quinta-feira, 10 de setembro de 2020

73% do desmatamento na Amazônia, em julho, se deve ao garimpo em terras indígenas e unidades de conservação



 

 

73% do desmatamento na Amazônia, em julho, se deve ao garimpo em terras indígenas e unidades de conservação




O artigo 231 da Constituição Federal indica que a exploração de garimpo nas terras indígenas é proibida por lei. No entanto, a atividade continua firme e forte na Amazônia. Somente no mês de julho, 73% do desmatamento registrado na floresta amazônica foi provocado pelo garimpo ilegal em unidades de conservação e terras indígenas, ou seja, exatamente nas áreas que deveriam ser protegidas pelo governo.

É o que revela levantamento divulgado pela ONG Greenpeace Brasil, com base em dados do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

De acordo com alertas do sistema Deter/Inpe, foram identificados 2.639 hectares devastados pelo garimpo no bioma e quase a totalidade foi registrada no Pará: 91% ou 2.156 hectares (no início de agosto, o Inpe revelou que mais de 9 mil km2 foram devastados na Amazônia entre 1 de agosto de 2019 e 31 de julho de 2020).

Com mais um detalhe importante: apenas duas cidades da região do Tapajós Itaituba e Jacareacanga – registraram 70% do desmatamento para garimpo na Amazônia. As duas também registram os principais pontos de extração ilegal de ouro, a maior parte em áreas protegidas.
Mais: cerca de 55% de todo o desmatamento destinado à exploração garimpeira na Amazônia Legal ocorreu em três áreas protegidas no Pará, sendo duas terras indígenas:

Área de Proteção Ambiental do Tapajós,
Terra Indígena Munduruku e
Terra Indígena Kayapó (leia sobre estudo do Instituto Socioambiental (ISA) e da Rede Xingu+ que revela aumento de garimpos ilegais e avanço da Covid-19 em terras indígenas).


Marcas do garimpo na Terra Indígena Munduruku / Foto: Marcos Amend/Greenpeace
Os dados atuais demonstram, mais uma vez, que o garimpo não para na Amazônia. De janeiro a abril deste ano, 72% de suas “terras protegidas” já estavam sendo aniquiladas por essa extração. E Carolina Marçal, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil ainda destaca: “Essa realidade explicita a vulnerabilidade em que se encontram essas áreas e os povos indígenas diante da corrida desenfreada pelo ouro, que se alastra como uma epidemia pela Amazônia”.

Exportações de ouro do Pará crescem mais de 400%

O preço do ouro é uma das molas propulsoras do desmatamento na região do Tapajós, que se transformou no epicentro do garimpo ilegal na Amazônia: em julho, o minério atingiu a cotação mais alta em 30 anos no mercado global. O reflexo dessa tendência na maior floresta tropical do planeta é notório.

O Greenpeace conta que, de acordo com dados oficiais, o Pará é o terceiro maior produtor de ouro no Brasil e registrou “salto nas exportações em 2020”: entre janeiro e julho deste ano, “o volume total de ouro oficialmente exportado por este estado foi 418,5% maior do que o do mesmo período no ano anterior”.

Enquanto tiver quem compre “ouro sujo de sangue” – sem certificação de procedência -, a exploração ilegal continuará sendo impulsionada e a floresta amazônica devastada. Até que a última árvore tombe. É isso que queremos?

“Além dos fatores econômicos, existem condições políticas favoráveis para o avanço da atividade. Declarações do presidente Bolsonaro, diminuição da fiscalização e propostas de legalização do garimpo em terras indígenas aumentam ainda mais a pressão sobre a floresta nessas áreas, além de serem uma afronta à Constituição e violarem os direitos dos povos indígenas”, acrescentaCarolina.

Foto: Marcos Amend/Greenpeace

Canadenses se unem para salvar árvore com 250 anos – mais antiga que o próprio país


 

 

Canadenses se unem para salvar árvore com 250 anos – mais antiga que o próprio país



Canadenses se unem para salvar árvore com quase 300 anos - mais antiga que o próprio país
Ela é um carvalho vermelho, com quase 25 metros de altura e com um tronco que tem 5 metros de circunferência. Assim como outras árvores majestosas dessa espécie, ela resiste imponente ao passar dos séculos – mais especificamente, dois séculos e meio. Essa é a idade estimada dessa agora famosa árvore de Toronto, capital da província de Ontário, no Canadá, e que se tornou o centro de uma mobilização popular.

O carvalho fica no quintal de uma residência antiga, uma construção da década de 60, localizada em um bairro residencial da cidade. Todavia, nos últimos anos, o proprietário da casa declarou publicamente que não tinha condições de fazer a manutenção da árvore, que já expandiu suas raízes por todo o terreno.

O problema foi levado para a prefeitura e em 2018, através de uma votação, decidiu-se que a propriedade seria comprada pelo poder público e transformada em um pequeno parque. Todavia, no acordo, ficou estabelecido que parte do dinheiro para a compra do terreno deveria vir de doações privadas.

Foi iniciado então um financiamento coletivo e a população tem até o final de 2020 para arrecadar 50% do valor necessário para a realização do projeto. Até este momento, foi doado apenas 30% do dinheiro necessário, mas os moradores do bairro estão otimistas, principalmente, uma das mais ardorosas defensoras do carvalho centenário, Edith George, de 68 anos.

Nos últimos 14 anos, ela tem lutado pela preservação da árvore. “Nenhuma outra árvore no Canadá pode contar histórias como esta”, diz. “Quando alguma coisa ruim acontece, não vou à igreja. Venho até aqui porque é como a minha catedral. É uma sobrevivente e nos dá esperança em um planeta que está em perigo“.

Canadenses se unem para salvar árvore com quase 300 anos - mais antiga que o próprio país
Edith, ao centro, em frente ao carvalho
De acordo com historiadores, o carvalho gigante fazia parte de uma trilha do Vale de Humber usada por povos indígenas no passado e mais tarde, era rota comercial dos europeus que chegaram ao continente. Grandes árvores eram utilizadas como ponto de referência nessas jornadas. Acredita-se que o carvalho hoje centenário provavelmente já era muito grande quando os franceses perderam o território para os britânicos, que estabeleceram a cidade de York – que mais tarde se tornaria Toronto – em 1793.

