quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Mais veneno na mesa torna o caro ainda mais caro

por  e Camilla Lima – 

Enquanto chegamos perto da marca das três centenas de novos agrotóxicos liberados apenas neste ano, a nova classificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) causa controvérsia e, na realidade agrícola em que vivemos no Brasil, desinformação. Pelas novas normas, venenos antes considerados “altamente tóxicos” podem passar para toxicidade moderada, enquanto os “pouco tóxicos” podem até ser liberados dessa classificação. Isso porque, pelo novo marco regulatório, o critério adotado será o risco de morte. Portanto, os dados de mortalidade é que irão embasar os riscos de um determinado produto. Hoje, são divididos em diversas categorias (diferentes tipos de exposição ao produto) e resultados “restritivo” quando realizados testes de irritação nos olhos e pele. Esse quesito será retirado.


Só em 2017 foram registrados 4.003 casos de intoxicação por exposição a agrotóxicos em todo o País, quase 11 por dia | Foto: Cid Barbosa
Para o gerente de avaliação de segurança tecnológica da Anvisa, Caio Almeida, considerar essa escala de irritação (pele e olhos) faz com que a maioria dos agrotóxicos no Brasil seja classificada como “altamente tóxico”. A Agência de Vigilância defende que o novo marco regulatório se dá a caminho de um padrão internacional, o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos, adotado na União Europeia e na Ásia.

Na avaliação da Anvisa, a novidade informará a toxicidade “correta”. No entanto, isso não representará maior segurança à saúde. Na avaliação de especialistas de renomados órgãos de pesquisa no País, amenizar o grau de toxicidade expõe o trabalhador que manuseia o veneno a um maior risco. Dados do Ministério da Saúdee da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelam o crescimento do número de mortes e intoxicação envolvendo defensivos agrícolas no Brasil.
Só em 2017 foram registrados 4.003 casos de intoxicação por exposição a agrotóxicos em todo o País, quase 11 por dia. Em uma década, a estatística praticamente dobrou. No mesmo ano, 164 pessoas morreram após entrar em contato com o veneno e 157 ficaram incapacitadas para o trabalho, sem contar com intoxicações que evoluíram para doenças crônicas, como câncer e impotência sexual.

De acordo com pesquisas do Núcleo Trabalho Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (Tramas), da Universidade Federal do Ceará (UFC), os produtores brasileiros utilizam os agrotóxicos pensando em sua maior eficácia, portanto, mais tóxicos, aumentando o impacto no ser humano e no meio ambiente.

Ronaldo Nascimento, professor de química da UFC, explica que amenizar o grau de toxidade não diminui a possibilidade de intoxicação humana e nem ambiental: “Os pesticidas, sendo em sua maioria compostos orgânicos sintéticos, pertencem a diferentes classes químicas consideradas potencialmente tóxicas aos seres humanos e demais seres vivos. Quando aplicados de maneira inadequada nas culturas, sem a condução das Boas Práticas Agrícolas, resíduos destes compostos tóxicos podem persistir no meio ambiente, como também nos frutos e hortaliças, gerando uma rota de exposição humana via alimentação”.

De acordo com o químico, do total de produtos liberados (290) pelo governo em 2019, 41% são considerados extremamente ou altamente tóxicos e 32% são proibidos na União Europeia. O professor enumera alguns dos mais tóxicos da lista:
  • 2-4 D – herbicida classificado como extremamente tóxico e provável carcinogênico
  • Acefato – banido na Europa, é associado a danos na fertilidade masculina
  • Atrazina – associada a danos cardíacos em humanos, e pode prejudicar a vida sexual de sapos machos
  • Dibrometo de diquate – considerado extremamente tóxico pela Anvisa, sendo letal se inalado
  • Fipronil – foi banido na Europa desde 2013, tem alta toxicidade e letalidade para as abelhas, provocando danos à sua aprendizagem e memorização.
  • Glifosato – agrotóxico mais usado no mundo, é classificado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para humanos
  • Sulfoxaflor – princípio ativo que controla insetos, por outro lado ataca as abelhas polinizadoras

Suposta economia

O argumento de que a liberação de agrotóxicos possa baratear o preço dos alimentos, corroborado por setores do agronegócio e indigesto a grupos científicos das áreas de saúde e meio ambiente, lembra o barateamento nas passagens aéreas prometido quando se alterou a legislação para cobrar o despacho de malas nos aviões, pelo qual até hoje o brasileiro aguarda, com o agravante de que a suposta economia pode afetar o equilíbrio do meio ambiente e a saúde de trabalhadores e consumidores.

