terça-feira, 26 de março de 2019

As mudanças climáticas estão acontecendo agora e não precisamos esperar o futuro para ver os efeitos



As mudanças climáticas estão acontecendo agora e não precisamos esperar o futuro para ver os efeitos

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“Diálogos na USP” discute as mudanças climáticas e possíveis soluções – Especialistas garantem que a solução passaria por medidas de Estado

Por Andre Arias, Rádio USP

A Organização das Nações Unidas vem alertando que a meta do Acordo de Paris, assinado em 2015, de limitar o aumento da temperatura média global “abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais”, corre o sério risco de não ser alcançada. Isso porque as principais economias, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia, estão aquém de suas promessas.


O planeta está agora quase um grau mais quente do que estava antes do processo de industrialização, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Os 20 anos mais quentes da história foram registrados nos últimos 22 anos, sendo que os anos de 2015 a 2018 ocupam os quatro primeiros lugares do ranking, diz a OMM. O ano passado, por exemplo, bateu todos os recordes. Se essa tendência continuar, as temperaturas poderão subir de 3 a 5 graus até 2100.


Mas, afinal, o quão quente o planeta ficou e o que podemos fazer em relação a isso?


Para falar sobre mudanças climáticas e as possíveis soluções, o Diálogos na USP recebeu os professores Emerson Galvani, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, presidente da Associação Brasileira de Climatologia entre 2008 e 2010, e Marcelo Marini Pereira de Souza, titular da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Avaliação de Impacto.
Marcelo Marini alerta para o fato de que as mudanças climáticas já estão ocorrendo, não é algo que ocorrerá no futuro. “Não é um clique para daqui a pouco, esse clique já aconteceu”, comenta.


Segundo o professor, os problemas não têm apenas viés econômico, mas também um grande impacto ambiental, sendo que “o grande problema ambiental hoje é a perda de biodiversidade”, causada principalmente pela ação humana e por essas mudanças no clima. “O ser humano insiste em contribuir com esse processo e não atender às questões globais, atendendo apenas aos interesses econômicos”, afirma.


Emerson Galvani destaca que não há mais dúvidas de que o planeta está esquentando: “Hoje já é consenso que a temperatura está aumentando, tanto em áreas urbanizadas quanto não urbanizadas”. De acordo com o professor, a causa seria “uma força natural, associada aos ciclos geológicos, e uma força humana”. Ele cita como exemplo de força humana os veículos que utilizamos no dia a dia e que liberam gases estufa.


A solução passaria por medidas de Estado, não apenas de um governo, comenta Galvani. “Uma política pública, continuada, independentemente do partido que esteja no poder”, complementa. O professor destaca mudanças ocorridas no Brasil nos últimos governos, apontando para a mudança no Ministério do Meio Ambiente, “que perdeu grande parte das suas funções e está atrelado aos grandes latifúndios”. Isso tudo pode ser prejudicial para ambos os lados, “gerando uma desorganização das atividades do agronegócio e das atividades de preservação e conservação ambiental”.


Já Marini atenta para o fato de a sustentabilidade só ter entrado em pauta por ter se tornado algo importante para a economia mundial: “O mercado internacional passou a considerar o meio ambiente, porque senão o investidor perde reputação”. Porém, o professor acredita que “a questão ambiental não pode estar a reboque das questões econômicas, ela tem a sua roupagem”. Essa sobreposição dos interesses financeiros estaria contribuindo para a perda das questões da área ambiental.


Emerson Galvani e Marcelo Marini Pereira de Souza
Emerson Galvani e Marcelo Marini Pereira de Souza – 
Foto: Cecília Bastos/USP Imagens



Da Rádio USP, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/03/2019

"As mudanças climáticas estão acontecendo agora e não precisamos esperar o futuro para ver os efeitos," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/03/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/03/25/as-mudancas-climaticas-estao-acontecendo-agora-e-nao-precisamos-esperar-o-futuro-para-ver-os-efeitos/.

