terça-feira, 4 de agosto de 2020

Ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do BC pedem responsabilidade ambiental na retomada

BRASÍLIA (Reuters) - Uma série de ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central lançaram carta nesta terça-feira com um apelo pela retomada da economia com responsabilidade social e ambiental, num momento em que investidores globais têm feito exigências quanto a contenção de desmatamentos para seguirem colocando recursos no país.




O grupo “Convergência pelo Brasil”, que reúne integrantes de governos de diferentes espectros ideológicos, defende que critérios de redução das emissões e do estoque de gases de efeito estufa na atmosfera sejam integrados à gestão de política econômica.

Nesse sentido, a carta pede apoio à economia de baixo carbono, citando a produção de energia eólica e de biodiesel como iniciativas positivas, além da necessidade de eliminação dos subsídios a combustíveis fósseis.

A carta também coloca como desafio o fim do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, argumentando que para além dos danos ambientais e climáticos, o desmatamento também acarreta impacto reputacional para o país.

Para o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, que ocupou a cadeira no governo de Itamar Franco e também de Fernando Henrique Cardoso, o país vive hoje um retrocesso na política ambiental.

Em coletiva virtual de imprensa, ele avaliou que o momento é de controle e limitação dos danos ambientais, com necessidade de pressão da sociedade para tanto. Loyola também ponderou que governos estaduais e municipais podem ter papel importante para ajudar a mitigar a falta de política ambiental do governo federal.

“Recado mais importante é para todo mundo acordar e entender que isso não é jogo de roubar montinho, é um ganha ganha. Estamos num caminho errado e é tolice insistir nessa direção”, afirmou o ex-presidente do BC Armínio Fraga, que se disse pessimista, mas esperançoso “ainda”.

Já o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, que atuou na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, avaliou ser notável que empresas brasileiras estejam manifestando seu compromisso e interesse com a questão climática por entenderem que esse é um aspecto fundamental do negócio.
Ele afirmou que uma sinalização contundente na direção da responsabilidade social e ambiental pode ter “retorno muito grande” não só por parte do investidor estrangeiro, como também do investidor doméstico.

“Ele tendo confiança que esse é o caminho, isso abre portas para gente voltar a crescer, trazer (de volta) o nosso investimento que está em níveis históricos mais baixos que se possa imaginar. A gente precisa provavelmente aumentar 2, 3, 4 pontos percentuais do PIB em investimento, que é uma tarefa enorme”, disse Levy.

Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco, avaliou que o presidente Jair Bolsonaro recebeu o apoio maciço de grileiros, desmatadores e mineradores ilegais e que há postura de cumplicidade por parte do governo.

“Eu acho muito difícil depois de tudo que tem acontecido manter alguma ilusão sobre a posição deste governo”, afirmou ele.

“É claro que começa a se esboçar uma reação por causa dos danos que isso já está a causar no exterior, mas até agora é uma operação puramente de relações públicas”, completou, reforçando que o índice de desmatamento segue muito alto.

“O máximo que se pode desejar ou esperar na base de uma pressão crescente e contínua é o que os americanos chamam de limitar os danos. Porque se não houver isso, esse governo até o fim do seu mandato fará ainda destruições mais irreversíveis”, disse Ricupero.

Também assinam a carta Alexandre Tombini, Eduardo Guardia, Fernando Henrique Cardoso, Gustavo Krause, Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega, Marcílio Moreira, Nelson Barbosa, Pedro Malan, Persio Arida e Zélia Cardoso de Mello.
Na véspera, o ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu cooperação internacional na área ambiental, afirmando que o Brasil precisa de apoio e compreensão no seu esforço de fiscalizar a preservação dos seus recursos naturais.

Em discurso na sessão de abertura de cúpula ministerial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com países da América Latina e Caribe, Guedes disse que o Brasil é um dos países que melhor defendem seus recursos naturais e sabe respeitar o meio-ambiente e os povos indígenas, mas argumentou que o território é grande e que o governo precisa de apoio para atuar “da melhor forma possível”.

Por Marcela Ayres

Em reunião com Mourão, empresários cobram medidas efetivas de combate ao desmatamento ilegal


Data: 10/07/2020
Autor:
Setor empresarial brasileiro quer ações para reverter atual percepção negativa da imagem do Brasil no exterior em relação às questões socioambientais na Amazônia
Em reunião por videoconferência nesta sexta-feira com o presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal e vice-presidente da República, Hamilton Mourão, grupo de representantes do setor empresarial brasileiro reforçou a cobrança por medidas efetivas de combate ao desmatamento ilegal no país, entre outros pontos, que permitam reverter a atual percepção negativa da imagem do Brasil no exterior em relação às questões socioambientais na Amazônia. É preciso implementar ações imediatas para aplacar as reações negativas de investidores e consumidores estrangeiros aos negócios em nosso País, afirmaram os empresários.