O uso de pesticidas no Brasil se encontra nas regiões em que se tem a predominância de produção em larga escala de produtos como o milho, a cana-de-açúcar e a soja, sendo que esta última consome sozinha 55% do total de agrotóxicos utilizados no Brasil.

Os novos registros liberados de agrotóxicos dizem respeito, em sua maioria, a produtos genéricos, mas utilizados no mercado brasileiro, ainda assim proibidos em outras partes do mundo, como é o caso do Fipronil, um inseticida que age nas células nervosas dos insetos. Desde 2004 é proibido na França, acusado de dizimar enxames de abelhas. Um outro agrotóxico recém-autorizado no Brasil é o Sulfentrazona. Banido em 2009 em toda a União Europeia, aqui teve o registro deferido em dezembro de 2018 para três empresas brasileiras. Em 2019, o seu genérico teve mais três permissões no País.
No ano de 2015 foram registrados 139 agrotóxicos. Em 2018 foram 450, um aumento de 323%. No mesmo período, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)mostrou apenas pequenas oscilações nos preços dos vegetais, com uma queda mais expressiva, de aproximadamente 5%, por conta de uma grande safra ocorrida em 2017. Enquanto isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima em 193 mil mortes por ano no mundo causadas por exposição aos agrotóxicos, um custo-saúde que não entra nos índices da economia agrícola mundial.
(#Envolverde)

 Agência Envolverde

A quem interessa a desinformação sobre a agenda de conservação da biodiversidade no Brasil?





Artigo de Elizabeth Oliveira* – 


Como país de megadiversidade biológica e signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), o Brasil vinha assumindo compromissos internacionais de proteção desse patrimônio inestimável, por meio de políticas públicas e outras ações institucionais, nas últimas décadas.

Política Nacional da Biodiversidade (Decreto 4.339/2002) é um resultado direto desse comprometimento do governo brasileiro com a CDB. Vale ressaltar que, dentre os sete componentes dessa política pública, o sexto se refere à “Educação, Sensibilização Pública, Informação e Divulgação sobre Biodiversidade”, alinhado, por sua vez, ao artigo 13 da própria Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) que trata de “Educação e Conscientização Pública”.

Considerando esse contexto, é preocupante que o decreto presidencial 9.759/2019, assinado em 11 de abril, tenha extinguido a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) juntamente com outros conselhos e colegiados que não tenham sido criados por lei. Essa é uma questão que merece aprofundamento da mídia já que muitas dúvidas ainda pairam no ar. Diante dessa iniciativa governamental e da falta de recursos financeiros e humanos no âmbito do MMA, quem assumirá as funções que estavam a cargo da Conabio? Como a sociedade brasileira poderá acompanhar esses desdobramentos?

Segundo informações disponíveis no site do Ministério do Meio Ambiente, a Conabio “é composta por representantes de órgãos governamentais e organizações da sociedade civil e tem um relevante papel na discussão e implementação das políticas sobre a biodiversidade”.  Ainda segundo a mesma fonte, “compete à comissão promover a implementação dos compromissos assumidos pelo Brasil junto à CDB, bem como identificar e propor áreas e ações prioritárias para pesquisa, conservação e uso sustentável dos componentes da biodiversidade”.

Outra questão merece aprofundamento e debate com a sociedade brasileira. No âmbito da CDB, a principal agenda global envolvendo os signatários é o Plano Estratégico 2011-2020 ao qual se vinculam as 20 Metas de Aichi, acordadas durante a Décima Conferência das Partes da CDB (COP-10), realizada em Nagoya, Japão, em 2010.  A meta 11, de ampliação das áreas protegidas, se destaca nesse esforço de enfrentamento da perda de biodiversidade, até 2020. Com as Metas Nacionais, o Brasil assumiu compromissos ainda mais ousados do que os da própria CDB (proteção de 17% das áreas terrestres e 10% das áreas marinhas e costeiras), conforme destacado a seguir, embora algumas decisões governamentais pareçam estar na contramão desse comprometimento oficial.

