segunda-feira, 28 de maio de 2018

Sociedades científicas endossam manifesto da SBPC contra Projeto que altera lei dos agrotóxicos



Embalagens vazias de agrotóxicos.
Embalagens vazias de agrotóxicos. Foto EBC

Jornal da Ciência / SBPC
Mais de 20 sociedades científicas associadas à SBPC manifestaram total apoio ao documento divulgado na terça-feira, 22 de maio. Na manifestação, a SBPC alerta para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação da chamada “Lei do Veneno” para a saúde pública e pede um debate mais amplo e aprofundado sobre as possíveis consequências do Projeto de Lei

O manifesto da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 6.299/2002, conhecida como “Lei do Veneno”, recebeu o apoio de mais de 20 sociedades científicas associadas desde sua publicação na terça-feira, 22 de maio.

Diante do cenário do uso de agrotóxicos no Brasil e preocupada com a desregulamentação do aparato regulatório de proteção à saúde e ao meio ambiente relacionado aos agrotóxicos no País, a SBPC divulgou um manifesto contra a aprovação do Projeto de Lei que altera a Lei dos Agrotóxicos e alertando para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação deste PL para a saúde pública.
Se aprovado o projeto, o termo “agrotóxico” será substituído pela expressão “produto fitossanitário e produtos de controle ambiental”. Conforme observa a SBPC, o termo agrotóxico ou pesticida é reconhecido mundialmente, e a proposta sugere a troca do termo sem nenhuma justificativa científica plausível.

Além disso, o PL prevê, entre outros pontos, que os agrotóxicos possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se órgãos reguladores, como Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não tiverem concluído suas análises.

Segundo o manifesto, o uso excessivo de agrotóxicos ameaça seriamente os ecossistemas além de representar um problema grave para a saúde. A presença desses compostos nos ecossistemas terrestres e aquáticos representa um risco para os organismos, com vários efeitos negativos já reportados e resultantes desta exposição. “Um relatório do Ministério da Saúde, de 2018, registrou 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico entre 2007 e 2015. A Anvisa apontou, em 2013, que 64% dos alimentos no Brasil estavam contaminados por agrotóxicos. Registre-se que, em apenas doze anos, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 288% no uso de agrotóxicos no Brasil”.

A entidade finaliza o documento conclamando que as instituições de pesquisa, os órgãos governamentais, o Congresso Nacional, as entidades representativas dos diversos setores sociais e a sociedade brasileira como um todo para que seja realizado um debate mais amplo e aprofundado sobre as possíveis consequências deste PL, e com o tempo adequado, para que não se aprove às pressas uma legislação sobre os agrotóxicos que pode trazer consequências ainda mais graves para a saúde da população e para o meio ambiente brasileiro.

Após sua publicação, sociedades científicas de todas as áreas, por todo o País, manifestaram total apoio ao documento divulgado para a SBPC. As seguintes entidades endossam o documento:


Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC)
Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (ABECO)
Associação Brasileira de Cristalografia (ABCr)
Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação – (Socicom)
Sociedade Astronômica Brasileira (SAB)
Sociedade Botânica do Brasil (SBB)
Sociedade Brasileira de Biociências Nucleares (SBBN)
Sociedade Brasileira de Biofísica (SBBF)
Sociedade Brasileira de Catálise (SBCat)
Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS)
Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos (SBCTa)
Sociedade Brasileira de Computação (SBC)
Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM)
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC)
Sociedade Brasileira de Fisiologia Vegetal (SBFV)
Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC)
Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE)
Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI)
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT)
Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO)
Sociedade Brasileira de Parasitologia (SBP)
Sociedade Brasileira de Toxinologia (SBTx)
Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB)
Leia abaixo o manifesto na íntegra:

Manifestação da SBPC sobre o Projeto de Lei Nº 6.299/2002
Está neste momento sendo discutida, em uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a aprovação do Projeto de Lei Nº 6.299/2002, relacionado aos agrotóxicos. O projeto “altera os arts 3º e 9º da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências”.