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Crescimento populacional e mudanças climáticas vão aumentar o estresse hídrico

Crescimento populacional e mudanças climáticas vão aumentar o estresse hídrico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


70% do corpo humano é feito de água e 70% da superfície da Terra é coberta pela água”
The Economist (28/02/2019)

estresse hídrico

[EcoDebate] A Terra possui muita água (pelo menos quando comparado com outros planetas). Mas os oceanos salgados respondem por 97,5% de todos os recursos hídricos. Outros 1,75% estão congelados, nos polos, nas geleiras, nos glaciares e no permafrost. Assim, a humanidade e as demais espécies vivas da Terra contam com apenas um montante de 0,75% de água potável para o consumo global.


A água potável era suficiente para manter a vida florescendo e prosperando no Planeta, durante milhões de anos. Mas o crescimento da população humana (de cerca de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 8 bilhões de habitantes em 2023), aliado ao crescimento da economia e do padrão de consumo transformaram a água potável em uma commodity e em uma mercadoria comercializada ao sabor do mercado, ignorando o direito à água por parte de todos os seres vivos e o direito da própria água. Os problemas, que já são graves hoje em dia, serão agravados em decorrência das mudanças climáticas. 


O relatório, “Climate change and population growth are making the world’s water woes more urgent”, da revista britânica, The Economist (28/01/2019), mostra que o mundo já está passando por uma situação de estresse hídrico desesperadora. Um quarto da humanidade – 1,9 bilhão de pessoas, sendo 73% delas na Ásia – vivem em áreas onde a água é potencialmente escassa. O número de pessoas que enfrenta escassez quase duplica se contar aqueles em risco pelo menos um mês por ano. Enquanto isso, o uso global da água é seis vezes maior do que há um século – e estima-se que aumente de 20 a 50% até 2050. 


O mundo atual já oferece amplos exemplos de devastação ambiental que servem como um aviso de que o uso da água tem seus limites naturais. Por exemplo, barcos estão encalhados no meio do nada, em meio às águas desaparecidas do que já foi o quarto maior lago salino do mundo, o Mar de Aral, entre o Uzbequistão e o Cazaquistão. No ano passado, a Cidade do Cabo, na África do Sul, evitou apenas por pouco o prêmio indesejado de ser a primeira das grandes cidades do mundo a ficar sem água. Quando a chuva finalmente quebrou o ciclo de uma seca de três anos, os níveis de água nos reservatórios que abasteciam a cidade haviam caído para menos de 20%, e autoridades estavam discutindo a possibilidade de rebocar um iceberg da Antártida para fornecer água para beber. Quatro anos antes, São Paulo também ficou à beira do abismo, com reservatórios reduzidos a 5% da capacidade.


O volume de água utilizado globalmente – cerca de 4.600 quilômetros cúbicos por ano – já está próximo do máximo que pode ser sustentado sem o encolhimento perigoso dos suprimentos. Um terço dos maiores sistemas de águas subterrâneas do mundo correm o risco de secar. Portanto, estima-se que o número de pessoas que vão viver sob forte estresse hídrico suba para 3,2 bilhões até 2050, ou 5,7 bilhões considerando a variação sazonal. E eles não estarão apenas em países pobres, conforme mostra o mapa acima. A Austrália, a Itália, a Espanha e até mesmo boa parte dos EUA sofrerão severa escassez de água. China e Índia – os dois países mais populosos do mundo vão sofrer com a falta d’água e, também, com o derretimento dos glaciares do Himalaia.


Outro exemplo: o Nilo, o maior rio da África, não consegue mais atender a demanda populacional e econômica do continente. A bacia hidrográfica do rio Nilo, abrange uma área de 3.349.000 km² e não dá conta de abastecer as populações dos 10 países que, em maior ou menor proporção, dependem de suas águas. A população conjunta de Uganda, Tanzânia, Ruanda, Quênia, República Democrática do Congo, Burundi, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Egito era de 84,7 milhões de habitantes em 1950, passou para 411,4 milhões em 2010, devendo chegar a 877,2 milhões em 2050 e 1,3 bilhão de habitantes em 2100, segundo dados da divisão de população das Nações Unidas. 