Canadenses se unem para salvar árvore com quase 300 anos - mais antiga que o próprio país
O carvalho imponente, com suas folhas verdes durante os meses de calor
Além de toda história que essa árvore representa, ela também cumpriu – e ainda cumpre – um papel importante para o meio ambiente. Estimativas apontam que ela já absorveu mais de 11 toneladas de carbono da atmosfera durante sua existência.

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O Canadá se tornou independente do Reino Unido em 1867, ou seja, ele tem 153 anos como país, bem mais novo do que o carvalho vermelho.

*Com informações da agência de notícias Associated France Press

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Quer salvar as florestas? Salve as aves!


Fotos: domínio público/pixabay (abertura), reprodução Facebook Edith George e divulgação Prefeitura de Toronto/cortesia Randy Van Der Starren

Fogo se espalha pelo Pantanal do MT e atinge parque que abriga a maior concentração de onças-pintadas no mundo


 

 

Fogo se espalha pelo Pantanal do MT e atinge parque que abriga a maior concentração de onças-pintadas no mundo



Reconhecer no projeto de lei que pretende regulamentar a caça de animais silvestres no Brasil qualquer traço histórico não é preservar a cultura, mas referendar o crime e validar a delinquência humana
O Parque Estadual Encontro das Águas, na região de Porto Jofre, se localiza no encontro dos rios Cuiabá e Piquiri, entre os municípios de Poconé e Barão de Melgaço. É uma reserva de 108 mil hectares, que exibe rica biodiversidade pantaneira. Mais do que isso: abriga a maior população de onças-pintadas do planeta.


Entre julho e setembro, período de seca, elas saem em busca de água e caça e, por isso, são vistas com facilidade às margens dos rios, atraindo turistas que querem observa-las. No entanto, este ano, isso não foi nem será possível devido ao fogo, que começou há mais de 40 dias e transformou a paisagem, a rotina e o movimento do Pantanal.


Agora, o fogo chega ao parque estadual, ainda mais ameaçado pelo encontro das chamas: elas avançam pelo Rodovia Transpantaneira, ao norte, e do Mato Grosso do Sul, como mostra a imagem de Ailton Lara, cineasta e diretor das empresas de turismo de vida selvagem Pantanal Nature e Pantanal Jaguar Camp, abaixo. Ele está ajudando no combate.

 

 

Todos unidos contra o incêndio

Assim que os incêndios se alastraram pelo Pantanal, todos se empenharam para combatê-los: não só os profissionais da Operação Pantanal II, que reúne equipes do Corpo de Bombeiros do MT e do MS, agentes do ICMBio e do Ibama, da Sema – Secretaria do Meio Ambiente do Estado, mas também funcionários de pousadas e fazendas, moradores e guias de turismo locais.


Com o incremento de mais 45 brigadistas do Corpo de Bombeiros (equipados com viaturas e equipamentos) para reforçar as ações no parque, hoje, há cerca de 122 pessoas atuando diretamente no combate ao fogo do Pantanal mato-grossense, que contam com o apoio de cinco aeronaves.
Fazendeiros e outros moradores da região tem sido imprescindível cederam tratores, carros-pipas e outros maquinários para ajudar a combater e controlar o fogo dentro do parque.


A prioridade é proteger áreas onde estão pousadas e fazendas, como também as regiões Leste e Norte do Parque Encontro das Águas. E também na região da Estrada Transpantaneira, que tem mais de 140 pontes de madeira ao longo do seu percurso.


“Com suas mãos e por amor”


Hoje, a diretora executiva da Rede Pro UC, Angela Kuczach, fez um relato emocionado no Facebook, que dá bem a dimensão da importância de todas as iniciativas para combater o incêndio que se alastra pelo Pantanal, especialmente as que são baseadas no amor à natureza e a esses animais sagrados.


Ela iniciou seu post contando que o pesquisador americano Alan Rabinowitz “foi um dos maiores defensores da onça pintada no mundo”. Por isso, uma ilha no meio do rio Cuiabá foi batizada com seu nome.


“Não por acaso, a ilha é um dos lugares mais fantásticos do mundo para a observação da onça-pintada! Também é um dos principais refúgios da vida silvestre daquele ponto do Pantanal”. E continuou, comentando sobre os incêndios:


“O fogo veio do sul, varrendo todo o Pantanal. Já queimou reservas, refúgios da arara azul, fazendas, dizimou milhares de vidas, refúgios da fauna, separou mães de filhotes, matou mães e filhotes…. tingiu o céu de vermelho e espalha fumaça por todo o Mato Grosso. Agora, chega a esse lugar magnífico: o último em que a onça se refugia”.


Emocionada, declarou: “Amigos que trabalham pela proteção da onça na região lutam com as próprias mãos para tentar salvar esse lugar sagrado. Sem ajuda. Sem equipamentos para o combate do fogo, com essa intensidade. Só com suas mãos e seu amor por esse lugar que deveria ser sagrado, enquanto o Brasil assiste, passivo, a vida a se esvair”.


Angela finalizou seu post contando que as imagens que o ilustravam (e que reproduzo aqui) são de Ailton Lara, “que está lá, lutando para salvar esse refúgio e as onças”.


Foto (destaque): Zig Koch

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Agrofloresta é alternativa de desenvolvimento na Amazônia





Agrofloresta é alternativa de desenvolvimento na Amazônia

agrofloresta

Agrofloresta é alternativa de desenvolvimento na Amazônia

Enquanto a matéria orgânica desmatada queima na Amazônia para dar espaço para o gado, um novo estudo mostra que sistemas agroflorestais, também conhecidos como agrofloresta, podem gerar benefícios superiores nas dimensões social, ambiental e também econômica.

Os bons resultados foram obtidos na Reserva Extrativista Chico Mendes, no município de Xapuri/AC, onde o WWF-Brasil, em parceria com a Universidade Federal do Acre, EMBRAPA Acre e Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre, testou dois modelos diferentes em duas áreas de solo distintas. Enquanto um deles empatou com o rendimento médio anual da soja, o outro obteve o dobro de lucratividade, comprovando que o desenvolvimento econômico no bioma, com geração de emprego e elevação de qualidade de vida, pode ser obtido com a floresta em pé.


