segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Mineradora inglesa Anglo American quer explorar terras indígenas na Amazônia

Mongabay

Mineradora inglesa Anglo American quer explorar terras indígenas na Amazônia

  • O mais recente alvo da Anglo American é a TI Sawré Muybu, no Médio Tapajós, onde vive o povo Munduruku. Cinco pedidos são de 2017 e 2019. Com o processo parado na Funai desde 2016, os Munduruku partiram para a autodemarcação do território e a defesa da TI por invasores.
  • O presidente Jair Bolsonaro acaba de encaminhar projeto de lei ao Congresso para autorizar a exploração em terras indígenas. Os Munduruku rechaçam qualquer projeto em seu território e acusam Bolsonaro de genocídio.
  • A Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), entre o Pará e o Amapá, uma das áreas mais preservadas da Amazônia, também é alvo das empresas
Maior produtora de platina do mundo, a mineradora Anglo American, com sede na Inglaterra e na África do Sul, tem planos para explorar cobre, ouro, níquel e manganês em requerimentos que incidem sobre terras indígenas na Amazônia brasileira.

Os dados obtidos pela Mongabay mostram que, além da própria companhia, a Anglo American também utiliza para isso duas subsidiárias brasileiras, as mineradoras Itamaracá e Tanagra. A prática torna mais difícil que os requerimentos registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM) sejam relacionados diretamente com a Anglo.

Somadas, as três empresas têm 296 pedidos de pesquisa e disponibilidade em terras indígenas (TIs) que vão de Roraima, Amapá e Rondônia até o Pará, estado que é o principal alvo da multinacional. As terras visadas incluem algumas com a presença de povos indígenas isolados, como é o caso da Yanomami, em Roraima, e das Kayapó e Tucumaque, no Pará.

Quase a totalidade dos requerimentos datam da década de 1990, quando a regulamentação da exploração mineral em terras indígenas começou a ser oficialmente planejada e ganhou um projeto de lei do ex-senador, ministro e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Romero Jucá.
O PL 191/2020, encaminhado recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, cumpre exatamente o que grandes mineradoras esperavam há décadas, liberando a exploração mineral em TIs e retirando o poder de veto dos povos indígenas.


Indígenas Munduruku pregam placa em iniciativa de auto-demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu (PA), uma das visadas pela mineradora Anglo American. Foto: Bárbara Dias/Cimi

TI Sawré Muybu, no Pará, é alvo de requerimento de 2019

O caso mais recente de requerimentos protocolizados pela própria Anglo American é o pedido de pesquisa para minério de cobre que incide sobre a Terra Indígena Sawré Muybu, onde vive o povo Munduruku, no Pará.

São cinco requerimentos registrados em 2017 e 2019, com autorização de pesquisa. A movimentação mostra que a Anglo American não só continua prospectando minérios na Amazônia como conta justamente com um marco regulatório federal como o proposto por Bolsonaro.

A TI Sawré Muybu, localizada às margens do Rio Tapajós e próxima da cidade de Itaituba, está com a demarcação paralisada desde 2016. Este é o caso de centenas de terras indígenas no Brasil, que estão com o processo de reconhecimento parado em função de pressões políticas e do agronegócio.
No caso da Sawré, o povo Munduruku do Médio e Alto Tapajós partiu para a autodemarcação da TI, além de monitorar e proteger o território de forma autônoma, defendendo a área de invasores como madeireiros e garimpeiros.

Com o mapa do seu território em mãos, munidos de GPS e com o auxílio de lideranças locais, os Munduruku registram as invasões e ameaças enquanto lutam pela demarcação. Somente em 2016 os Munduruku conquistaram a publicação do relatório circunstanciado de identificação e a delimitação da terra indígena Sawré Muybu, primeira etapa do processo demarcatório.

Além do garimpo, da exploração ilegal de madeira e do interesse de multinacionais como a Anglo American, a TI ainda enfrenta a ameaça de construção da hidrelétrica São Luís do Tapajós, atualmente paralisada, que alagaria parte da terra indígena.

Questionada sobre qual seria a justificativa para o pedido de pesquisa de minério de cobre dentro da TI Sawré Muybu e sobre como avalia o PL 191/2020 de Jair Bolsonaro, a Anglo American optou por não responder as perguntas da reportagem.

No total, foram enviadas dez perguntas detalhadas para a Anglo American, colocando em questão vários pontos problemáticos que os quase 300 pedidos em TIs que a empresa tem em conjunto com as suas subsidiárias.

Em nota, a Anglo se limitou a afirmar que “fez requerimentos de pesquisa mineral na Amazônia com base em dados geológicos disponíveis. A autorização para realizar esses trabalhos de pesquisa mineral será concedida ou não pelas autoridades competentes. A Anglo American somente executa trabalhos de pesquisa mineral em áreas devidamente autorizadas.”

A Associação Indígena Pariri, que representa os Munduruku do Médio Tapajós, tem sistematicamente se posicionado contra a mineração dentro de territórios indígenas. “Vamos continuar a manifestação contra a regulamentação da mineração em terra indígena e pela saída imediata dos garimpeiros das nossas terras. Não vamos aceitar mais destruição. Nossos rios estão poluídos com mercúrio, nossos peixes estão morrendo. Vamos retomar o controle do nosso território, temos o nosso próprio governo e todos têm que respeitar. Não vamos parar esta luta até solucionar os nossos problemas”, afirmam.
Presente na reunião convocada pelo cacique Raoni em janeiro, os Munduruku acusaram o presidente Bolsonaro de genocídio.


“Viemos denunciar o Presidente da República do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, por estar cometendo e incentivando o genocídio, etnocídio e ecocídio. Estamos aqui para dizer que esse presidente está nos matando cada vez mais, tirando nossos direitos que estão escritos na Constituição Federal de 1988. Bolsonaro incentiva a nossa morte por meio da mineração, grileiros (que contratam pistoleiros para nos matar) hidrelétricas, ferrovia (Ferrogrão) e arrendamento das Terras Indígenas”, declaram.


