terça-feira, 23 de julho de 2019

Novo relatório global aponta declínio de espécies “sem precedentes”

Novo relatório global aponta declínio de espécies “sem precedentes”

1 milhão de espécies estão ameaçadas de extinção segundo avaliação do IPBES, o relatório mais abrangente da história sobre a biodiversidade do mundo.


A natureza está em declínio em um ritmo sem precedentes na história humana, com taxas de extinção de espécies acelerando e com graves impactos para as pessoas ao redor do mundo, adverte um novo relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), cujo resumo foi aprovado na 7ª sessão do Plenário do IPBES, em reunião na semana passada (de 29 de abril a 4 de maio) em Paris.

O Relatório de Avaliação Global do IPBES sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos é o mais abrangente já concluído. Ele é o primeiro Relatório intergovernamental de seu tipo. Compilado por 145 autores especialistas de 50 países nos últimos três anos, com contribuições de outros 310 autores contribuintes, o documento avalia as mudanças nas últimas cinco décadas, fornecendo uma visão abrangente da relação entre os caminhos do desenvolvimento econômico e seus impactos na natureza. Também oferece vários cenários possíveis para as próximas décadas.

Resultados nada animadores

“A esmagadora evidência da Avaliação Global do IPBES, de um vasto leque de diferentes áreas de conhecimento, apresenta um quadro sinistro”, disse o Presidente do IPBES, Sir Robert Watson. “A saúde dos ecossistemas dos quais nós e todas as outras espécies dependem está se deteriorando mais rapidamente do que nunca. Estamos erodindo as próprias fundações de nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo”.

Destruição ambiental na Indonésia
Destruição de floresta tropical na Indonésia | Foto: 5bf5911a_905 / iStock
“O relatório também nos diz que não é tarde demais para fazer a diferença, mas apenas se começarmos agora em todos os níveis, do local ao global”, disse Watson. “Através da ‘mudança transformadora’, a natureza ainda pode ser conservada, restaurada e usada de forma sustentável – isso também é fundamental para atender a maioria das outras metas globais.”

Com base na revisão sistemática de cerca de 15.000 fontes científicas e governamentais, o relatório também extrai (pela primeira vez nessa escala) conhecimento indígena e local, particularmente sobre questões relevantes para os Povos Indígenas e Comunidades Locais.

O documento conclui que cerca de 1 milhão de espécies animais e vegetais estão ameaçadas de extinção. Muitas já correm o risco de desaparecerem nas próximas décadas, uma taxa de extinção nunca vista na história da humanidade.

A abundância média de espécies nativas na maioria dos principais habitats terrestres caiu em pelo menos 20%, principalmente desde 1900. Mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos estão ameaçados. O quadro é menos claro para espécies de insetos, mas evidências disponíveis apoiam uma estimativa de 10% de ameaça. Pelo menos 680 espécies de vertebrados foram levadas à extinção desde o século 16 e mais de 9% de todas as raças domesticadas de mamíferos usados ​​para alimentação e agricultura foram extintas em 2016, com pelo menos mais 1.000 raças ainda ameaçadas.

Elefante morto pela caça na África
Elefante morto pela caça na África | Foto: iStock
“Ecossistemas, espécies, populações selvagens, variedades locais e raças de plantas e animais domesticados estão encolhendo, deteriorando ou desaparecendo. A rede essencial e interconectada da vida na Terra está ficando menor e cada vez mais desgastada”, disse o Prof. Settele. “Essa perda é um resultado direto da atividade humana e constitui uma ameaça direta ao bem-estar humano em todas as regiões do mundo”.

Para aumentar a relevância política do Relatório, os autores da avaliação classificaram, pela primeira vez nessa escala e com base em uma análise minuciosa das evidências disponíveis, os cinco direcionadores diretos da mudança na natureza com os maiores impactos globais relativos até agora.

Esses culpados são, em ordem decrescente:

(1) mudanças no uso da terra e do mar;
(2) exploração direta de organismos;
(3) mudança climática;
(4) poluição, e
(5) espécies exóticas invasoras.

Coral morto | Fofo: iStock by Getty Images

Mudanças climáticas

O relatório observa que, desde 1980, as emissões de gases do efeito estufa dobraram, elevando a temperatura média global em pelo menos 0,7 graus Celsius – com a mudança climática já afetando a natureza do ecossistema à genética – os impactos devem aumentar nas próximas décadas, em alguns casos, superando o impacto da mudança do uso da terra e do mar e outros fatores.

Apesar do progresso para conservar a natureza e implementar políticas, o relatório também considera que as metas globais para conservar e usar a natureza de forma sustentável e alcançar a sustentabilidade não podem ser alcançadas pelas trajetórias atuais.

Tendências atuais negativas na biodiversidade e nos ecossistemas minarão o progresso de 80% das metas avaliadas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), relacionadas à pobreza, fome, saúde, água, cidades, clima, oceanos e terra (ODS 1, 2, 3, 6, 11, 13, 14 e 15). A perda de biodiversidade é, portanto, mostrada não apenas como uma questão ambiental, mas também como um problema de desenvolvimento, econômico, de segurança, social e moral.

Moçambique antes e depois da passagem do ciclone Idai | Foto: iStock by Getty Images
Outras constatações notáveis ​​do relatório incluem:
  • Três quartos do ambiente terrestre e cerca de 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas ações humanas. Em média, essas tendências foram menos severas ou evitadas em áreas mantidas ou gerenciadas por Povos Indígenas e Comunidades Locais.
  • Mais de um terço da superfície terrestre do mundo e quase 75% dos recursos de água doce são agora dedicados à produção agrícola ou pecuária.