“Até 2020, serão conservadas, por meio de sistemas de unidades de conservação previstas na Lei do SNUC e outras categorias de áreas oficialmente protegidas, como APPs, reservas legais e terras indígenas com vegetação nativa, pelo menos 30% da Amazônia, 17% de cada um dos demais biomas terrestres e 10% de áreas marinhas (…)” (5º Relatório Nacional para a Convenção Sobre Diversidade Biológica), publicado pelo  MMA, em 2016.


Informações importantes não estão disponíveis
Apesar da relevância dessa agenda e da sua atualidade, diante de um contexto de perda de biodiversidade sem precedentes, no site do MMA, na área destinada aos compromissos do Brasil com a CDB, alguns links estão aparentemente disponíveis, mas quando acessados não apresentam as informações correspondentes. Isso acontece com osDocumentos Técnicos da CDB.


Segundo informado no site do MMA: “O objetivo da Série de Documentos Técnicos da CDB é contribuir para a disseminação de informações atualizadas e confiáveis sobre tópicos selecionados de importância para a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável de seus componentes e a repartição eqüitativa de seus benefícios”.


No entanto, a lacuna percebida quando se tenta acessar os documentos mencionados contraria esse compromisso de disseminação de informações atualizadas.Não há qualquer esclarecimento sobre o porquê da indisponibilidade.


Já no espaço denominado O Brasil e a CDB não consta nenhuma informação, o que tende a dificultar o entendimento dos internautas sobre os compromissos assumidos pelo país como signatário dessa Convenção e, consequentemente, o acompanhamento dos seus principais desdobramentos.


A importância do acesso à informação qualificada
Recentemente, foi divulgado que o MMA iria rever a criação de 334 unidades de conservação federais, implementadas, segundo o ministro Ricardo Salles, sem critérios técnicos para tal. Nesse contexto, estaria em xeque até mesmo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC (lei 9.985/2000)? Esse é o arcabouço legal que orienta a criação, implementação e gestão das UCs no Brasil, resultante de um processo de debates e negociação envolvendo diversos segmentos sociais por mais de uma década.


Há de se reconhecer que, nas últimas décadas, têm sido desenvolvidos estudos para orientar a criação de parques, reservas e outras unidades de conservação no Brasil (processo que se tornou mais participativo a partir do SNUC). A definição de Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira (os três objetivos da CDB) é um exemplo nesse sentido. No entanto, informações atualizadas sobre essas áreas foram retiradas do ar pelo MMA, em abril, sob a alegação de erros identificados. Posteriormente os dados foram reativados. Inicialmente, houve alguma repercussão na mídia sobre essa questão, mas ainda cabem aprofundamentos sobre os desdobramentos possíveis dessa tomada de decisão, tendo em vista as intenções já sinalizadas pelo governo para a gestão de unidades de conservação e para o futuro de outras estratégias de proteção da biodiversidade no Brasil.

Diante do atual contexto político-institucional nacional, além dos riscos evidentes ao futuro do SNUC, qual seria o destino da Política Nacional da Biodiversidade? Estaria em curso algum plano para alterá-la ou mesmo exterminá-la do rol de políticas ambientais brasileiras? E própria participação do Brasil na CDB, estaria em risco?

O Brasil está atrasado com a entrega do 6º Relatório Nacional para a CDB (deveria ter ocorrido até o final de 2018). Quando esse documento será entregue e como se dará a sua tramitação considerando que a Conabio exercia um papel central nesse processo? Por outro lado, é importante considerar que o Congresso brasileiro ainda não ratificou o Protocolo de Nagoya, que apresenta diretrizes para a repartição justa e equitativa dos recursos gerados pelo uso da biodiversidade, outra importante deliberação da COP-10. Como está a tramitação desse processo, iniciada em 2012, e quais são os segmentos sociais que têm colaborado para o bloqueio dessa agenda?

Com a proximidade de 2020, o que esperar como respostas do governo brasileiro frente aos compromissos assumidos com as Metas de Aichi ? Nesse contexto, a Meta 1 orienta que “até 2020, no mais tardar, as pessoas terão conhecimento dos valores da biodiversidade e das medidas que poderão tomar para conservá-la e utilizá-la de forma sustentável”, o que pressupõe a necessidade de acesso à informação qualificada e às ações educativas, entre outras iniciativas de sensibilização sobre a importância dessa agenda. E, ainda, quais são as perspectivas de participação do Brasil nos debates para o chamado pós-2020, quando poderão ser atualizadas as metas ou mesmo adotado um novo plano estratégico? Essa é uma discussão que já mobiliza os signatários da CDB globalmente.


