletados serão analisados e os resultados serão usados para as próximas etapas do projeto, incluindo o uso de tecnologia inédita no Brasil, que será o primeiro país da América Latina a receber o SeeElefant (Elefante do Mar), barco que abriga uma usina de processamento de plástico em sua estrutura. Em construção na Alemanha, a embarcação vai contar com equipamentos capazes de fazer a coleta, a

separação e a conversão do plástico em combustível, material para reciclagem ou em geração de energia. A expectativa é de que o “Elefante” comece a navegar em 2021.

Além disso, no Rio de Janeiro, serão construídos os barcos chamados de SeeKuh (Vaca do Mar), embarcação permitindo a coleta de resíduos marítimos em até um metro de profundidade, com o uso de correias ajustáveis, minimizando assim o risco de capturar animais, em comparação com as redes. Todo o material será transferido para uma esteira e levado para grandes bolsas de armazenamento, que ficarão depositadas na embarcação até serem carregadas para a terra e encaminhadas para reciclagem. O navio é modular, completamente desmontável e pode ser acondicionado em quatro contêineres: assim sendo, ele pode navegar em diferentes locais para uso regional sem restrições.

Os brasileiros também conhecerão o SeeHamster (Hamster do Mar), em uso desde 2011 para limpar rios e lagos em países asiáticos, como Camboja e Indonésia. Essa embarcação, que também será fabricada no Rio de Janeiro, conta com uma rampa perfurada. Devido à velocidade de coleta relativamente alta e contrapressão da água, os resíduos sólidos são empurrados para cima pela rampa e podem ser armazenados manualmente em grandes bolsas.

Em paralelo ao trabalho de despoluição das águas, a equipe da OEOO Rio pretende desenvolver ações de educação ambiental, além de buscar parcerias com outras ONGs e institutos de pesquisa da região.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 12/10/2020

Somos a espécie mais perigosa da história’: cinco gráficos sobre o impacto da atividade humana na biodiversidade

 

Somos a espécie mais perigosa da história’: cinco gráficos sobre o impacto da atividade humana na biodiversidade

Os humanos estão causando a extinção de outras espécies através da caça, mineração, pesca predatória e derrubada de florestas. – GETTY IMAGES

A atividade humana está destruindo a natureza, causando uma aceleração alarmante na extinção de espécies da flora e fauna.

Alguns líderes mundiais têm prometido diversas ações para tentar resolver o problema. Mas elas vão ser suficientes?

O que é biodiversidade e por que ela é importante?

Biodiversidade é a variedade de seres vivos na Terra e os ecossistemas aos quais eles pertencem, que fornecem oxigênio, água, alimentos e inúmeros outros benefícios.

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Recentemente, um conjunto de relatórios e estudos alertou sobre o atual estado da natureza. Veja-os em gráficos:

“Não temos tempo para esperar. A perda da biodiversidade, a perda da natureza, está em um nível sem precedentes na história da humanidade”, diz Elizabeth Mrema, secretária-executiva da Convenção sobre Diversidade Biológica, da ONU. “Somos a espécie mais perigosa da história mundial.”

Os humanos estão causando a extinção de outras espécies por meio da caça, pesca predatória e derrubada de florestas.

Somos quase inteiramente responsáveis ​​pela extinção de várias espécies de mamíferos nas últimas décadas, de acordo com um estudo recente publicado na revista especializada Science Advances.

E as previsões sugerem que outras 550 espécies de mamíferos serão perdidas neste século, se continuarmos no caminho atual.

Como podemos sair do caminho da destruição?

Abandonar o modelo devastador que adotamos exigirá grandes mudanças.

Na Cúpula da ONU sobre biodiversidade, realizada no dia 30 de setembro em Nova York, o secretário-geral da entidade, Antonio Guterres, afirmou que “a humanidade está travando uma guerra contra a natureza e precisamos reconstruir essa relação”.

Qual é o plano para o futuro?

Os países estão sendo instados a assinar um acordo, que representaria para a biodiversidade o que o acordo climático de Paris foi para as mudanças climáticas.

Isso se enquadra no que se conhece como Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), tratado internacional firmado na chamada “Cúpula da Terra” realizada no Brasil em 1992.

Este acordo tem três objetivos: a conservação da diversidade biológica; o uso sustentável de seus componentes; e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos.

Os países tinham até este ano para atingir as metas estabelecidas há uma década, que vão desde conter a extinção até reduzir a poluição e preservar as florestas.

Apesar de alguns avanços, nenhum dos objetivos foi alcançado.

Agora, os líderes mundiais estão sendo chamados a assinar um pacto para salvar a biodiversidade do planeta por meio de um plano que prioriza a vida selvagem e o clima.