O projeto de lei traz uma proposta de alteração da Lei nº 7.802/89, restringindo a atuação dos órgãos de saúde e ambiente em todo o processo de liberação e controle dos agrotóxicos, concentrando as competências no setor da agricultura, com destaque para os seguintes pontos: a eliminação dos atuais critérios de proibição de registro de agrotóxicos descritos no § 6º do Artigo 3º da referida Lei, principalmente carcinogenicidade, mutagenicidade, teratogenicidade, distúrbios hormonais e danos ao sistema reprodutivo; a possibilidade de comercialização de produtos que ainda não tenham sido autorizados pelos órgãos de governo, mediante a criação do registro temporário e da autorização temporária. O termo agrotóxico ou pesticida é reconhecido mundialmente, porém a nova legislação proposta sugere a troca do termo agrotóxico para defensivo fitossanitário e produtos de controle ambiental, sem uma justificativa científica plausível para tal.

O uso excessivo de agrotóxicos ameaça seriamente os ecossistemas além de representar um problema grave para a saúde. A presença desses compostos nos ecossistemas terrestres e aquáticos representa um risco para os organismos, com vários efeitos negativos já reportados e resultantes desta exposição. A saúde humana é a mais afetada pelos efeitos adversos do uso de agrotóxicos. Muitas dessas substâncias têm o potencial de se acumular na corrente sanguínea, no leite materno e, principalmente, nos alimentos consumidos pela população. Um relatório do Ministério da Saúde, de 2018, registrou 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico entre 2007 e 2015. A Anvisa apontou, em 2013, que 64% dos alimentos no Brasil estavam contaminados por agrotóxicos. 

Registre-se que, em apenas doze anos, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 288% no uso de agrotóxicos no Brasil.

A literatura científica nacional e internacional aponta que, dentre os efeitos sobre a saúde humana associados à exposição aos agrotóxicos, os mais preocupantes são as intoxicações crônicas, caracterizadas por infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, manifestada através de distúrbios cognitivos e comportamentais, e quadros de neuropatia e desregulação hormonal. Além disso, há estudos que evidenciaram os efeitos imunotóxicos, caracterizados por imunoestimulação ou imunossupressão, sendo este último fator favorável à diminuição na resistência a patógenos ou mesmo diminuição da imunovigilância, com comprometimento do combate às células neoplásicas levando a uma maior incidência de câncer.

A questão dos agrotóxicos, apesar de polêmica por envolver interesses de setores da economia como a indústria química e do agronegócio, é um exemplo importante da necessidade de serem utilizadas evidências científicas para dar suporte à elaboração de legislações e políticas públicas. Um caso clássico mundial, e emblemático, foi o livro “A Primavera Silenciosa” da pesquisadora e escritora norte-americana Rachel Carson, publicado em 1962. Carson denunciou vários efeitos negativos resultantes do uso do DDT em plantações. As suas análises foram a base para a criação de um Comitê de Consultoria Científica do presidente dos Estados Unidos sobre a temática dos agrotóxicos, que acabou por reforçar suas conclusões, fornecendo elementos para a criação futura de órgãos como a Agência de Proteção Ambiental Americana.

Em 2015, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, uma das associações científicas afiliadas à SBPC, elaborou um dossiê de alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde (disponível no site: www.abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/) no qual foram reunidas evidências científicas sobre o risco que toda a população brasileira está correndo frente a medidas que intensificam o uso e a exposição a agrotóxicos no País. Além das consequências para o ambiente e para a saúde da população, o uso exagerado de agrotóxicos afeta a economia brasileira com um custo muito alto (mais de 12 bilhões de dólares por ano) uma vez que a produção de insumos agrícolas, incluindo agrotóxicos, é controlada por grandes multinacionais.

Diante do cenário do uso de agrotóxicos no Brasil e preocupada com a desregulamentação do aparato regulatório de proteção à saúde e ao meio ambiente relacionado aos agrotóxicos no Brasil, a SBPC se manifesta contra a aprovação do Projeto de Lei Nº 6.299/2002 e demais projetos apensados. Alertamos a sociedade brasileira para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação deste PL para a saúde pública. 

A nossa entidade, que está à disposição para trazer as evidências científicas que justificam sua posição, se soma às análises técnico-científicas de órgãos que já se manifestaram pela rejeição do PL como a Fiocruz, o INCA, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública da União, o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente, a ANVISA e a ABA, que produziram notas técnicas alertando para os riscos contidos nesse Projeto de Lei. A SBPC conclama as instituições de pesquisa, os órgãos governamentais, o Congresso Nacional, as entidades representativas dos diversos setores sociais e a sociedade brasileira como um todo para que seja realizado um debate mais amplo e aprofundado sobre as possíveis consequências deste PL, e com o tempo adequado, para que não se aprove às pressas uma legislação sobre os agrotóxicos que pode trazer consequências ainda mais graves para a saúde da população e para o meio ambiente brasileiro.

