Áreas Protegidas: Por que, pra que e pra quem? artigo de Ricardo Luiz da Silva Costa
Áreas Protegidas: Por que, pra que e pra quem?
Por Ricardo Luiz da Silva Costa
[EcoDebate]
Em princípio, o termo preconceito carrega em si um ideário negativo
repleto de pessimismo; logo, os reflexos desse tipo de comportamento
humano são os piores possíveis, tanto para o próprio homem quanto à vida
em sociedade. Assim, muitos erros, várias injustiças e frequentes
tragédias ocorrem diariamente por conta de pensamentos e comportamentos
movidos por olhares preconceituosos. Isto porque, o sujeito formula e
emite sua opinião, de forma abrupta, sem antes conhecer a fundo o cariz
essencial do predicado analisado.
E aí o leitor, subitamente, se pergunta, e daí? O que isto tem a ver com Áreas Protegidas?
Neste artigo se pretende repercutir sobre os efeitos negativos
resultantes da visão distorcida, causada pelo olhar preconceituoso, de
parcela significativa da sociedade em relação a presença de Áreas Protegidas (APs), seja em espaços fisiográficos municipais, estaduais e federais.
Nesta perspectiva, em relação a temática ambiental de modo geral, se
coloca que a origem desse problema decorre de uma somatória de fatores
ligados a concepções culturais, filosóficas e pedagógicas vigentes na
sociedade nacional, desde a sua origem até os dias atuais, que
engendraram dois tipos de pensamentos recorrentes e antagônicos diante
dessa questão que envolve as interações entre homem e natureza, economia
e ecologia, conservação e uso dos recursos da biodiversidade.
Assim,
nós temos as seguintes consociações em atuação conflituosa nesse cenário
nacional: De um lado, os preservacionistas, e do outro, os imediatistas.
Os primeiros, às vezes preconceituosamente chamados de “ecochatos”,
defendem a intocabilidade dos recursos naturais, para fins econômicos.
Os segundos, também chamados de “inimigos da natureza”, praticam o abuso
ou uso predatório dos recursos naturais, a qualquer custo.
Convém
lembrar que, ambos os tipos estão equivocados e os extremos são
condenáveis. E, certamente que, à luz da ciência e da razão, deve
existir o caminho meio-termo, a terceira via, que conduzirá, de modo
prudente e seguro, a sociedade nacional em comunhão com a utilização
racional e responsável dos recursos de nossa natureza, sem exagero
nenhum, fonte incomensurável de riquezas primárias, que, se cautelosa e
inteligentemente aproveitadas e transformadas em bens e serviços, podem
colocar o Brasil entre as mais prósperas e respeitadas nações do mundo.
Desde já, identificamos essa terceira via, viável, razoável e responsável, como aquela fundada em bases conservacionistas.
Isto é, em que se faz a utilização dos recursos naturais, sem, contudo,
destruir ou esgotar os processos de produção e regeneração dos
ecossistemas naturais com fins econômicos; ao tempo em que, mantém
protegidos os processos de produção e regeneração dos ecossistemas
naturais com fins ecológicos.
No desenvolvimento deste ensaio abordaremos, especificamente, do ponto de vista das APs,
sobre os modos de percepção desses grupos sociais acima identificados,
em relação ao conceito e a figura física que representa uma Área Protegida (AP),
tanto no contexto local quanto no global, enquanto fator catalizador à
promoção de bem-estar das populações humanas, de manutenção e regulação
das funções da biodiversidade, dos ecossistemas naturais, e bens
culturais associados. Da mesma maneira, como associá-las ao status de
oportunidade, na perspectiva de consolidação dessa terceira via,
pavimentada em bases conservacionistas, enfim, que permita a correlação e concretude efetiva das teses do Desenvolvimento Sustentável.
Aspectos Conceituais
Por que e o que são Áreas Protegidas (APs)?
Em
rigor, segundo definição da Comissão Mundial de Áreas Protegidas, órgão
pertencente a União Internacional para a Conservação da Natureza
(UICN), autoridade mundial sobre a proteção da natureza e dos recursos
naturais, uma Área Protegida (AP) significa:
“Um
espaço geográfico definido, reconhecido e destinado ao manejo, através
de instrumento legal ou outro meio efetivo, com o objetivo de promover a
conservação da natureza a longo prazo, com seus ecossistemas associados
e valores culturais. ”
De onde se depreende que uma AP
representa uma área natural do globo terrestre, com o seu ecossistema,
demarcada com objetivos bem definidos para fins de conservação e
preservação dos recursos naturais ou valores culturais do local, por
isso colocada em Regime Especial de Administração; ou seja, para cumprir
tais objetivos e finalidade precípua, também precisa ser equipada de
instrumentos legais e de gestão visando alcançar sua efetividade.
Aqui, de uma forma didática oriunda da ciência florestal, se considera o termo conservação (manejo) para
indicar a utilização econômica (benefícios), de modo direto, porém em
bases técnico-científicas, dos recursos naturais de um determinado
ecossistema. E preservação (manejo) para designar a
utilização ecológica (benefícios), de modo indireto, dos recursos
naturais de um determinado ecossistema, porém, de igual forma obedecendo
a um manejo técnico adequado.
