sexta-feira, 9 de outubro de 2020

“Precisamos ter mais compaixão e respeito pelos animais e por seus habitats para criar um futuro melhor”, alerta Jane Goodall

  

“Precisamos ter mais compaixão e respeito pelos animais e por seus habitats para criar um futuro melhor”, alerta Jane Goodall

”Somos parte do mundo animal, não estamos separados, e é nossa responsabilidade respeitar e proteger o mundo natural“, diz a primatóloga e antropóloga britânica, que, este ano, completa seis décadas dedicadas aos chimpanzés. Quando tinha 26 anos, Jane Goodall saiu de casa para se embrenhar nas matas de Gombe, na Tanzânia, onde desvendou o misterioso mundo desses animais.

Sempre que tem uma oportunidade, a ambientalista deixa uma mensagem linda e comovente em suas redes sociais. Neste Dia Mundial dos Animais, lembrou que seus estudos com os chimpanzés “tornaram muito fácil afirmar que não há uma linha nítida entre nós e o resto do reino animal. A diferença está em grau, não na espécie”.

Suas pesquisas e descobertas, sem dúvida, ajudaram a redefinir nossa relação com o restante do “reino animal”. Por isso, Jane é ouvida, não apenas quando o tema se refere aos chimpanzés, mas também à preservação ambiental e às mudanças climáticas.

Foto: Divulgação/Instituto Jane Goodall

Em vídeo gravado especialmente para este dia, Jane contou que passou a infância observando pássaros, esquilos e raposas nos jardins da casa onde morava, no Reino Unido, que é – conta – onde está confinada desde o início da pandemia. “Aprendi com a natureza e os livros”.

Quando começou a estudar na Universidade de Cambridge, logo se encantou pelos chimpanzés, nos quais viu muitas semelhanças com os humanos. Mas ouviu de alguns de seus professores que ela não poderia falar sobre personalidade, mente ou emoção desses animais porque estas eram caraterísticas exclusivas dos seres humanos.

“Infelizmente, a ciência introduziu essa forma de pensar. Mas agora percebemos que fazemos parte de um reino não separado do resto do reino animal”, destaca a cientista.

“Os chimpanzés são os animais mais parecidos conosco, mais do que qualquer outra criatura viva. Eles compartilham 98,6% do nosso DNA. “As mães amam, sentem compaixão e altruísmo, mas são boas ou más mães, como os seres humanos”.

E continua: “Depois de estudar a personalidade animal, descobrimos que alguns são muito mais inteligentes do que poderíamos supor. E não me refiro apenas aos ‘grandes macacos’, mas também aos elefantes, às baleias, aos golfinhos”.

A lista é extensa, na verdade. Porcos, ratos, pássaros… todos “incrivelmente inteligentes”. Na pecuária, salienta: “porcos sentem medo e dor”. Os ratos? “Descobrem minas terrestres muito profundas sob o solo!”, como noticiamos aqui, no site, esta semana.

E fala dos polvos, animais pelos quais tenho apreço especial desde menina e que são muito bem retratados nos documentários Baía Urbana, do cinegrafista e oceanógrafo carioca Ricardo Gomes, e Professor Polvo (Netflix). Veja o que Jane diz sobre eles:

“Os polvos são muito inteligentes, mas de uma forma diferente de nós. Eles têm 9 cérebros: um na cabeça e um em cada braço ou tentáculo. E, por isso, eles podem resolver diversos tipos de problemas, ao mesmo tempo”. E Jane finaliza:

“Temos muito o que aprender com esses animais incríveis. E uma coisa é certa: precisamos parar a crueldade! Precisamos ensinar os jovens ao redor do mundo sobre compaixão e respeito aos animais”. E destacou o programa Roots & Shoots, que ela fundou em 1991 com seu Instituto, justamente para inspirar os jovens a serem agentes de mudança em suas comunidades. O projeto atua em 65 países.

“Foi o desrespeito aos animais e a seus habitats que, em parte, nos levou à pandemia do coronavírus porque destruímos seus habitats”. Recentemente, Jane comentou sobre a pandemia num debate virtual promovido pela organização Compassion in World Family, no qual destacou que este momento delicado poderia ser “um chamado para a mudança” (como contamos aqui).

Neste dia dos animais, ela voltou ao tema, dizendo que, se continuaremos invadindo os lugares onde os animais vivem, traficando-os (o comércio de animais exóticos na Ásia continua intenso) e matando-os para comer, destruindo as florestas, poderemos, em breve, “criar uma nova doença como a covid-19“.

Não podemos esquecer, ainda, que doenças zoonóticas como a transmitida pelo novo coronavírus “surgiram da crueldade e de condições anti-higiênicas das fazendas intensivas de animais e de fazendas industriais”.