No encontro, os executivos apresentaram ao governo a proposta de maior participação e trabalho conjunto com o Conselho Nacional da Amazônia em políticas que induzam a uma retomada verde da economia, para um cenário de baixo carbono. Os empresários também salientaram o que o setor privado vem realizando e como o desmatamento ilegal prejudica os negócios.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que a reuniu abre um diálogo entre o governo e o setor privado e que está 100% alinhado com as propostas levadas pelos empresários.
O setor empresarial foi representado nesta reunião por Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS); Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag); José Carlos Fonseca, diretor executivo da Indústria Brasileira da Árvore (Ibá); João Paulo, CEO América Latina da Natura; Walter Schalka, CEO da Suzano; André Araujo, CEO da Shell; Paulo Sousa, CEO da Cargill; Marcos Antonio Molina dos Santos, presidente do Conselho de Administração da Marfrig; Candido Botelho Bracher, CEO do Itaú; e Luiz Eduardo Osorio, diretor-executivo de Relações Institucionais, Comunicação e Sustentabilidade da Vale.

A reunião desta sexta-feira foi confirmada pelo presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal depois que o Comunicado do Setor Empresarial Brasileiro veio a público, na última terça-feira (7). Além do Conselho Nacional da Amazônia Legal e Vice-Presidência da República, o documento foi protocolado aos presidentes do Supremo Tribunal Federal, Senado Federal e Câmara dos Deputados, e ao procurador-geral da República. Na ocasião, o documento contava com a assinatura de CEOs de cerca de 40 companhias e grupos empresariais dos setores industrial, agrícola e de serviços, além de quatro organizações: CEBDS, Abag, Ibá e Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal (ABIOVE). Atualmente, o posicionamento – que é aberto e busca o maior engajamento possível – conta com a adesão de 50 grandes companhias e, com a inclusão da Rede Brasil do Pacto Global, somando cinco entidades.

Ainda durante a reunião, Mourão comprometeu-se a assumir e anunciar metas semestrais contra desmatamento, queimadas e grilagem. Assumiu o compromisso de não aceitar ilegalidades.


Prejuízo ao Brasil
Os executivos alertam que a imagem negativa tem enorme potencial de prejuízo para o Brasil, não apenas do ponto de vista reputacional, mas de forma efetiva para o desenvolvimento de negócios e projetos fundamentais para o país. Além de uma maior resistência e até fuga de investimentos externos, há riscos de aumento da suspeita sobre a procedência da carne bovina e boicotes silenciosos, com a dificuldade da entrada de produtos brasileiros em alguns mercados.


O desmatamento de 1 hectare na Amazônia custa de R$ 800,00 a R$ 2 mil, dependendo da densidade arbórea da mata. Se considerar os 9,2 mil km2 (920 mil hectares) desmatados em 2019, o custo do desmatamento ilegal variou de R$ 740 milhões a R$ 1,8 bilhão.


Potencial de negócios
Por outro lado, há um elevado potencial de negócios ainda não totalmente dimensionado da floresta em pé. Estudo publicado ano passado pela revista Perspectives in Ecology and Conservation e endossado por mais de 407 cientistas brasileiros, de 79 instituições de pesquisa – apontou que os 270 milhões de hectares de vegetação nativa preservados em propriedades rurais – entre áreas desprotegidas e de Reserva Legal – rendem ao Brasil R$ 6 trilhões ao ano em serviços ecossistêmicos, como polinização, controle de pragas, segurança hídrica, produção de chuvas e qualidade do solo.


Os serviços oferecidos pelos sistemas naturais têm impacto na segurança alimentar, energética e hídrica; na produtividade da cadeia agrícola e servem de estoque e sumidouro para o carbono.
Relatório da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos sobre restauração de paisagens aponta que um hectare de floresta em pé na Amazônia, por exemplo, gera em média R$ 3,5 mil por ano e no cerrado em torno de R$ 2,3 mil por ano. Em sistemas agroflorestais esse rendimento pode chegar a mais de R$ 12 mil anuais. Já o mesmo hectare desmatado para a pecuária daria um lucro de R$ 60 a R$ 100 por ano. Se usado para soja, o valor seria de R$ 500 a R$ 1 mil por ano.


Soluções
Além do efetivo combate ao desmatamento ilegal, são apontados pelo documento como focos prioritários de ação: (i) inclusão social e econômica de comunidades locais para garantir a preservação das florestas; (ii) minimização do impacto ambiental no uso dos recursos naturais, buscando eficiência e produtividade nas atividades econômicas daí derivadas; (iii) valorização e preservação da biodiversidade como parte integral das estratégias empresariais; (iv) adoção de mecanismos de negociação de créditos de carbono; (v) direcionamento de financiamentos e investimentos para uma economia circular e de baixo carbono; e (vi) pacotes de incentivos para a recuperação econômica dos efeitos da pandemia da Covid-19, condicionada a uma economia circular e descarbonizada.