Ildeu de Castro Moreira

Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

Do Jornal da Ciência / SBPC, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/05/2018

Nota da Redação: sobre o mesmo tema leia, também:

Em audiência pública na Câmara, Ibama, Fiocruz, Idec e outras entidades se manifestam contra mudança na lei de agrotóxicos
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Nota técnica do MPT pede rejeição a projeto que fragiliza lei dos agrotóxicos
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Fiocruz divulga nota contra flexibilização de lei sobre agrotóxicos
Projeto de Lei 6299/2002, que flexibiliza registro de agrotóxicos, afetará saúde e meio ambiente, afirma MPF

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População, desenvolvimento e degradação ambiental no Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves



População, desenvolvimento e degradação ambiental no Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”
Augusto Comte (1798-1857)

crescimento do PIB, da população e da renda per capita no Brasil: 1822-2022

[EcoDebate] O Brasil já nasceu grande em termos de extensão territorial, mas ainda era uma economia pequena no século XIX. Com o fim da escravidão (1888) e a Proclamação da República (1889) o país redirecionou o seu sistema produtivo para a busca do desenvolvimento nacional e, progressivamente, para o fortalecimento do mercado interno.
O lema “Ordem e Progresso” foi inscrito na bandeira nacional por influência dos positivistas. Este binômio foi inspirado no lema do sociólogo francês Auguste Comte (1798-1857), considerado o pai do positivismo: “Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”. O progresso era uma ideia em moda no século XIX e a Europa era uma referência para o mundo na medida em que conquistava territórios e vendia seus produtos modernos. Inspirados na ideologia europeia, os positivistas brasileiros tiveram papel de destaque na Proclamação da República (Só não se sabe porque eles não colocaram a palavra amor na faixa da bandeira nacional).
Naquela época, o Brasil era um país pouco povoado, rural, agrário e com pouca integração entre suas diversas regiões. Desta forma, não é de se estranhar que o progresso estivesse relacionado ao crescimento populacional, ao desenvolvimento econômico, à dominação da natureza e à grandeza da Pátria. Não havia preocupação com as questões ambientais e a defesa da biodiversidade.
O presidente do Brasil, Afonso Pena (1906-1909), dizia que “Governar é povoar”. Já Washington Luis (1926-1930), ampliando esta concepção, dizia que “Governar é abrir estradas”. A frase completa do último presidente da República Velha, dando ênfase à ocupação do território, é: “Governar é povoar; mas, não se povoa sem se abrir estradas, e de todas as espécies; Governar é, pois, fazer estradas”.
O Presidente Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) chegou ao poder prometendo redirecionar o desenvolvimento brasileiro para o mercado interno e para o interior. Ele apoiou a família extensa, o crescimento populacional e a migração para o Oeste. Os trabalhadores assalariados da CLT foram premiados com um “salário-família” a título de estimular uma prole numerosa. No governo Vargas foram implantadas políticas sociais que, de forma intencional ou não, tinham objetivos pronatalistas.
Mas além da política positivista voltada para o crescimento populacional, na era Vargas houve uma legislação claramente anti-controlista, por exemplo: a) o Decreto Federal n. 20.291, de 11 de janeiro de 1932 estabelecia “É vedado ao médico dar-se à prática que tenha por fim impedir a concepção ou interromper a gestação”; b) a Constituição de 1937 em seu artigo 124 diz: “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. As famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus encargos”; c) em 1941, durante o Estado Novo, foi sancionada a Lei das Contravenções Penais que em seu artigo 20 proibia: “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar o aborto ou evitar a gravidez”.
A maior obra do presidente pós Segunda Guerra, Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), foi a construção da Via Dutra (BR 116), inaugurada em 19 de janeiro de 1951 ligando as duas maiores cidades do Brasil. Após o segundo governo Vargas, foi eleito o Presidente Juscelino Kubitschek que tinha como lema central a bandeira: “50 anos em 5”. Ele prometia acelerar a modernização do país, construindo hidrelétricas, indústria de base, automóveis, bens de consumo em geral e, principalmente, a construção de Brasília e a conquista do Cerrado. Os governantes brasileiros sempre consideraram a natureza uma fonte inesgotável de riquezas que deveriam ser exploradas sem maiores considerações e seguiram a visão cornucopiana de Pero Vaz de Caminha: “Aqui, nesta terra, em se plantando, tudo dá.”