“O desrespeito ao habitat dos animais também nos levou a esta crise climática. Precisamos nos reunir como uma família humana, ao redor do mundo, e, de alguma forma, encontrar uma maneira especial de lidar com os animais e o meio ambiente para criar um futuro melhor, uma economia verde, com respeito por toda a vida”.

Creio que já sabemos de tudo isso, mas sempre é bom lembrar, refletir, compartilhar estas reflexões pra tentar não esquecer, até que tenhamos compreendido, de fato.

Fica então registrada esta mensagem potente de Jane Goodall para o Dia Mundial dos Animais, neste momento em que Pantanal, Amazônia e Cerrado queimam: as chamas levam a vegetação e muito de sua fauna, com sua diversidade imensurável.

Agora, assista a Jane Goodall no Instagram: 

 https://www.instagram.com/janegoodallinst/channel/?utm_source=ig_embed

 

Brasil não assina compromisso global para reverter perda da biodiversidade

 

Brasil não assina compromisso global para reverter perda da biodiversidade

Brasil não assina compromisso global para reverter perda da biodiversidade

Na semana passada, quando foi realizado virtualmente o United Nations Summit on Biodiversity, Encontro das Nações Unidas pela Biodiversidade, líderes de 76 países, além das nações da União Europeia, assinaram um compromisso voluntário para reverter a perda de biodiversidade no mundo até 2030. Entretanto, o governo do Brasil não assinou o documento.

Nosso país, que já foi um líder na questão ambiental no passado, se juntou aos Estados Unidos, China, Rússia, Índia e Austrália, que também se recusaram a apoiar a iniciativa.

O Leaders’ Pledge for NatureCompromisso de Líderes pela Natureza – , contou com a adesão de países como Nova Zelândia, França, Alemanha e Reino Unido. Da América Latina, vizinhos do Brasil, como Peru, Bolívia e Colômbia, que compartilham áreas da Floresta Amazônica, também se comprometeram a alavancar esforços para conter a destruição do meio ambiente.

“Vivemos um estado de emergência planetária: as crises interdependentes de perda de biodiversidade e degradação de ecossistemas e mudança climática – impulsionadas em grande parte pela produção e consumo insustentáveis – requerem ação global urgente e imediata. A ciência mostra claramente que a perda de biodiversidade, a degradação da terra e dos oceanos, a poluição, o esgotamento de recursos e a crise climática estão se acelerando a uma taxa sem precedentes. Esta aceleração está causando danos irreversíveis aos nossos sistemas de suporte de vida e agravando a pobreza e desigualdades, bem como a fome e a desnutrição. A menos que esse cenário seja interrompido e revertido com efeito imediato, ele causará danos significativos à resiliência e estabilidade econômica, social e política global”, escreveram os signatários do compromisso.

O compromisso lista dez ações urgentes para os próximos dez anos. Entre os pontos delineados estão o investimento em uma recuperação econômica “verde” e sustentável pós-pandemia, o combate sem tréguas aos crimes ambientais e eliminar o descarte de plástico nos oceanos.

Talvez um dos itens mais importantes seja justamente o último, em que o grupo ressalta que “… nossa abordagem para a concepção e implementação de políticas será baseada na ciência, reconhecerá o papel crucial do conhecimento tradicional e indígena, bem como da ciência e pesquisas na luta contra a degradação de ecossistemas, perda de biodiversidade e mudanças climáticas; e vai envolver toda a sociedade, incluindo setores comerciais e financeiros, povos indígenas e locais, comunidades, defensores dos direitos humanos ambientais, governos e autoridades locais, grupos religiosos, mulheres, jovens, grupos da sociedade civil, academia e outras partes interessadas”.

Infelizmente, no momento atual brasileiro, isso parece ser uma realidade muito distante. Cada vez mais a sociedade civil, cientistas e povos indígenas são ignorados e sua presença é rechaçada em decisões governamentais.

Em uma avaliação feita por autores do quinto relatório do panorama global da biodiversidade – Global Biodiversity Outlook 5 (GBO-5) –, lançado em meados de setembro, o Brasil aparece entre os 193 países, que não cumpriram as metas para deter a perda da biodiversidade até 2020.

O Brasil ainda pode se unir ao compromisso Leaders’ Pledge for Nature. O Conexão Planeta pediu uma declaração ao Ministério do Meio Ambiente para entender a razão pela qual o país não aceitou fazer parte da iniciativa. Até este momento, não obtivemos uma resposta.

Leia também:
Ministra do STF dá 48 horas para Salles explicar decisão do Conama de revogar normas que protegem restinga e manguezais
Por que o Brasil é um país que insiste no modelo de “desenvolvimento a qualquer custo”?