Os problemas de fome, perda de biodiversidade e pobreza humana e ambiental são, cada vez mais, graves na região. A capacidade de carga da bacia hidrográfica do rio Nilo já não suporta o consumo da população atual e suas necessidades econômicas. Já existem diversos conflitos pela disputa da água entre os povos e os países e até uma ameaça de guerra entre o Egito e a Etiópia por conta da construção da barragem do Renascimento Etíope, no Nilo azul.


No dia 22 de março é comemorado o Dia Mundial da Água. Esta data foi criada com o objetivo de alertar a população mundial sobre a importância da preservação da água para a sobrevivência de todos os ecossistemas do planeta. O Dia Mundial da Água foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), através de resolução em 21 de fevereiro de 1993, determinando que o dia 22 de março seria a data oficial para comemorar e realizar atividades de reflexão sobre o significado da água para a vida na Terra.


Neste mesmo dia, a ONU lançou a Declaração Universal dos Direitos da Água, que apresenta entre as principais normas:
  • A água faz parte do patrimônio do planeta;
  • A água é a seiva do nosso planeta;
  • Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados;
  • O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos;
  • A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores;
  • A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo;
  • A água não deve ser desperdiçada nem poluída, nem envenenada;
  • A utilização da água implica respeito à lei;
  • A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social;
  • O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.
Na ilustração abaixo, a esfera à esquerda representa a Terra com toda a água removida. A esfera azul à direita mostra o volume aproximado de toda a água da Terra. O minúsculo ponto azul na extrema direita representa a água doce disponível no mundo. Ainda segundo o Serviço Geológicos dos EUA, outra maneira de visualizar é representando o tamanho da Terra com uma bola de basquete, toda a água do planeta como uma bola de pingue-pongue e toda a água doce disponível seria menor do que um milho de pipoca.
terra sem água

Como se diz: “As guerras do passado foram por terra, as guerras do presente são por petróleo e as guerras do futuro serão por água”. Mas com ou sem guerras, o fato é que os recursos hídricos estão ficando cada vez mais escassos para a humanidade e ainda mais escassos para a biodiversidade. 


Principalmente, falta políticas adequadas de gestão dos aquíferos e das bacias hidrográficas. Falta também questionar o crescimento econômico pelo crescimento que aumenta a demanda mundial pela água e agrava os problemas de poluição. O que o mundo precisa é mudar o modelo de desenvolvimento marrom e dar início a uma Revolução Azul, para preservar as águas e a vida na água, reduzindo a acidez e ampliando a biodiversidade aquática. O mundo precisa oxigenar a vida política e oxigenar biologicamente a Terra, o Planeta Azul.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/03/2019
"Crescimento populacional e mudanças climáticas vão aumentar o estresse hídrico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/03/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/03/22/crescimento-populacional-e-mudancas-climaticas-vao-aumentar-o-estresse-hidrico-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

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Estudo publicado pelo Imazon mostra que mais de 400 municípios da Amazônia estão com índices de proteção da floresta abaixo de 17%

Estudo publicado pelo Imazon mostra que mais de 400 municípios da Amazônia estão com índices de proteção da floresta abaixo de 17%


Amazônia
Foto: Imazon

Por Stefânia Costa , Imazon
Mais de 400 municípios da Amazônia estão com índices de proteção da floresta abaixo de 17%, meta estipulada pela Convenção sobre Diversidade Biológica, acordo internacional que o Brasil é signatário. Os resultados são de um estudo do Imazon que mostra ainda que, somente 240 municípios estão com índices de preservação acima de 30% da área de floresta, taxa mínima de preservação definida pelo Ministério do Meio Ambiente para Áreas de Proteção.

Os estados com o maior número de municípios com Áreas de Proteção são Amazonas, Roraima, Acre e Amapá. A cidade de Oriximiná, no Pará, é um exemplo de preservação. A área do município é de 88.655 km² e grande parte é protegida. Em contrapartida, cidades como Anamã, no Amazonas, têm praticamente todo o seu território sem proteção, ficando mais vulneráveis ao avanço do desmatamento.

