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Pesquisadores encontram rochas formadas por plástico na
Ilha da Trindade
Estudo em área de proteção ambiental contribui para o
conhecimento de novas ocorrências de poluição e demonstra como o plástico está
se integrando ao ciclo geológico no ambiente costeiro e marinho
O arquipélago pertence a uma cadeia de montanhas submarinas
do Atlântico numa linha reta que vai do Estado do Espírito Santo em direção à
África e possui uma área de 9,2 quilômetros quadrados. A Ilha surgiu há
aproximadamente 3 milhões de anos depois de uma série de explosões vulcânicas.
POR JÉSSICA TOKARSKI JAN
18, 2023 CIENCIA UFPR
O aumento da produção e do consumo de novos materiais, a
partir do desenvolvimento tecnológico, tem ampliado a capacidade de os seres
humanos influenciarem o ciclo geológico da Terra, tornando-nos capazes de
alterar irreversivelmente esses processos. A poluição, encontrada especialmente
no ambiente marinho e ocasionada, em grande parte, pelos materiais plásticos,
pode alterar até mesmo os cenários de fauna e de flora do ambiente terrestre.
É o que sugere um
artigo publicado por cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de
outras instituições brasileiras no periódico Marine Pollution Bulletin, da
plataforma ScienceDirect (Elsevier). Os autores encontraram novos dados que
comprovam que o homem está atuando como agente geológico e ocasionando a
geração de novas rochas, a partir da poluição marinha.
Antropoceno – O impacto humano no planeta Terra
é o campo de estudos dos pesquisadores do Antropoceno, perspectiva que
representa o tempo em que a humanidade está se tornando o agente geológico
ativo dos processos geológicos atuais. O tempo geológico, que embasa
importantes teorias fundamentais da ciência moderna –como a Teoria da Evolução
–, representa o reconhecimento de uma escala cronológica que subdivide os 4,5
bilhões de anos de história da Terra e é crucial para o entendimento da
evolução do planeta, desde o seu início até como o conhecemos hoje.
O estudo relata a ocorrência de rochas idênticas às naturais
mas compostas por plástico no Parcel das Tartarugas, região da Ilha da Trindade
– ilha vulcânica localizada a 1.140 quilômetros de Vitória (Espírito Santo) e
administrada pela Marinha do Brasil. O local é uma importante reserva marinha
do Atlântico Sul e uma Unidade de Monumento Natural Brasileiro. As rochas
constituídas por plástico foram identificadas próximo à maior região de ninhos
da tartaruga-verde (Chelonia mydas) e de recifes de caracóis marinhos do
Brasil.
Pertencente à chamada Amazônia Azul – área com riquezas
naturais e minerais abundantes que apenas o Brasil pode explorar economicamente
–, a ilha é habitat natural de aves marinhas e alberga um ecossistema frágil e
único que inclui espécies endêmicas de peixes e diferentes conjuntos recifais.
A descoberta de Fernanda Avelar Santos, doutoranda do
Programa de Pós-Graduação em Geologia da UFPR, aconteceu durante atividades de
mapeamento geológico na Ilha.
“Identificamos quatro tipos de formas de detritos plásticos,
distintos em composição e aparência. Os depósitos plásticos na plataforma
litorânea recobriam rochas vulcânicas; sedimentos da atual praia compostos por
cascalhos e areias; e rochas praiais com superfície irregular devido à erosão
hidrodinâmica”, descreve a pesquisadora.
As rochas plásticas foram encontradas no Parcel das
Tartarugas, localizado na Ilha da Trindade.
Piroplásticos encontrados na ilha, processos naturais como a
erosão atuam sobre as rochas plásticas e criam este tipo de fragmento.
Rocha plástica encontrada no estudo , formada pelo
derretimento e posterior solidificação de plástico liberado no meio ambiente.
Navio Patrulha Oceânico Apa (P121), a Marinha do Brasil
mantém sua presença constante na Ilha da Trindade desde a décade de 50.
Estabelecido em 1957 o Posto Oceanográfico da Ilha da
Trindade foi criado para garantir a posse como território brasileiro, servindo
como base científica.
A base conta com uma população rotativa de 30 a 40 pessoas
entre militares e pesquisadores.
Em 1890 a Inglaterra ocupou a ilha tentando transformá-la em
um entreposto no Atlântico Sul, mas um acordo diplomático resolveu a questão em
1896.
Vista da base científica mantida pela Marinha na Ilha da
Trindade.
Tendo sido ocupada por diversas vezes desde sua descoberta
em 1501, a ilha sofreu com o desmatamento, do qual ainda não se recuperou.
A ilha conta com a presença de 6 espécies de aves marinhas
como o trinta-réis-das-rocas que procuram a ilha para se reproduzir.
Praias como essa são conhecidas como local de desova da
tartaruga-verde.
Especialistas acreditam que o caranguejo terrestre
(Gecarcinus lagostoma) foi introduzido na ilha e tornou-se uma espécie
invasora.
As rochas plásticas foram encontradas no Parcel das
Tartarugas, localizado na Ilha da Trindade.