Foto: domínio público/pixabay


“O Pantanal sempre pediu socorro. Agora, gritamos tão alto que a solidariedade veio de todo o país”

 

“O Pantanal sempre pediu socorro. Agora, gritamos tão alto que a solidariedade veio de todo o país”

Neste momento em que o fogo queima em todas as direções, posso afirmar que todos perdemos. Na sua imensidão, o fogo varreu a terra e a vida de forma perversa e jamais saberemos as verdadeiras dimensões da perda de biodiversidade. Algumas espécies inclusive ainda nem estão descritas.

Vi bandos de queixadas andando à deriva em meio as cinzas, juntos com veados, todos parcialmente queimados. Uma cena que jamais esquecerei.

Uma evidência única do é que a sustentabilidade do bioma está interligada ao homem de forma indissolúvel, ou seja, se o homem não está bem, a natureza vai mal.

Foto: Angelo Rabelo

O empobrecimento da gente pantaneira, nos últimos 35 anos, é um fato incontestável. A despeito do enriquecimento do planalto onde as terras valorizaram 400%. A planície e sua gente sucumbiram ao desastre do Taquari, à baixa capacidade competitiva, à reforma agrária familiar, ao êxodo dos empregados, levando inúmeras áreas a ficarem sem gado e sem gente.

Onde o fogo entrou inicialmente, não havia nem gente nem gado! O fogo, que começou nas margens do Rio Paraguai, queimando mais de 200 km de suas margens até julho, esteve associado ao manejo de roças, mel, acampamentos de pescadores profissionais e desorientados de que as condições climáticas eram desfavoráveis ao uso do fogo, e foi aí que o caos se estabeleceu.

O fogo de forma impiedosa e indiscriminada avançou para todos os lados ameaçando a saúde, as propriedades rurais e o turismo.

Falhamos na prevenção

Foto: André Zumak/Instituto Homem Pantaneiro

O conforto da busca da culpa não deve fazer bem a ninguém! Tampouco, não é responsabilizar as “áreas protegidas” como culpadas pela origem do fogo.

Possuímos cerca de 4% de áreas legalmente constituídas. As reservas da Serra do Amolar, local considerado de alta prioridade para proteção da biodiversidade, está enfrentando o fogo agora, em outubro, com um detalhe: não era atingida por incêndios há mais de 20 anos.

Temos um trabalho de prevenção instalado há 15 anos e, nos últimos 7 meses deste ano, trabalhamos na prevenção e no combate ao fogo. Para aprimorar esse trabalho, lançamos o projeto Brigada Alto Pantanal para atuar preventivamente até a chegada de reforços (leia matéria do Conexão Planeta sobre esta brigada).

Foto: Frico Guimarães

A situação é complicada, e estamos há seis horas da cidade. Não tenho dúvida de que o gado contribui para diminuir o volume de matéria orgânica, bem como fazer o manejo técnico responsável do fogo, mas criar cisão entre a missão da conservação e a produção não contribui para sairmos deste “inferno”.

A iniciativa positiva do senador Wellington Fagundes, do Mato Grosso, e dos senadores Nelson Trad Filho, Simone Tebet e Soraya Thronickem, do Mato Grosso do Sul (que formam uma comissão especial externa do Senado) pode nos ajudar.

Precisamos de uma norma que una o Pantanal numa política integrada, curando uma fratura exposta desde 1977, quando se dividiu o bioma.

Essa comissão pode propor a criação de incentivos financeiros para reposição das matrizes, restabelecendo a pecuária e sua importância para o bioma. E também propor a isenção do ITR (Imposto Territorial Rural) para fazendas que adotem as práticas do modelo desenvolvido pela Embrapa Pantanal: Fazenda Pantaneira Sustentável.

Temos a oportunidade de construir um novo programa de financiamento para o Pantanal, como era o BID/Pantanal, ajudando na infraestrutura das cidades que estão no entorno da planície, fomento à pesquisa, ao turismo.

E, se queremos ter compromisso efetivo com o futuro do Pantanal, devemos dedicar atenção e ações efetivas às nascentes de todos os rios que drenam para a planície. Sem água não haverá vida. E TODAS as águas estão com algum grau de comprometimento.

Solidão e solidariedade

Foto: Angelo Rabelo

Não posso deixar de registrar que, para mim – que atuo há mais de 30 anos no Pantanal -, neste momento difícil para todos, a solidariedade oriunda de todos os lugares do país, apoiando com todo tipo de doação, e é um momento excepcional na nossa história, marcada pela solidão de tudo: de ajuda, de políticas públicas, de recursos para pesquisa…

Espero que sejamos responsáveis e capazes de não deixar esse voto de confiança e esta rede de apoio se perder.

Às vezes, a espécie humana opta pela agressividade e pela falta de respeito, em vez de se unir e nos tornar todos mais fortes pelo bem comum, principalmente nos momentos mais difíceis.

O Pantanal sempre pediu socorro e, desta vez, o pedido foi tão alto, que todos escutaram, mas, por favor, não deixem de nos ouvir!

Foto (destaque): Angelo Rabelo