Indígenas Munduruku expulsam invasores da TI Sawré Muybu (PA). Foto: Povo Munduruku/divulgação

Desistências podem ser retomadas

Os dados mostram que a Anglo American, em conjunto com as subsidiárias Tanagra e Itamaracá, desistiu em 2015 de 111 requerimentos de pesquisa para explorar ouro, níquel e cobre, com destaque absoluto para o ouro, em diversas terras indígenas. A prevalência de requerimentos vai para as TIs Trincheira Bacajá, no Pará, Igarapé Lourdes e Sete de Setembro, em Rondônia.

Segundo a Agência Nacional de Mineração, no entanto, quando uma empresa desiste de um requerimento mineral, a área é novamente aberta para disponibilidade e a mesma empresa pode participar da disputa novamente, caso deseje. “Todos os interessados podem participar do processo de Disponibilidade, inclusive a empresa que apresentou a desistência, que vai participar do processo de Disponibilidade de igual para igual com os outros pretendentes”, afirmou a ANM em resposta à reportagem.

Questionada, a Anglo American confirmou a desistência dos pedidos citados, que representam pouco mais de um terço do total, mas não respondeu se pretende participar novamente da Disponibilidade para as mesmas áreas no futuro.

“A empresa realizou uma revisão de seu portfólio e desistiu de todos os requerimentos em áreas de pesquisa em terras indígenas até 2015. Requerimentos de pesquisa vigentes que porventura margeiem terras indígenas podem apresentar blocos com interferências nesses territórios. Nesses casos, cabe à Agência Nacional de Mineração (ANM) demarcar corretamente os blocos fora das áreas ou reservas indígenas”, afirmou a Anglo American.

Esse é o caso de três requerimentos da Itamaracá para explorar ouro em TIs de Rondônia, bloqueados em 2018 em função da Ação Civil Pública n.º 3392-26.2005.4.01.4100/RO. Os requerimentos incidem sobre as TIs Sete de Setembro, Zoró e buffer de 10 km da TI Roosevelt, do povo indígena Cinta Larga.

Na ação, o Ministério Público Federal afirma que “a posição dúbia do DNPM (atual Agência Nacional de Mineração) tem incentivado a especulação sobre as terras indígenas povo Cinta Larga e contribuído para a perpetuação da violência contra a comunidade. (…) O conflito é decorrente das consequências da mineração nessas áreas com a inevitável degradação do meio ambiente e isto tem um efeito devastador para as populações indígenas tais como o assoreamento e contaminação de rios e igarapés por mercúrio, transmissão de doenças, como tuberculose, gripe, lepra e mudança de hábitos tradicionais da comunidade”.


Mapa com os processos minerários existentes na Renca. Imagem: ISA

Renca também é alvo de Bolsonaro

As mineradoras Tanagra e Itamaracá têm 27 requerimentos de pesquisa de ouro dentro da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), entre o Pará e o Amapá, uma das áreas mais preservadas da Amazônia. Todos os requerimentos estão sobre a TI Rio Paru D’Este, parte da reserva.


Os pedidos foram bloqueados em 2017 após a abertura da área para a exploração pelo ex-presidente Michel Temer, que foi obrigado a recuar após enorme repercussão internacional contra a medida.
Criada em 1984, no fim da ditadura militar, a Renca é uma área visada há décadas pela mineração. Além do PL encaminhado ao Congresso, Jair Bolsonaro, um entusiasta do pensamento e da prática da ditadura no caso dos povos indígenas e da Amazônia, já afirmou diversas vezes que pretende abrir novamente a Renca para exploração.

A área, uma floresta preservada de 46.450 quilômetros quadrados, equivalente à metade do tamanho de um país como Portugal, passou a ser alvo de revisão desde o início da gestão Bolsonaro.

A Renca tem cinco áreas protegidas, sendo duas terras indígenas e três unidades de conservação de proteção integral. De acordo com estudos da WWF, cerca de 30% da Renca poderia ser minerada. Ouro, ferro, fosfato, titânio, manganês, nióbio, fósforo e tântalo são os minerais alvo da cobiça de grandes empresas, que podem ter em breve a autorização oficial para explorar com a aprovação do PL 191/2020 e a possível extinção ou diminuição drástica da área da Renca.

A Anglo American não respondeu se os acionistas da empresa ao redor do mundo estão cientes dos quase 300 requerimentos minerários que incidem sobre terras indígenas e dos planos de pesquisa e exploração da empresa na Amazônia.

Imagem do banner: extração de minério de ferro em jazida da Anglo American em Minas Gerais. Foto: Anglo American/divulgação

Operações das Forças Armadas na Amazônia continuarão até 2022, anuncia governo federal


 

 

Operações das Forças Armadas na Amazônia continuarão até 2022, anuncia governo federal



Operação das Forças Armadas na Amazônia continuarão até 2022, anuncia governo federal
Em reunião ontem (15/07), no Palácio do Itamaraty, em Brasília, que reuniu o vice-presidente, Hamilton Mourão, coordenador do Conselho da Amazônia Legal, e os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Agricultura, Tereza Cristina, o governo anunciou que as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), realizadas pelas Forças Armadas, para combater o desmatamento na Amazônia serão prorrogadas até dezembro de 2022.

“A operação é uma medida urgente, mas não é um esforço isolado. Temos o planejamento para manter a GLO, se necessário, até o final do atual mandado presidencial. As ações estão sendo ampliadas para evitar as queimadas durante o verão amazônico, que já começou e se estende até setembro”, afirmou Mourão.

Recentemente, o vice-presidente disse que esse ano o Brasil deve ter alta no desmatamento, em comparação ao ano passado. Segundo ele, as operações das Forças Armadas na região amazônica deveriam ter se iniciado antes, no começo de 2020.

Os esforços do governo para tentar colocar panos quentes sobre o crescimento nas taxas de desmatamento da floresta acontecem depois que várias entidades empresarias, investidores e companhias do Brasil e do exterior demonstraram preocupação, publicamente, com o assunto, e ameaçaram retirar seus investimentos do país, caso medidas urgentes não sejam tomadas (leia mais abaixo).

Batizadas de “Operação Verde Brasil”, as ações foram estabelecidas através de um decreto, e foram iniciadas em agosto do ano passado, quando incêndios florestais estavam devastando a Amazônia, sem controle, e o assunto ganhou as manchetes internacionais.