Campo de soja sendo irrigado
Campo de soja sendo irrigado | Foto: iStock by Getty Images

  • O valor da produção agrícola aumentou cerca de 300% desde 1970, a colheita de madeira bruta subiu 45% e aproximadamente 60 bilhões de toneladas de recursos renováveis ​​e não renováveis ​​são extraídos globalmente a cada ano – tendo quase dobrado desde 1980.
  • A degradação da terra reduziu a produtividade de 23% da superfície terrestre global, até US $ 577 bilhões em safras globais anuais estão em risco de perda de polinizadores e 100-300 milhões de pessoas estão em risco aumentado de inundações e furacões devido à perda de habitats costeiros e proteção.
  • Em 2015, 33% dos estoques de peixes marinhos estavam sendo colhidos em níveis insustentáveis; 60% foram pescados de forma sustentável, com apenas 7% colhidos em níveis inferiores aos que podem ser pescados de forma sustentável.
  • As áreas urbanas mais do que dobraram desde 1992.
  • A poluição plástica aumentou dez vezes desde 1980, 300 a 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes, resíduos tóxicos e outros resíduos de instalações industriais são despejados anualmente nas águas do mundo e fertilizantes que entram nos ecossistemas costeiros produziram mais de 400 “zonas mortas”, totalizando mais de 245.000 km2 – uma área combinada maior que a do Reino Unido.

Poluição plástica | foto: iStock by Getty Images

Novos modelos econômicos

O relatório destaca a importância de, entre outros, adotar abordagens integradas de gestão e intersetoriais que levem em conta as compensações da produção de alimentos e energia, infraestrutura, manejo de água doce e costeira e conservação da biodiversidade.

Também identificada como um elemento-chave de políticas futuras mais sustentáveis ​​está a evolução dos sistemas financeiros e econômicos globais para construir uma economia global sustentável, afastando-se do atual paradigma limitado de crescimento econômico.

“O IPBES apresenta a ciência autorizada, o conhecimento e as opções políticas para os tomadores de decisão para sua consideração”, disse a Secretária Executiva do IPBES, Dra. Anne Larigauderie. “Agradecemos às centenas de especialistas, de todo o mundo, que ofereceram seu tempo e conhecimento para ajudar a lidar com a perda de espécies, ecossistemas e diversidade genética – uma ameaça verdadeiramente global e geracional para o bem-estar humano.”

Para saber mais, acesse o site do IPBES.

Especialista alerta para desequilíbrio causado pela extinção de aves

Especialista alerta para desequilíbrio causado pela extinção de aves

Estima-se que cerca de 170 espécies correm risco de serem extintas no Brasil.
Considerado o segundo país em diversidade de aves do mundo, o Brasil também carrega um recorde negativo: é a nação que possui mais aves globalmente ameaçadas. Estima-se que cerca de 170 espécies correm risco de serem extintas. Sem elas, um verdadeiro colapso socioambiental poderia tomar conta do território nacional, afetando o equilíbrio do meio ambiente e, consequentemente, influenciando diretamente a vida do ser humano.


Para evitar esse quadro, a proteção e recuperação dos habitats das aves, em florestas, cerrados e campos, é um dos caminhos que está sendo trilhado por ambientalistas e outros especialistas – medidas que também devem envolver toda a sociedade.


O diretor-executivo da BirdLife/SAVE Brasil, Pedro Develey, membro da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza, explica que qualquer cidadão pode fazer sua parte, como respeitar a legislação ambiental, manter as propriedades rurais com reservas legais e áreas de preservação permanente ou criar reservas privadas. “Mesmo uma pessoa que mora em uma cidade pode manter um jardim privado ou ajudar na manutenção de uma área pública ou plantar árvores nativas que produzam frutos e flores e atraiam as aves.”, completa Develey.


Ele lembra que na Mata Atlântica, por exemplo, é necessário um processo de restauração florestal. Ou seja, é preciso plantar árvores nativas nas florestas a fim de manter e preservar o habitat das aves. “Para algumas espécies que já atingiram níveis populacionais muito baixos, é preciso um manejo direto, como a criação em cativeiro para garantir uma população que poderia ser reintroduzida no futuro”, alerta.


De acordo com Develey, as aves são excelentes indicadores ambientais, atuando como um termômetro do meio ambiente. “Um país com tantas aves ameaçadas significa que não está caminhando bem do ponto de vista ambiental. As aves são importantes polinizadores e dispersores de sementes, ‘plantando’ árvores naturalmente e contribuindo para a manutenção do equilíbrio e diversidade do ambiente”, afirma. Além disso, diversas espécies de aves controlam pragas ao se alimentarem de insetos que podem ser prejudiciais à agricultura. Os pássaros também ajudam no combate a vetores de doenças. O beija-flor, por exemplo, além de se alimentar de néctar, contribui no combate ao Aedes aegypti, mosquito que transmite doenças como a dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

Perdas

 

Caso medidas ambientais não sejam tomadas, o Brasil corre um sério risco de perder para sempre muitas espécies de aves. No ano passado, segundo Develey, o país registrou três extinções confirmadas de aves que viviam na Mata Atlântica do Nordeste: o limpa-folha-do-nordeste, o gritador-do-nordeste e uma corujinha, a caburé-de-pernambuco.

Por outro lado, a ararinha-azul, extinta da natureza desde 2000, deve voltar ao meio ambiente nos próximos cinco meses, quando 50 exemplares da espécie devem chegar ao Brasil, repatriadas da Alemanha. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), as ararinhas serão encaminhadas até o Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul, unidade de conservação criada no ano passado, em Curaçá (BA), especialmente para receber as aves. Depois de um período de adaptação em viveiro, elas serão soltas na natureza. Atualmente, existem apenas 163 exemplares da ave em cativeiro no mundo, sendo 13 no Brasil.

“Sem dúvida, o bioma com a situação mais delicada para a conservação da avifauna é a Mata Atlântica – especialmente a região entre Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Outra espécie extremamente ameaçada é a choquinha-de-alagoas, que hoje só existe na Estação Ecológica de Murici (AL) e as estimativas apontam para no máximo 30 indivíduos”, alerta o pesquisador.