Por fim, diante da complexidade desse cenário, cabe a todos uma reflexão urgente: A quem interessa a desinformação sobre os desdobramentos dos compromissos brasileiros com a agenda mais importante no âmbito do principal tratado internacional pela proteção da biodiversidade?


*Jornalista e integrante do Grupo de Pesquisa Governança, Ambiente, Políticas Públicas, Inclusão e Sustentabilidade (Gapis) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia, e mestre pelo Programa Eicos de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, vinculado ao Instituto de Psicologia, ambos da UFRJ.
Agência Envolverde

Demanda chinesa anima indústria brasileira de etanol




por Sarita Reed e Vinícius Fontana, do Diálogo Chino –

 
Inclusão do etanol em gasolina chinesa diminuirá emissões, mas pode causar desmatamento no Brasil

Trezentos e trinta e dois milhões de carros. Essa é a frota chinesa, a maior do mundo. Atualmente, a maior parte deles roda com gasolina pura. Porém, a partir do ano que vem, a China acrescentará 10% de etanol à gasolina.

O enorme potencial do mercado consumidor chinês animou a indústria de biocombustíveis do Brasil, a segunda maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Frequentemente afetada por mudanças políticas e econômicas no Brasil, a indústria vê uma chance de respirar mais tranquila com a entrada dos chineses no mercado.

Em maio, um conflito em relação a sobretaxas do açúcar brasileiro exportado para a China também foi resolvida, aumentando ainda mais o otimismo do setor.  O Brasil havia questionado a China na Organização Mundial do Comércio (OMC) a aplicação de sobretaxas às importações em setembro do ano passado.

Ambientalistas também comemoram: a inclusão do etanol na gasolina chinesa, que deve significar um corte importante nas emissões de gases de efeito estufa no país. Por outro lado, no Brasil, ambientalistas são mais cautelosos. Dependente de grandes plantações de milho e cana-de-açúcar, a indústria pode ser mais uma pressão no aumento dos índices de desmatamento.

“É possível dobrar a produção de etanol atual sem comprometer a de alimentos. Isso mostra o potencial de produção de um combustível de baixo carbono no Brasil”, explica Ricardo Junqueira Fujii, analista de conservação do WWF-Brasil. “Mas também aumenta a responsabilidade do governo e da sociedade brasileira sobre a definição de políticas públicas adequadas para o uso da terra e conservação da Amazônia, Cerrado e outros biomas brasileiros”, disse.
“Corre-se o risco de trocar um problema – a substituição de combustíveis fósseis — por outro, muito pior: o desmatamento”.
A medida foi anunciada pelo governo chinês em setembro de 2017 como um aceno ao comprometimento do país em reduzir o consumo de combustíveis fósseis estipulado pelo Acordo de Paris. Também é um meio de reduzir a dependência de importação de derivados do petróleo.

Combustível mais limpo

O etanol é um combustível consideravelmente mais limpo do que a gasolina. “A sua adição aumenta o grau de octanagem da gasolina, melhorando o rendimento, evita o uso de metais pesados (especialmente chumbo) e reduz as emissões globais de gás carbônico”, diz ldo Sauer, professor da Universidade de São Paulo e membro da Câmara de Comércio Brasil-China (CCIBC) entre 2003 e 2005.

Mas a plantação de matérias-primas para a produção de etanol pode comprometer o uso da terra.
Desde 2009, o Brasil conta com o Zoneamento Agroecológico da Cana,que veda o avanço do cultivo sobre áreas indígenas ou de vegetação nativa, permitindo a plantação apenas em áreas de pastagem degradadas. Mas a bancada ruralista já pressionou por uma mudança.
Em 2017, uma proposição legislativa do senador Flexa Ribeiro que buscava abrir terras de cerrado e campos gerais na Amazônia Legal ao cultivo de cana-de-açúcar foi resgatada. A pressão de ambientalistas e até mesmo de alguns produtores acabou levando ao arquivamento do projeto em 2018.