Este ano, a Operação Verde Brasil começou em maio. Todavia, conforme mostramos nesta outra reportagem, o custo aos cofres públicos dos dois meses da operação da GLO em 2019 foi de quase R$ 125 milhões.

Para se ter uma ideia de quão alto é este valor, o orçamento anual do Ibama para o trabalho de fiscalização no Brasil inteiro é de R$ 70 milhões.

“Apesar da presença das Forças Armadas na Amazônia, houve crescimento de 12% no desmatamento no mês de maio, em relação ao mesmo período do ano passado, segundo os alertas do Inpe”, afirma Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil, que atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente.

“As operações das Forças Armadas servem como um remédio para baixar a febre, mas não vão acabar com a doença, que fica cada vez mais forte com os discursos do governo”, completa Astrini.
Outros especialistas concordam que a ação das Forças Armadas na Amazônia deveria ser uma medida paliativa e que somente a implementação de políticas públicas realmente eficazes, e discutidas com todos os setores da sociedade envolvidos na questão, conseguirão reduzir a devastação da floresta.

O Exército não foi treinado para isso e nem possui as ferramentas de inteligência para planejar medidas que funcionem a longo prazo.

Desmonte dos órgãos ambientais

Durante a coletiva em Brasília, Hamilton Mourão afirmou que o governo precisa planejar a recuperação da capacidade operacional dos órgãos de fiscalização.

“Eles perderam pessoal por aposentadoria, estão com seus efetivos reduzidos. Nós precisamos aumentar a capacidade deles de modo a que liberemos as Forças Armadas do emprego constante em atividades as quais elas não estão, não é a atividade precípua delas”, admitiu.Mourão fala em “recuperação dos órgãos de fiscalização” mas o que aconteceu desde que Bolsonaro assumiu a presidência foi justamente o sucateamento de órgãos como Ibama e ICMBio. Servidores públicos relatam um cotidiano diário de trabalho em que sofrem com perseguições, censura e exonerações, conforme mostra esta matéria exclusiva produzida pelo Conexão Planeta.

Em maio desse ano, foram exonerados dois chefes de fiscalização do Ibama, no Pará, responsáveis por operações contra garimpos ilegais em terras indígenas. Houve ainda a reestruturação do ICMBio, com a nomeação de vários policiais militares para cargos de chefias – entre eles o próprio presidente da instituição, que já havia assumido em 2019.

Desmatamento coloca em risco a economia brasileira

Nas últimas semanas, o governo de Jair Bolsonaro recebeu uma série de alertas, escritos e verbais, em relação à ineficácia do Brasil para conter o desmatamento, o que já tem gerado sanções comerciais a empresas que atuam no país.

A produtora norueguesa de salmão Grieg Seafood, uma das maiores do mundo em seu setor, suspendeu a compra de produtos ligados ao desmatamento brasileiro (leia mais aqui).
Antes disso, empresários do próprio Brasil cobraram ações do governo e alertaram sobre a péssima imagem do governo Bolsonaro no exterior. Em carta, CEOs de companhias como Natura, Ambev, Bradesco, Itaú e Klabin, apontaram potencial prejuízo para a economia brasileira, já tão impactada pela pandemia da COVID-19, caso medidas urgentes não sejam implementadas na área socioambiental.

Houve também o envio de cartas a embaixadores do Brasil por um grupo, com representantes da Europa, Ásia e Estados Unidos, com ativos na ordem de US$ 4,1 trilhões, relatando apreensão com a atual situação ambiental.

E apesar da presença dos militares na Amazônia desde maio, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou dados que revelam que a região teve novo recorde em alertas de desmatamento em junho e aumento de 25% no semestre.


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Foto: divulgação/Fotos Públicas


Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.

Desmatamento na Amazônia seca o Brasil e pode levar agronegócio ao colapso, alerta relatório de órgão do governo


 

 

Desmatamento na Amazônia seca o Brasil e pode levar agronegócio ao colapso, alerta relatório de órgão do governo


Por Sibélia Zanon*

Nos últimos dois anos, a seca tem atingido gravemente boa parte do Brasil. As regiões Centro-Oeste, Sul e uma parte do Sudeste, incluindo o estado de São Paulo, apresentam chuvas abaixo da média histórica, aponta Boletim de impactos em Áreas Estratégicas para o Brasil do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, divulgado em junho.

Este é um fenômeno que começou ficar mais evidente em 2012. “A seca começou no Nordeste e durou quase sete anos de forma muito severa”, diz a pesquisadora Adriana Cuartas, do Cemaden. “Depois, em 2014, o abastecimento de água na área metropolitana de São Paulo ficou em condições críticas. Agora, as preocupações estão voltadas para o Sul, onde há quase dois anos as chuvas estão abaixo da média”.

O cientista Antonio Nobre, autor do relatório O Futuro Climático da Amazônia, é enfático. “A América do Sul está secando devido aos efeitos combinados do desmatamento e das mudanças climáticas”.

A falta de chuvas impacta de imediato a agricultura. A seguir, vem o abastecimento de água e a geração de energia. Diversos reservatórios de usinas hidrelétricas vêm sofrendo com baixos níveis de armazenamento – Itaipu, a segunda maior hidrelétrica do mundo, entre eles. “A água que vem dos rios para o reservatório está abaixo do mínimo já registrado desde 1993. É uma situação bem crítica”, alerta Adriana. “A bacia do Itaipu não é usada só para a geração de energia, mas também para abastecimento.”


Recentes chuvas no Sul podem trazer alívio temporário para a agricultura, mas as condições hídricas demoram a voltar ao normal. “Seria preciso chover vários meses na média, ou acima dela, para o sistema hídrico começar a se recuperar e voltar aos níveis esperados”, ressalta Adriana.
O agronegócio vem sofrendo prejuízos decorrentes da seca, mas também é causador das alterações do regime hídrico. O desmatamento na Amazônia, voltado para pecuária, agricultura e exploração madeireira, impacta na diminuição de chuvas no Brasil e em outros países da América Latina. Com o desmatamento crescente na Amazônia, o agronegócio e a geração de energia podem entrar em colapso no Brasil.