Consequências

O especialista aponta que é difícil prever com precisão a extensão das consequências da extinção das espécies de aves. “Existem interações entre as espécies; o desaparecimento de uma pode influenciar diretamente outra, num efeito dominó. Talvez, a curto prazo, os efeitos não serão percebidos, mas a médio e longo prazos, o desaparecimento das aves afeta o equilíbrio de todo o ambiente, que influencia diretamente na vida do ser humano.”

Além disso, o especialista alerta para uma perda irreparável de um patrimônio natural único e insubstituível. “Costumo fazer uma analogia com as grandes obras de arte: se um incêndio destruísse o Museu do Louvre, seria uma comoção mundial. Mas estamos perdendo aves todo ano; nossas ‘Monalisas’ estão desaparecendo e a maior parte da sociedade ainda não se importa”, alerta Develey.

Medellín cria 30 corredores verdes para combater calor


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Por ONU

É verão no Hemisfério Norte e a segunda maior cidade da Colômbia, Medellín, tem adotado estratégias inspiradas na natureza para regular as altas temperaturas da estação.

As chamadas “soluções naturais” são, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza, “ações que protegem, gerenciam de forma sustentável e restauraram ecossistemas naturais ou modificados, abordando desafios sociais de forma eficaz e adaptável, proporcionando simultaneamente bem-estar humano e benefícios para a biodiversidade”.

Medellín, assim como outras cidades, enfrenta o aumento das temperaturas e o impacto das ilhas de calor urbanas. Concreto e asfalto absorvem a energia do sol, irradiando calor e mantendo a cidade muito quente – mesmo depois que o sol se põe.

Para lidar com o aquecimento, as autoridades da cidade colombiana transformaram 18 ruas e 12 hidrovias em paraísos verdes. O projeto “Green Corridors” (Corredores Verdes) promoveu a arborização dessas rotas, o que permitiu reduzir o acúmulo de calor na infraestrutura urbana.
“Quando tomamos a decisão de plantar os 30 corredores, nós nos concentramos nas áreas que não tinham mais espaços verdes”, conta o prefeito Federico Gutiérrez.

A iniciativa venceu este ano o Prêmio Ashden de Refrigeração Baseada na Natureza, que é apoiado pelo Programa Kigali de Eficiência de Refrigeração, em parceria com a iniciativa Sustainable Energy for All.

“Com essa intervenção, conseguimos reduzir a temperatura em mais de 2°C e os cidadãos já percebem essa diferença”, acrescenta o chefe do Executivo municipal.

“O projeto Green Corridors é um excelente exemplo de como a sociedade civil, urbanistas e governo podem confiar na natureza para desenvolver um projeto urbano inteligente. O monitoramento será fundamental para demonstrar ainda mais os múltiplos benefícios dessa abordagem ao longo do tempo”, avalia Juan Bello, diretor do escritório da ONU Meio Ambiente na Colômbia.

Solução para ilhas de calor

 

Os parques urbanos podem reduzir a temperatura ambiente durante o dia em uma média de aproximadamente 1°C. Na Itália, a cidade de Milão — que sofreu cortes de energia devido à demanda por ar condicionado durante a onda de calor do verão — planeja plantar 3 milhões de árvores até 2050. O objetivo é combater as ilhas de calor e aumentar a qualidade do ar.

Outra solução são os telhados verdes. Existem indícios de que, em cidades como Atenas, eles podem diminuir em até 66% a demanda por resfriamento artificial nos edifícios.

“Medellín e muitas outras cidades estão mostrando como podemos mitigar e nos adaptar à mudança climática graças a soluções renováveis”, diz Martina Otto, chefe da Unidade de Cidades da ONU Meio Ambiente.

“Se o mundo estiver empenhado em cumprir as metas do Acordo de Paris, as cidades terão que buscar arduamente a implementação de tais soluções.”

Impacto da refrigeração

 

Estima-se que as emissões de gases do efeito estufa geradas pelo setor de refrigeração aumentem 90% até 2050 — na comparação com dados referentes a 2017. Daqui a cerca de 30 anos, a refrigeração dos ambientes vai consumir o mesmo volume de eletricidade já consumido atualmente por todos os setores e atividades humanas na China e na Índia.

“À medida que as temperaturas globais aumentam, as dificuldades para manter os ambientes frescos estão se tornando um problema de saúde urgente, com as cidades particularmente em risco”, alerta Dan Hamza-Goodacre, diretor-executivo do Programa Kigali de Eficiência de Refrigeração.

“Um planejamento urbano inteligente pode desempenhar um papel crucial no fornecimento de soluções de refrigeração, como telhados verdes e corredores verdes ou padrões mais altos de projetos de edifícios, que melhoram a eficiência e o resfriamento passivo.”

As soluções baseadas na natureza são uma das abordagens promovidas pelo Programa Kigali de Eficiência de Refrigeração, que reúne governos, empresas, sociedade civil e organizações internacionais — como a ONU Meio Ambiente.

A coalizão quer que as pessoas evitem o chamado “resfriamento ativo” — quando é necessário recorrer a técnicas e aparelhos pouco sustentáveis para diminuir o calor. Para tanto, a rede de instituições aposta na construção civil inteligente e no planejamento urbano. Um dos objetivos do programa é impulsionar serviços de refrigeração à base de energia renovável.

A associação de organizações também pressiona os atores relevantes para aumentar a eficiência do resfriamento convencional, com base na Emenda de Kigali — um acordo internacional que visa combater o impacto que a indústria de refrigeração tem no aquecimento global.