Queimadas na Amazônia: Recordes de focos de calor em julho Notícia


Queimadas na Amazônia: Recordes de focos de calor em julho


Amazônia: Com falta de fiscalização e inteligência no combate aos danos ambientais, queimadas em Terras Indígenas registraram aumento de 76%

Por Rebecca Cesar*

Desmatamento e Queimadas na Amazônia
Monitoramento de Desmatamento e Queimadas na Amazônia em Julho de 2020 – 
Foco de calor direto em floresta, próximo a área recém desmatada, com alerta Deter, 
em Alta Floresta (MT). Todos os anos, o Greenpeace Brasil realiza uma série de 
sobrevoos de monitoramento para registrar o avanço do desmatamento e das 
queimadas na Amazônia. Em julho de 2020, monitoramos pontos com alertas 
do Deter e de pontos de calor, do Inpe, nos estados do Pará e Mato Grosso. 
Imagem: © Christian Braga / Greenpeace

No dia 30 de julho, a Amazônia registrou mais um triste recorde: 1.007 focos de calor em um único dia. Esse é o número mais alto registrado no mês de julho desde 2005. Neste mesmo dia, no ano passado, foram 406 focos. Agora, dados consolidados de julho mostram um aumento expressivo nos focos de calor.

“O fato de ter mais de mil focos de calor em um único dia, recorde dos últimos 15 anos para o mês de julho, mostra que a estratégia do governo de fazer operações midiáticas não é eficaz no chão da floresta. Somente em julho, foram registrados 6.804 focos de calor na Amazônia, um aumento de 21,8% quando comparado ao mesmo mês do ano passado. A moratória, que proíbe no papel as queimadas, não funciona se não houver também uma resposta no campo, com mais fiscalizações.

Afinal, criminoso não é conhecido por seguir leis. Assim como a GLO aplicada sem estratégia e sem conhecimento de como se combate as queimadas, também não traz os resultados que a Amazônia precisa”, comenta Rômulo Batista, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace.

Um levantamento feito pelo Greenpeace Brasil aponta que dos focos de calor registrados em julho, 539 foram dentro de Terras Indígenas, um aumento de 76,72% em relação ao ano passado, quando foram mapeados 305 focos. Além disso, 1.018 atingiram Unidades de Conservação, um aumento de 49,92% em relação ao mesmo período do ano passado.

“O desmatamento precisa ser combatido durante todo o ano, principalmente considerando que as queimadas na Amazônia não são resultado de um fenômeno natural, mas da ação humana. O fogo é uma das principais ferramentas utilizadas para o desmatamento, especialmente por grileiros e agricultores, que o usam para limpar áreas para uso agropecuária ou especulação. A prática se tornou ainda mais comum com a falta de fiscalização e o desmantelamento dos órgãos ambientais. Estamos observando uma tendência de alta nas queimadas neste ano. Além da ameaça do coronavírus, com a temporada de fogo, os povos indígenas estarão ainda mais vulneráveis, pois a fumaça e a fuligem das queimadas prejudicam ainda mais sua saúde”, completa Rômulo.

Acesse imagens de queimadas da Amazônia em 2020 aqui

* Com Greenpeace

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/08/2020

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As mudanças climáticas estão impulsionando quantidades crescentes de água doce no Oceano Ártico


degelo no Ártico
Uma nova pesquisa mostra que a mudança climática está impulsionando quantidades crescentes de água doce no Oceano Ártico. Nas próximas décadas, isso levará ao aumento da água doce no Oceano Atlântico Norte, o que pode atrapalhar as correntes oceânicas e afetar as temperaturas no norte da Europa.

• Por Kelsey Simpkins*


University of Colorado Boulder


O artigo, publicado em 27 de julho de 2020 na Geophysical Research Letters , examinou o aumento inexplicável de água doce do Ártico nas últimas duas décadas e o que essas tendências podem significar para o futuro.

“Ouvimos muito sobre mudanças no Ártico em relação à temperatura, como ecossistemas e animais serão afetados”, disse Rory Laiho , co-autor e estudante de doutorado em ciências atmosféricas e oceânicas. “Mas este estudo em particular fornece uma perspectiva adicional sobre o que está acontecendo fisicamente ao próprio oceano, o que pode ter implicações importantes para a circulação e o clima do oceano”.

Desde os anos 90, o Oceano Ártico registrou um aumento de 10% em sua água doce. São 2.400 milhas cúbicas (10.000 quilômetros cúbicos), a mesma quantia necessária para cobrir todos os EUA com quase 1 metro de água.

A salinidade no oceano não é a mesma em todos os lugares, e as águas superficiais do Oceano Ártico já são algumas das mais frescas do mundo devido a grandes quantidades de escoamento de rios.
Essa água doce é o que torna possível o gelo do mar: mantém a água fria na superfície, em vez de permitir que esse líquido mais denso afunde abaixo da água morna e menos densa. Dessa maneira, o Oceano Ártico é muito diferente de outros oceanos. Porém, à medida que mais água doce sai do Ártico, esse mesmo mecanismo de estabilização pode atrapalhar as correntes oceânicas no Atlântico Norte que moderam as temperaturas de inverno na Europa.