A relação benefício-custo obtida no SAF 01 foi 1,6 – ou seja, para cada real investido, a família terá um retorno de R$ 1,60 ao final do ciclo produtivo. No caso do SAF 02, a relação é ainda maior: 2,3.

A taxa de retorno no SAF 01 foi de 36,59% e de impressionantes 111,2% no SAF 02. O valor anual equivalente por hectare foi de R$ 1.949,61 no SAF 01 e de R$ 4.534,13 no SAF 02. O retorno do investimento é relativamente curto (em torno de dois anos) e a rentabilidade por hectare calculada para 20 anos é o dobro da soja, no caso de um deles, e equivalente, no outro. Em valores atualizados para hoje, o lucro por hectare verificado no SAF 01 foi R$ 22.361,83 e de R$ 52.006,12 no SAF 02.


Em suma, os dois sistemas produtivos estudados se provaram não apenas viáveis técnica e financeiramente, mas também bastante atrativos como alternativa de investimento. Um detalhe importante: a mão de obra representa a maior parte dos custos totais das áreas avaliadas, o que indica o alto potencial de geração de trabalho e renda desses sistemas, o que possibilita remunerar a mão de obra da própria família, com oportunidade de inclusão social e produtiva das mulheres e jovens residentes na zona rural.

Segundo Edegar de Oliveira Rosa, diretor de conservação e restauração do WWF-Brasil, “este estudo mostra que existem outras alternativas de desenvolvimento para a Amazônia e ocupação de áreas já abertas, que conciliam o clima, e todo o seu potencial de produção, com um sistema com funções similares à da floresta nativa.  Além dos benefícios ambientais, este sistema é mais inclusivo, fortalece a economia local e a segurança alimentar. Precisamos sair da lógica do desmatamento para pecuária. A floresta vale muito mais em pé e existem modelos melhores para ocupar as áreas já desmatadas”.

A restauração florestal com agroflorestas é uma importante alternativa de Inclusão social e produtiva na agricultura familiar, possibilitando geração de trabalho e renda, e proporcionando segurança alimentar e nutricional ao mesmo tempo em que promove a recuperação de áreas degradadas e a adequação ambiental dos estabelecimentos e posses rurais em conformidade com a legislação vigente.  Além disso, contribui com a arrecadação de impostos, presta serviços ambientais como captura de carbono e conservação da água, do solo e da biodiversidade, valorizando o bem-estar humano e trazendo benefícios para toda a sociedade.


O novo Código Florestal, de 2012, autoriza agricultores familiares a utilizar sistemas agroflorestais para restauração florestal das Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal com fins econômicos.  No caso do Acre, onde o estudo foi conduzido, o Programa de Regularização Ambiental regulamenta a restauração de passivos com finalidade econômica nas propriedades e posses familiares através de Sistemas Agroflorestais.


Entre os fatores críticos para o sucesso de uma agrofloresta está o financiamento, uma vez que o retorno, embora rápido, acontece dois anos após os investimentos iniciais, e a assistência técnica. O fortalecimento das organizações associativas comunitárias também se constitui em importante estratégia para viabilizar a adoção das agroflorestas como proposta de desenvolvimento que alia inclusão social, produção diversificada e conservação dos recursos naturais.


Descritivo dos experimentos

 

 

As duas agroflorestas analisadas foram implantadas em 2015 na Comunidade Altamira, Seringal Nova Esperança, envolvendo um grupo de 12 famílias associadas à Cooperativa Central de Comercialização Agroextrativista do Acre – COOPERACRE que participam de um projeto de fomento ao plantio de seringueira com objetivo de fornecer Cernambi Virgem Prensado – CVP para a planta industrial da cooperativa, localizada no município de Sena Madureira/AC. A cooperativa foi responsável pelo apoio no preparo do solo e na aquisição e distribuição das mudas enxertadas de seringueira. O WWF-Brasil, através do Projeto Paisagens de Inovações Sustentáveis no Acre – PIS, foi responsável pela realização de oficinas, intercâmbios e assistência técnica junto às famílias, em parceria com a Universidade Federal do Acre, EMBRAPA e SEMA, bem como na aquisição de sementes de adubos verdes. As mudas de espécies arbóreas nativas foram produzidas no viveiro do Parque Zoobotânico da UFAC e também no viveiro temporário construído na comunidade com apoio do projeto.

O SAF 01 foi implantado em área degradada e compactada, com sinais de erosão e presença de plantas indicadoras de solos ácidos e pobres em nutrientes, como o sapé (Imperata brasiliensis), levando a família a introduzir adubos verdes na área. As quatro espécies utilizadas – feijão de porco, gergelim, margaridão e ingá de metro apresentaram crescimento vigoroso e produziram grande quantidade de biomassa, porém elevaram a demanda de mão de obra no sistema. Além da roçagem do feijão de porco e do gergelim, e das podas no margaridão e ingá de metro, a família também utiliza a roçadeira motorizada e aplicação de herbicida para controle da rebrotação da braquiária e outras plantas espontâneas que surgem na área.

O SAF 02 foi implantado no ano de 2015, em área de vegetação secundária em estágio inicial de regeneração (capoeira nova). O preparo do solo foi realizado de forma manual utilizando enxada e facão, sem utilização de calcário para correção da acidez. A composição e arranjo de espécies foi semelhante ao SAF 01, porém utilizando a mandioca como espécie anual e a bananeira sendo introduzida em maior densidade de plantio.


Nesta área não foram utilizados adubos verdes e as espécies arbóreas introduzidas com finalidade econômica foram as mesmas do SAF anterior: araçá boi, camu camu, cacau, açaí, seringueira e mais o cupuaçu.  O SAF 02 foi implantado em uma situação ambiental bem mais favorável, apresentando solo de cor escura e com maior quantidade de matéria orgânica, sem sinais de erosão ou compactação e sem a presença de plantas indicadoras de áreas degradadas. A implantação do sistema foi realizada de forma manual, sem mecanização, e o manejo da vegetação secundária oriunda da regeneração natural gerou grande quantidade de biomassa, o que, aliado ao manejo da bananeira, plantada em maior densidade do que no SAF 01, também torna o sistema dependente de grande quantidade de mão de obra.