Para que, e a quem servem as APs?
Geralmente
esses espaços são de domínio público com propósito de proteção e
garantia de direitos constitucionais, individuais e coletivos, tendo em
vista se vivenciar “ao ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”; porém, ainda conforme o texto constitucional, também, pode ser de domínio privado, com mesmo propósito.
Desse modo, diferente do que muitos imaginam, uma AP
serve, sobretudo, para garantir direitos assegurados na Constituição
Federal, com a geração de bens e serviços econômicos, ecológicos e
sociais para todos os brasileiros. Pois que, semelhante a floresta que
protege, abriga e produz, no contexto de uma AP funciona uma
indústria natural, a produzir alimentos, remédios, matérias primas,
oportunidades de trabalho e prosperidade, regularidade dos fatores
climáticos e do abastecimento de água potável, manutenção e valorização
da diversidade biológica e cultural, garantia da segurança nacional,
entre outros benefícios diretos e indiretos para a sociedade.
Por
outro lado, nas áreas consideradas como Não-Protegidas, se verifica de
forma preocupante que, essas fontes de riquezas natural e cultural se
encontram gravemente ameaçadas, ou em estágio terminal de degradação
ambiental, nos ecossistemas terrestres, aquáticos e marinhos, não apenas
no Brasil, mas, também, em escala planetária. Basta lembrar os atuais
índices de desflorestamento, com reflexos diretos e graves no aumento da
concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, que causam o
famigerado aquecimento global e as temidas mudanças climáticas em todo o
planeta Terra; ao tempo em que, também, levam à perda de biodiversidade
e extinção de espécies.
Apenas como citação, conforme estudos publicados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento-SAD,
do Imazon, em Belém-PA, que desde 2006 faz o monitoramento e análise
geoespacial do desmatamento na região da floresta amazônica, “Em
março de 2019, a maioria (58%) do desmatamento ocorreu em
áreas privadas ou sob diversos estágios de posse. O restante do
desmatamento foi registrado em assentamentos (31%), Unidades de
Conservação (9%) e Terras Indígenas (2%)”.
Porém, diga-se de passagem, em grande parte dessas ocorrências de desmatamento pontuadas dentro de APs,
se for feita uma investigação mais profunda se revelará que as mesmas
decorrem de origens clandestinas e dolosas, via de regra, associadas a
questão das queimadas na região.
Convém
mencionar ainda, os casos noticiados diariamente pelos meios de
comunicação, no tocante aos problemas de poluição e esgotamento de
fontes de insumos e matérias primas, em suas variadas formas de
ocorrência e escalas de intensidade, nos ares, nos solos, nos lagos, nos
rios, nos oceanos, enfim, em todos os lugares, afetando dramaticamente a
qualidade de vida e ambiental das pessoas, nos campos e nas cidades.
Nessa
perspectiva, se considerar apenas uma dessas ações deletérias sobre a
natureza e ao próprio homem, já seria motivo suficiente para mudarmos o
modo de percepção em relação ao conceito de APs, no sentido de
suas importância e valorização, enquanto necessidade vital de
sobrevivência da biosfera terrestre, em todos os níveis. Em resumo, as APs
funcionam como único contraponto diante dos processos avassaladores de
destruição, que hoje ameaçam ferozmente todos os ecossistemas do
planeta.
Donde se infere que, ao mesmo tempo, as APs
servem tanto ao Brasil, quanto à Nação Brasileira, na totalidade. Assim
como, dependendo da escala de intensidade dos benefícios gerados e
alcançados, podem servir, também, ao planeta. Sem que isto, contudo,
represente algum tipo de ameaça à soberania de qualquer País. Muito ao
contrário, os significados devem ser outros: de liderança, de
reconhecimento, de oportunização, e valorização desses espaços especiais
de riquezas reais e potenciais, do País que os possui, que por isso
devem ser mantidos protegidos.
Ainda bem que ao redor do mundo todo existe uma rede de APs,
com essa finalidade de servir como mecanismo próprio de proteção e
controle homeostático dos ecossistemas naturais, em contraponto às ações
antrópicas impactantes da sociedade moderna, em relação aos ambientes
naturais e culturais, em todo o planeta Terra. Segundo a organização
civil, Conservação Internacional (Conservation Internacional, em
inglês), existem no mundo 17 países considerados extremamente
biodiversos, ou megadiversos, por reunirem em seus territórios um
conjunto de atributos naturais e culturais de riqueza imensurável, quer
seja do ponto de vista da economia mundial, quer seja pela manutenção e
regulação dos sistemas vivos do planeta, quer seja pelos padrões e
processos históricos e evolutivos da humanidade.
Felizmente, o Brasil
ainda mantém cadeira cativa na composição desse grupo seleto de países
megadiversos, exercendo papel preponderante de liderança, junto com
outros poucos, sobretudo, por conta de suas características de dimensão
continental somada a grande variedade de biomas e culturas dispersados
nesse imenso território brasileiro.
Atenção> Nas próximas edições continuaremos com outros tópicos atinentes ao tema. Até a próxima.
in
EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/05/2019
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