Moratória da soja precisa ser estendida para o Cerrado, defendem pesquisadores

Moratória da soja precisa ser estendida para o Cerrado, defendem pesquisadores


monocultura da soja
Brasnorte, MT, Brasil: Árvore em meio a plantação de soja. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Elton Alisson, de São Pedro (SP)  |  Agência FAPESP – A implementação, em 2006, de um acordo entre a sociedade civil, agroindústrias e o governo para coibir a comercialização da soja proveniente de áreas desmatadas na Amazônia brasileira permitiu deter a expansão da produção da commodity naquele bioma sobre a floresta. Em contrapartida, o problema foi transferido para o Cerrado, onde a conversão de vegetação nativa em plantações do grão tem aumentado muito nos últimos anos, apontam especialistas.

Uma das medidas que poderiam contribuir para solucionar essa questão seria estender também para o Cerrado o pacto de desmatamento zero na Amazônia conhecido como a moratória da soja, sugerem pesquisadores do Brasil, da Áustria, França, Bélgica e dos Estados Unidos em estudo publicado nesta quarta-feira (17/07) na revista Science Advances.

Se entrasse em vigor em 2021, a iniciativa permitiria evitar a perda de 3,6 milhões de hectares de vegetação nativa que correm o risco de serem convertidos para produção da soja até 2050, calcula o estudo.

Alguns dos resultados do trabalho foram apresentados durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Cenários e Modelagem em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, que aconteceu entre os dias 1º e 14 de julho em São Pedro, no interior de São Paulo. Realizado com apoio da FAPESP, por meio do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), o evento reuniu 87 alunos, de 20 países.

“Descontando vazamentos – o aumento de perda de vegetação nativa para outras atividades agrícolas devido à expansão da cultura da soja sobre áreas já desmatadas –, estimamos que a extensão da moratória da soja para o Cerrado pouparia 2,3 milhões de hectares de vegetação nativa do bioma”, disse Aline Cristina Soterroni, pesquisadora brasileira do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicada (IIASA), na Áustria, e primeira autora do estudo, à Agência FAPESP.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 50% da soja produzida atualmente no Brasil é proveniente do Cerrado. Quase um quarto da área de cultivo da oleaginosa no bioma está situado no Matopiba – uma região que abrange porções dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, onde alguns dos últimos remanescentes intactos do Cerrado estão localizados. A produção de soja nessa região aumentou 253% entre 2000 e 2014.

Uma vez que a produção brasileira do grão deve continuar a crescer nas próximas décadas para atender a demanda de países como a China, o Cerrado continuará sendo a região onde ocorrerá a maior parte dessa expansão, estimam os pesquisadores.

“O Cerrado é o lugar onde a agricultura brasileira acontece. E, apesar de ser um hotspot de biodiversidade e abranger algumas das maiores bacias hidrográficas do país, corre o risco de desaparecer porque tem recebido menor atenção e é menos protegido do que a Amazônia. Além disso, suas áreas de vegetação remanescentes têm sido convertidas em lavouras ou pastagens mais rapidamente”, disse Soterroni.

Diferentemente da Amazônia, onde quase metade do bioma está sob algum tipo de proteção, apenas 8% do Cerrado – que possui menos de 20% de sua vegetação nativa remanescente não antropizada – está protegido. E enquanto o Código Florestal estabelece a conservação de 80% da vegetação nativa em terras privadas na Amazônia, no Cerrado esse número cai para 20% e para 35% para a porção situada na Amazônia Legal.

Além disso, medidas regulatórias governamentais, juntamente com iniciativas da cadeia de produção, como a moratória da soja, que foram responsáveis por reduzir o desmatamento na Amazônia brasileira, não têm avançado no Cerrado, segundo Soterroni.

“Quando o ambiente de governança é fraco e a vontade política é baixa, como temos observado no Cerrado, políticas surgidas por iniciativa do setor privado para combater o desmatamento e a conversão de vegetação nativa em áreas de pastagem ou lavoura, como a extensão da moratória da soja para o bioma, são fundamentais”, disse.


Código Florestal
A fim de analisar o impacto dessa medida na expansão da produção de soja no Brasil os pesquisadores usaram o Globiom-Brasil – uma versão regional de um modelo econômico global, desenvolvido pelo IIASA, que simula as mudanças no uso da terra com base na dinâmica da economia em intervalos de cinco anos entre 2000 e 2050.

Os resultados das simulações indicaram que a área de expansão da soja entre 2021 e 2050 no Brasil será de 12,4 milhões de hectares. A maior parte dessa expansão deve ocorrer justamente no Cerrado – que ganhará 10,8 milhões de hectares de lavoura contra 1,1 milhão de hectares a serem ocupados com essa cultura na Amazônia.

É provável que 86% dessa conversão de áreas de vegetação nativa em lavouras de soja ocorra na região do Matopiba, na fronteira do Cerrado com a Caatinga, onde a maior parte da vegetação remanescente não perturbada do bioma está localizada.

Em um cenário de extensão da moratória da soja para o Cerrado seria possível evitar a conversão direta de 3,6 milhões de hectares de vegetação nativa em lavoura de soja. Cerca de 2 milhões de hectares de lavouras de soja no Cerrado migrariam para outros biomas, indicaram as simulações.
“Essa migração das lavouras de soja para outros biomas ocorreria em áreas de pastagem ou improdutivas, sem causar desmatamento”, disse Fernando Manoel Ramos, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos autores do estudo.

Sem a moratória da soja, a aplicação do Código Florestal impediria que apenas 0,9 milhão de hectares de vegetação nativa fosse convertida em lavouras de soja, indicaram as simulações.
“O Código Florestal não é suficiente para preservar as áreas de vegetação remanescentes no Cerrado porque os níveis de proteção que estabeleceu para o bioma são baixos”, disse Soterroni.

Os pesquisadores também avaliaram os impactos no atraso da implementação da extensão da moratória da soja para o Cerrado. De acordo com os cálculos, o adiamento dessa decisão causa uma perda média de 140 mil hectares por ano de vegetação nativa.