A escolha das espécies que irão compor a agroflorestal devem considerar o potencial de acesso aos mercados como critério de planejamento. No caso dos SAFs avaliados, a definição das espécies levou em consideração os produtos processados nas plantas industriais da cooperativa na qual os produtores são associados, em especial as polpas de frutas e o látex coagulado. As políticas públicas voltadas ao acesso de mercados institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, também são importantes alternativas para viabilizar a comercialização de produtos agroflorestais.


Os consórcios implantados foram planejados com base na sucessão ecológica, incluindo, junto com as árvores, espécies agrícolas anuais e semi-perenes que proporcionam retorno altamente positivo nos primeiros anos de estabelecimento do Sistema Agroflorestal, principalmente o abacaxi e a banana. O uso de espécies de ciclo curto nas áreas de restauração florestal influencia positivamente o fluxo de caixa e diminui o tempo de retorno do capital investido. A boa remuneração proporcionada pelas espécies semi-perenes foi chave para a viabilidade dos SAFs avaliados, se constituindo em grupo essencial no planejamento produtivo das áreas de restauração florestal com finalidade econômica.


A importância das agroflorestas para o Acre

 

Segundo dados do Cadastro Ambiental Rural – CAR, o Estado do Acre possui um passivo ambiental de 302.177 hectares, dos quais 117.983 estão localizados em pequenas e médias propriedades. Neste contexto, as agroflorestas possuem enorme potencial de restauração desses passivos nas áreas de agricultura familiar e agroextrativista, possibilitando agregar geração de renda na atividade.


A porção leste do Estado do Acre, região em que se localiza a RESEX Chico Mendes, faz parte do chamado “Arco do Desmatamento”, uma área que apresenta os maiores índices de desflorestamento da Amazônia brasileira. Mesmo com o crescimento do desmatamento verificado nos últimos anos, a RESEX Chico Mendes mantém mais de 90% de sua cobertura florestal e corrobora com a tese de que as áreas protegidas funcionam como barreiras ao avanço do desmatamento.

Fonte: WWF Brasil


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/09/2020

CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Discurso ‘pró-garimpo’ aumenta desmatamento, ameaça indígenas e internacionaliza floresta.

 

 

Discurso ‘pró-garimpo’ aumenta desmatamento, ameaça indígenas e internacionaliza floresta. Entrevista especial com Dário Bossi, Bruno Milanez e Luiz Jardim Wanderley

Segundo os ambientalistas, a abertura do atual governo para a atividade traz consigo mais desmatamento na Amazônia, expõe comunidades originárias e ‘entrega’ recursos naturais a capital estrangeiro

Por: Patricia Fachin | Edição: João Vitor Santos / IHU


Que o governo de Jair Bolsonaro não é afeito à atenção e cuidado com a região amazônica não é nenhuma novidade. No entanto, é preciso estar atento para o fato de que, além de ‘abrir a porteira para a boiada’, a facilitação da atividade de mineração em terras preservadas, especialmente pertencentes a comunidades indígenas, dispara uma cadeia de danos a toda a região. Segundo Dário Bossi, Bruno Milanez e Luiz Jardim Wanderley, ambientalistas que atuam na Amazônia, “o garimpo vem sendo um importante vetor de desmatamento em Terras Indígenas e Unidades de Conservação”.

Em entrevista conjunta, concedida por e-mail à IHU On-Line, apontam que “nos últimos anos, desde o início da crise em 2015, o garimpo vem aumentando sua participação no desmatamento na Amazônia. A partir de 2019, essa tendência se aprofundou ainda mais, com a permissividade da política ambiental de Bolsonaro e o discurso pró-garimpo”. Mas os danos não param por aí.


Depois que o Estado permite a instalação do garimpo, violência contra indígenas, outros conflitos, contaminação por metais pesados e instalação de garimpos ilegais passam pelos caminhos abertos pelas grandes empresas. “A construção de infraestrutura de apoio para as atividades industriais (estradas, aeroportos, hotéis, mercados, centros comerciais etc.) facilitaria o acesso às Terras Indígenas e reduziria o custo de instalação das mineradoras ilegais”, exemplificam.
Aliás, empresas essas que, em sua maioria, estão ligadas a grandes corporações internacionais. Ou seja, os ambientalistas ainda observam que o poder estatal é quem está entregando a Amazônia para estrangeiros. “Os dados mostram que, diferente do que é dito pelo presidente, não seriam as ONGs as responsáveis pela ‘internacionalização da Amazônia’, mas sim as empresas mineradoras, por meio de complexas estruturas de propriedade, que garantem ao capital financeiro global o controle das reservas minerais da região e, consequentemente, direito para definir o uso do solo, podendo expulsar de seus territórios pequenos agricultores e comunidades tradicionais”, sintetizam.


Dário Bossi é missionário comboniano, membro da rede Iglesias y Minería e assessor da Comissão especial para Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.
Bruno Milanez é doutor em Política Ambiental pela Lincoln University, Nova Zelândia, e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador do Grupo Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração Ambiente e Sociedade – PoEMAS.


Luiz Jardim Wanderley é doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor da Universidade Federal Fluminense e coordenador do Grupo Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração Ambiente e Sociedade – PoEMAS.


Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – Por que a Amazônia é um território visado pelas empresas de exploração mineral?
Dário Bossi, Bruno Milanez e Luiz Wanderley – Primeiro, devemos lembrar que o território amazônico é visado há muito tempo pelas empresas mineradoras. A mineração em larga escala já tem mais de meio século na região, com a descoberta de manganês na Serra do Navio (AP), na década de 1940, e o início de sua exploração na década seguinte. Ao final da década de 1960, os achados de minério de ferro de Carajás e de bauxita em Porto Trombetas, no Pará, motivaram políticas públicas de pesquisa, como o projeto RADAM [operado entre 1970 e 1985 no âmbito do Ministério das Minas e Energia, foi dedicado à cobertura de diversas regiões do território brasileiro, em especial a Amazônia, por imagens aéreas de radar, captadas por avião].