O relatório apresenta ainda dados dos municípios por tipo de Áreas Protegidas, entre elas Terras Indígenas, Unidades de Conservação de Uso Sustentável e Unidades de Conservação de Proteção Integral. A pesquisa do Imazon aponta que as Terras Indígenas estão presentes em 254 municípios, compreendendo um total de 1.151 km² de extensão. Três municípios de Roraima se destacam nesse tipo de preservação, Uiramutã, Pacaraima e Normandia, seguidos por municípios do Pará e do Amazonas.

A UC de Uso Sustentável, aquelas destinadas tanto à conservação da biodiversidade como à extração racional dos recursos naturais, estão presentes em 263 municípios e somam 719 mil km² de extensão. Existem municípios cuja totalidade do território é destinada para áreas de preservação desse tipo, por exemplo, Salvaterra, Cachoeira do Arari, Ponta de Pedras, Muaná, Anajás, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista e Curralinho, todos localizados na Ilha do Marajó, no Pará.

Já as UCs de Proteção Integral estão em 133 municípios e ocupam 393 mil km² de extensão. Essa categoria abrange as UCs para destinadas à preservação da biodiversidade, sendo permitida somente a pesquisa científica e, em alguns casos, o turismo e atividades de educação ambiental, desde que haja prévia autorização do órgão responsável. Os municípios de Laranjal do Jari (AP), Novo Airão (AM) e Oiapoque (AP). Serra do Navio (AP), Mirador (MA) e Mateiros (TO) lideram o ranking de áreas de preservação integral.

O estudo demonstra que, apesar da região amazônica já ter sua meta de conservação atendida em uma escala global, vários municípios ainda apresentam pouco ou quase nenhuma área de seus biomas protegidos por Áreas de Preservação. Algumas medidas podem ser implementadas para aumentar os índices de preservação florestal nos municípios. Uma deles é priorizar a criação de novas áreas protegidas em cidades com pouca ou nenhuma AP e garantir a proteção de no mínimo 17% das florestas nos limites dos municípios. Além disso, é possível transformar fragmentos florestais em APs voltadas à proteção e restauração florestal e ainda criar incentivos fiscais que premiam os municípios que possuem APs.

O Brasil já alcançou 51% de proteção da Amazônia por meio do sistema de APs. Esse número equivale a 41% da Amazônia Legal. As Áreas Protegidas são um dos principais instrumentos de conservação da biodiversidade e de biomas ameaçados, além de serem fundamentais no combate às mudanças climáticas, uma vez que protegem cerca de 15% do estoque de carbono terrestre mundial. O objetivo dessas medidas é continuar garantindo a preservação da Amazônia.

ImazonO Imazon, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, é uma organização brasileira, composta por pesquisadores brasileiros que estão entre os mais respeitados no mundo. Com mais de 700 publicações, o instituto desenvolve estudos técnicos e atua junto aos órgãos do governo, inclusive, na implementação de Unidades de Conservação na Amazônia.
Confira o estudo completo aqui.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/03/2019

"Estudo mostra que 60% dos municípios da Amazônia estão com índices de proteção ambiental abaixo da meta," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/03/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/03/25/estudo-mostra-que-60-dos-municipios-da-amazonia-estao-com-indices-de-protecao-ambiental-abaixo-da-meta/.

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Imperiosa a participação ativa de Arquitetos e Urbanistas para o correto equacionamento da tragédia urbana associada a áreas de risco,



Imperiosa a participação ativa de Arquitetos e Urbanistas para o correto equacionamento da tragédia urbana associada a áreas de risco, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos




área de risco
Bairro do Lobato Divulgação/Manu Dias/Governo da Bahia/EBC

[EcoDebate] Os graves e recorrentes problemas de ordem geológico-geotécnica-hidrológica que têm vitimado milhares de brasileiros, como processos de enchentes, deslizamentos de taludes e encostas, solapamentos de margens de curso d’água e orlas litorâneas, têm tido sua principal origem na incompatibilidade entre as técnicas de ocupação urbana e as características geológicas e geotécnicas dos terrenos onde são implantadas.