A Floresta Amazônica funciona como um sistema de refrigeração. Uma árvore robusta, com seus 20 metros de copa, bombeia por volta de 1.100 litros de água para a atmosfera em um único dia. Essas massas de ar com o vapor da transpiração da floresta, os chamados “rios voadores”, transportam umidade da Bacia Amazônica até o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, e países vizinhos. Com menos árvores na floresta, há menos umidade no ar. E ela seca.

Grandes concentrações de umidade se formam na Amazônia e regulam o sistema de chuvas em boa parte do Brasil. O desmatamento na floresta altera a circulação dos chamados “rios voadores”
Foto: Eduardo Amorim/CC BY-NC-ND.

Colheita prejudicada

Com o déficit de chuvas em toda a região Sul, os prejuízos chegaram à lavoura, afetando a safra de verão 2019/20. O Paraná enfrenta a maior estiagem da história desde que o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar) começou a monitorar as condições do tempo, em 1997.

Relatório do Departamento de Economia Rural (Deral) do Governo do Estado do Paraná mostra perdas na produção de milho e feijão, além de prejuízos no abastecimento de água. Alguns municípios entraram em estado de emergência.

Em Santa Catarina, a produção de soja, feijão e milho foram afetadas. No Rio Grande do Sul, a safra de grãos teve volume 28,7% inferior ao total colhido na mesma época do ano passado. A seca afeta a qualidade dos grãos e, com o tamanho e peso muito fora do padrão, a colheita não compensa.
O problema se estende ao milho, com perda de 32% na produção. Em certas regiões, o grão foi destinado à alimentação bovina, com rendimentos bem mais baixos. O plantio da nova safra de arroz também foi prejudicado: exige uso abundante de água e a falta de chuvas prejudicou a reposição dos mananciais.

Além de provocar significativas perdas para o plantio em larga escala, as secas no Sul afetam o pequeno produtor, não habituado a condições extremas de falta de chuvas. “O Nordeste, de alguma forma, já tem uma prática com condições de seca e estratégias de adaptação social, como as cisternas. A seca no Sul faz com que a grande produção agrícola seja afetada e isso causa prejuízos econômicos. Quando a seca afeta a agricultura familiar, há ainda o impacto social”, diz Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden.

As áreas que têm sofrido sucessivas e agravadas secas são justamente áreas irrigadas pelos “rios voadores”. Sem a umidade que vem da Amazônia, as regiões brasileiras com maior infraestrutura produtiva teriam provavelmente clima bastante hostil.

“Interessa para a agricultura a coluna do meio, ou seja, o equilíbrio, a regulação climática, em que os extremos de falta ou excesso sejam moderados”, explica Nobre. “E, nessa moderação, nenhuma tecnologia consegue competir com as múltiplas capacidades das florestas de promover e regular um clima amigável, seguro e produtivo“.

Foto (destaque): Marcello Casal Jr./Agência Brasil (seca no reservatório de Sobradinho, no norte da Bahia)

*Este texto foi publicado originalmente no site Mongabay Brasil, em 28/7/2020


Ampliação de hidrovia para transporte de soja e minério na Amazônia impactará habitat de botos e tartarugas






Ampliação de hidrovia para transporte de soja e minério na Amazônia impactará habitat de botos e tartarugas
*Por Tiffany Higgins 

O governo federal planeja escavar e dragar milhões de metros cúbicos de rochas e areia do leito de um dos mais importantes rios da Bacia Amazônica para ampliar a Hidrovia do Araguaia-Tocantins. O projeto aprofundará o Tocantins para permitir o transporte rápido de soja e minérios para a China e a Europa.

Além de ameaçar a subsistência de populações ribeirinhas, com implosão de áreas de pesca, a obra vai afetar praias fluviais onde tartarugas amazônicas depositam seus ovos. O boto-do-araguaia (Inia araguaiaensis), uma espécie ameaçada, também sofrerá o impacto da hidrovia, assim como espécies endêmicas de peixe.

A meta do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) é implodir e dragar um trecho total de 212 quilômetros do Rio Tocantins. A obra representará o derrocamento de 35 quilômetros de rochas de um trecho do Pedral do Lourenço, uma paisagem de importância histórica e biológica nessa região do Pará.

A bacia do Araguaia-Tocantins é a segunda maior do Brasil, com cerca de 3 mil quilômetros de “potencial navegável”, de acordo com o DNIT. Na estação seca, segundo o departamento, as rochas do Pedral do Lourenço são um “impedimento” ao tráfego de barcaças.

A empresa contratada para realizar a obra, a DTA Engenharia, de São Paulo (e sua parceira O’Martin Serviços e Locações Ltda.), diz que precisará remover 986.541 metros cúbicos de rocha ao longo de dois anos e meio – a previsão hoje é de início em 2021. Além disso, a DTA precisará dragar uma extensão de 177 quilômetros, escavando quase 6 milhões de metros cúbicos de areia e despejando o material nas praias onde as tartarugas desovam.

O Rio Araguaia nasce perto de Brasília, atravessa o Cerrado e segue para o norte em direção à Amazônia, onde deságua no Rio Tocantins pouco antes de Marabá, já no Pará. O rio então corre para o norte, passando pelo Pedral do Lourenço e pelas eclusas da barragem de Tucuruí até chegar ao porto industrial de Vila do Conde, perto de Belém, a 155 quilômetros do Oceano Atlântico. Para o DNIT, o porto da capital paraense tem uma “localização privilegiada”. Além de soja e milho, a hidrovia industrial transportaria para mercados estrangeiros petróleo, combustível, caminhões e produtos de mineração.


Ampliação de hidrovia para transporte de soja e minério na Amazônia impactará habitat de botos e tartarugas
A obra impactará 212 quilômetros de extensão do Rio Tocantins, entre Marabá e o reservatório de Tucuruí, e incluirá o derrocamento do Pedral do Lourenço, habitat de peixes endêmicos. Mapa: DNIT.

Tartarugas, botos e peixes sob ameaça

Em comunidades como Vila Belém, Praia Alta, Vila Redonda, Santo Antonino, Cajazeiras e Vila Tauiri, os ribeirinhos estão diante de um horizonte assustador. O Rio Tocantins é seu meio de transporte, sua fonte de renda e sua identidade. Mas as obras da hidrovia irão dinamitar, dragar, escavar o leito para construir portos industriais. Depois, o tráfego de barcaças limitará a pesca a uma faixa de 100 a 145 metros da largura do rio.