“Isso equivale a uma perda anual de, aproximadamente, um Parque Nacional das Emas, que é um patrimônio mundial da humanidade. Se nenhuma ação for tomada, o Cerrado corre o risco de se transformar em uma vegetação fragmentada e empobrecida”, disse Ramos.

O artigo Expanding the soy moratorium to Brazil’s cerrado, de Aline C. Soterroni, Fernando M. Ramos, Aline Mosnier, Joseph Fargione, Pedro R. Andrade, Leandro Baumgarten, Johannes Pirker, Michael Obersteiner, Florian Kraxner, Gilberto Câmara, Alexandre X. Y. Carvalho e Stephen Polasky, pode ser lido na revista Science Advances em https://advances.sciencemag.org/content/5/7/eaav7336.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/07/2019

Moratória da soja precisa ser estendida para o Cerrado, defendem pesquisadores, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/07/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/07/19/moratoria-da-soja-precisa-ser-estendida-para-o-cerrado-defendem-pesquisadores/.

Evidência de relação entre defeitos congênitos e atividade de poços de petróleo e gás

Evidência de relação entre defeitos congênitos e atividade de poços de petróleo e gás


Maior prevalência de defeitos cardíacos congênitos em áreas com alta intensidade de atividade de poços de petróleo e gás

University of Colorado*, Anschutz Medical Campus

exploração de petróleo
Foto: University of Colorado

Mães que vivem perto de atividades mais intensas de desenvolvimento de petróleo e gás têm uma chance 40-70% maior de ter filhos com defeitos cardíacos congênitos (CHDs) em comparação com aqueles que vivem em áreas de atividade menos intensa, de acordo com um novo estudo de pesquisadores da University of Colorado, Anschutz Medical Campus.

“Nós observamos que mais crianças estavam nascendo com um defeito cardíaco congênito em áreas com a maior intensidade de atividade de poço de petróleo e gás”, disse a autora sênior do estudo Lisa McKenzie, PhD, da Escola de Saúde Pública da Universidade do Colorado. Pelo menos 17 milhões de pessoas nos EUA e 6% da população do Colorado vivem a menos de um quilômetro de um poço ativo de petróleo e gás.

O estudo foi publicado hoje na revista peer-reviewed Environment International .
Os pesquisadores estudaram 3.324 bebês nascidos no Colorado entre 2005-2011. Eles analisaram bebês com vários tipos específicos de CC.

Os pesquisadores estimaram a intensidade mensal de petróleo e gás na residência da mãe de três meses antes da concepção até o segundo mês de gravidez. Essa medida de intensidade foi responsável pela fase de desenvolvimento (perfuração, completação do poço ou produção), tamanho dos locais dos poços e volumes de produção.

Eles descobriram que mães que vivem em áreas com os níveis mais intensos de atividade de poços de petróleo e gás têm cerca de 40 a 70% mais chances de ter filhos com DCC. Este é o defeito congênito mais comum no país e uma das principais causas de morte entre bebês com defeitos congênitos. Bebês com DAC têm menos probabilidade de prosperar, mais propensos a ter problemas de desenvolvimento e mais vulneráveis ??a lesões cerebrais.

Modelos animais mostram que os CHDs podem acontecer com uma única exposição ambiental durante o início da gravidez. Alguns dos poluentes atmosféricos perigosos mais comuns emitidos em locais de poços são suspeitos de teratógenos – agentes que podem causar defeitos congênitos – conhecidos por atravessarem a placenta.

O estudo se baseia em um estudo anterior que analisou 124.842 nascimentos na área rural do Colorado entre 1996-2009 e descobriu que os CHDs aumentaram com o aumento da densidade de poços de petróleo e gás ao redor da residência materna.

Outro estudo em Oklahoma que analisou 476.000 nascimentos encontrou associações positivas mas imprecisas entre a proximidade de poços de petróleo e gás e vários tipos de CHDs.
Esses estudos tiveram várias limitações, incluindo não serem capazes de distinguir entre o desenvolvimento do poço e as fases de produção nos locais, e não confirmaram CHDs específicos ao revisar os registros médicos.

As limitações foram abordadas neste último estudo. Os pesquisadores puderam confirmar onde as mães viviam nos primeiros meses de gravidez, estimar a intensidade da atividade do poço e explicar a presença de outras fontes de poluição do ar. Os CHDs também foram confirmados por uma revisão de prontuário e não incluíram aqueles com uma origem genética conhecida.

“Nós observamos associações positivas entre as chances de um parto com uma doença coronariana e exposição materna às atividades de petróleo e gás no segundo mês gestacional”, disseram os pesquisadores do estudo.

Os dados do estudo mostraram níveis mais elevados de CHDs em áreas rurais com altas intensidades de atividade de petróleo e gás, em oposição àquelas em áreas mais urbanas. McKenzie disse que é provável que outras fontes de poluição do ar em áreas urbanas tenham obscurecido essas associações.
Exatamente como os produtos químicos levam a CHDs não é totalmente entendido. Algumas evidências sugerem que elas podem afetar a formação do coração no segundo mês de gravidez. Isso poderia levar a defeitos congênitos.

McKenzie disse que as descobertas sugerem, mas não comprovam, uma relação causal entre exploração de petróleo e gás e defeitos cardíacos congênitos e que mais pesquisas precisam ser feitas.
“Este estudo fornece mais evidências de uma associação positiva entre a proximidade materna para as atividades do poço de petróleo e gás e vários tipos de CHDs”, disse ela. “Juntos, nossos resultados e o desenvolvimento em expansão de poços de petróleo e gás ressaltam a importância de continuar a realizar pesquisas abrangentes e rigorosas sobre as consequências para a saúde da exposição precoce às atividades de petróleo e gás”.