No caso dos deslizamentos, ou são ocupados terrenos que por sua alta instabilidade geológica natural não deveriam nunca ser ocupados – é o caso comum das expansões urbanas sobre a Serra do Mar e outras regiões serranas tropicais, ou são ocupadas áreas de até baixo risco natural, perfeitamente passíveis de receber a ocupação urbana, mas com tal inadequação técnica que, mesmo nessas condições naturais mais favoráveis, são geradas situações de alto risco geotécnico – é o caso de São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife e tantas outras cidades brasileiras.

No caso das enchentes prevalece a cultura técnica da impermeabilização, das avenidas de fundo de vale com extensiva retificação/canalização de córregos, do espraiamento urbano horizontal, fatores causais básicos dos crescentes volumes de águas pluviais cada vez mais rapidamente aportados ao sobrecarregado sistema de drenagem.

No caso de solapamentos de margens de rios e orlas litorâneas revela-se a indevida e inconsequente ocupação de locais nitidamente sujeitos a processos naturais cíclicos de alto poder destrutivo.
O fato é que, ao lado das deficiências crônicas de nossas políticas habitacionais, o que acaba obrigando a população mais pobre a buscar solução própria de moradia em áreas geotecnicamente e hidrologicamente problemáticas, não possuímos no país uma cultura técnica arquitetônica e urbanística especialmente dirigida à ocupação de terrenos de acentuada declividade, à redução dos coeficientes de escoamento hidrológico superficial e a outros atributos naturais críticos. Isso se verifica tanto nas formas espontâneas utilizadas pela própria população de baixa renda na autoconstrução de suas moradias, como também em projetos privados ou públicos de maior porte e perfeitamente regulares que contam com o suporte técnico de arquitetos e urbanistas. 

Em ambos os casos, ou seja, no empirismo popular e nos projetos mais elaborados, prevalece infelizmente uma cultura técnica urbanística e arquitetônica em que não se nota a devida preocupação com as características geológicas naturais dos terrenos ocupados. Esse tem sido o cacoete técnico que está invariavelmente presente na maciça produção de áreas de risco no país. 

Alguns exemplos práticos são esclarecedores. Ao insistentemente exigir a produção de áreas planas através de procedimentos generalizados de terraplenagem, os projetos arquitetônicos associados à expansão urbana, seja habitacional, seja empresarial, instalados em áreas de relevo mais acentuado trabalham com uma cultura de terra arrasada, pela qual obsessivamente utilizam-se de serviços intensivos de terraplenagem para a produção de platôs planos. 

Resultado, instalação de áreas de risco a deslizamentos, exposição dos solos mais profundos extremamente susceptíveis á erosão a intensos processos erosivos em cortes, aterros e bota-foras, com destruição da infraestrutura instalada, assoreamento de drenagens, favorecimento de enchentes, etc. Sem dúvida, uma concepção urbanística e arquitetônica orientada conceitualmente para relevos mais acentuados evitaria, de início, todos esses problemas.

Ou seja, em que pese a excelência e indispensabilidade dos instrumentos técnicos de boa gestão do meio físico pela Geologia de Engenharia e pela Engenharia Geotécnica, esses não serão unilateralmente suficientes para a solução dos graves problemas urbanos associados ao meio físico geológico. A complexa essência causal desses problemas exige uma abordagem multidisplinar, com papel destacado para a participação da Arquitetura e do Urbanismo. Enfim, é imperativa a necessidade da arquitetura e do urbanismo brasileiro incorporarem em sua teoria e sua prática os cuidados com as características geológicas dos terrenos afetados. Essa nova cultura automaticamente levaria a uma mais estreita colaboração entre Arquitetura, Urbanismo, Geologia e Engenharia Geotécnica.