Antes de dinamitar cada trecho, a DTA Engenharia pretende disparar um tiro de alerta, que, alega a empresa, fará os peixes nadarem para longe. Para os pescadores, porém, o ruído alto vai paralisar os peixes, que depois fugirão para águas mais profundas no Pedral do Lourenço – e não para longe – para ali encontrar o seu fim.

O biólogo Alberto Akama, do Museu Paraense Emilio Goeldi, diz que os pescadores estão certos: os peixes que habitam as corredeiras não evoluíram para fugir, como a DTA acredita. “Ao contrário, os peixes entrarão mais fundo nas cavidades da rocha. É assim que se protegem. Então [a empresa] dinamitará as rochas, e todos os peixes morrerão.”

Para reduzir os custos da obra, a DTA planeja ainda despejar 5,6 milhões de metros cúbicos de areia do leito do rio nas praias onde tartarugas amazônicas depositam dezenas de milhares de ovos – em vez de transportar a areia para outro lugar.

Essa operação poderá ser o fim de um bem-sucedido programa de manejo feito pelas comunidades. Desde julho de 2017, pescadores colaboram com pesquisadores para coletar ovos de tartaruga, criar os filhotes e depois soltá-los. A barragem de Tucuruí, rio acima, formou um reservatório que inundou e eliminou os locais de desova, transformando as praias do Pedral do Lourenço num habitat crucial para a tracajá (Podocnemis unifilis) e a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa).


Ampliação de hidrovia para transporte de soja e minério na Amazônia impactará habitat de botos e tartarugas
Um boto-do-araguaia salta no Rio Tocantins perto do Pedral do Lourenço. A hidrovia poderá reduzir ainda mais a restrita população da espécie. Foto: Ernanes Coimbro.
Outra espécie emblemática da região e vulnerável ao projeto é o boto-do-araguaia. Em 2014, Mariana Paschoalini Frias, pesquisadora do Instituto Aquilie, ajudou a Fundação Omacha e o Instituto Mamirauá em uma pesquisa populacional no trecho de 500 quilômetros da futura hidrovia entre Marabá e Belém. O estudo, publicado em abril, revelou que restam ali apenas 1.083 botos-do-araguaia.

A população reduzida provavelmente se deve às sete grandes hidrelétricas da bacia. E a hidrovia poderá diminuir ainda mais o número de botos. Para Mariana, a intervenção provocará uma alteração enorme nos sedimentos do rio. “Haverá muito barulho e movimento intenso de navios. A diversidade e a abundância de peixes será afetada. Como resultado, os botos perderão seu habitat e a disponibilidade de alimentos”, explica a bióloga.

Peixes também estão ameaçados. Com as obras de dragagem, alerta Cristiane Cunha, bióloga da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará que conduziu anos de estudos com os pescadores de Tauiry, os peixes cascudos da família Loricariidae, que se alimentam de algas e detritos no fundo do rio, serão especialmente afetados.

“Os engenheiros alegam que vão dragar apenas uma vez e depois essa fase terminará”, diz Alberto Akama, “mas não é assim que esses rios funcionam”. Como os rios assoreiam com o tempo, explica o biólogo, a DTA “terá que dragar continuamente”, e isso certamente exterminará muitos dos peixes do rio.
Além disso, a empresa planeja depositar o material dinamitado na parte mais funda do rio – mais um problema, aponta o biólogo. “Há peixes que vivem em águas profundas. Se você joga rochas lá, tornando-o mais raso, isso acaba com o habitat dessas espécies.”

Akama e sua equipe concluíram a primeira pesquisa já realizada sobre os peixes do Pedral do Lourenço e das corredeiras de Marabá, nas proximidades. Mergulhando a até 30 metros de profundidade, eles avistaram o Baryancistrus longipinnis, que não é encontrado em nenhum outro lugar do mundo, e o Lamontichthys parakana, que habita apenas o Pedral do Lourenço e as corredeiras rio abaixo. No total, os cientistas coletaram e identificaram 12 espécies ameaçadas, incluindo quatro consideradas em perigo de extinção: Crenicichla jeguiPotamobatrachus trispinosusSartor tucuruiense e Teleocichla cinderella. Sabe-se que outras sete espécies ameaçadas vivem na parte baixa do Rio Tocantins.

Para Alberto Akama, o projeto da hidrovia “provavelmente exterminará todos esses peixes”.



Estudos de impacto ambiental: erros e omissões

Em setembro de 2019, ao divulgar um relatório de análise das milhares de páginas dos estudos de impacto ambiental enviados pela DTA Engenharia, o Ibama foi taxativo: o trabalho da equipe de analistas da empresa não está baseado em metodologia científica corrente.

A DTA realizou coletas de animais para avaliar os possíveis impactos da obra. Mas o Ibama concluiu que o estudo da empresa foi superficial e usou métodos incompletos que não refletem as práticas atuais de coleta científica nem são adequados aos peixes que habitam o Tocantins.

Houve erro na identificação de mais de uma dúzia de espécies. Vários peixes em perigo foram rotulados com o nome de não ameaçados. Quatorze espécies ameaçadas que sabidamente vivem na região não foram mencionadas nos estudos de coleta da DTA. Em vez disso, a empresa identificou dezenas de peixes que nem sequer vivem na bacia.

Além de tudo, nem o DNIT nem a DTA estudaram os impactos da hidrovia depois que ela entrar em operação – entre eles, a construção de portos de carga e os impactos diários do tráfego de barcaças.
O Pedral do Lourenço, que no total tem 43 quilômetros de labirintos pedregosos, constitui um ecossistema especializado no qual se reproduzem peixes, andorinhas e lagartos, entre outros animais. Contudo, o Ibama observa que não houve uma coleta específica de amostras ou um estudo sobre o local  – uma omissão por parte da companhia contratada para demolir as rochas.
As tartarugas poderão sofrer os maiores impactos da hidrovia, mas a DTA estudou apenas a pequena área adjacente à futura sede do projeto, deixando de pesquisar o habitat dos quelônios ao longo dos 212 quilômetros onde a dinamitação e a dragagem vão ocorrer.
O Ibama ordenou que a DTA refaça as coletas de peixes e conduza um novo estudo no Pedral do Lourenço. “Foi uma vitória, porque postergamos o projeto”, conclui Ronaldo Barros Macena, presidente da Associação da Comunidade Ribeirinha Extrativista da Vila Tauiri. Mesmo assim, os pescadores do Pedral do Lourenço temem que o governo ainda assim destrua o viveiro rochoso de peixes com o qual suas histórias de vida estão entrelaçadas.