Tais rupturas ocorreram antes, durante as “grandes anomalias de salinidade” das décadas de 1970 e 80. Mas esses foram eventos temporários. Se muita água fria do Ártico fluir continuamente para o Atlântico Norte, a rotação do oceano poderá ser interrompida de forma mais permanente.
Ironicamente, isso mitigaria os impactos do aquecimento global durante o inverno no norte da Europa por um tempo. Mas interromper as correntes oceânicas pode ter efeitos negativos no clima a longo prazo e nos ecossistemas do Atlântico Norte.

A principal missão da pesquisa para Alexandra Jahn , autora principal do novo estudo e professora assistente do Departamento de Ciências Atmosféricas e Oceânicas e do Instituto de Pesquisa Ártica e Alpina , e sua aluna de graduação, Laiho, era diferenciar os ciclos de variabilidade natural nas quantidades de água doce do Ártico e no impacto das mudanças climáticas. Eles examinaram os resultados de um conjunto de modelos realizados entre 1920 e 2100.

“Quando analisamos todas as simulações juntas, podemos ver se todas fazem a mesma coisa. Nesse caso, isso se deve a uma resposta forçada ”, disse Jahn. “Se essas mudanças são grandes o suficiente para não ocorrerem sem o aumento de gases de efeito estufa nas simulações de modelos, é o que chamamos de emergência de um sinal claro de mudança climática. E aqui vemos sinais tão claros de mudanças climáticas para a água doce do Ártico durante a década atual. ”

Seus resultados mostraram que o Estreito de Nares, que fica entre a Groenlândia e o Canadá e é o portal mais ao norte entre o Ártico e os oceanos mais ao sul – será o primeiro lugar a observar um aumento nas exportações de água doce atribuível às mudanças climáticas na próxima década. Outros estreitos mais ao sul e leste, incluindo os estreitos de Davis e Fram, serão os próximos a mostrar esse sinal.

Os pesquisadores também executaram os modelos em diferentes cenários de emissões para ver se essas mudanças serão afetadas pelas escolhas de emissões humanas nas próximas décadas. Eles analisaram o cenário “negócios como de costume” (aquecimento de mais de 4 graus Celsius até o final do século) e o que aconteceria se os humanos limitassem o aquecimento a 2 graus Celsius, o limite superior das metas do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) para Este século.

Eles descobriram que a mudança de água doce no Oceano Ártico e as quantidades que se deslocam pelo estreito do norte não foram afetadas, pois estarão sujeitas a um aumento de água doce antes dos anos 2040 – e as decisões tomadas globalmente nas próximas décadas não os influenciarão, como essas mudanças climáticas já estão em movimento. Mas na segunda metade deste século, os dois cenários divergiram, e aumentos nas quantidades de água doce foram observados em mais locais no cenário de alto aquecimento do que no cenário de baixo aquecimento.

“O que este trabalho está nos mostrando é que provavelmente já estamos enfrentando a primeira dessas mudanças, mas ainda não podemos dizer pelas observações diretas”, disse Jahn.

Toda a água do Oceano Ártico acaba no Atlântico Norte. Mas o tempo é tudo. Ser capaz de prever o momento do surgimento dos sinais das mudanças climáticas permitirá que os cientistas monitorem as próximas mudanças em tempo real e entendam melhor como as mudanças no Oceano Ártico podem impactar o clima em todo o mundo.

“Ele preenche uma lacuna no nosso entendimento atual e nos ajuda a fazer novas perguntas sobre o que está acontecendo fisicamente no Ártico”, disse Jahn.
Referência:
Jahn, A., & Laiho, R. (2020). Forced Changes in the Arctic Freshwater Budget Emerge in the Early 21st Century. Geophysical Research Letters, 47, e2020GL088854. https://doi.org/10.1029/2020GL088854

* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/08/2020

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Agromitômetro: Evaristo de Miranda

Agromitômetro: Evaristo de Miranda

Checamos as falas e os números do diretor da Embrapa Territorial, que faz a cabeça de Jair Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles sobre o uso da terra no Brasil

Evaristo de Miranda (esq.) com Bolsonaro e o general Santos Cruz (Foto: Alan Abreu/PR)
Evaristo de Miranda (esq.) com Bolsonaro e o general Santos Cruz (Foto: Alan Abreu/PR)
Em meados de janeiro, enquanto o ministro do Meio Ambiente questionava na imprensa os dados de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e dizia que o Brasil era “credor” na proteção das florestas, viralizou nas redes sociais um vídeo que parecia completar essa narrativa. Era uma palestra de 25 minutos feita no ano passado em Curitiba pelo agrônomo Evaristo Eduardo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial. Seu argumento: o Brasil tem tanta floresta conservada que ficou sem espaço para a agropecuária. Para Miranda, o quinto maior país do mundo “ficou pequeno”.
Na palestra, Miranda utilizou uma argumentação familiar aos que acompanharam a reforma do Código Florestal, no começo da década, quando a bancada ruralista se apoiou nos números do pesquisador: somando unidades de conservação, áreas indígenas, assentamentos de reforma agrária e florestas com obrigação legal de preservação em imóveis rurais, tem-se um país “campeão absoluto” em preservação, mas inviabilizado para “o desenvolvimento”. Cada um desses argumentos está errado, e abaixo nós mostramos por quê.