Na década de 1970 e 1980, novas descobertas foram feitas, como o nióbio de Seis Lagos, no Amazonas, o caulim nos vales dos rios Capim e Jari, no Pará, o estanho de Bom Futuro, em Rondônia e em Pitinga no Amazonas. Essas descobertas, os fomentos públicos à atividade de mineração na Amazônia e os investimentos estatais e internacionais foram fundamentais para a era dos grandes projetos de mineração na região nos anos 1970 e 1980. Ou seja, é bom enfatizar que já desde 1940 vemos o interesse das mineradoras nacionais e internacionais pelo subsolo da Amazônia brasileira.

garimpo na AmazôniaDepósitos e ocorrências metálicas e principais distritos de mineração e províncias metalogênicas em 2017 (Fonte: CPRM2018)Depósitos e ocorrências metálicas e principais distritos de mineração e províncias metalogênicas em 2017 (Fonte: CPRM2018)

As mineradoras são atraídas para a Amazônia também graças às grandes subvenções públicas, às isenções fiscais e à facilitação de créditos dos bancos públicos. Alessandra Cardoso, do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc, chama a Amazônia de “paraíso extrativo e tributário das transnacionais da mineração” . Para além da Lei Kandir, que isenta do ICMS os minérios extraídos em todo território nacional para exportação, no caso específico da Amazônia há incentivos fiscais concedidos pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – Sudam, que incluem descontos de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica.

Cobiça sobre áreas ainda não pesquisadas

 

Amazônia ainda é uma importante fronteira mineral, quem sabe uma das últimas do mundo. Isso significa que há um grande volume de áreas não exploradas pelas mineradoras, mas também desconhecidas de suas potencialidades minerais. Existem ainda grandes porções do território amazônico que nunca foram pesquisadas, ou que possuem pesquisas minerais muito incipientes. Essas áreas estão sobretudo em florestas de proteção integral (94 milhões de ha) e Terras Indígenas (115 milhões de ha), que tornam 40% do território proibido à exploração da mineração. Assim, a possível abertura de mais de 200 milhões de hectares sem pesquisa aprofundada é uma das grandes cobiças das mineradoras sobre a região.


Em junho deste ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos, criou a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos. Essa proposta pretende facilitar o licenciamento ambiental para exploração de “minerais estratégicos” para o país. A definição de “estratégico”, porém, é muito ampla: refere-se a minerais de cuja importação depende a economia brasileira, ou importantes para produtos de alta tecnologia, ou que podem oferecer uma vantagem comparativa no superávit de nossa balança comercial. Nesses termos tão genéricos cabe tudo: ferro, bauxita, cobre, níquel, fósforo, potássio, nióbio etc.: mais um ataque anunciado à Amazônia!



IHU On-Line – O que predomina na Amazônia hoje, a mineração empresarial ou a mineração garimpeira?


Dário Bossi, Bruno Milanez e Luiz Wanderley – Atualmente, na Amazônia, ambos os processos de extraçãogarimpos e mineração, ocorrem concomitantemente. Em alguns casos mineração e garimpos trabalham lado a lado, como em áreas do Tapajós, no oeste paraense, ou no norte do Mato Grosso. Em Aripuanã (MT), a empresa Nexa da Votorantim fez, este ano, um acordo com garimpeiros para operarem às margens de seu empreendimento.
Bacia Amazônica com a localização do rio Tapajós | Mapa: Wikipédia 
Bacia Amazônica com a localização do rio Tapajós | Mapa: Wikipédia

Geralmente há uma diferença de poder entre esses dois grupos extratores de minério. Enquanto os empresários dos garimpos possuem poder local e regional, sobretudo nos municípios e às vezes a nível estadual, as mineradoras, em especial as transnacionais, possuem poder para influenciar a política estadual e nacional, alterando as leis e influenciando a política mineral.

No governo Bolsonaro, os empresários do garimpo vêm ganhando força nas negociações políticas junto ao Executivo. Mas isso tem menos a ver com um aumento da sua influência econômica e mais por uma proximidade com o discurso fisiológico do atual governo, antiambientalista, pró-ilegalidades e anti-indígena.

Força-Tarefa Amazônia

 

Uma recente e detalhada reportagem da Agência Pública deu visibilidade às investigações da Força-Tarefa Amazônia (FTA), que desvendaram no sistema dos garimpos uma “lavanderia” de dinheiro sujo a céu aberto, envolvendo o coração financeiro da América do SulSão Paulo. No esquema, o ouro extraído na Amazônia ilegalmente, sobretudo em Terras Indígenas e Unidades de Conservação, é legalizado por empresas de compra de ouro (DTVMs) que as incorpora legalmente no sistema financeiro paulista como ativos para investimentos.

Em junho de 2020, um dos empresários que banca o lobby para legalização do garimpo em Terras Indígenas participou de audiência com o vice-presidente, Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, a quem entregou um documento em que empresários do garimpo e agentes financeiros assumem o compromisso de combater a ilegalidade, desde que o governo federal garanta o fim de ações repressivas e da destruição de equipamentos de mineração.

O interesse crescente pelo ouro no Brasil se dá num contexto de consistente aumento do valor desse minério no mercado internacional, considerado um “valor refúgio” em tempos de pandemia e de conflitos comerciais entre a China e os Estados Unidos. Eterna segurança financeira em momentos de crise financeira e volatilidade das moedas nacionais, o ouro valorizou 78% em um ano (julho 2019-2020).

“O interesse crescente pelo ouro no Brasil se dá num contexto de consistente aumento do valor desse minério no mercado internacional”

 

Mobilização contra investimento no ouro

 

A rede Igrejas e Mineração e diversas entidades de defesa dos direitos humanos e da natureza, no mundo, criticam fortemente os investimentos em ouro, sendo a extração desse metal um dos processos mais poluentes e impactantes. E ainda, do ponto de vista social, o trabalho insalubre e perigoso em garimpos se torna uma das poucas opções para trabalhadores e trabalhadoras desempregados e sem perspectivas no interior da Amazônia.