Segundo a comunidade científica, não é tarde para reverter o declínio da natureza, mas é preciso muito empenho e o real cumprimento de promessas.

Fonte: BBC


Salles defende “boi bombeiro” no Pantanal

 

Salles defende “boi bombeiro” no Pantanal

Ministro do Meio Ambiente minimiza responsabilidade do governo federal na região e defende frear a destruição com expansão da pecuária, incêndios controlados e uso de produtos químicos sem regulamentação no Brasil.

Fala de Salles segue em sintonia com outros posicionamentos do governo Bolsonaro de atribuir responsabilidades aos estados

Em audiência no Senado nesta quarta-feira (13/10), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, procurou minimizar a responsabilidade do governo federal no combate aos incêndios que vêm devastando o Pantanal e defendeu o aumento da criação de gado na região como forma de evitar o fogo na região – uma tese criticada por especialistas.

Ele ainda defendeu “incêndios preventivos” e a aplicação em larga escala de retardantes químicos de fogo para melhorar o combate às queimadas, sem citar possíveis riscos de contaminação. 

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Desde que assumiu a pasta, em janeiro de 2019, Salles vem sendo criticado pela inoperância do ministério em reduzir as queimadas e o desmatamento no país e por ter adotado uma política de desmonte de mecanismos de fiscalização. Esses posicionamentos não mudaram nem mesmo com o avanço da devastação dos biomas brasileiros.

Desde o início do ano, incêndios destruíram mais de um quarto da área do Pantanal. Já os alertas de desmatamento na Amazônia subiram 68% em agosto de 2020 na comparação com o mesmo mês do ano passado, de acordo com o Imazon.

Aos senadores da Comissão sobre incêndios no Pantanal, Salles reforçou seu posicionamento de minimizar a responsabilidade da sua pasta nesse cenário. Ele afirmou que o governo federal é responsável por apenas 6% da área total do Pantanal, cabendo aos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul a fiscalização do restante do território, que soma 150 mil quilômetros quadrados.

“Apenas 6% do Pantanal são de jurisdição da fiscalização federal. As demais partes do território são de competência estadual. Portanto, o governo federal contribui em sua parcela de jurisdição”, disse o ministro, em referência à porcentagem das áreas das unidades de conservação federal, terras indígenas e assentamentos na região. 

A fala de Salles segue em sintonia com outros posicionamentos do governo federal em meio à crise do coronavírus, na qual o governo Jair Bolsonaro declarou que a responsabilidade do combate à doença cabia aos estados, se abstendo de formular e coordenar uma política nacional de enfrentamento. 

Ao minimizar o papel do governo federal no Pantanal, Salles omitiu que sua pasta possui mecanismos para coordenar ações de proteção ambientais com os estados, como o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). No caso da Amazônia, não é incomum que o governo federal atue em áreas fora de unidades federais de conservação ou terras indígenas.

“Boi bombeiro”

Salles ainda demonstrou estar em sintonia com outros posicionamentos recentes de membros do governo federal. A exemplo da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ele defendeu a tese do “boi bombeiro” e a expansão da pecuária na região para conter incêndios. A ideia é que os animais poderiam comer mais mato e retirar matéria orgânica que alimenta as chamas.

“Ouvimos de várias fontes diferentes a necessidade de termos um reconhecimento do papel da criação de gado no Pantanal, uma vez que ele também contribui para diminuir o que há de matéria orgânica [combustível]”, disse o ministro.

Membros do governo vêm afirmando que o Pantanal ficou mais vulnerável a incêndios por causa de supostos entraves que dificultam a pecuária e que teriam diminuído o rebanho na região. 

No entanto, especialistas criticam essa visão, apontando que a criação de gado aumentou no Pantanal nos últimos anos, ao invés de diminuir, rebatendo a ideia de que os bois seriam fundamentais para impedir incêndios. Além disso, um dos focos de incêndio que devastou recentemente uma área de conservação no Pantanal teve início, segundo perícia, numa fazenda de criação de gado nas redondezas.

“Exagero”

O ministro também criticou o que considerou um excesso de medidas para proteger os biomas, afirmando que “proibição de tudo a qualquer momento” não é “preservação e sim exagero”, reforçando seu argumento que o governo estaria de mãos atadas.

No entanto, Salles evitou mencionar o fato de que o Ministério do Meio Ambiente gastou apenas das 35,6% dos valores que foram autorizados para prevenção, combate e fiscalização de queimadas em 2020. Ou seja, faltando apenas três meses para o fim do ano, o governo só gastou um terço da verba prevista, segundo dados levantados pelo UOL. 