As falhas tornam-se mais graves pelo fato de Evaristo Miranda ter virado uma espécie de cientista de estimação do presidente Jair Bolsonaro. Convidado a ser ministro do Meio Ambiente, declinou, mas operou a transição da pasta juntamente com o ora ministro Ricardo Salles (Novo-SP) depois que o presidente demitiu a equipe originalmente encarregada da tarefa. É Miranda quem abastece Salles de “inteligência territorial”, como ele próprio já afirmou, e vieram provavelmente dele as afirmações equivocadas sobre preservação feitas por Bolsonaro em seu discurso-relâmpago no Fórum Econômico Mundial, na última terça-feira.


Nesta edição do Agromitômetro, o Observatório do Clima e o Instituto Socioambiental verificaram algumas das afirmações feitas por Miranda no vídeo. Para isso, usamos dados de diversas fontes, principalmente de um levantamento do MapBiomas, uma rede de 15 instituições que produziu mapas detalhados de satélite de todas as mudanças ocorridas no uso da terra no Brasil desde 1985. O resultado está abaixo.

*

“O Brasil, que era grande, ficou pequeno, porque tem muita terra atribuída.”
FALÁCIA – O Brasil continua sendo grande, mesmo tendo terra legalmente atribuída. Ao atribuir terras, o que o governo faz é destacar terras que geralmente já são públicas e destiná-las a alguma coisa, seja à conservação ambiental (como as unidades de conservação), seja à agricultura familiar (caso dos assentamentos de reforma agrária), seja à produção de madeira (caso das Florestas Nacionais) ou ainda à regularização fundiária. O país não “encolhe”; apenas fica mais diverso no uso do solo.
“Nós temos atualmente 1.871 unidades de conservação incluindo APAs [Área de Proteção Ambiental] [154 milhões de hectares]. Áreas indígenas, terras indígenas têm exatamente 600, agora, 14% do Brasil [117 milhões de hectares]. Então 30% do Brasil é área protegida, cadastrada, mapeada, definida, pronto, consagrada. Isso está fora da produção.”
NÃO É BEM ASSIM – Os dados do SNUC (Sistema Nacional de unidades de Conservação) mostram que, contando unidades de conservação e terras indígenas, o Brasil tem 259 milhões de hectares de áreas protegidas. Só que esse número é inflado pela inclusão das APAs (Áreas de Proteção Ambiental), uma categoria de unidade de conservação que permite propriedades privadas e quase todo tipo de atividade econômica, inclusive com desmatamento. Por exemplo, 80% do território do DF está numa APA. Portanto, não dá para dizer que a totalidade desse território está “fora de produção”.

Quando se exclui as APAs, as unidades de conservação e terras indígenas perfazem 216 milhões de hectares, o que dá 25% do território, não 30%.

Mas não é só isso: as áreas protegidas têm uma distribuição assimétrica no Brasil: desses 216 milhões de hectares, 90% (196 milhões de hectares) estão na Amazônia, frequentemente em áreas remotas e sem nenhum interesse para a agropecuária, como o Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque, no Amapá – que sozinho tem 3,8 milhões de hectares. Excluindo a Amazônia, apenas 5% do território nacional está sob áreas protegidas. E 90% da produção agropecuária acontece fora da Amazônia.

Por fim, certas categorias de unidade de conservação permitem a exploração econômica sustentável. É o caso das Florestas Nacionais (Flonas) e as Reservas Extrativistas (Resex). No caso das Flonas inclusive existe mineração (a maior mina de ferro do mundo fica dentro de uma Flona no Pará) e há também concessões para operação da indústria madeireira.