Como concisa diretriz, podemos entender que está colocado o seguinte desafio à arquitetura brasileira: usar a ousadia e a criatividade para adequar seus projetos à Natureza, em vez de, burocraticamente, pretender adequar a Natureza a seus projetos.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
  • Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
  • Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”, “Cidades e Geologia”
  • Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia
  • Articulista e colaborador do EcoDebate.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/03/2019
"Imperiosa a participação ativa de Arquitetos e Urbanistas para o correto equacionamento da tragédia urbana associada a áreas de risco, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/03/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/03/25/imperiosa-a-participacao-ativa-de-arquitetos-e-urbanistas-para-o-correto-equacionamento-da-tragedia-urbana-associada-a-areas-de-risco-artigo-de-alvaro-rodrigues-dos-santos/.

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O conflito intergeracional, as mudanças climáticas e a Terra inabitável,

O conflito intergeracional, as mudanças climáticas e a Terra inabitável, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


“Não peçam aos seus filhos respostas para a bagunça que vocês fizeram”
Greta Thunberg

crescimento populacional através da história

[EcoDebate] A população humana vem crescendo de geração em geração. Calcula-se que no início do Holoceno (há cerca de 12 mil anos) o número de pessoas no mundo não ultrapassava 5 milhões de habitantes, mas cresceu e chegou em torno de 250 milhões no ano 1 da Era Cristã, saltou para 1 bilhão de pessoas em 1800 e deve atingir 8 bilhões de habitantes em 2023. Segundo estimativas do Population Reference Bureau (PRB), já nasceram no Planeta, desde o surgimento do Homo sapiens, algo em torno de 108 bilhões de pessoas.

Em geral, as gerações mais velhas deixaram uma herança positiva para as gerações mais novas, tanto em termos materiais, quanto em termos espirituais. Nos últimos 200 anos, houve uma expressiva redução da mortalidade infantil, um aumento significativo da esperança de vida ao nascer e uma melhoria das condições de vida da população mundial, com avanços na educação, saúde, moradia, etc. Isto é o que se chama de mobilidade social ascendente ou ciclo intergeracional ascendente, já que, na média, a vida dos filhos melhora em relação à vida dos pais.

Contudo, a ascensão das gerações humanas ocorreu às custas da involução da biodiversidade, da diminuição da riqueza natural e da degradação dos ecossistemas. Enquanto a humanidade enriquecia o meio ambiente empobrecia. A ECOnomia avançou degradando a ECOlogia, mas é a primeira que depende da segunda e não o contrário. Ou seja, o ser humano depende da natureza e a natureza floresce melhor com mais abelhas e insetos e com menos seres humanos.

O fato é que o Planeta caminha para um colapso ambiental que pode se transformar em um colapso civilizacional. Como diz o jornalista David Wallace-Wells, caminhamos para uma “Terra inabitável”, pois além dos diversos elementos de degradação (como a acidificação dos solos, águas e oceanos, a precarização dos ecossistemas e os desastres climáticos extremos: secas, chuvas, furacões e inundações de grandes proporções), o aquecimento global vai ser abrangente, terá um impacto muito rápido e vai durar muito tempo. Isto quer dizer que os efeitos danosos das mudanças climáticas vão se agravar no futuro e, embora todas as gerações já estejam sendo atingidas, são as crianças e jovens que nasceram no século XXI que vão sentir as maiores consequências do colapso ambiental.

O padrão de vida adotado nos últimos 200 anos (desde o início do uso generalizado dos combustíveis fósseis e do consumismo extremo) está provocando a 6ª extinção em massa das espécies, reduzindo a biocapacidade da Terra, aquecendo o Planeta e levando a humanidade para o rumo do abismo. Evidentemente, são as novas e a futuras gerações que irão pagar o maior preço pelo irresponsável estilo de vida das antigas e atuais gerações de humanos.