Empresas de mineração

 

Entre as mineradoras, a ex-estatal Vale S.A. (antiga Companhia Vale do Rio Doce – CVRD) se destaca como principal mineradora da Amazônia e do Brasil, responsável pelo grande projeto Carajás – complexo minerometalúrgico que extrai ferro, cobre, ouro e níquel no sudeste do Pará e escoa pela Estrada de Ferro Carajás, que se estende até São Luís do Maranhão. Ao longo do caminho, uma mínima parte do minério é transformada em ferro-gusa. A Vale S.A. é proprietária majoritária da Mineração Rio do Norte (MRN) de bauxita, em Oriximiná (PA).


Além disso, foi a construtora e operadora do complexo metalúrgico de alumínio em Barcarena e da mina de bauxita em Paragominas, ambos vendidos para norueguesa Hydro na última década. Podemos citar também outras grandes mineradoras transnacionais na Amazônia, como a Alcoa World Alumina Brasil Ltda., que além de ser a segunda maior sócia da MRN, também opera a mina de bauxita em Juruti-PA; a Mineração Taboca S.A., que extrai estanho em PitingaAmazonas; a Mineração Buritirama S.A., exploradora de manganês em MarabáPará. E as mineradoras de ouro Beadell Brasil Ltda., no AmapáMineração Apoena S.A. no Mato Grosso e Serabi Mineração S.A. no Pará.
IHU On-Line – O que significa dizer que a mineração está devastando a Amazônia brasileira? É possível estimar que percentual da Amazônia já foi devastado por causa desses empreendimentos?


Dário Bossi, Bruno Milanez e Luiz Wanderley – Diferente do argumento das empresas mineradoras, segundo as quais o impacto da mineração ocorre apenas onde existe a cava, deve-se levar em consideração todos os impactos associados à infraestrutura, bem como à ocupação decorrente dos projetos minerais.

O caso mais emblemático, apresentado acima, é o complexo mina-ferrovia-porto do Programa Grande Carajás, que foi instalado na metade dos anos 1980 com o objetivo de escoar 35 milhões de toneladas de minério de ferro por ano e chegou recentemente a duplicar toda sua infraestrutura, abrindo novas minas no coração da Floresta Nacional de Carajás, construindo uma segunda ferrovia ao lado da primeira e expandindo o porto de Ponta da Madeira em São Luís (MA), na perspectiva de alcançar o patamar de exportação de 150 milhões de toneladas por ano.


Uma infraestrutura desse nível rasga os territórios da Amazônia, provocando desmatamentoexpulsão de comunidades e famíliascontaminação do solo, do ar e da água, assoreamento de córregos e rios, poluição sonora e acidentes por atropelamento de animais e pessoas pelos trens, que continuamente atravessam os territórios de cerca de 100 comunidades.

Apesar de provocar tantos danos, a expansão desse complexo minerador está oficialmente habilitada pelo estado a operar no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura.

Minério e soja

 

A infraestrutura implantada para o escoamento do minério de ferro está servindo também para a exportação de soja, que chegou a 7,9 milhões de toneladas em 2019. Sendo a composição das ferrovias Norte-Sul e Carajás um canal privilegiado de escoamento dos produtos do monocultivo que hoje estão ameaçando a Amazônia.

Discurso pró-garimpo aumenta desmatamento

 

De acordo com artigo publicado no periódico Nature Communication, projetos extrativos de mineração podem induzir desmatamento até uma distância de 70 km das concessões minerais. A mesma pesquisa indica que as operações minerais em larga escala na Amazônia induziram um desmatamento 12 vezes maior do que a área de lavra concedida, tendo sido responsáveis, ao todo, por 9% do desmatamento na região entre 2000 e 2015.


Além disso, o garimpo vem sendo um importante vetor de desmatamento em Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Nos últimos anos, desde o início da crise em 2015, o garimpo vem aumentando sua participação no desmatamento na Amazônia. A partir de 2019, essa tendência se aprofundou ainda mais com a permissividade da política ambiental de Bolsonaro e o discurso pró-garimpo.

“Operações minerais em larga escala na Amazônia induziram um desmatamento 12 vezes maior do que a área de lavra concedida; tendo sido responsáveis, ao todo, por 9% do desmatamento na região entre 2000 e 2015”

IHU On-Line – Quais são as empresas mais interessadas na exploração mineral na Amazônia?


Dário Bossi, Bruno Milanez e Luiz Wanderley – Considerando os dados sobre concessão de lavra disponibilizados pela Agência Nacional de Mineração – ANM em 2019, as empresas nos estados da Amazônia Legal que possuíam direito minerário sobre a maior área eram a Companhia Brasileira de Alumínio (Grupo Votorantim), Vale S.A.Mineração Rio do Norte (Vale/Brasil, 40%, Alcoa/EUA, 21%, South32/Austrália, 14%, Rio Tinto/Austrália, 12%), Mineração Taboca S.A. (Minsur/Peru) e Mineração Paragominas S.A. (Hydro/Noruega).

Por outro lado, se baseamos nossas análises nas autorizações de pesquisa, as empresas que se destacam seriam Potássio do Brasil Ltda. (Brazil Potash/Canadá), Amazonas Exploração e Mineração Ltda. (Amazon Resources Ltd/Reino Unido), Amarillo Mineração do Brasil Ltda. (Amarillo Gold Corporation/Canadá), Potássio Ocidental Mineração Ltda. (Pacific Silk Road Corporation/Canadá) e Vale S.A.

Em primeiro lugar, chama a atenção a presença do capital internacional já controlando grande parte do subsolo da Amazônia, seja em termos presentes (concessão de lavra), seja em termos futuros (autorização de pesquisa). Os dados mostram que, diferente do que é dito pelo presidente, não seriam as ONGs as responsáveis pela “internacionalização da Amazônia”, mas sim as empresas mineradoras, por meio de complexas estruturas de propriedade, que garantem ao capital financeiro global o controle das reservas minerais da região e, consequentemente, direito para definir o uso do solo, podendo expulsar de seus territórios pequenos agricultores e comunidades tradicionais. Como afirmou o presidente em 2019: “o interesse é no minério”.