Os militares, que tomaram o poder em 1964, estavam na linha de frente da exploração desenfreada do meio ambiente e da política populacional expansionista do “Brasil potência”. Mesmo com as precárias condições de vida e a falta de investimentos no bem-estar qualitativo da população, os primeiros governos militares adotaram uma política pronatalista, como mostrou Canesqui: “A doutrina da Segurança Nacional, adotada pelo regime militar no período 1964-1970, assegurou a posição natalista, incluindo expectativas quanto ao crescimento demográfico e o preenchimento dos espaços vazios de regiões a serem colonizadas (Amazonas e Planalto Central). Esta preocupação ficou bastante clara no Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970) do governo Costa e Silva. Este mesmo governo reafirmou suas convicções natalistas face ao desenvolvimento e à segurança, em mensagem dirigida ao Papa Paulo VI, por ocasião da publicação da Encíclica Humanae Vitae (1968) de forma a não contrariar a posição oficial da Igreja Católica, diante da política controlista da natalidade”.
Seguindo a linha dos governos autoritários, o general linha dura e Presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) chegou a estabelecer a seguinte orientação para o processo de ocupação territorial: “Levar os homens sem-terra à terra sem homens”. Na Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, o General Costa Cavalcante, Ministro do Interior e representando o governo, proferiu um discurso claramente antiecológico: “Para a maioria da população mundial, a melhoria de condições é muito mais uma questão de mitigar a pobreza, dispor de mais alimentos, melhorar vestimentas, habitação, assistência médica e emprego, do que ver reduzida a poluição atmosférica”.
Após o processo de redemocratização, os governos José Sarney (1985-1989), Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) pouco fizeram para reverter a o quadro de degradação ambiental e redirecionar o processo de desenvolvimento do país. Da mesma forma, os governos Luís Ignácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014) reviveram a linha do neodesenvolvimentista, dando incentivo aos grandes projetos, como o pré-sal, a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas na Amazônia e a venda de commodities do agronegócio e dos agrotóxicos, assim como de produtos minerais altamente poluidores (ferro, bauxita, nióbio, ouro e outros metais). O uso do mercúrio e do cianeto na separação e limpeza da exploração mineral transforma o garimpo em uma das atividades mais poluidoras, tendo como consequência a contaminação de peixes e animais silvestres, afetando inclusive a saúde humana.
O Brasil passa por uma especialização regressiva e a economia está muito dependente de produtos básicos, vindos da “Roça” (agronegócio) e da “Mina” (pré-sal e mineração). A Câmara dos Deputados aprovou, dia 29 de novembro de 2017, o texto-base da Medida Provisória 795/17, que concede isenções tributárias para a indústria do petróleo que podem ultrapassar R$ 1 trilhão em 25 anos. Por conta disto, o Brasil recebeu uma honraria indesejada pelos países durante as negociações climáticas da COP23: o “Fóssil do Dia”. O “prêmio” é dado pela Climate Action Network para os países que ou estão atravancando as conversas na conferência ou não tomando internamente as ações necessárias para o combate às mudanças climáticas. Portanto, a ideologia positivista do desenvolvimentismo a qualquer custo continua viva e virou quase uma religião de Estado.
Evidentemente a ideia de progresso tal como aconteceu no país tem sido questionada por muitas pessoas e diversos movimentos populares. Por exemplo, em entrevista à Revista época (04/06/2012), Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, fez várias críticas sobre a forma como o progresso brasileiro possibilitou o aumento do genocídio dos índios e o ecocídio das espécies vivas do Cerrado e da floresta amazônica. Na verdade dos os ecossistemas brasileiros foram afetados terrivelmente pelo processo de desenvolvimento do Brasil.
O gráfico acima, mostra que até os 200 anos da Independência (1822-2022), a população brasileira terá crescido 46 vezes, o PIB terá crescido 834 vezes e a Renda per capita terá aumentado em 18 vezes. A despeito das desigualdades sociais, o progresso humano foi espetacular. Mas todo o progresso humano ocorreu às custas do retrocesso ambiental. Todos os biomas brasileiros foram afetados e continuam sendo degradados. Os rios urbanos viraram esgotos e foram enterrados vivos. Os dois maiores rios da região Sudeste (rio Doce e Paraíba do Sul) estão em estado de miséria.
O rio São Francisco está cada vez mais sem água e o assoreamento e a degradação é quase uma sentença de morte. Os rios Pajeú e Riacho do Navio só existem na imortal música de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.
Embora o Brasil seja o país com o maior superávit ambiental do mundo, caminha, se forem mantidas as tendências das últimas décadas, para uma situação de déficit. A Footprint Network apresenta duas medidas úteis para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.
A pegada ecológica per capita do Brasil, em 1961, era de 2,4 hectares globais (gha) e a biocapacidade per capita era de 22,7 gha. Portanto, a biocapacidade per capita era 10 vezes maior do que a pegada ecológica. Mas em 2013, a pegada ecológica subiu para 3 gha, enquanto a biocapacidade caiu para 8,9 gha. A relação entre as duas medidas caiu para menos de 3 vezes. O Brasil ainda possui um grande superávit ambiental, mas pode jogar fora todo este patrimônio natural nos próximos 50 anos se nada for feito para reverter o padrão insustentável de desenvolvimento.

