segunda-feira, 19 de agosto de 2019

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva concordou com a decisão que a Alemanha e a Noruega tomaram ao bloquear os repasses para o Fundo Amazônia.


Alemanha e Noruega estão corretas em bloquear verba para Fundo Amazônia, diz Marina 

 

Guilherme Amado

Em entrevista, a ex-ministra afirma que Moro se anulou ao não de pronunciar sobre Funai 
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva concordou com a decisão que a Alemanha e a Noruega tomaram ao bloquear os repasses para o Fundo Amazônia.
Em entrevista à coluna, Marina afirmou que o erro é do governo de Jair Bolsonaro.
"No momento em que o governo propôs que o dinheiro do fundo fosse utilizado para regularizar terras ilegalmente ocupadas, não só rompe com o objetivo do fundo, como financia as ações que contribuem para a destruição da floresta", disse.
Marina também disse estar decepcionada com Sergio Moro. A ex-ministra, apoiadora durante anos de Moro, disse que o ministro se omite ao não falar publicamente sobre questões ambientais e questões indígenas, a exemplo da Funai.
Para ela, Bolsonaro já rompeu na prática com o Acordo de Paris, e Ricardo Salles é “o pior ministro de Meio Ambiente da história do Brasil”.
Leia a entrevista:
Como avalia a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro?
A palavra "política" está correta, mas precisamos acrescentar "antiambiental". É uma política antiambiental em todos os níveis. É uma profusão de "desfazimento" de tudo o que foi feito ao longo de todas essas décadas. Do professor Paulo Nogueira Batista ao (Rubens) Ricupero, até 2012, quando o desmatamento da Amazônia estava caindo, é a primeira vez na história do Brasil que temos um ministro do Meio Ambiente que é contrário à agenda ambiental, que está no ministério para fazer uma agenda contrária ao meio ambiente. E não só isso, também ao agronegócio, à imagem do Brasil, aos interesses estratégicos do Brasil. É um desmonte. É como se fosse uma sangria desatada.
A Alemanha e a Noruega estão certas em suspender os repasses para o Fundo Amazônia?
O Fundo foi concebido com o objetivo de fortalecer as políticas que ajudam a reduzir o desmatamento da Amazônia e fortalecer a governança socioambiental e o desenvolvimento sustentável. No momento em que o governo propôs que o dinheiro do fundo fosse utilizado para regularizar terras ilegalmente ocupadas, não só rompe com o objetivo do fundo, como financia as ações que contribuem para a destruição da floresta. Esses países estão corretos, porque quem está incorreto é o governo.
O Brasil perde respeito no cenário internacional com essas sinalizações?
Nos últimos seis meses, o Brasil saiu de um sério e respeitável protagonista na agenda ambiental global para um pária ambiental. Isso é muito triste. Lembro quando era ministra e surgia a ideia de que a agricultura brasileira se dava em prejuízo da Amazônia, mostrava um gráfico da economia crescendo a 3%, o agronegócio a 2% e o desmatamento caindo vertiginosamente. Hoje temos economia em recessão técnica e desmatamento fora de controle. E sinalizações contrárias aos acordos assumidos historicamente. O Acordo de Paris está sendo rompido. O governo Bolsonaro já rompeu com ele na prática.
Como avalia o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles?
Posso falar do papel que ele desempenha pessimamente na agenda ambiental, e que é o de mais nefasto em toda a história da proteção ambiental no Brasil.
Ele é o pior ministro do Meio Ambiente que o Brasil já teve?
Sim, é o pior ministro no Ministério do Meio Ambiente que o Brasil já teve. Ele não é o ministro do Meio Ambiente. É um ministro no Ministério do Meio Ambiente.
Qual será o futuro da Amazônia, se o governo insistir nessa postura?
A Amazônia está vivendo uma situação difícil e dramática, que começou a partir de 2012, mas que ganhou uma aceleração assustadora. A Dilma juntou o cal, o Temer botou a pá de cal e agora o Bolsonaro está dando o tiro de misericórdia.
Partidos ambientalistas, como a Rede, terão espaço ou serão engolidos pelo discurso antiambientalista do governo Bolsonaro?
O problema é que somos como o candiru. Se o Bolsonaro não souber o que é um candiru, ele que vá pesquisar. (Candiru é um peixe pequeno encontrado na bacia amazônica. É temido por muito temido porque, uma vez dentro de outros seres, abre suas nadadeiras, o que torna muito difícil a remoção).
Teve alguém do governo que a decepcionou mais do que imaginava?
Não escolhi ninguém desse lugar que não me decepcionasse. Esse tipo de expectativa é fantasiosa, mas ver a omissão do ministro da Justiça na agenda de combate à corrupção, quando se refere ao patrimônio público, é algo que deve decepcionar o Brasil inteiro. Veja o trabalho que foi feito para combater a corrupção do patrimônio brasileiro no caso da Petrobras. 
Temos muito mais do que a Petrobras hoje sofrendo a corrupção desenfreada com a grilagem de terra, roubo de madeira, invasão de área, tudo o que é corrupção, e o ministro da Justiça não se sente estimulado para uma "Operação Lava Mato".