Ampliação de hidrovia para transporte de soja e minério na Amazônia impactará habitat de botos e tartarugas
Em fevereiro, os moradores de Vila Tauiri soltaram 5.300 filhotes de tartaruga no Rio Tocantins. O programa de conservação é uma colaboração entre os pesquisadores e moradores, que resgatam os ovos das praias do rio, cuidam deles por 30 dias e depois soltam os filhotes das tartaruga. É um modelo de programa de conservação que ajudou a recuperar a população de quelônios no lugar. Foto: Associação da Comunidade Ribeirinha Extrativista da Vila Tauiri.
Projetos anteriores de infraestrutura na Amazônia explicam o trauma. “Há o risco de [a área] se tornar outra Belo Monte”, diz Cristiano Silva de Bento, doutorando e pesquisador em Antropologia e Sociologia na Universidade Federal do Pará, com possível colapso das populações de peixes e impactos devastadores sobre as comunidades tradicionais.

Os pescadores lembram com aflição de outra hidrelétrica da região. Em 1984, a usina de Tucuruí desabrigou ribeirinhos que não foram nem sequer indenizados. Peixes, tartarugas e castanheiras desapareceram. Os moradores alegam que os pagamentos que a operadora do projeto, a Eletronorte, faz em reparação por Tucuruí vão para as prefeituras e não chegam às comunidades, que continuam sem coleta de lixo, saneamento básico, ônibus, estradas pavimentadas, postos de saúde ou poços adequados.

No caso da nova hidrovia, havia uma demanda dos pescadores para serem consultados sobre o projeto, como é exigido pela Convenção C169 da Organização Internacional do Trabalho. Mas o Ibama negou, alegando que, diferentemente de quilombolas e indígenas, não há um protocolo no caso para os pescadores tradicionais.

O Ministério Público Estadual do Pará interveio e exigiu que Ibama, DNIT e DTA realizem a consulta formal aos ribeirinhos, observando a importância deles para a conservação dos ecossistemas onde residem. Apesar da nova determinação, o líder comunitário Ronaldo Barros Macena reclama do governo: “Eles nunca nos consultaram. Passaram por nós como um rolo compressor”.


Pescador navega ao raiar do dia no Rio Tocantins perto do Pedral do Lourenço. Foto: Tiffany Higgins.

DTA é criticada por falta de conhecimento técnico

Em 2016, o DNIT contratou a DTA Engenharia para desenvolver a hidrovia sem nenhuma avaliação ambiental preliminar – o que, de acordo com Brent Millikan, da ONG International Rivers, não é uma exigência para a construção de hidrovias, apesar do seu potencial de afetar comunidades humanas, a flora e a fauna. A DTA conseguiu o contrato porque apresentou o orçamento mais baixo entre as cinco concorrentes, um valor inferior até mesmo às projeções de custo do DNIT.

A Constran, que ficou em segundo lugar no processo de licitação, questionou a capacidade da DTA de realizar um projeto tão grande e complexo. E registrou que a empresa parceira da DTA, a O’Martin, acumulava uma dívida de R$ 4,2 milhões até 2014.


Contatada pela Mongabay, a DTA diz estar contratualmente proibida de dar entrevistas. Por isso, todas as informações desta reportagem vieram do DNIT.

Em email de janeiro, o DNIT diz que não vai descontratar a DTA neste ou em futuros projetos, já que cada processo de licitação é individualizado. Regis Fontana Pinto, do Ibama, acredita que um veto à hidrovia é improvável, já que o governo federal considera o projeto prioritário e “necessário”.
Enquanto isso, os ribeirinhos da região do Pedral do Lourenço aguardam os novos estudos e o desdobramento do caso – e esperam que, dessa vez, possam ser atores em sua própria história.

*Texto publicado originalmente em 10/08/20 no site do Mongabay Brasil

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Fotos: Wallace Lopes/Ibama (abertura). Crédito do vídeo: Leandro Sousa.

Bloqueio em verbas do Ibama e ICMBio provoca suspensão de combate a desmatamentos e queimadas na Amazônia, Pantanal e resto do país



Bloqueio em verbas do Ibama e ICMBio provoca suspensão de combate a desmatamentos e queimadas na Amazônia, Pantanal e resto do país




Bloqueio em verbas do Ibama e ICMBio provoca suspensão de combate a desmatamentos e queimadas na Amazônia, Pantanal e resto do país
*Atualizado às 21h30
Não bastassem os aumentos nas taxas de destruição da floresta na Amazônia e os incêndios que vem destruindo há semanas a vegetação do Pantanal e matando centenas de animais, o Ministério do Meio Ambiente divulgou há pouco, uma nota em seu site, em que informa que, devido a um bloqueio financeiro efetivado pela Secretaria de Orçamento Federal, todas as operações de combate ao desmatamento na região amazônica e às queimadas no Pantanal e demais regiões do Brasil serão suspensas a partir de segunda-feira (31/08).

De acordo com a nota, o bloqueio se refere a R$ 20.972.195,00 em verbas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e R$ 39.787.964,00 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio).

Ainda segundo a informação do Ministério do Meio Ambiente, “o bloqueio atual de cerca de R$ 60 milhões para o Ibama e o ICMBio foi decidido pela Secretaria de Governo e pela Casa Civil da Presidência da República e vem a se somar à redução de outros R$ 120 milhões já previstos como corte do orçamento na área de meio ambiente para o exercício de 2021”.

A nota afirma que nas atividades do Ibama relativas ao combate ao desmatamento ilegal serão desmobilizados 77 fiscais, 48 viaturas e 2 helicópteros. Já nas operações de combate ao desmatamento ilegal realizadas pelo ICMBio serão desmobilizados 324 fiscais, além de 459 brigadistas e 10 aeronaves Air Tractor que atuam no combate às queimadas.