Mas a região planejada para a expansão de cana não é a Amazônia, e sim a área conhecida como Matopiba (intersecção entre o Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), no Cerrado brasileiro — já combalido pela expansão da soja.

Enquanto isso, os órgãos de controle ainda brigam para implementar as regras de proteção existentes.
“O prazo para o cadastramento ambiental rural foi adiado várias vezes e é baixa a adesão aos Programas de Regularização Ambiental, etapa na qual os produtores apresentam seus planos para solucionar o passivo ambiental identificado”, diz Fujii, da WWF.
“33.000.000 de toneladas foi a produção de etanol no Brasil na última safra”
Soma-se a isso a preocupação com as condições de trabalho. Atualmente, boa parte da colheita é mecanizada, o que reduziu significativamente o trabalho escravo ou similares nos canaviais. Por outro lado, houve um aumento significativo do desemprego no campo.

Conforme dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP (Cepea), a atividade emprega formalmente cerca de 750 mil pessoas, 42% menos que os 1.283.258 trabalhadores formais registrados em 2008.

Eduardo Leão, diretor executivo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), argumenta que o ganho econômico é inegável.

“O setor sucroenergético é fonte importante de emprego e renda. Além disso, em cada município onde uma usina é instalada, a renda per capita aumenta em mil dólares por ano”, diz.

Brasil precisa enfrentar obstáculos

Apesar de prognósticos otimistas da adição de etanol à gasolina chinesa, uma série de fatores pode afetar o fortalecimento das relações China-Brasil no setor, como a trégua na guerra comercial entre americanos e chineses e questões socioambientais.

A quantidade do biocombustível que deve ser consumida na China no ano que vem é de 15 milhões de toneladas. Atualmente, a capacidade produtiva do país é de aproximadamente 3 milhões de toneladas/ano, com capacidade para chegar a 5 milhões em 2020, conforme dados do IHS Markit.
Assim, haveria uma defasagem de pelo menos 10 milhões de toneladas a ser suprida. O Brasil, que tem a China como maior parceiro comercial, é candidato natural a ser um dos principais fornecedores do biocombustível. A produção nacional de etanol na safra 2018/2019 foi de cerca de 33,1 milhões de toneladas.

Artur Yabe Milanez, gerente do Departamento de Biocombustíveis do BNDES, é otimista quanto às possibilidades de negócio:
“As perspectivas são excelentes. O Brasil há anos tem tentado abrir o mercado chinês ao etanol e parece que agora o esforço deu resultados”.
Outro fator que favorece o Brasil é a diversificação das fontes de extração do biocombustível. Além da cana-de-açúcar, utilizada tradicionalmente para produção de etanol no país, o milho surge como alternativa.

“O setor recebe grandes investimentos, especialmente no Mato Grosso e Goiás, inclusive com usinas flex, que operam com milho e cana”, explica Ricardo Tomczyk, presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem).

Entretanto, alguns segmentos se mantêm cautelosos quanto ao grau da participação brasileira no novo mercado.

“Espera-se que parte importante dessa demanda seja suprida pela produção doméstica [chinesa] de etanol”, explica Leão, da  Unica. “O Brasil, obviamente, está pronto para fortalecer ainda mais a parceria comercial com a China em relação ao etanol e contribuir para suprir a demanda não atendida pela produção local”.

“A China programa-se para produzir o etanol que consumirá, importando a matéria-prima e produzindo lá. Mas, em razão do grande impacto, pode ser que não tenha capacidade para toda essa produção, o que abriria oportunidades ao Brasil”, afirma Tomczyk.

Além da produção doméstica, outro empecilho às exportações brasileiras é a concorrência com outros países. Atualmente, o principal fornecedor de etanol da China são os Estados Unidos, e uma trégua na guerra comercial pode aprofundar as relações entre os dois países no setor de biocombustíveis.
“Os Estados Unidos desejarão ter uma fatia do mercado de etanol, que seguramente está na mesa de negociações da trégua”, afirma Sauer.

Alimentos versus combustível

A cautela é reflexo dos altos e baixos que o setor sofreu ao longo da história. O biocombustível, que hoje é visto como parte importante da política ambiental, na verdade surgiu por razões econômicas.
“A adição de etanol na gasolina é mandatória no Brasil desde 1938, e desde aquela época havia uma barganha dos produtores de cana”, explica Sauer. “Quando o preço do açúcar estava ruim no mercado internacional, havia pressão para que se ampliasse o nível de etanol da gasolina, e isso ocorre até hoje”.