Organizações lançam carta pública em defesa do Fundo Amazônia


Um conjunto de organizações não- governamentais lançou nesta semana uma carta de defesa do Fundo Amazônia, que capta doações para investir em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na Amazônia, assim como o desenvolvimento de atividades que valorizem a floresta e seu uso sustentável.
Em uma década de existência, o Fundo Amazônia, administrado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), ajudou a reduzir a destruição da floresta por meio de ações de comando e controle mas também por atividades em campo.
“Os efeitos positivos dos projetos executados têm impactos além das datas de suas respectivas conclusões: tal qual uma pedra jogada num lago, elas inspiram outros públicos a seguir o mesmo caminho sustentável, além de promoverem a economia local em médio e longo prazos”, escrevem as organizações. “O desafio está longe do fim e é preciso integrar programas, projetos e ações de todos os setores para que o objetivo final do governo brasileiro, e de todos os cidadãos do planeta, seja alcançado: conservação plena da Amazônia para continuidade do fornecimento de serviços ambientais (água, regulação climática), produtos da floresta (açaí, copaíba, farinha de mandioca, pirarucu etc.) e a valorização dos povos da floresta e seus conhecimentos.”


Leia a íntegra da Carta:
Instituições da Amazônia em defesa do Fundo Amazônia

As instituições que subscrevem este documento reforçam a importância do Fundo Amazônia para programas, projetos e atividades de conservação da floresta e interiorização do desenvolvimento sustentável em localidades remotas e com populações vulneráveis na Amazônia e com benefícios para todo o Brasil.

Portanto, o Fundo Amazônia deve ser defendido por todos nós. A Amazônia ocupa a maior parte do território nacional e é lar de 30 milhões de pessoas. Porém todos nós brasileiros dependemos deste que é o maior bioma do mundo.

O território é bem diverso e complexo: há produtores de grande e médio portes, agricultores familiares, ribeirinhos, extrativistas e povos indígenas. Em comum entre eles, existe o desafio de manejar os recursos naturais para geração de renda e negócios, tanto para fins privados quanto comunitários e coletivos.

O que os diferencia, porém, é a forma de lidar com esse ambiente. Porque a Amazônia se impõe às decisões que cada um toma em seu dia a dia: se, para alguns, a floresta é um obstáculo para o desenvolvimento, para muitos ela é a base de sua vida e, como tal, deve ser conservada e manejada de maneira sustentável. 

Nesse sentido, os recentes debates sobre o Fundo Amazônia, ainda que equivocados, geram ocasião para analisar os seus impactos sobre a conservação da floresta e o desenvolvimento de cadeias produtivas, assim como são uma oportunidade para a sociedade brasileira ter contato com temas relacionados ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Ações de comando e controle são o primeiro passo nesse sentido e foram implementadas pelo Governo Brasileiro anos atrás -- que resultou na queda significativa do desmatamento entre 2004 e 2015.

Entretanto essas ações têm limitação de eficácia; portanto é preciso programas e projetos estruturantes para a promoção de uma nova agenda de desenvolvimento para a região, com inclusão social e produtiva. Hoje o Fundo Amazônia financia 103 projetos implementados por órgãos governamentais (38), instituições de pesquisa (6), organizações da sociedade civil (58) e organismo internacional (1).

Dos R$ 1,8 bilhões comprometidos pelo Fundo Amazônia, órgãos públicos (federal, estadual e municipal) representam 60% e organizações da sociedade civil pouco menos de 37%. Tais projetos são analisados tecnicamente por uma equipe de profissionais do BNDES. A aprovação desses projetos se dá por meio de um processo técnico, objetivo e transparente. Todos os projetos tiveram que desenvolver argumentos e lógicas de intervenção baseadas nas estratégias e eixos temáticos definidos pelo Governo Brasileiro (por meio do Fundo Amazônia e o Ministério do Meio Ambiente) e integradas às políticas públicas municipais, estaduais e federais.