Não há nenhuma menção, entretanto, sobre as operações realizadas na Amazônia sob o comando do vice-presidente, Hamilton Mourão, com as tropas das Forças Armadas, as chamadas “Operações Verde Brasil”, que têm um custo exorbitante aos cofres públicos (leia mais aqui). 

“É uma situação difícil de acreditar mesmo vindo deste governo. Parece muito mais uma desculpa orçamentária do governo para realizar seu sonho e daqueles que destróem os biomas no Brasil para parar a fiscalização e deixar a Amazônia e o Pantanal entregues definitivamente ao crime”, diz Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “É muito grave porque é o flagrante de um descumprimento da Constituição, uma vez que o governo e o Estado têm o dever de cuidar e zelar pelo patrimônio ambiental dos brasileiros e abandonar a fiscalização é abrir mão de cumprir a Constituição, ainda mais em um momento extremamente crítico para essas regiões”.

A organização WWF-Brasil também emitiu uma nota sobre o corte nas verbas dos órgãos ambientais.
“Neste momento em que os índices de desmatamento e queimadas na Amazônia aumentam, assim como número de focos de fogo batem recorde no Pantanal, o WWF-Brasil vem a público se manifestar contra o absurdo cancelamento de todas as operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia Legal, bem como todas as operações de combate às queimadas no Pantanal e demais regiões do país…

Os números trazem a urgência de deter essas ilegalidades e evidenciam a contradição de o órgão anunciar que as operações serão todas paralisadas – o que reforça a mensagem que vem sido emitida pelo governo federal de que o crime não será punido, e, portanto, compensa…

É preciso lembrar que o Ministério do Meio Ambiente tem como dever fazer cumprir a legislação que protege o meio ambiente? Um dado que chama a atenção é que o Ibama gastou até dia 30 de julho apenas 19% dos recursos orçamentários deste ano previstos para prevenção e controle de incêndios florestais“.

Sucateamento e desmonte de órgãos ambientais

Uma grande e triste ironia é que hoje o ICMBio “comemora” 13 anos de criação. Mas desde o começo do governo de Jair Bolsonaro e de seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ter assumido a pasta, assim como o Ibama, o órgão tem sofrido com ataques, corte no orçamento e desmonte.

Responsável por administrar as 334 Unidades de Conservação do país, o ICMBio está sendo sucateado: há redução de pessoal e de coordenações regionais e nomeações de pessoas não capacitadas para cuidar do meio ambiente e da biodiversidade do Brasil.

Em entrevistas exclusivas com servidores obtidas pelo Conexão Planeta, eles relatam que a “lei da mordaça” está em vigor e que não há mais nenhuma forma de diálogo. Analistas lamentam anos de esforços perdidos. “A destruição ocorre da maneira mais perversa: acabando com a instituição por dentro”, desabafam (saiba mais nesta outra reportagem).

Na semana passada, o presidente do instituto foi exonerado e até agora, ainda não há indicação de novo nome para o cargo.
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*No final do dia, em conversa com jornalistas, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que o ministro Ricardo Salles, se precipitou em anunciar o bloqueio das verbas e afirmou que o dinheiro está disponível.

Às 19h54, o Ministério do Meio Ambiente atualizou sua página e informou que “na tarde de hoje houve o desbloqueio financeiro dos recursos do IBAMA e ICMBIO e que, portanto, as operações de combate ao desmatamento ilegal e às queimadas prosseguirão normalmente”.

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Fogo dá breve trégua, mas queimadas no Pantanal crescem mais de 200% em relação a 2019
Número de queimadas nos primeiros dias de agosto já supera aquelas de julho inteiro no Pantanal do Mato Grosso


Foto: André Zumack/Instituto Homem Pantaneiro

sábado, 29 de agosto de 2020

Brasil perdeu área de vegetação nativa equivalente a 10% do território nacional nas últimas três décadas

 

 

Brasil perdeu área de vegetação nativa equivalente a 10% do território nacional nas últimas três décadas

Brasil perdeu área de vegetação nativa equivalente a 10% do território nacional nas últimas três décadas
Um novo levantamento divulgado hoje pelo MapBiomas, iniciativa que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, consolida dados sobre o desmatamento nos últimos trinta e cinco anos no Brasil.


Entre 1985 e 2019 foram perdidos 87,2 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa, o equivalente a 10% do território nacional. O relatório mostra que o ritmo de destruição aumentou nos últimos dois anos, 2018 e 2019, e mais da metade do desmatamento ocorreu na Amazônia, 44 milhões de hectares.


O estudo do MapBiomas aponta ainda que a atividade agropecuária é responsável por 90% dessa perda de vegetação nativa no país. A análise também indicou a situação em outros biomas brasileiros. O Cerrado apresentou a maior redução, em termos proporcionais, com queda de 21,3%, seguido pelo Pampa (21%), Pantanal (12%), Amazônia (11%), Caatinga (10,9%) e Mata Atlântica (10,3%).


“Pelo menos 9,3% de toda a vegetação natural do Brasil é secundária, ou seja, são áreas que já foram desmatadas e convertidas para uso antrópico pelo menos uma vez”, explica Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas. “Da área que nunca foi desmatada, há uma fração que já foi degradada por fogo ou exploração madeireira predatória. Quantificar esse processo de degradação das florestas é um dos próximos desafios que vamos enfrentar”, complementa.
Além da agropecuária, os biomas brasileiros sofrem pressão também com os efeitos das mudanças climáticas. No Pantanal, por exemplo, as queimadas aumentaram mais de 200% em relação a 2019.
Desde o começo do ano, 820 mil hectares de vegetação no Mato Grosso já foram destruídos por incêndios.

O Pantanal vive uma das piores secas dos últimos 47 anos. O nível do rio Paraguai é um dos mais baixos registrados na história recente.

Na Amazônia, o cenário é semelhante. O mês de julho teve salto de quase 30% no número de queimadas na região e num único dia recorde dos últimos 15 anos.