Após um boom de biocombustíveis há uma década que coincidiu com um aumento nos preços globais dos alimentos, ainda há certo desconforto com a indústria.

Um relatório recente da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) destacou como os biocombustíveis podem elevar os preços das safras quando os preços do petróleo sobem.

Hoje, porém, o debate é menos acirrado do que em 2012, quando o então chefe da FAO, José Graziano da Silva, disse que o uso de milho para etanol nos Estados Unidos estava aumentando os preços dos grãos em todo o mundo. Mais tarde, ele suavizou sua postura.

“Precisamos passar do debate alimentos versus combustível para o debate sobre alimentos e combustíveis. Não há dúvida de que a comida vem em primeiro lugar”, disse Graziano em 2015. “Mas os biocombustíveis não devem ser vistos simplesmente como uma ameaça ou como uma solução mágica. Como qualquer outra coisa, eles podem fazer bem ou mal “.
(Diálogo Chino/#Envolverde)

 Agência Envolverde

Os substitutos da carne podem reduzir a pegada ambiental da China na América Latina?

Os substitutos da carne podem reduzir a pegada ambiental da China na América Latina?


por Lucia Wei He, He Mu, do Diálogo Chino – 
O aumento dos produtos de carne de origem vegetal poderia reduzir as pressões sobre a terra e a água

Ming Court, um restaurante premiado com uma estrela Michelin em Hong Kong, célebre por sua autêntica cozinha cantonesa, surpreendeu no ano passado ao servir uma versão especial do porco agridoce, um prato tradicional do sul da China.

Para fazer o prato, o chef Li Yuet Faat trocou a carne suína autêntica por Omnipork, um substituto de carne feito com ervilhas, soja e proteína de cogumelos. Criado por Right Treat, com sede em Hong Kong, o Omnipork oferece uma alternativa mais saudável para os consumidores e, ao mesmo tempo, reduz drasticamente o impacto ambiental procedente do consumo de carne.

Em uma carta na qual explica a razão de lançar um produto que imita o uso da carne de porco na cozinha asiática, o fundador do Right Treat, David Yeung, explicou: “Na China, 65% do consumo de carne é suína. São 1,3 bilhão de seres humanos na China para somente 700 milhões de porcos”.

A grandeza da indústria suína da China converteu o país no maior consumidor e importador de soja em âmbito mundial, o que, em geral, representa 20% da alimentação suína. Em 2018, quase 75% das importações de soja da China provinham do Brasil. Impulsionada pelo aumento da riqueza, a China também se converteu no maior comprador de carne bovina da Argentina, Brasil e Uruguai.

Enquanto os governos latino-americanos celebram uma relação comercial cada vez mais estreita com a China, as organizações ambientais estão preocupadas com os impactos ambientais. Só no Brasil, o aumento da produção de soja resultou na perda de 223.000 hectares de bosque entre 2013 e 2017.

“Limpar a terra para a criação e para o cultivo de alimentos, como o milho e a soja, é a principal causa de desmatamento e destruição ecológica na América Latina, o que ocorre, em grande parte, para satisfazer a demanda do mercado chinês de carne”, diz Matt Ball, do Good Food Institute, uma organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos, que promove alternativas de carne de origem vegetal.

“Se a China realiza um movimento em prol das carnes de origem vegetal, a sustentabilidade agrícola, tanto na China como na América Latina, melhoraria muito, pois a carne de origem vegetal requer um uso muito menor da terra”, afirmou Ball.

Mudando as preferências alimentares

Segundo uma recente pesquisa respaldada pelo governo da Nova Zelândia, mais de 60% dos consumidores chineses têm a intenção de comer mais frutas e verduras, e 39% está reduzindo seu consumo total de carne. Essa transformação é atribuída a uma conscientização sobre a saúde que, por sua vez, é estimulada pelo aumento de divisas.

Além disso, 42% dos entrevistados demonstraram sua vontade de consumir alimentos que sejam bons para o meio ambiente, sendo que mais de 50% está interessado em provar novos produtos de proteínas de origem vegetal.