Já o gasto esperado com a contratação de pessoal de combate ao fogo por tempo determinado, somado ao de diárias de civis que atuam como brigadistas, caiu de R$ 23,78 milhões em 2019 para R$ 9,99 milhões neste ano – uma redução de 58%, de acordo com dados oficiais do Portal da Transparência. 

Salles defendeu ainda o uso controlado do fogo na região –  também criticado por ambientalistas  –, que, segundo ele, é “boicotado” por visões divergentes. “Há medidas que nós podemos e continuaremos fazendo, para não só prevenir. Para isso, [devemos] fazer os aceiros, permitir a criação de gado no Pantanal, como forma de reduzir a massa orgânica, permitir que seja feita a queima controlada, o uso do fogo frio, e não ter isso como algo a ser indiretamente boicotado por algumas visões que não acreditam nesse formato.”

Retardante de fogo

Por fim, ele defendeu a  utilização de um componente retardante de fogo, que foi usado na semana passada pelo ministério na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Esse produto químico, misturado à água é lançado por aviões sobre a vegetação. Ele tem, segundo os defensores, a propriedade de aumentar a capacidade de retenção do fogo. Mas esse composto ainda não tem regulamentação de uso no Brasil. 

“O estado do Mato Grosso começou a utilizar, nós no governo federal já utilizamos, e utilizamos na Chapada dos Veadeiros com sucesso. E é uma questão que precisa ser encarado de frente. Essa visão de que emprego de tecnologia não é salutar é equivocada”, disse. 

O governo de Goiás informou nesta terça-feira que não foi consultado e que não autorizou o uso de retardante de fogo na região da Área de Proteção Ambiental (APA) do Pouso Alto, ao redor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Segundo o governo local, “não há nenhuma regulamentação” sobre o produto no estado.

Salles também não mencionou as advertências de técnicos do Ibama sobre os ricos de contaminação envolvendo o produto. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, os técnicos são taxativos ao recomendar “a suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias”. A constatação está numa nota técnica feita pela Coordenação de Avaliação Ambiental de Substâncias e Produtos Perigosos do Ibama, de julho de 2018.

Fonte: Deutsche Welle

Cientistas de Cambridge tentam descobrir o que acabará com a humanidade (e como nos salvar)

 

Cientistas de Cambridge tentam descobrir o que acabará com a humanidade (e como nos salvar)

Desde 2015, um pequeno grupo interdisciplinar de pesquisadores investiga os perigos que podem levar à extinção da humanidade ou ao colapso da civilização – GETTY IMAGES

A Terra existe há 45 milhões de séculos e, no entanto, este em que estamos vivendo é único na história.

“É o primeiro século em que uma espécie, a nossa, possui tanto poder e é tão dominante que tem o futuro do planeta em suas mãos”, escreve o prestigioso astrônomo britânico Martin Rees em On The Future: Prospects for Humanity (Sobre o Futuro: Perspectivas para a Humanidade, em tradução livre).

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“O que está em jogo é mais importante do que nunca; o que acontecer neste século será sentido por milhares de anos”, diz ele no livro, lançado em 2018.

Na verdade, Rees vinha repetindo esses avisos há mais de duas décadas. Para muitos, elas pareciam interessantes, mas improváveis. Talvez naquela época, essas advertências tivessem mais cara de ficção científica do que ciência.

Ele mesmo reconheceu em uma palestra de TED que “nos preocupamos muito com riscos menores: acidentes de avião improváveis, alimentos carcinogênicos, baixas doses de radiação… Mas nós e os políticos que nos governam vivemos na negação dos cenários catastróficos”.

Mas quando veio 2020, cada palavra de Rees passou a ter uma atualidade assustadora.

Por exemplo, naquela palestra que proferiu em 2014, ele afirmou que agora “os piores perigos vêm de nós”: “E não há só a ameaça nuclear. No nosso mundo interligado (…) as viagens aéreas podem espalhar pandemias em questão de dias e as redes sociais podem espalhar pânico e boatos literalmente à velocidade da luz”.

Mas havia quem não precisasse da pandemia da covid-19 para prestar atenção a Rees.

Desde 2015, um pequeno grupo interdisciplinar de pesquisadores trabalha sob sua liderança no chamado Centro de Estudos de Risco Existencial (CSER) da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

O centro, que conta com a assessoria de personalidades da academia e da indústria — como o empresário Elon Musk —, investiga os perigos que podem levar à extinção da humanidade ou ao colapso da civilização e o que fazer para mitigá-los.

É justamente nesse segundo aspecto que atua a bióloga molecular peruana Clarissa Ríos Rojas, que ingressou no CSER em março, pouco antes de o governo britânico decretar a quarentena do coronavírus.