Enquanto isso, em Brasília, o vice-presidente e coordenador do Conselho da Amazônia, Hamilton Mourão, tentou minimizar a questão. Afirmou ontem (27/08) que “a Amazônia Legal tem 5 milhões de quilômetros quadrados. Vinte e quatro mil focos de calor significam que tem um foco de calor a cada 200 quilômetros quadrados. Isso é uma agulha no palheiro”.

Mourão se refere aos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) esta semana, que indicaram o registro de mais de 24 mil focos de incêndio no mês de agosto na região amazônica, o segundo pior resultado dos últimos dez anos.

Todavia, empresas e investidores internacionais não parecem compartilhar da mesma opinião do vice-presidente do Brasil, já que têm demonstrado publicamente a preocupação com o avanço da destruição da Amazônia e dos demais biomas do país.
A agropecuária é responsável por 90% da redução de vegetação
nativa que ocorreu no país desde 1985


Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/Fotos Públicas

Bloqueio em verbas do Ibama e ICMBio provoca suspensão de combate a desmatamentos e queimadas na Amazônia, Pantanal e resto do país


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*Atualizado às 21h30
Não bastassem os aumentos nas taxas de destruição da floresta na Amazônia e os incêndios que vem destruindo há semanas a vegetação do Pantanal e matando centenas de animais, o Ministério do Meio Ambiente divulgou há pouco, uma nota em seu site, em que informa que, devido a um bloqueio financeiro efetivado pela Secretaria de Orçamento Federal, todas as operações de combate ao desmatamento na região amazônica e às queimadas no Pantanal e demais regiões do Brasil serão suspensas a partir de segunda-feira (31/08).

De acordo com a nota, o bloqueio se refere a R$ 20.972.195,00 em verbas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e R$ 39.787.964,00 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio).

Ainda segundo a informação do Ministério do Meio Ambiente, “o bloqueio atual de cerca de R$ 60 milhões para o Ibama e o ICMBio foi decidido pela Secretaria de Governo e pela Casa Civil da Presidência da República e vem a se somar à redução de outros R$ 120 milhões já previstos como corte do orçamento na área de meio ambiente para o exercício de 2021”.

A nota afirma que nas atividades do Ibama relativas ao combate ao desmatamento ilegal serão desmobilizados 77 fiscais, 48 viaturas e 2 helicópteros. Já nas operações de combate ao desmatamento ilegal realizadas pelo ICMBio serão desmobilizados 324 fiscais, além de 459 brigadistas e 10 aeronaves Air Tractor que atuam no combate às queimadas.

Não há nenhuma menção, entretanto, sobre as operações realizadas na Amazônia sob o comando do vice-presidente, Hamilton Mourão, com as tropas das Forças Armadas, as chamadas “Operações Verde Brasil”, que têm um custo exorbitante aos cofres públicos (leia mais aqui). 

“É uma situação difícil de acreditar mesmo vindo deste governo. Parece muito mais uma desculpa orçamentária do governo para realizar seu sonho e daqueles que destróem os biomas no Brasil para parar a fiscalização e deixar a Amazônia e o Pantanal entregues definitivamente ao crime”, diz Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “É muito grave porque é o flagrante de um descumprimento da Constituição, uma vez que o governo e o Estado têm o dever de cuidar e zelar pelo patrimônio ambiental dos brasileiros e abandonar a fiscalização é abrir mão de cumprir a Constituição, ainda mais em um momento extremamente crítico para essas regiões”.

A organização WWF-Brasil também emitiu uma nota sobre o corte nas verbas dos órgãos ambientais.
“Neste momento em que os índices de desmatamento e queimadas na Amazônia aumentam, assim como número de focos de fogo batem recorde no Pantanal, o WWF-Brasil vem a público se manifestar contra o absurdo cancelamento de todas as operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia Legal, bem como todas as operações de combate às queimadas no Pantanal e demais regiões do país…

Os números trazem a urgência de deter essas ilegalidades e evidenciam a contradição de o órgão anunciar que as operações serão todas paralisadas – o que reforça a mensagem que vem sido emitida pelo governo federal de que o crime não será punido, e, portanto, compensa…
É preciso lembrar que o Ministério do Meio Ambiente tem como dever fazer cumprir a legislação que protege o meio ambiente? Um dado que chama a atenção é que o Ibama gastou até dia 30 de julho apenas 19% dos recursos orçamentários deste ano previstos para prevenção e controle de incêndios florestais“.

Sucateamento e desmonte de órgãos ambientais

Uma grande e triste ironia é que hoje o ICMBio “comemora” 13 anos de criação. Mas desde o começo do governo de Jair Bolsonaro e de seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ter assumido a pasta, assim como o Ibama, o órgão tem sofrido com ataques, corte no orçamento e desmonte.

Responsável por administrar as 334 Unidades de Conservação do país, o ICMBio está sendo sucateado: há redução de pessoal e de coordenações regionais e nomeações de pessoas não capacitadas para cuidar do meio ambiente e da biodiversidade do Brasil.

Em entrevistas exclusivas com servidores obtidas pelo Conexão Planeta, eles relatam que a “lei da mordaça” está em vigor e que não há mais nenhuma forma de diálogo. Analistas lamentam anos de esforços perdidos. “A destruição ocorre da maneira mais perversa: acabando com a instituição por dentro”, desabafam (saiba mais nesta outra reportagem).

Na semana passada, o presidente do instituto foi exonerado e até agora, ainda não há indicação de novo nome para o cargo.

————————————————————————————
*No final do dia, em conversa com jornalistas, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que o ministro Ricardo Salles, se precipitou em anunciar o bloqueio das verbas e afirmou que o dinheiro está disponível.

Às 19h54, o Ministério do Meio Ambiente atualizou sua página e informou que “na tarde de hoje houve o desbloqueio financeiro dos recursos do IBAMA e ICMBIO e que, portanto, as operações de combate ao desmatamento ilegal e às queimadas prosseguirão normalmente”.

 
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Julho tem aumento de quase 30% no número de queimadas na Amazônia e num único dia recorde dos últimos 15 anos
Fogo dá breve trégua, mas queimadas no Pantanal crescem mais de 200% em relação a 2019
Número de queimadas nos primeiros dias de agosto já supera aquelas de julho inteiro no Pantanal do Mato Grosso


Foto: André Zumack/Instituto Homem Pantaneiro
Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.