Mina de ferro do S11D, o maior projeto da Vale, dentro da Flona Carajás (Foto: Vale)
Mina de ferro do S11D, o maior projeto da Vale, dentro da Flona Carajás (Foto: Vale)
“Nós protegemos 30%, eu não sei se é muito ou se é pouco 30%, mas é o campeão em termos absolutos e em termos relativos. Não sei se é muito, mas apanhar dizendo que o Brasil não protege suas florestas, ser acusado de não proteger a sua vegetação nativa é um absurdo porque é um país que protege três vezes mais do que os outros países.”
MENTIRA – Uma comparação com outros países mostra que o Brasil não tem nada de tão extraordinário no percentual de áreas protegidas em relação a outros países. Há 51 nações com mais área protegida que nós, segundo o Banco Mundial. nossos vizinhos amazônicos Peru, Equador, Colômbia e Bolívia têm, todos eles, mais de 40% de seu território protegido. Mas, OK, dirá Miranda, são países pobres. Olhemos então o mundo industrializado: Reino Unido e Japão têm 29% do território protegido; a França, um dos dez maiores produtores de alimentos do mundo, tem 26%; a Alemanha, 38%; a Austrália 20%.
A Rússia, apesar de ter formalmente menos áreas de conservação que o Brasil, possui 48% do seu território coberto por florestas – uma área verde quase do tamanho do Brasil. Quando somadas as áreas de estepes (campos naturais) e alagados, a cobertura nativa chega a 70% do país
WhatsApp Image 2019-01-25 at 00.14.30 Ainda que Miranda estivesse correto e o Brasil protegesse “três vezes mais” do que todo mundo, isso faria pleno sentido: afinal, o país detém a maior variedade de espécies terrestres do planeta. A chamada biodiversidade também é um ativo essencial para proteger os recursos hídricos para a geração de energia e a produção agropecuária.
“Por que a gente protege tanto? Por um monte de razões, mas também por razões como essa – Farms Here, Forest There. Esse aqui é um documento de oitenta páginas. O que eles dizem nesse documento? Eles dizem o seguinte: nos próximos 20 ou 30 anos vai ter um mercado adicional de alimentos no mundo de 40 bilhões de dólares. São os EUA que têm que ficar com esse mercado, os agricultores dos EUA. O único país que pode pegar grande parte desse mercado da gente é o Brasil. Então ao invés de dar subsídios pra nós – está escrito aqui -, ao invés de me dar subsídios, dê dinheiro para as ONGs do Brasil impedir a expansão da agricultura brasileira.”
MENTIRA – O documento citado por Miranda tem uma década de idade e é um queridinho dos teóricos da conspiração do agronegócio – que, no entanto, parecem não tê-lo lido. Foi feito por uma empresa de consultoria sob encomenda da Farmers Union dos EUA e pela ONG Avoided Deforestation Partners, e diz simplesmente, com base em dados frágeis, que as políticas globais de combate à mudança do clima, ao promoverem a redução do desmatamento tropical, acabariam por beneficiar o agro americano (e gerar empregos de qualidade nos trópicos, muito a propósito – veja a página 5). O próprio argumento não para de pé, já que o PIB do agronegócio brasileiro subiu 75% e a produção de carne e soja na Amazônia cresceram no período em que o desmatamento na floresta caiu 80%, entre 2004 e 2012. Em nenhuma das suas páginas (que aliás são 56 e não 80) há qualquer coisa que chegue perto de sugestão de financiar ONGs. O documento completo pode ser lido aqui.
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“No Brasil quase 9.500 assentamentos que detêm uma área de 88,5 milhões de hectares. 10% do Brasil está na mão do INCRA e institutos correlatos, em alguns estados. Quer dizer é um Terrabrás, o INCRA. O maior latifúndio do país. Se você tirar aqueles 30% que não pode usar, na realidade o INCRA tem quase 20% do Brasil. Pode ser que falte ainda em algum lugar, mas nós já demos bastante terra, vocês não acham? 20% do Brasil, não está de bom tamanho?”
MENTIRA – Os assentamentos têm 45,7 milhões de hectares, muito menos do que o estimado por Miranda. Difícil saber de onde ele tirou esses 88,5 milhões de hectares. Uma possibilidade é que a diferença esteja na soma de áreas de reservas extrativistas (Resex) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) que já estavam computadas como unidades de conservação de uso sustentável e foram somadas novamente como assentamentos.

Além da confusão com os números, a matemática de Miranda traz um bom tanto de ideologia. Assentamentos de reforma agrária, afinal, não são áreas protegidas: são áreas de produção, cujo uso segue as mesmas normas de propriedades particulares. Muitos assentamentos do Incra praticam agricultura convencional e em modelo de cooperativa, não muito diferente do que é feito nos Estados do Sul do Brasil, onde predominam pequenas propriedades. Ao considerar assentamentos áreas “perdidas” para agricultura, Miranda deixa entrever uma ótica exclusiva da agricultura industrial, que é importantíssima, mas não é a única no país.

Usar a expressão “latifúndio” para as terras da reforma agrária é uma perversão da linguagem, já que o Incra existe justamente para combater distorções geradas pelo latifúndio. Tal liberalidade poderia fazer com que alguém chamasse erroneamente de “latifúndio improdutivo” os mais de 7 milhões de hectares de áreas militares, por exemplo.
“Nós atribuímos terras para quilombos. Eu lembro a constituinte que dizia que era de 8 a 12, um quilombo em Trombetas, outro não sei aonde. Bom, é 296 já, quase 3 milhões de hectares.”
VERDADE – Os territórios quilombolas reconhecidos ou em fase de reconhecimento somam 3,3 milhões de hectares.
Então quando a gente olha, nós temos hoje 12.500 terras legalmente atribuídas. – É bom já ir se acostumando, né – 37% do país está legalmente atribuído.”
MENTIRA – As áreas legalmente atribuídas incluem todas as áreas privadas e públicas que estão legalmente definidas e regularizadas, inclusive as propriedades rurais privadas. As áreas não atribuídas legalmente perfazem menos de 20% do território.
Mesmo assumindo que o termo tenha sido utilizado como referência a áreas públicas com algum tipo de restrição de uso, essa extensão corresponderia a 27% do país que está em unidades de conservação, terras indígenas, áreas quilombolas e áreas militares.
“O governador do Amapá, ele só anda nesse cinza aqui, no vermelho ele não entra. O governador do Amapá não entra porque é Parque Nacional, depende de ICMBio, é área indígena, ele precisa de autorização da Funai. Então ele só anda dentro desse cinzinha aqui. Pra desenvolver o Estado ele tem esse cinza. Roraima tem isso. Só que nessa área ainda tem que ter 80% de reserva legal, porque como o Estado não está quase protegido é importante que a agricultura preserve 80% da área que sobrou.”
MENTIRA – Este é um sofisma, antes de tudo. O governador do Amapá, como qualquer outro cidadão, não entra em nenhum lugar que não seja público sem autorização do proprietário, dos usufrutuários ou gestores, seja unidade de conservação (cujo “dono” somos todos nós, representados pelo Instituto Chico Mendes), terra indígena ou propriedade privada.