O consumo de proteínas animais, entretanto, não vai acabar tão cedo. Mesmo havendo uma diminuição no consumo da carne suína, é esperado um aumento da ingestão de laticínios, mariscos e carne.

As políticas públicas também desempenham hoje um papel importante na configuração das opções dos consumidores. Em 2016, impelido por problemas de saúde e meio ambientais, o governo chinês publicou diretrizes alimentares nacionais que recomendavam uma redução de 50% no consumo de carne.

Para promover essas normas, a Sociedade Chinesa de Nutrição associou-se à WildAid, uma organização de defesa do meio ambiente, com sede em São Francisco, para produzir uma campanha de difusão pública, que destacava os benefícios de uma dieta baseada em vegetais.

Em um audiovisual protagonizado por Arnold Schwarzenegger e James Cameron, a WildAid estabeleceu explicitamente a conexão entre o consumo de carne e o dano ambiental.

“Um aumento na percepção sobre o impacto negativo da carne sobre a saúde, tanto pessoal como global, tende a fazer com que os consumidores considerem mais opções baseadas em vegetais”, segundo Jen Leung, diretora de clima da WildAid. “A dieta tradicional chinesa é muito vegetal e sempre utilizou alternativas à carne, como o tofu e o glúten de trigo”.

O auge da proteína vegetal

Os anúncios ambientais foram uma boa parte da história de sucesso dos produtores de alimentos de origem vegetal, como a Beyond Meat, que viu seu estoque aumentar aproximadamente 600% desde seu IPO em maio, com um objetivo de vendas de 210 milhões de dólares para 2019.
Para atrair consumidores e investidores, a Beyond Meat e suas concorrentes Impossible Foods, dependem em grande parte de um posicionamento de produto impulsionado pelos benefícios ambientais dos substitutos da carne a base de vegetais.
“90% menos emissões de gases de efeito estufa são geradas pelo ‘Beyond Burger’ do que os hambúrgueres de carne bovina regulares”
Em uma “avaliação do ciclo de vida” publicada recentemente, a Impossible Foods disse que seus hambúrgueres necessitam, para sua produção, de 87% menos água e 96% menos terra que a carne de gado convencional e, além do mais, geram 89% menos emissões de gases de efeito estufa.
Em um relatório similar publicado em 2018, pesquisadores da Universidade de Michigan descobriram que a Beyond Burger produz 90% menos emissões de gases de efeito estufa e necessita 46% menos energia que seu contraposto, a carne de gado.

Depois de haver lançado seus produtos em Hong Kong, Impossible e Beyond estão entre as muitas empresas internacionais que vendem produtos baseados em vegetais e que hoje estão de olho no mercado chinês.

Os atores domésticos também não querem ficar atrás. Várias companhias chinesas, como a Whole Perfect Food, comercializaram “carne falsa” durante décadas, principalmente buscando os consumidores que não comem carne por motivos religiosos.

Percebendo o sucesso de seus pares no estrangeiro, estas empresas agora estão ampliando seu atrativo para os consumidores convencionais.

Do ponto de vista comercial e ambiental, a China se converteu no mercado mais valioso da indústria da carne alternativa, pois representa 28% do consumo mundial de carne e 50% do consumo global de carne de porco.

Essas informações são difíceis de conseguir, mas um relatório recentedo Good Food Institute estima que as vendas de carne de origem vegetal na China chegaram aos 910 milhões de dólares em 2018, o que representa uma taxa de crescimento anual média de 15% nos últimos cinco anos.

Impacto na América Latina

Incentivada pela atual disputa comercial com os Estados Unidos, as compras de soja brasileira pela China aumentaram 30% em 2018, atingindo os 66 milhões de toneladas e representando 75% do total das importações.

Em teoria, uma mudança no consumo da carne de porco para alternativas baseadas em vegetais poderia reduzir a demanda da soja sul-americana que a China utiliza, principalmente para alimentar os porcos.

É difícil prever quão rápido poderia acontecer essa modificação, dado o estado incipiente do mercado de substitutos da carne, particularmente porque muitos produtos de origem vegetal incluem a proteína de soja como um ingrediente primordial, que poderia continuar mantendo a demanda de soja, inclusive se o consumo de carne diminuir.

Igualmente, se a demanda de soja for menor, é esperado que consumo de carne de gado vindo da América do Sul aumente cada vez mais na China.