Nos últimos dez anos, as instituições signatárias desta carta trabalham e promovem: ● O apoio de mais de 3 mil projetos e empreendimentos de geração de renda sustentável tomaram corpo e entregaram resultados;
● Retorno de R$ 26 milhões foram obtidos pela comercialização de produtos sustentáveis de base florestal;
● A valorização da agricultura familiar, com mais de 15 mil famílias, fomentando o uso do solo sustentável;
● A realização de quinze feiras de produtos sustentáveis, que aproximaram quem produz de quem consome, aumentando a segurança alimentar, a diversificação de cardápio dinamizando a economia da Amazônia;
● A estruturação e fortalecimento de Rede de Sementes nativas envolvendo 700 coletores, gerando R$ 2 milhões em renda e contribuindo com a restauração de 6 mil hectares; 
● Apoio à conservação de 100 milhões de hectares com ações de empoderamento e capacitação para geração de renda com as populações que ali vivem;
● Redução de desmatamento em 67% nas taxas de desmatamento (2000-2017) em unidades de conservação estaduais no Amazonas atendidas. Os efeitos positivos dos projetos executados têm impactos além das datas de suas respectivas conclusões: tal qual uma pedra jogada num lago, elas inspiram outros públicos a seguir o mesmo caminho sustentável, além de promoverem a economia local em médio e longo prazos.


O desafio está longe do fim e é preciso integrar programas, projetos e ações de todos os setores para que o objetivo final do Governo Brasileiro, e de todos os cidadãos do planeta, seja alcançado: conservação plena da Amazônia para continuidade do fornecimento de serviços ambientais (água, regulação climática), produtos da floresta (açaí, copaíba, farinha de mandioca, Pirarucu etc.) e a valorização dos povos da floresta e seus conhecimentos.

Subscrevem à esta carta as seguintes organizações não-governamentais (em ordem alfabética):

Fundação Amazonas Sustentável (FAS)
Instituto Centro de Vida (ICV)
Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Conservação da Amazônia (IDESAM)
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA)
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)
 Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE)
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON)
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)
Instituto Ouro Verde (IOV)
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Instituto Socioambiental (ISA)
Operação Amazônia Nativa (OPAN)

Florestas na Amazônia demoram sete anos para recuperar funções pós-fogo


daisy photographed from below

Florestas da Amazônia degradadas pelo fogo recuperam sua capacidade de bombear água para a atmosfera e absorver carbono em sete anos. Mas o que se perdeu de carbono não volta mais. As boas e as más notícias fazem parte de um novo estudo científico publicado por pesquisadores do Brasil, dos Estados Unidos e da Alemanha na revista Global Change Biology.
Os cientistas analisaram dados de um experimento conduzido pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) em uma fazenda em Mato Grosso. Nas áreas que passaram por queimadas controladas, as árvores grandes sobreviventes ao fogo sucumbiram rapidamente nos anos seguintes, porém mais fracas e vulneráveis a doenças e rajadas de vento, especialmente nas bordas da mata.
“Essas feridas na floresta podem deixar cicatrizes permanentes, com menos árvores e carbono”, explica  o principal autor do artigo, o brasileiro Paulo Brando, do IPAM. Também nos anos seguintes a composição de espécies mudou, e gramíneas invadiram o local.
A partir do sétimo ano, os cientistas observaram uma mudança no quadro: aquela área estava retirando tanto carbono da atmosfera e jogando umidade no ar quanto antes do fogo. “Para se recuperar, as plantas trabalham muito rápido, tem muita fotossíntese, por isso tiram muito carbono do ar e transpiram bastante”, explica o pesquisador Michael Coe, do Instituto de Pesquisa de Woods Hole, nos Estados Unidos, um dos autores do estudo. “Mas perdemos o carbono que estava estocado nas árvores mais antigas.”
O resultado mostra a importância de deixar áreas queimadas na Amazônia se recuperarem, o que ajuda a estabilizar o clima local – na região do estudo, sudeste da Amazônia, a estação seca é duas semanas mais longa do que 30 anos atrás. “Poucos estudos documentaram a recuperação da floresta após distúrbios múltiplos, o que ajuda a prever as trajetórias das funções florestais no futuro”, diz a cientista Susan Trumbore, do Instituto Max Planck de Biogeoquímica, coautora da pesquisa.
Brando destaca que é preciso acompanhar as áreas queimadas por mais tempo, para saber se elas vão se recuperar totalmente ou se a vegetação será um híbrido de floresta com gramíneas – o que, por sua vez, deixar a área mais suscetível a novos incêndios.
No Brasil, o fogo é um instrumento usado corriqueiramente para limpar terrenos, antes com floresta, plantio ou mesmo pasto. Na Amazônia, o fogo ocorre naturalmente em determinada área acontece a cada 500 anos, no mínimo. Porém, hoje algumas regiões queimam anualmente, ou com alguns anos de diferença, devido à ação humana.
O desmatamento e as queimadas são a principal fonte de emissão de gases do efeito estufa no Brasil, o que intensifica as mudanças climáticas.
Com informações do Woods Hole Research Center.