Os co-autores do estudo incluem William Allshouse, PhD, BSPH e Stephen Daniels, MD, PhD, ambos da Universidade do Colorado Anschutz Medical Campus. O estudo foi financiado por uma concessão da American Heart Association.
Referência:
Congenital heart defects and intensity of oil and gas well site activities in early pregnancy
Lisa M.McKenzie, William Allshouse and Stephen Daniels
Environment International
https://doi.org/10.1016/j.envint.2019.104949
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/07/2019

Evidência de relação entre defeitos congênitos e atividade de poços de petróleo e gás, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/07/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/07/19/evidencia-de-relacao-entre-defeitos-congenitos-e-atividade-de-pocos-de-petroleo-e-gas/.
 

Relatório da ONU pede mudanças na forma como o mundo produz e consome alimentos


Relatório da ONU pede mudanças na forma como o mundo produz e consome alimentos




alimentos
Foto: EBC

Com a previsão de que a população mundial chegará a quase 10 bilhões em 2050, um novo relatório mostra que o sistema global de alimentos deve passar por mudanças urgentes para garantir que haja comida adequada para todos, sem destruir o planeta.

O “Relatório de Recursos Mundiais: Criando um Futuro Alimentar Sustentável” revela que enfrentar esse desafio exigirá o fechamento de três lacunas: uma “lacuna alimentar” de 56% entre o que foi produzido em 2010 e os alimentos que serão necessários em 2050; uma “lacuna de terra” de quase 600 milhões de hectares (uma área quase duas vezes maior que a da Índia) entre a área agrícola global em 2010 e a expectativa de expansão agrícola até 2050; e um “gap de mitigação de gases de efeito estufa” de 11 gigatoneladas entre as emissões esperadas da agricultura em 2050 e o nível necessário para atender o Acordo de Paris para o clima.

Para preencher as lacunas, o relatório pede ajustes significativos na produção de alimentos, bem como mudanças no consumo das pessoas. Desde o manejo da pesca silvestre até a quantidade de carne a ser consumida, o relatório fornece aos formuladores de políticas, empresas e pesquisadores um roteiro abrangente sobre como criar um sistema alimentar sustentável da fazenda até o prato.

Milhões de agricultores, empresas, consumidores e todos os governos do planeta terão que fazer mudanças para enfrentar o desafio alimentar global. Em todos os níveis, o sistema alimentar deve estar vinculado a estratégias climáticas, bem como proteções do ecossistema e prosperidade econômica”, disse Andrew Steer, presidente e CEO do World Resources Institute. “Embora a escala do desafio seja maior do que se imagina, as soluções que identificamos têm um potencial maior do que muitos imaginam. Há razão para ter esperanças de que podemos alcançar um futuro sustentável em alimentos”.

A oportunidade de transformar o sistema alimentar não deve ser ignorada. Recompensar os fazendeiros por produzir alimentos mais diversificados e nutritivos de uma maneira muito mais sustentável ajudará a aumentar sua renda e criar empregos, construir sociedades mais saudáveis, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e apoiar a recuperação dos serviços ecossistêmicos essenciais”, disse Laura Tuck, vice-presidente de Desenvolvimento Sustentável no Banco Mundial. “O financiamento público deve ser examinado e, se necessário, redesenhado, para apoiar o uso mais sustentável dos recursos naturais e alinhar melhor a produção de alimentos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável dos países”.

Produzido pelo World Resources Institute em parceria com Banco Mundial, ONU Meio Ambiente, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e agências francesas de pesquisa agrícola CIRAD e INRA, o relatório apresenta soluções para reformular a forma como o mundo produz e consome alimentos de forma a garantir uma sustentabilidade para o sistema alimentar até 2050.

Entre as soluções apontadas, está reduzir o crescimento da demanda, diminuindo a perda de alimentos e o desperdício, com dietas mais saudáveis; aumentar a produção de alimentos sem expandir a área agrícola através de ganhos de produtividade para culturas e pecuária; proteger e restaurar os ecossistemas naturais, reduzindo o desmatamento, restaurando terrenos e vinculando ganhos de produtividade com a conservação do ecossistema; aumentar a oferta de peixe melhorando os sistemas de aquicultura e a gestão da pesca selvagem; e reduzir as emissões de gases do efeito de estufa na produção agrícola através de tecnologias inovadoras e métodos agrícolas.

Muitas das descobertas do relatório usam o novo modelo GlobAgri-WRR, que quantifica até que ponto cada item citado pode ajudar a aumentar a disponibilidade de alimentos, evitar o desmatamento e reduzir as emissões de gases do efeito estufa. O relatório também identifica uma série robusta de políticas, inovações e incentivos que podem dar escala às soluções.

A tecnologia será uma das chaves para o sucesso futuro do sistema alimentar. Não há potencial realista para criar um futuro sustentável de alimentos sem grandes inovações”, disse Tim Searchinger, pesquisador sênior do WRI e principal autor do relatório. “A indústria já está criando avanços emocionantes como alimentos que suprimem a formação de metano no estômago das vacas. Precisamos de mais financiamento para pesquisa e desenvolvimento e regulamentação flexível para incentivar o setor privado a inovar”.

Este relatório é claro sobre o que está acontecendo no sistema alimentar e as transformações que precisamos urgentemente fazer. Um tema evidente é o quanto a localização das terras agrícolas está mudando, tanto entre os países quanto dentro deles. Essa mudança está tornando o desafio alimentar e climático mais difícil de resolver. Como resultado, o mundo precisa vincular melhor os esforços para aumentar os rendimentos agrícolas com a proteção de florestas e outras terras naturais”, disse Inger Andersen, diretora-executiva da ONU Meio Ambiente.