A bióloga molecular peruana Clarissa Rios Rojas atua no CSER na área de políticas públicas – GENTILEZA CLARISSA RÍOS ROJAS

“Já tivemos pandemias antes, mas a covid-19 nos pegou desprevenidos”, disse Ríos à BBC Mundo, o serviço hispânico da BBC. “Então, o que deu errado? Quais são as lições que podemos aprender com este experimento e como podemos nos preparar novamente para o futuro?”, questiona.

Seu trabalho em Cambridge é identificar por que previsões baseadas em dados científicos não são ouvidas e, assim, gerar políticas públicas que preparem a humanidade para a próxima catástrofe global.

A crise profunda causada pelo coronavírus não foi a primeira — e não será a última.

Cinco áreas de risco

A primeira coisa que Ríos explica é que existe uma diferença entre risco catastrófico e risco existencial.

Embora as definições variem ligeiramente entre elas, geralmente entende-se que eventos de risco catastrófico são aqueles que, se ocorrerem, matariam 10% da população mundial ou causariam danos equivalentes.

Para referência, considera-se que o acontecimento mais letal do século 20 foi a pandemia de influenza de 1918, mais conhecida como gripe espanhola, em que entre 1% e 5% da população mundial morreu, segundo diferentes estimativas.

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Por outro lado, um evento de risco existencial implica o aniquilamento de todos os seres humanos ou uma redução populacional tão grande que não permita continuar com os padrões de vida atuais, que acabe drástica e permanentemente com seu potencial.

O CSER estuda este último tipo de eventos, que divide em cinco grandes áreas: riscos biológicos, ambientais, tecnológicos, derivados da inteligência artificial e injustiças sociais.

Alguns exemplos são muito claros, como pandemias, na área biológica, ou mudanças climáticas na área ambiental. Outros perigos naturais — como o impacto de um asteroide ou a erupção de um supervulcão — estão muito presentes no imaginário coletivo, pois já demonstraram seu poder devastador no passado.

Mas existem outros riscos existenciais menos óbvios, como a inteligência artificial.

“O medo da inteligência artificial não é que surja um Arnold Schwarzenegger que mate todos”, diz Ríos em referência ao personagem do filme O Exterminador do Futuro.

“Na realidade, pode acontecer que, para atingir o objetivo de salvar a humanidade, todo o ecossistema seja destruído porque não foram dados os parâmetros necessários para guiar aquela inteligência artificial que continua a aprender por si mesma”, explica.

Martin Rees é um dos principais pesquisadores do mundo em evolução cósmica, buracos negros e galáxias – GETTY IMAGES

Nesse caso, a tarefa de Ríos seria, por exemplo, trabalhar em conjunto com os governos para estabelecer protocolos e ferramentas de monitoramento para instituições da área, ou garantir que os programas de estudos das universidades vinculadas à engenharia tenham uma sólida base ética.

A injustiça social é outra área cujo nível de risco pode não ser tão perceptível. Mas há um exemplo muito claro na história: a conquista europeia da América.

Este episódio “resultou na perda potencial de mais de 80% das populações indígenas, no colapso das civilizações asteca, inca e zapoteca e na morte, tortura, ruptura cultural e desestabilização política que ocorreram como resultado do comércio transatlântico de escravos”, o CSER afirma em seu site.

E acrescenta: “Até hoje, a colonização europeia continua a ter impactos catastróficos em escala global, incluindo a negligência com as doenças tropicais”.

Efeito covid-19

Para Ríos, a pandemia de covid-19 — que já matou mais de 1 milhão de pessoas em todo o mundo — está ensinando aos governos e à sociedade o que significa se preparar para o pior.

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“A covid-19 mostrou como os sistemas começam a entrar em colapso um por um”, diz ela.

“Poderia se pensar que só o setor saúde seria afetado, mas, na verdade, o transporte, a agricultura, a educação, a economia, o trabalho foram afetados…”, acrescenta.

Segundo a pesquisadora peruana, uma forma de incorporar essas lições nas políticas públicas seria criar equipes de governo que analisassem os potenciais riscos catastróficos vinculados ao país ou à região (como mudanças climáticas na América Central ou armas nucleares na península coreana) e gerar protocolos de ação.

Mas, como reconhece Ríos, “as políticas podem ser belas, mas se a sociedade não as quiser aceitar e, por exemplo, continuar a sair sem máscaras, então são inúteis”.

Para alcançar o compromisso social, ela diz que poderia ser incorporado um módulo sobre o que aprendemos com a pandemia covid-19 no ensino médio e criado um mestrado em risco catastrófico global poderia ser criado.

“Se quisermos colocar esses temas na agenda política, é preciso haver um esforço conjunto e não só da Universidade de Cambridge”, diz Ríos. “Precisamos de uma mentalidade de cidadania global.”

Fonte: BBC