Desta forma, torna-se impactante quando uma estudante sueca de 16 anos, Greta Thunberg, lidera um movimento global contra as mudanças climáticas e chama a atenção dos adultos para o caos climático que já provoca tantas destruições e que deve se agravar nos tempos vindouros. O evento de caráter revolucionário ficou conhecido como: “Greve Global pelo Futuro: um movimento de estudantes contra a inércia dos adultos”

As manifestações da sexta-feira, dia 15 de março de 2019, foram as maiores mobilizações globais contra as mudanças climáticas antropogênicas de todos os tempos. Ao todo, aconteceram pelo menos 2 mil eventos, em mais de 1.300 cidades, ocorridos em 123 países, envolvendo milhões de estudantes.

Greta Thunberg (que foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz) disse: “Precisamos urgentemente de uma visão holística para lidar com a crise de sustentabilidade total e o desastre ecológico em curso. E é por isso que eu sempre digo que precisamos começar a tratar a crise pelo que ela é. Porque só assim – e só guiados pela melhor ciência disponível (como está claramente afirmado em todo o Acordo de Paris) – é que podemos começar a criar juntos uma saída global”. Mas ela reclama dos críticos que dizem que os jovens não oferecem soluções para a crise ecológica: “Como vocês podem jogar esse fardo sobre nós?”.

Mas o que ecoa mais forte por parte de todo este movimento da juventude mundial contra o desastre ecológico é a frase de Greta direcionada às gerações ascendentes: “Não peçam aos seus filhos respostas para a bagunça que vocês fizeram”.

Este alerta vem modificar a relação existente entre as gerações, base de um relacionamento que prevaleceu nos últimos 12 mil anos (quando havia estabilidade homeostática do clima durante o Holoceno). No passado, os filhos agradeciam aos pais por terem nascidos e davam crédito e reconhecimento por receberem um herança positiva.

Mas atualmente, os filhos questionam os pais pela bagunça onde eles nasceram. As crianças e adolescentes estão começando a perceber que estão recebendo uma “herança maldita” e que vão ter que pagar pelo passivo ambiental deixado pelas gerações mais velhas. A crise ecológica e climática está acirrando o conflito intergeracional e agravando o mal-estar civilizacional.

Os 108 bilhões de humanos que já passaram pela Terra – onde quer que estejam – vão ter que pedir desculpas para as futuras gerações. E algumas pessoas já estão fazendo cobranças. O indiano Raphael Samiel, de 27 anos, decidiu entrar na justiça contra os próprios pais, que o conceberam sem o seu consentimento. Ele disse: “É errado trazer crianças ao mundo porque elas têm que tolerar o sofrimento ao longo da vida”. Os movimentos GINK (Green Inclination, No Kids) e “BirthStrike” (greve de nascimento por causa do aquecimento global) já compreenderam que o ambiente não é favorável às gerações descendentes.

É complicado e embaraçoso os país sentirem culpa pela geração de filhos. Mas esta é a tristonha realidade global. Por isto, a esperança contra o apocalipse climático está depositada nas “Sextas-feiras pelo futuro”.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Referências:
David Wallace-Wells. The Uninhabitable Earth: Life After Warming, 2019
https://www.amazon.com/Uninhabitable-Earth-Life-After-Warming/dp/0525576703
Redação. Indiano de 27 anos processa os pais por ter nascido, Galileu, 13/02/2019
https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2019/02/indiano-de-27-anos-processa-os-pais-por-ter-nascido.html
Lisa Hymas. The GINK (Green Inclinations, No Kids) manifesto. Say it loud: I’m childfree and I’m proud. 30/03/2010. http://www.grist.org/article/2010-03-30-gink-manifesto-say-it-loud-im-childfree-and-im-proud
Elle Hunt. BirthStrikers: meet the women who refuse to have children until climate change ends, The Guardian, 12/03/2019
https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2019/mar/12/birthstrikers-meet-the-women-who-refuse-to-have-children-until-climate-change-ends
Greta Thunberg https://www.facebook.com/gretathunbergsweden/

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/03/2019
"O conflito intergeracional, as mudanças climáticas e a Terra inabitável, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/03/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/03/25/o-conflito-intergeracional-as-mudancas-climaticas-e-a-terra-inabitavel-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

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