As áreas protegidas não são território separado do território estadual e quem vive nelas é tão cidadão quanto quem vive em cidades ou fazendas.

Sobre “desenvolver” o Estado, Miranda demonstra uma noção muito estreita do que seja “desenvolvimento”, já que é possível, por exemplo, criar uma próspera economia florestal mantendo a floresta em pé, ou desenvolver a mineração, como fez o próprio Amapá, ou a indústria, como fez o vizinho Amazonas.

Ao lidar com um território grande como o brasileiro, também corre-se o risco de não enxergar números absolutos importantes: o “cinzinha” do Amapá ao qual Miranda se refere é uma área de 89 mil quilômetros quadrados, quase o dobro do território da Holanda. E a Holanda, com seus míseros 42 mil quilômetros quadrados, é um dos três maiores exportadores de alimentos do planeta por valor de produção.

Por fim, o pesquisador se refere aos 80% de preservação no “cinzinha” na forma de reserva legal. O Código Florestal de fato estabelece que, na Amazônia, 80% da área de uma propriedade rural precise ser deixada com floresta na forma de reserva legal. Não se trata de uma área intocável: ela pode ser explorada economicamente, na extração de madeira e de outros produtos. Só não pode virar pasto nem lavoura. Ocorre que, por pressão justamente dos parlamentares de Roraima, a reforma do Código Florestal de 2012 determinou que, em Estados que têm mais de 65% de seu território cobertos por áreas protegidas – o que é o caso de Amapá e Roraima – e em municípios com mais de 50% do território sob proteção, a reserva legal possa ser reduzida de 80% para 50%.
“[O Cadastro Ambiental Rural é ] o maior trabalho escravo da história do Brasil. Quer dizer 5 milhões de pessoas obrigadas, sem ganhar nada, a fazer esse trabalho sob coação, sob ameaça de perda de crédito, tudo. Coagidos.”
MENTIRA – O Cadastro Ambiental Rural, ou CAR, é uma exigência do novo Código Florestal, aprovado em 2012, e resultou de uma negociação política de três anos. É preciso entender suas origens: a reforma do código foi uma reação do setor rural a um decreto de 2008 que determinava que desmatamentos irregulares seriam todos multados. Em vez de cumprir a lei, a bancada ruralista no Congresso resolveu alterá-la, diminuindo as exigências de recuperação ambiental e anistiando desmates feitos antes de 2008. Miranda não tem direito à memória curta neste caso, porque ajudou a instrumentalizar os ruralistas no debate sobre a mudança da lei no Parlamento.

Para serem dispensados de multa, os proprietários precisariam provar que desmataram antes de 2008 e entrar em programas de recuperação. Só há um jeito de fazer isso: mapeando com satélites quanta floresta existe na propriedade. Cada produtor do país declarou quanto tinha de vegetação remanescente em sua área, quanto era reserva legal e quanto era área de preservação permanente. Essas informações autodeclaradas foram inseridas no cadastro de cada propriedade, o CAR. (É como uma declaração de renda: o contribuinte pode mentir à vontade, mas se ele for pego na mentira será punido.)

É falso falar em “coação”, portanto, já que se trata de um registro autodeclaratório feito em troca de um benefício do Estado (isenção de multa). Quem não desmatou ilegalmente não perde nada.
A bancada ruralista no Congresso vem, desde 2013, postergando a entrada em vigor do CAR. Ou seja, até hoje, seis anos após a mudança no Código Florestal, nenhum proprietário foi multado. Por fim, falar com trabalho escravo relacionado ao CAR é brincar com um tema muito sério.
“Então o agricultor brasileiro é o único no mundo que cultiva metade. Todo agricultor que tem uma propriedade rural ele usa não sei quanto, no mundo inteiro. No Brasil, só metade. Na Amazônia menos que a metade, aqui no sul mais que metade, mas no país todo dá isso.”
FALÁCIA – Restrições ao uso da propriedade, não apenas no campo, mas também em área urbana, são um princípio da Constituição. O Brasil não é o único país a impor esses limites: em vários lugares do mundo proprietários rurais são impedidos de desmatar, ou precisam de autorização especial, ou são obrigados a manter matas ciliares. Na África do Sul, por exemplo, a fiscalização do desmatamento é feita pelos departamentos de Meio Ambiente e de Água e Saneamento, que criaram um grupo especial de fiscais, os Blue Scorpions, para monitorar a manutenção de matas ciliares (áreas de preservação permanente) em propriedades privadas.