pegada ecológica e biocapacidade per capita, Brasil: 1961-2013

A análise apresentada nesse artigo é uma pequena parte do capítulo “Population, development and environmental degradation in Brazil” de ALVES e MARTINE (2017), que compõe o livro “Brazil in the Anthropocene: Conflicts Between Predatory Development and Environmental Policies”, editado por ISSBERNER LR; LENA P. (2017). Uma síntese do capítulo pode ser acessada no link abaixo, com base na apresentação feita no dia 27/09/2017, no Rio de Janeiro. Se o rumo da insustentabilidade não for redirecionado, o Brasil não terá nada a comemorar, em 2022, nos 200 anos da Independência.
Referências:
ALVES, JED; MARTINE, G. Population, development and environmental degradation in Brazil. In: Brazil in the Anthropocene: Conflicts Between Predatory Development and Environmental Policies”, Londres, NYC, Routledge, 2017
ALVES, JED. População, desenvolvimento e degradação ambiental no Brasil, Apresentação do capítulo do livro Brasil no Antropoceno, no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, 27/09/2017
https://pt.scribd.com/document/360151759/Populacao-desenvolvimento-e-degradacao-ambiental-no-Brasil

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“Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”
Augusto Comte (1798-1857)

crescimento do PIB, da população e da renda per capita no Brasil: 1822-2022

[EcoDebate] O Brasil já nasceu grande em termos de extensão territorial, mas ainda era uma economia pequena no século XIX. Com o fim da escravidão (1888) e a Proclamação da República (1889) o país redirecionou o seu sistema produtivo para a busca do desenvolvimento nacional e, progressivamente, para o fortalecimento do mercado interno.

O lema “Ordem e Progresso” foi inscrito na bandeira nacional por influência dos positivistas. Este binômio foi inspirado no lema do sociólogo francês Auguste Comte (1798-1857), considerado o pai do positivismo: “Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”. O progresso era uma ideia em moda no século XIX e a Europa era uma referência para o mundo na medida em que conquistava territórios e vendia seus produtos modernos. Inspirados na ideologia europeia, os positivistas brasileiros tiveram papel de destaque na Proclamação da República (Só não se sabe porque eles não colocaram a palavra amor na faixa da bandeira nacional).

Naquela época, o Brasil era um país pouco povoado, rural, agrário e com pouca integração entre suas diversas regiões. Desta forma, não é de se estranhar que o progresso estivesse relacionado ao crescimento populacional, ao desenvolvimento econômico, à dominação da natureza e à grandeza da Pátria. Não havia preocupação com as questões ambientais e a defesa da biodiversidade.