Os plastiglomerados, análogos às rochas sedimentares, foram
relatados pela primeira vez no Havaí, em 2014. Outro material identificado na
ilha brasileira foi o plastistone, similar às rochas ígneas e com composição
predominantemente plástica. O elemento foi encontrado recobrindo rochas
vulcânicas existentes na região, que registram o último episódio de vulcanismo
ativo no Brasil.
“Além disso, observamos piroplásticos, descritos pela
primeira vez na costa da Inglaterra”, revela Fernanda.
Os materiais retratados no artigo foram visualizados em
campo em 2019 e possuem, no máximo, duas décadas de existência. Amostras
coletadas passaram por análises laboratoriais que permitiram reconhecer
diferentes formas de detritos plásticos. A autora explica que o fenômeno
local-único ocorre acima de dois tipos diferentes de substratos – que
estabelecem a ligação entre o substrato geológico e as formas plásticas.
Antropoceno: a era das consequências promovidas pelos
homens no tempo geológico
A principal contribuição do artigo é o reconhecimento de que
os seres humanos estão se comportando como agentes geológicos e influenciando
os depósitos sedimentares. Com base nas intervenções humanas, os autores
alertam que é necessário questionar o que é verdadeiramente natural.
Para a pesquisadora e coautora Giovana Diório, mestranda em
Geologia na UFPR, o atual comportamento das pessoas em relação à poluição
marinha está provocando uma mudança de paradigma da Geologia clássica, que
possui uma perspectiva pré-antropocênica, ou seja, que entende os processos
antigos da história da Terra a partir de uma concepção baseada no período
anterior à interferência significativa do ser humano nos processos naturais.
“As ocorrências mostram que o impacto humano, assim como os
seus resíduos, estão tão presentes no meio ambiente que começaram a influenciar
processos antes considerados essencialmente naturais, a exemplo da formação de
rochas”, pondera Giovana.
“Ao longo do tempo geológico, os principais agentes
transformadores dos registros da Terra eram naturais. Por exemplo, processos
tectônicos e mudanças climáticas. No entanto, a ação humana nos tempos atuais
está tão penetrante que está modificando o planeta de forma mais acelerada do
que os processos naturais”, declara a autora principal do artigo, que
exemplifica: “ao destruirmos montanhas para exploração mineral ou realizarmos a
construção de estradas, em semanas ou poucos anos essa montanha pode ser
aplainada. Em um contexto de erosão natural, esse processo levaria milhares ou
milhões de anos”.
O processo de formação de uma rocha a partir da poluição
marinha, por exemplo, é rápido e depende de três etapas, nas quais o ser humano
atua como principal agente geológico: disponibilidade de lixo plástico no
ambiente marinho ou costeiro; arranjo e deposição do lixo em um local da praia,
que ocorre quando as pessoas juntam o lixo a fim de descartar ou fazer
fogueira; e aumento da temperatura do ambiente por meio de fogo, que derrete o
plástico interage com os sedimentos da praia formando cimento plástico e,
consequentemente, essas rochas.
Para o geólogo Carlos
Conforti Ferreira Guedes, professor do departamento de Geologia da UFPR e
colaborador no artigo publicado, é necessário preservar estratigraficamente o
impacto humano na Terra. A análise sedimentar e estratigráfica é o estudo e a
descrição dos sedimentos e rochas sedimentares para interpretar como eles foram
formados.
Ele explica que, com os materiais não-naturais, como lixo e
plásticos, ocorrendo de forma indiscriminada na natureza, eles passaram a
participar dos processos sedimentares e a se acumularem junto às rochas clássicas,
ficando preservados no que se chama de registro geológico. “Quando os geólogos
do futuro forem analisar as rochas deste período, poderão reconhecer o impacto
humano na Terra pela identificação desses materiais não-naturais junto aos
materiais naturais”, reflete.
Apesar de ainda não ser possível definir os impactos dessas
rochas compostas por plásticos para o meio-ambiente e como elas irão se
comportar no registro geológico, Fernanda sugere que as Geociências comecem a
considerar a ação humana, assim como os materiais antropogênicos, como
atributos fundamentais nos processos recentes.
“Atualmente, os conceitos clássicos da Geologia consideram
apenas os fatores naturais como preponderantes para definir termos, como a
definição de rocha. Em uma perspectiva do Antropoceno, estes critérios precisam
ser atualizados e integrar a ação humana como aspecto fundamental. Dessa forma,
poderemos entender de que modo estamos impactando o sistema terrestre atual e
buscar soluções para amenizar e construir um futuro geológico em harmonia com
os sistemas naturais”, alerta a cientista.
O impacto humano no planeta Terra é o campo de estudos dos
pesquisadores do Antropoceno, perspectiva que representa o tempo em que a
humanidade está se tornando o agente geológico ativo dos processos geológicos
atuais.
O tempo geológico, que embasa importantes teorias
fundamentais da ciência moderna – como a Teoria da Evolução –, representa o
reconhecimento de uma escala cronológica que subdivide os 4,5 bilhões de anos
de história da Terra e é crucial para o entendimento da evolução do planeta,
desde o seu início até como o conhecemos hoje.