Ao se olhar para as licenças de pesquisa, percebe-se uma maior atuação de empresas de capital fechado, sobre as quais é mais difícil obter dados. Possivelmente essas empresas apenas negociam ou especulam os direitos minerários. Algumas talvez realizem as pesquisas minerais, e se elas se mostrarem economicamente viáveis, possivelmente venderão seus direitos para empresas maiores que tenham capacidade de realizar a atividade de extração.

Deve-se levar em conta, porém, que os dados da ANM não permitem avaliar a relação entre as empresas. Por exemplo a Mineração Santa Elina (6ª posição no ranking de pesquisa) é proprietária da Mineração Silvana (8ª no ranking de pesquisa). Considerando as áreas das duas conjuntamente, elas ficariam em terceiro lugar em pesquisa mineral na Amazônia. É possível que elas, assim como outras empresas mineradoras, tenham mais de uma subsidiária; por isso, torna-se muito difícil identificar com certeza quais empresas dominam o subsolo da Amazônia.
É interessante aprofundar, como exemplo, os interesses da empresa Vale S.A. Na Assembleia Geral de Acionistas de abril 2020, a multinacional declarou ter 71 requerimentos para exploração minerária em Terras Indígenas (cujas maiores extensões estão na Amazônia). Interpelado pelos acionistas críticos da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, o diretor executivo de Finanças e Relações com Investidores da companhia afirmou que a empresa entrou com um pedido de devolução de todos esses requerimentos. No entanto, uma reportagem de The Intercept Brasil demonstrou que a companhia mentiu duas vezes: tem ao todo 236 requerimentos; não há registros na Agência Nacional de Mineração dessa desistência, ao contrário, a Vale se ofereceu para defender a mineração dentro de terras indígenas em ações movidas pelo Ministério Público do Pará.


IHU On-Line – Uma parte significativa das terras indígenas e áreas protegidas na Amazônia já está registrada em nome de empresas mineiras, que disputam o direito à exploração das terras. Quais são as terras mais visadas pelas empresas, por quais razões e como tem acontecido esse processo?

Dário Bossi, Bruno Milanez e Luiz Wanderley – Segundo uma reportagem do Estadão, existem hoje 3.212 processos ativos de atividades minerais previstas dentro das Terras Indígenas da Amazônia Legal. Esses pedidos envolvem uma área total de 24 milhões de hectares, o equivalente a 21% de todo o território indígena da Amazônia Legal.


As terras mais ameaçadas, de acordo com os dados do Instituto Socioambiental – ISA, são a TI Yanomami (RR, AM) com 449 processos minerários, a TI Menkragnoti (PA, MT) com 374, e a TI Baú (PA) com 214. Do ponto de vista de percentual das áreas solicitadas, essa lista muda um pouco dado que no caso das TIs BaúRio Paru d’Este (PA) e Xikrin do Cateté (PA) os pedidos de pesquisa já correspondem a 100% de toda a sua extensão. Ou seja, se todos esses pedidos forem concedidos, esses territórios em sua integralidade serão transferidos para as companhias mineradoras.


Essa situação mostra a baixa preocupação e a forma displicente com que o Estado brasileiro lida com a questão das TIs. Uma vez que a legislação não permite a extração mineral em Terras Indígenas, esses pedidos deveriam ser automaticamente negados. Porém, ao invés de recusar as solicitações, a ANM os deixa em “espera”, como se fosse uma fila aguardando a regulamentação. À medida que essa fila cresce, aumenta a pressão sobre o governo pela liberação da TI. Ao mesmo tempo, dada a ideia do “direito de prioridade” que é comumente adotado pelas empresas do setor, isso vai criando um sentimento de propriedade e de direito adquirido, que torna depois a situação muito pior.


Já houve ao menos um caso no Canadá onde uma empresa mineradora solicitou o direito de pesquisa, mas como não realizou corretamente os protocolos junto aos Povos Indígenas, enfrentou grande resistência, que acabou por inviabilizar economicamente o projeto. Por fim, a empresa desistiu e processou o governo provincial, por não ter realizado os lucros que esperava. É esse o tipo de problema que pode ser gerado aqui, caso se avance com a permissão da mineração em Terras Indígenas.

“Uma vez que a legislação não permite a extração mineral em Terras Indígenas, esses pedidos deveriam ser automaticamente negados”

IHU On-Line – Nos últimos anos, aumentou o número de pedidos de exploração mineral na Amazônia e o próprio presidente, Jair Bolsonaro, encaminhou o PL 191/2020 ao Congresso, propondo a extração mineral em terras indígenas. Caso o projeto seja aprovado, que consequências vislumbra?


Dário Bossi, Bruno Milanez e Luiz Wanderley – Uma das principais resistências em defesa da Amazônia e em apoio aos povos indígenas deve ser contra o PL 191. É preciso garantir o direito ao consentimento prévio, livre e informado a estes povos, fortalecendo a oposição à mineração em suas terras, importante estratégia para preservação dos territórios amazônicos!


Nos termos do PL, se a Terra Indígena objeto de exploração não estiver com a sua demarcação já homologada por decreto presidencial, as comunidades ocupantes não precisam ser sequer ouvidas. Do ponto de vista local, o impacto mais direto seria o aumento da entrada de não indígenas (incluindo garimpeiros) nas TIs e, consequentemente, um crescimento significativo dos conflitos territoriais e da violência contra os indígenas.

Dizer que a mineração em grande escala vai necessariamente impedir a atuação dos garimpeiros e da mineração ilegal é uma falácia. Como falamos anteriormente, não necessariamente essas atividades são concorrentes. Portanto, não haveria garantia de que a entrada da mineração formal inibiria a extração ilegal. A mineração de aluvião ou de reservas de baixo teor, principalmente em áreas remotas, apresenta pequena atratividade para grandes empresas mineradoras.