O presidente do Brasil, Afonso Pena (1906-1909), dizia que “Governar é povoar”. Já Washington Luis (1926-1930), ampliando esta concepção, dizia que “Governar é abrir estradas”. A frase completa do último presidente da República Velha, dando ênfase à ocupação do território, é: “Governar é povoar; mas, não se povoa sem se abrir estradas, e de todas as espécies; Governar é, pois, fazer estradas”.

O Presidente Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) chegou ao poder prometendo redirecionar o desenvolvimento brasileiro para o mercado interno e para o interior. Ele apoiou a família extensa, o crescimento populacional e a migração para o Oeste. Os trabalhadores assalariados da CLT foram premiados com um “salário-família” a título de estimular uma prole numerosa. No governo Vargas foram implantadas políticas sociais que, de forma intencional ou não, tinham objetivos pronatalistas.

Mas além da política positivista voltada para o crescimento populacional, na era Vargas houve uma legislação claramente anti-controlista, por exemplo: a) o Decreto Federal n. 20.291, de 11 de janeiro de 1932 estabelecia “É vedado ao médico dar-se à prática que tenha por fim impedir a concepção ou interromper a gestação”; b) a Constituição de 1937 em seu artigo 124 diz: “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. As famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus encargos”; c) em 1941, durante o Estado Novo, foi sancionada a Lei das Contravenções Penais que em seu artigo 20 proibia: “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar o aborto ou evitar a gravidez”.

A maior obra do presidente pós Segunda Guerra, Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), foi a construção da Via Dutra (BR 116), inaugurada em 19 de janeiro de 1951 ligando as duas maiores cidades do Brasil. Após o segundo governo Vargas, foi eleito o Presidente Juscelino Kubitschek que tinha como lema central a bandeira: “50 anos em 5”. Ele prometia acelerar a modernização do país, construindo hidrelétricas, indústria de base, automóveis, bens de consumo em geral e, principalmente, a construção de Brasília e a conquista do Cerrado. Os governantes brasileiros sempre consideraram a natureza uma fonte inesgotável de riquezas que deveriam ser exploradas sem maiores considerações e seguiram a visão cornucopiana de Pero Vaz de Caminha: “Aqui, nesta terra, em se plantando, tudo dá.”

Os militares, que tomaram o poder em 1964, estavam na linha de frente da exploração desenfreada do meio ambiente e da política populacional expansionista do “Brasil potência”. Mesmo com as precárias condições de vida e a falta de investimentos no bem-estar qualitativo da população, os primeiros governos militares adotaram uma política pronatalista, como mostrou Canesqui: “A doutrina da Segurança Nacional, adotada pelo regime militar no período 1964-1970, assegurou a posição natalista, incluindo expectativas quanto ao crescimento demográfico e o preenchimento dos espaços vazios de regiões a serem colonizadas (Amazonas e Planalto Central).

Esta preocupação ficou bastante clara no Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970) do governo Costa e Silva. Este mesmo governo reafirmou suas convicções natalistas face ao desenvolvimento e à segurança, em mensagem dirigida ao Papa Paulo VI, por ocasião da publicação da Encíclica Humanae Vitae (1968) de forma a não contrariar a posição oficial da Igreja Católica, diante da política controlista da natalidade”.

Seguindo a linha dos governos autoritários, o general linha dura e Presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) chegou a estabelecer a seguinte orientação para o processo de ocupação territorial: “Levar os homens sem-terra à terra sem homens”. Na Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, o General Costa Cavalcante, Ministro do Interior e representando o governo, proferiu um discurso claramente antiecológico: “Para a maioria da população mundial, a melhoria de condições é muito mais uma questão de mitigar a pobreza, dispor de mais alimentos, melhorar vestimentas, habitação, assistência médica e emprego, do que ver reduzida a poluição atmosférica”.