Os aumentos marginais na produção de soja e carne têm um impacto ambiental desproporcional em países produtores como o Brasil e, portanto, uma desaceleração da demanda poderia ter grandes efeitos.

Segundo Leung, “reduzir o consumo de carne pode ter um impacto enorme nos países produtores de carne, mas pode melhorar a qualidade da água e do ar, pode proteger as florestas e a biodiversidade e gerar um impacto significativo na mitigação do clima, ao reduzir as emissões gerais de gases de efeito estufa”.

Em um curto prazo, os ambientalistas podem ter um aliado inesperado e poderoso na luta para alterar a compreensão dos consumidores sobre a carne.

A peste suína africana poderia reduzir a produção de carne de porco da China em 30% para 2019, o que reduziria muito a demanda local da soja da América do Sul.

Com os preços da carne suína que devem aumentar até 70% na china e a intensificação das preocupações sobre a segurança alimentar, os consumidores chineses poderiam avançar rapidamente em direção às alternativas baseadas em vegetais.


(Diálogo Chino#Envolverde)
Agência Envolverde

A casa está em chamas





 Agência Envolverde


por Tasso Azevedo – 

 
O desmatamento na Amazônia disparou e saiu completamente do controle em julho. Os dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter/Inpe) mostram 1.864 quilômetros quadrados desmatados até 26 de julho, mais de três vezes a área tombada em todo o mês de julho de 2018. É a maior área detectada em um mês desde a criação do Deter, em 2004. Comparando o primeiro semestre deste ano com o mesmo período em 2018, há uma tendência de crescimento de mais de 50% no desmatamento em 2019.


A prática tem crescido especialmente em terras indígenas e Unidades de Conservação, que estão sendo invadidas por milhares de grileiros, garimpeiros e desmatadores em geral. Em uma única área em Altamira (PA), dentro da Área de Proteção Ambiental do Xingu, foi detectada uma derrubada de 32 quilômetros de floresta entre 5 de maio e 20 julho. Isso equivale a mais de dois milhões de árvores tombadas em 70 dias para virar pasto num espaço quase do tamanho do Parque Nacional da Tijuca (39 quilômetros quadrados). Nesse período, foram emitidos mais de 20 alertas do Inpe sobre o desmatamento em curso.


O levantamento do MapBiomas — iniciativa multinstitucional de validação dos alertas de desmatamento — indica que mais de 90% do desmatamento acontecendo na Amazônia são ilegais.


Era de se esperar que o governo estivesse agindo de forma decisiva para combater o desmatamento, mas, em vez disso, o presidente e ministros gastam seu tempo reclamando do destaque dado ao tema na imprensa internacional e desacreditam o portador da notícia. Colocam em dúvida, sem nenhuma base factual, o instituto que conduz desde os anos 80 o mais longo e completo programa de monitoramento do desmatamento do planeta.


Lideranças do setor do setor rural assistem à tragédia reclamando do tratamento dado ao Brasil na imprensa internacional, com receio de que isso atrapalhe os negócios, feche mercados e dificulte a implementação do acordo comercial do Mercosul com a União Europeia.


É preciso que estas lideranças saiam da zona de conforto, parem de assistir à cena passivelmente e deem um recado claro ao poder publico: é inaceitável a invasão de terras indígenas e unidades de conservação (assim como consideram inaceitável a invasão de propriedade privada) e toda forma de desmatamento e exploração ilegal da vegetação nativa. O poder público tem que fazer uso imediato de todos instrumentos e poderes conferidos pela Constituição para cessar imediatamente estas práticas e restaurar a ordem no Brasil.


A casa está pegando fogo. Não é só a comida que queimou no fogão que a gente joga fora e faz outra. É o apartamento que está em chamas e colocando em risco todo o condomínio. Tem que que acionar o síndico, o zelador, ligar para o bombeiro e agir já! Daqui a pouco pode ser tarde demais.

  • Tasso Azevedo – Engenheiro florestal, consultor e empreendedor social em sustentabilidade, floresta e clima. Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas), colunista de O Globo e de Revista Época Negócios. Acadêmico visitante do Brasil Lab da Universidade de Princeton. Foi Diretor Geral do Serviço Florestal Brasileiro, Diretor Executivo do Imaflora e curador do Blog do Clima.
Publicado originalmente em O Globo 31.07.2019

Agência Envolverde