A mudança dos padrões de consumo, o aumento da produtividade das culturas e da pecuária e a melhoria da eficiência de insumos, como fertilizantes, podem reduzir significativamente as emissões e a demanda por terra, ao mesmo tempo em que aumentam a renda agrícola. Manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais exigiria fazer isso e todas as demais soluções apontadas pelo documento, além de reflorestar mais de 585 milhões de hectares disponibilizados por esses ganhos de eficiência.

O chamado à ação desse relatório pode ser resumido em três palavras: produzir, proteger e prosperar. Estes não são interesses concorrentes”, disse Achim Steiner, administrador do PNUD. “É possível produzir mais alimentos com a mesma quantidade de terra agrícola de hoje, proteger os ecossistemas e fazer isso de uma maneira que garanta que os agricultores e outros possam prosperar. Criar um futuro de comida sustentável não será fácil, mas pode ser feito.”

O novo relatório contém as conclusões completas que sustentam a síntese da criação de um futuro alimentar sustentável, que foi lançado em dezembro de 2018 na COP24 na Polônia.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/07/2019

Relatório da ONU pede mudanças na forma como o mundo produz e consome alimentos, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/07/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/07/22/relatorio-da-onu-pede-mudancas-na-forma-como-o-mundo-produz-e-consome-alimentos/.

Crianças e adolescentes estão tendo pouco contato com a natureza, alertam especialistas

Vivência em áreas verdes melhora cognição e consciência ecológica de crianças e adolescentes

ABr
“Uma nuvem de calças”. Foi assim que o jornalista e tradutor Eduardo Bueno definiu o poeta, historiador e filósofo norte-americano Henry David Thoreau, conhecido por escrever o livro Walden (ou A Vida nos Bosques). Na obra, Thoreau compartilha a experiência de levar uma vida simples, longe dos centros urbanos.

Encantado com o esplendor da natureza, o filósofo buscou descobrir, aos 28 anos, o que seria o avesso da industrialização. Já no século 19, esperava se libertar do que classificava “uma falsa pele”, empreitada que seria possível somente ao se distanciar do consumismo, segundo ele. Ao partir, não quis se explicar a ninguém, pois acreditava que as pessoas ao seu redor não entenderiam suas razões, julgando sua jornada “impertinente”.

Em um trecho do livro, Thoreau afirma que a humanidade trabalha “sob engano” e se dedica a “acumular tesouros que serão roídos pelas traças”. Para ele, a maioria das pessoas “não tem tempo de ser nada além de uma máquina”.

Viver sem tantas frivolidades e usufruir mais intensamente de cenários naturais é também uma das propostas da Sociedade Brasileira de Pediatria e do Instituto Alana, de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Em maio, as duas instituições divulgaram o manual Benefícios da Natureza no Desenvolvimento de Crianças e Adolescentes.

No documento, destacam que fatores como o planejamento urbano deficiente, o adensamento populacional, a especulação imobiliária e a “supremacia dos carros em detrimento de pedestres ou ciclistas” têm levado ao desaparecimento de espaços verdes nas cidades. Conforme explica Laís Fleury, coordenadora do projeto Criança e Natureza, do Instituto Alana, o manual tem como principal público crianças e adolescentes da zona urbana, por sofrerem mais fortemente os prejuízos resultantes desse cenário.


Brasília - Alunos da rede pública de ensino do Distrito Federal participam de atividades de educação ambiental na Escola da Natureza (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Brasília – Alunos da rede pública de ensino do Distrito Federal participam de atividades de educação ambiental na Escola da Natureza (Marcelo Camargo/Agência Brasil) – Marcelo Camargo/Agência Brasil

Déficit de natureza

Ela diz que a infância nesses locais tem como característica um progressivo “confinamento” e que esse estilo de vida provoca impactos grandes na saúde. O conjunto de efeitos citado pela coordenadora é relacionado ao chamado Transtorno de Déficit de Natureza. O termo foi cunhado por um dos co-fundadores do Children & Nature Network, Richard Louv, que escreveu o livro A Ultima Criança na Natureza (Last child in the woods).

Laís defende que o contato com a natureza promove o desenvolvimento integral das crianças porque “sua linguagem é o brincar”. “Principalmente o brincar espontâneo. É através dele que a criança se conhece, compreende o mundo. O brincar passa muito pelo corpo, que é uma linguagem de conhecimento que ela vai desenvolvendo quando está crescendo”, acrescenta.

“Quando está em um ambiente aberto, ao ar livre, a forma como [a criança] se comunica é através do corpo. Quando está presente em um ambiente com bastante espaço, numa praia, por exemplo, ela sente, naturalmente, vontade de correr, de pular, e esses são os verbos da infância. Ela se sente convidada, dialoga, é uma criança que, fisicamente, tende a ser mais saudável, tende a não ter problema com sobrepeso, porque está em constante movimento, desenvolvendo a força motora, a coordenação, o equilíbrio”, pontua.

Segundo Laís, ao incorporar atividades ao ar livre ao cotidiano dos filhos, os pais geram benefícios adicionais, no âmbito da saúde mental. “A gente sabe, intuitivamente, do poder restaurativo que a natureza tem. Adultos, quando estão cansados, passam tempo na natureza, na floresta, isso nos regenera. E é a mesma coisa para as crianças. Esse bem-estar, esse poder regenerativo que a natureza tem é algo que impacta, de maneira muito positiva, a saúde da criança”, frisa Laís.

Transformações: do individual ao coletivo

A especislita cita outros benefícios do contato das crianças com a natureza. “Há várias pesquisas que mostram que tendem a ser crianças mais equilibradas emocionalmente. É um ambiente que favorece muito a integração entre pares, membros da família, favorece vínculos, porque um ajuda o outro e tem brincadeiras acolhedoras. Quando está em meio à natureza, a criança brinca com possibilidades. Ela está, o tempo todo, criando os próprios brinquedos. Na brincadeira com o outro, não há um limitador”, afirma a coordenadora.