Após o processo de redemocratização, os governos José Sarney (1985-1989), Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) pouco fizeram para reverter a o quadro de degradação ambiental e redirecionar o processo de desenvolvimento do país. Da mesma forma, os governos Luís Ignácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014) reviveram a linha do neodesenvolvimentista, dando incentivo aos grandes projetos, como o pré-sal, a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas na Amazônia e a venda de commodities do agronegócio e dos agrotóxicos, assim como de produtos minerais altamente poluidores (ferro, bauxita, nióbio, ouro e outros metais). O uso do mercúrio e do cianeto na separação e limpeza da exploração mineral transforma o garimpo em uma das atividades mais poluidoras, tendo como consequência a contaminação de peixes e animais silvestres, afetando inclusive a saúde humana.
O Brasil passa por uma especialização regressiva e a economia está muito dependente de produtos básicos, vindos da “Roça” (agronegócio) e da “Mina” (pré-sal e mineração). A Câmara dos Deputados aprovou, dia 29 de novembro de 2017, o texto-base da Medida Provisória 795/17, que concede isenções tributárias para a indústria do petróleo que podem ultrapassar R$ 1 trilhão em 25 anos. Por conta disto, o Brasil recebeu uma honraria indesejada pelos países durante as negociações climáticas da COP23: o “Fóssil do Dia”. O “prêmio” é dado pela Climate Action Network para os países que ou estão atravancando as conversas na conferência ou não tomando internamente as ações necessárias para o combate às mudanças climáticas. Portanto, a ideologia positivista do desenvolvimentismo a qualquer custo continua viva e virou quase uma religião de Estado.

Evidentemente a ideia de progresso tal como aconteceu no país tem sido questionada por muitas pessoas e diversos movimentos populares. Por exemplo, em entrevista à Revista época (04/06/2012), Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, fez várias críticas sobre a forma como o progresso brasileiro possibilitou o aumento do genocídio dos índios e o ecocídio das espécies vivas do Cerrado e da floresta amazônica. Na verdade dos os ecossistemas brasileiros foram afetados terrivelmente pelo processo de desenvolvimento do Brasil.

O gráfico acima, mostra que até os 200 anos da Independência (1822-2022), a população brasileira terá crescido 46 vezes, o PIB terá crescido 834 vezes e a Renda per capita terá aumentado em 18 vezes. A despeito das desigualdades sociais, o progresso humano foi espetacular. Mas todo o progresso humano ocorreu às custas do retrocesso ambiental. Todos os biomas brasileiros foram afetados e continuam sendo degradados. Os rios urbanos viraram esgotos e foram enterrados vivos. Os dois maiores rios da região Sudeste (rio Doce e Paraíba do Sul) estão em estado de miséria.
O rio São Francisco está cada vez mais sem água e o assoreamento e a degradação é quase uma sentença de morte. Os rios Pajeú e Riacho do Navio só existem na imortal música de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.

Embora o Brasil seja o país com o maior superávit ambiental do mundo, caminha, se forem mantidas as tendências das últimas décadas, para uma situação de déficit. A Footprint Network apresenta duas medidas úteis para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.

A pegada ecológica per capita do Brasil, em 1961, era de 2,4 hectares globais (gha) e a biocapacidade per capita era de 22,7 gha. Portanto, a biocapacidade per capita era 10 vezes maior do que a pegada ecológica. Mas em 2013, a pegada ecológica subiu para 3 gha, enquanto a biocapacidade caiu para 8,9 gha. A relação entre as duas medidas caiu para menos de 3 vezes. O Brasil ainda possui um grande superávit ambiental, mas pode jogar fora todo este patrimônio natural nos próximos 50 anos se nada for feito para reverter o padrão insustentável de desenvolvimento.

pegada ecológica e biocapacidade per capita, Brasil: 1961-2013

A análise apresentada nesse artigo é uma pequena parte do capítulo “Population, development and environmental degradation in Brazil” de ALVES e MARTINE (2017), que compõe o livro “Brazil in the Anthropocene: Conflicts Between Predatory Development and Environmental Policies”, editado por ISSBERNER LR; LENA P. (2017). Uma síntese do capítulo pode ser acessada no link abaixo, com base na apresentação feita no dia 27/09/2017, no Rio de Janeiro. Se o rumo da insustentabilidade não for redirecionado, o Brasil não terá nada a comemorar, em 2022, nos 200 anos da Independência.


Referências:
ALVES, JED; MARTINE, G. Population, development and environmental degradation in Brazil. In: Brazil in the Anthropocene: Conflicts Between Predatory Development and Environmental Policies”, Londres, NYC, Routledge, 2017


ALVES, JED. População, desenvolvimento e degradação ambiental no Brasil, Apresentação do capítulo do livro Brasil no Antropoceno, no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, 27/09/2017
https://pt.scribd.com/document/360151759/Populacao-desenvolvimento-e-degradacao-ambiental-no-Brasil