Para ser economicamente viável, a extração dessas reservas depende de condições precárias de operação, tais como pistas de pouso clandestinas e inseguras, alojamentos insalubres, alimentação insuficiente, ausência de estrutura médica, uso de tecnologia poluente, inexistência de controle ambiental etc. Assim, elas não atrairiam empreendimentos industriais e continuariam sendo exploradas de forma precária e irregular, apesar de um verniz de legalidade concedido pela eventual regulamentação.

Infraestrutura: caminhos para mais mineração ilegal

Além disso, a construção de infraestrutura de apoio para as atividades industriais (estradas, aeroportos, hotéis, mercados, centros comerciais etc.) facilitaria o acesso às TIs e reduziria o custo de instalação das mineradoras ilegais. Ainda nesse sentido, deve ser levado em consideração que os projetos minerais são caracterizados pela ocupação temporária de mão de obra. A dinâmica econômica de expansão/retração das operações minerais geraria excedentes de trabalhadores não-indígenas desempregados dentro das TIs que, provavelmente, optariam pela extração ilegal até um novo ciclo de contratação.

Por exemplo, a redução da produção mineral na região de Ciudad Guayana, na Venezuela, causou um grande desemprego no setor, liberando milhares de mineiros que foram buscar trabalho na mineração ilegal no entorno. O município de El Callao foi considerado em 2017 e 2018 o mais violento do país, com a atuação de grupos armados e facções criminosas.

Violência contra indígenas

Cabe lembrar que as violências contra pessoas indígenas no Brasil já são um grande problema que, infelizmente, é ignorado pelo Estado. Estudos recentes apontam que houve 476 assassinatos de pessoas indígenas em conflitos por terra entre 2010 e 2018. Ao longo do ano de 2019, ganhou notoriedade o aumento nas invasões e casos de violência vinculados à mineração ilegal. Nesse sentido, parece haver maior probabilidade de a liberação da mineração em TIs aumentar a violência nesses territórios do que diminuí-la.

Danos ambientais

Para além do aumento da violência, conforme mencionado anteriormente, outro problema diretamente associado à entrada da mineração em TIs serão os impactos ambientais decorrentes do desmatamento. O crescimento da derrubada de florestas teria impactos significativos em escala local, regional, nacional e global. Localmente, ela diminuiria a biodiversidade, limitaria a disponibilidade de caça para os Povos Indígenas e aumentaria o assoreamento de igarapés e rios, prejudicando o abastecimento de água, a pesca e a navegação. Em escala regional, a redução da área florestada impactaria negativamente a umidade e a incidência de chuva, aumentando a probabilidade de grandes incêndios e intensificando a savanização da Floresta Amazônica.

Do ponto de vista nacional, a perda de área de Floresta Amazônica impactaria diretamente a quantidade de chuva no país, prejudicando o abastecimento de água, a agricultura e a geração de energia hidrelétrica. Ainda, no nível global, deve-se considerar a contribuição desse desmatamento para as mudanças climáticas, uma vez que as florestas existentes nas TIs na Amazônica brasileira retêm cerca de 13 bilhões de toneladas de carbono.

Apesar de a mineração em TI ainda ser proibida, alguns povos já sofrem com impactos diretos da mineração e de sua infraestrutura sobre a saúde indígena e modo de vida. É importante trazer à memória o conflito entre o povo Xikrin do Cateté e a mineradora Vale, que instalou 14 empreendimentos de cobre, níquel e outros minérios ao redor de suas terras. Em sete anos de atividade, a extração e o beneficiamento de níquel pelo projeto Onça Puma contaminaram com metais pesados o rio Cateté e inviabilizaram a vida dos cerca de 1.300 Xikrin. Casos de malformação fetal e doenças graves foram comprovados em estudos.

O procurador federal Felício Pontes testemunhou: “O chão treme com as bombas advindas da operação do empreendimento, afugentando a fauna e prejudicando a caça. O rio está completamente contaminado, o que tem acarretado doenças nos indígenas que não eram registradas entre eles, como lesões dermatológicas, angioedemas deformantes e cefaleias”.

“Se a ANM não tem controle sobre as barragens que existem em Minas Gerais, o que dirá da situação na Amazônia”

IHU On-Line – Quais são os riscos de acontecer um desastre ambiental e social como o de Mariana ou Brumadinho, na Amazônia?

Dário Bossi, Bruno Milanez e Luiz Wanderley – Considerando os estados da Amazônia Legal, existem cadastrados no banco de dados da ANM 274 barragens de mineração. É importante frisar que esse banco não inclui todas as barragens existentes, devido à falta de capacidade de fiscalização da Agência. Por exemplo, em junho de 2020, foram “descobertas” 10 barragens “fantasmas” de propriedade da Vale nos municípios de Sabará e Nova Lima em Minas Gerais. Se a ANM não tem controle sobre as barragens que existem em Minas Gerais, o que dirá da situação na Amazônia.
Dentre aquelas que estão cadastradas no sistema da ANM, 65 são consideradas de dano potencial alto; dessas, 13 estão classificadas em categoria de risco médio e alto. Deve ser levado em consideração, porém, que essas categorias de risco podem ser questionadas uma vez que, em 2014, a barragem de Fundão em Mariana foi classificada como de risco baixo, assim como a B1, em Brumadinho em 2019.

Se assumirmos que essa classificação deve ser usada apenas para chamar atenção para os casos críticos, esses seriam as barragens BR Ismael e Santa Maria, localizadas em Poconé e Nossa Senhora do Livramento, no estado do Mato Grosso. Ambas são usadas na mineração de ouro, possuindo potencial e categoria de risco alto. No caso específico da BR Ismael, ela se encontrava em nível 3 de emergência em agosto de 2020. Nesse contexto, vale ainda lembrar o rompimento da barragem TB01, outra barragem classificada como de risco baixo, também em Nossa Senhora do Livramento, em outubro de 2019. O rompimento apesar de não ter deixado vítimas fatais provocou grande impacto ambiental e deixou ilhada uma comunidade rural.

Portanto, dadas as falhas no controle e fiscalização das barragens de mineração, os dados indicam que, onde houver barragens de rejeito, há risco de rompimento, sendo a intensidade do desastre dependente do tamanho das barragens, das características do relevo e da ocupação populacional a jusante.

(EcoDebate, 03/09/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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