Como já explicado anteriormente, as áreas de reserva legal das propriedades são áreas de uso econômico, porém com atividade florestal. As únicas áreas fechadas para produção agropecuária são as áreas de preservação permanente, que perfazem em média cerca de 10% das propriedades.
“O total disso, 218 milhões de hectares [no CAR]. Dá 25,6% do território nacional preservado pelos produtores rurais.”
NÃO É BEM ASSIM – A área de vegetação nativa nos imóveis cadastrados no CAR soma 188 milhões de hectares, 30 milhões a menos que a estimativa de Miranda. O pesquisador da Embrapa Territorial se baseia nas declarações dos proprietários no CAR, e não nas imagens de satélite, como faz o projeto MapBiomas.

Isso representa um terço das florestas do Brasil e pouco mais de 50% da área de todos imóveis cadastrados em terras privadas. De fato, na média, as propriedades privadas continham em 2015 metade da sua área com vegetação natural, mas com grande variação entre biomas (65% na Amazônia, 30% na Mata Atlântica).

Isso não quer dizer que estas áreas vêm sendo preservadas. De fato, os dados do MapBiomas mostram que pelo menos 1 em cada 5 hectares da floresta existente nas propriedades privadas foi desmatado ou degradado apenas nos últimos 30 anos. Já nas unidades de conservação e terras indígenas a perda foi inferior a 1%, e nas demais áreas públicas, inferior a 5%.
“Então nós temos essa base de dados da Embrapa que nós fomos calculando município por município, imóvel por imóvel, qual o valor patrimonial que o agricultor está imobilizando em prol do meio ambiente. Bem, o total deu 3 trilhões, cento e tantos bilhões. Então eu pergunto pros senhores, qual categoria profissional no Brasil, bombeiro, jornalista, pesquisador, militar, dentista, médico… Qual categoria profissional dedica do seu patrimônio pessoal, privado, imobiliza 3 trilhões em prol do meio ambiente. Qual? Eu não conheço.” 
FALÁCIA – A conta parte de uma premissa falsa: a de que os agricultores poderiam usar 100% de suas propriedades em qualquer hipótese e estariam abrindo mão dos ganhos por imposição ambiental. Mal comparando, é como se um morador de um bairro residencial onde só se permite a construção de casas lamentasse o “patrimônio imobilizado” por não poder construir um arranha-céu comercial em seu terreno. Trata-se de manobra retórica, já que, mesmo que não houvesse nenhuma limitação legal, as terras variam conforme inclinação, aptidão agrícola e outras características que impedem seu uso total.
“Quando junta área protegida com área preservada dá metade do Brasil: 49,8% ou 423 milhões de hectares.”
VERDADE, MAS – A soma das áreas protegidas com as áreas destinadas à vegetação nativa dentro de imóveis rurais cadastrados se aproxima de 50% do Brasil. Mas isso de maneira nenhuma limita a atividade agropecuária, como sugere o autor.

Os mapas do MapBiomas mostram que o Brasil tem hoje 245 milhões de hectares dedicados à produção agropecuária – excluindo as áreas de vegetação nativa nos imóveis rurais. É o equivalente a quase uma Argentina. Se contarmos as pastagens naturais do Pantanal e do Pampa, que são usadas para a pecuária, essa área sobe para 295 milhões de quilômetros quadrados. É quase 35% do Brasil. Coerente com média mundial de 37% de área agropecuária.
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Em extensão, isso é muita terra. Mas, de novo, não é uma excepcionalidade: o Brasil é o quarto maior produtor de alimentos do mundo (atrás de China, EUA e Índia), então é perfeitamente esperado que tenha, como tem, a terceira maior extensão de terras sob produção agropecuária. Perdemos nesse quesito apenas para a China (482 milhões de hectares) e os EUA (327 milhões de hectares). Considerando área agrícola por habitante, o Brasil ganha de todo mundo: a China tem 0,34 hectare por morador, os EUA têm 1 hectare e o Brasil tem 1,17 hectare.

Além disso, é consenso entre especialistas, inclusive da Embrapa, que as terras no Brasil são muito mal aproveitadas. Dois terços das áreas de agropecuária são pastagens ainda com produtividade média-baixa, que poderiam ser intensificadas ou ocupadas por lavouras. Foi exatamente o que aconteceu no Estado de São Paulo, onde a agricultura dobrou sua área em relação ao ano 2000 ocupando áreas de pasto mas mantendo a produção pecuária e ainda aumentando levemente a cobertura florestal.