“Ela [a criança] estabelece uma brincadeira muito criativa com a natureza, onde a gente percebe que ela ressignifica [coisas]. A gente vê um pauzinho, que, uma hora, pode ser uma espada de um príncipe e, outra hora, pode ser um rabinho de um bicho, algo para puxar um barco, uma caneta pra escrever na areia. [Nota-se] Como um mesmo elemento nutre criativamente a criança, a imaginação”, complementa.

De quebra, o lúdico na natureza, diz Laís, é capaz de ampliar a resistência diante de dificuldades. “Por exemplo, ao subir em uma árvore, a criança está lidando com o risco, por estar trabalhando com a altura. E o fato de ela estar lidando com essas adversidades faz com que esteja desenvolvendo uma resiliência maior. Está trabalhando a coragem dela, com o imprevisível”.

O incentivo a passeios em áreas verde é tema do guia Acampando com Crianças, elaborado pelo Instituto Alana, com o apoio da Coalizão Pró-Unidades de Conservação da Natureza e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Também participam da iniciativa o portal de campismo MaCamp e a organização Outward Bound Brasil. O material tem distribuição gratuita e pode ser baixado por download.

O guia lista oito parques nacionais com áreas reservadas para acampamento. Um deles é o Parque Nacional do Caparaó, que fica na Serra do Caparaó, divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. A unidade tem fama de ser um dos destinos mais procurados pelos adeptos do montanhismo no Brasil e abrigar o terceiro ponto mais alto do país, o Pico da Bandeira.

Laís finaliza ressaltando que especialistas observam que as contribuições não se restringem às esferas espiritual e de saúde, manifestando-se, similarmente, no campo da consciência ambiental. Ela argumenta que uma pessoa, ao crescer com vivências que valorizam a biodiversidade, ano após ano, passa a prezar por uma rotina de hábitos mais sustentáveis. “Além de proporcionar para as crianças uma alegria de poder brincar, é uma experiência relacionada a valores humanos, de desenvolvimento de ética, de respeito ao outro, ao meio ambiente, de contemplação do belo”, afirma.

Por Letycia Bond, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/07/2019

Crianças e adolescentes tem pouco contato com a natureza, alertam especialistas, in EcoDebate,
ISSN 2446-9394, 22/07/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/07/22/criancas-e-adolescentes-tem-pouco-contato-com-a-natureza-alertam-especialistas/.

‘Greenwashing’: Pesquisa inédita do Idec alerta para produtos que usam falsas alegações socioambientais

‘Greenwashing’: Pesquisa inédita do Idec alerta para produtos que usam falsas alegações socioambientais


greenwash

‘Greenwashing’

Análise avaliou prática conhecida por “greenwashing”, que manipula informações para passar ao público uma imagem ecologicamente responsável

Uma pesquisa realizada pelo Idec, Ong de Defesa do Consumidor, com 509 produtos de higiene e cosméticos, limpeza e utilidades domésticas com alegações socioambientais em seus rótulos revelou que 47,7% não deveriam apresentar essa descrição em sua embalagem.

O resultado foi encontrado após a análise dos rótulos de produtos dessas três categorias vendidos nas cinco principais redes de supermercados do Brasil, em unidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Após a identificação da presença do argumento socioambiental, o Idec verificou a veracidade e a pertinência das informações e checou cada item com as empresas fabricantes.

Cada irregularidade constatada foi enquadrada em um dos “sete pecados do greenwashing”, de acordo com a consultoria TerraChoice Environmental: “Sem provas”, “Troca oculta”, “Vagueza e Imprecisão”, “Irrelevância”, “Menor de dois males”, “Lorota” e “Adorando falsos rótulos”.

O tipo de problema mais identificado como greenwashing nos rótulos analisados foi o item “Sem Provas”, encontrado em 168 casos, relacionado a produtos que se dizem ambientalmente corretos, mas não apresentam provas como laudos e relatórios técnicos. Em segundo lugar, ficou “Irrelevância” da informação (129 produtos), que ocorre quando a alegação até pode ser verdadeira, mas não é importante para o consumidor que procura uma opção com vantagem ambiental. Já em outras 65 embalagens, foi identificada “Vagueza e imprecisão”, que ocorre pelo uso de expressões mal definidas e amplas ou de difícil compreensão ao consumidor, como “amigo do meio ambiente”, “sustentável” ou “natural”.

Muitas empresas colocam determinadas marcas ou selos no produto sem nenhuma rastreabilidade ou credibilidade, induzindo os consumidores a acreditar em algo que não tem fundamento. Essa pesquisa é mais uma ferramenta para alertar o consumidor a ficar atento na hora de fazer suas escolhas”, alerta pesquisadora do Idec Júlia Ferreira.

Entre os exemplos de greenwashing mais frequentes encontrados pelo Idec na pesquisa está o uso da alegação do produto não conter CFC, componente proibido em todos os produtos produzidos desde 1999. Outra irregularidade muito presente em itens saneantes (desinfetantes, detergentes etc.) é a de que eles contém “tensoativo biodegradável”. Por lei, no Brasil, só se pode produzir e importar saneantes que usam esse tipo de tensoativo. Isso é problemático, pois os rótulos propagandeiam o simples cumprimento da lei como se fosse uma vantagem ambiental, podendo induzir os consumidores a erro no momento da compra.

Para explicar a prática do greenwashing, o Idec lançou nesta quinta-feira (18) uma página especial em seu site para expor como empresas usam essa tática que leva o consumidor a fazer escolhas equivocadas. O site ainda traz informações sobre como não cair nessas armadilhas, o que fazer quando identificar o problema e os demais dados coletados no estudo.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/07/2019

‘Greenwashing’: Pesquisa inédita do Idec alerta para produtos que usam falsas alegações