Chega de fake news sobre o clima. ‘O aquecimento global é de origem antrópica’, afirma a carta, assinada por 250 cientistas italianos

Chega de fake news sobre o clima. ‘O aquecimento global é de origem antrópica’, afirma a carta, assinada por 250 cientistas italianos


Global Fossil CO2 Emissions

Como já defendido pela ONU, 250 cientistas confirmam a origem humana das mudanças climáticas. Não é uma fake news

Chega de fake news sobre o clima. “O aquecimento global é de origem antrópica”, afirma a carta, já assinada por 250 cientistas italianos, endereçada aos mais altos cargos do Estado, porque é urgente e fundamental enfrentar e resolver o problema das mudanças climáticas. É necessário agir rapidamente para reduzir drasticamente as emissões de gases estufa, atingindo a meta de zero de emissões líquidas até 2050 (ou seja, que o dióxido de carbono emitido pelas atividades humanas seja equivalente àquele que os ecossistemas são capazes de absorver).

A informação foi publicada por L’Osservatore Romano, 12/13-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

A carta, baseada em dezenas de milhares de estudos realizados em todos os países do mundo pelos cientistas mais credenciados que trabalham no tema da mudança climática, quer ser uma resposta ao documento, datado de 17 de junho, e assinado por um grupo formado quase exclusivamente por não-especialistas na ciência das mudanças climáticas, em que foi posta em discussão com argumentos superficiais e errôneos a ligação entre o aquecimento global da era pós-industrial e as emissões de gases de efeito estufa de origem antrópicas.

Inclusive o Secretário-geral da ONU, António Guterres, manifestou-se nos últimos dias sobre a origem antrópica das alterações climáticas e a sua estreita influência nos países mais pobres. “Os governos de todo o mundo tomaram uma série de iniciativas, mas as pessoas e os países mais vulneráveis continuam a sofrer mais”, consta em seu pronunciamento no qual descreve a situação relativa à realização dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), em que todos os países do mundo se comprometem, até 2030, a pôr fim a toda forma de pobreza e a lutar contra as desigualdades e as alterações climáticas. “De acordo com as estimativas atuais – destacou Guterres – é mais provável que os muito pobres cheguem a 6%, ou seja, 420 milhões de seres humanos. Nesse sentido, os conflitos e os desastres naturais contribuem de maneira determinante”. São particularmente preocupantes a situação na Síria e do Iêmen, países onde sangrentos conflitos vêm ocorrendo há anos. De acordo com a ONU, além disso, “os investimentos em combustíveis fósseis continuam sendo mais altos que aqueles sobre as atividades climáticas”.

Sabe-se agora que a emergência climática não é a mesma para todos. As mudanças climáticas têm um impacto devastador sobre as populações e países mais vulneráveis e, portanto, contribuem para acentuar as desigualdades econômicas entre as nações ricas e aquelas pobres. Além disso, os países pobres são geralmente aqueles que são menos responsáveis pelas mudanças climáticas e aqueles mais dependentes da produção agrícola interna. Isso os coloca em uma condição de dependência muito estrita das condições meteorológicas e das variações do clima.

Em vista da Cop25 programada para dezembro em Santiago do Chile, o secretário da ONU convocou uma reunião sobre a emergência climática de 21 a 23 de setembro em Nova York com o tema: “Encontro de cúpula sobre a ação climática: uma corrida que podemos vencer. Uma corrida que devemos vencer”.

(EcoDebate, 16/07/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Humanidade consome recursos da Terra a taxas insustentáveis

Humanidade consome recursos da Terra a taxas insustentáveis


George Monbiot, correspondente do jornal britânico The Guardian e conhecido por seu ativismo ambiental e político, fez um apelo surpreendente para que as pessoas no Reino Unido reduzissem o uso de carros em 90% ao longo da próxima década.

Muitos indivíduos podem se mostrar avessos a essa ideia, mas talvez ela soe um pouco menos bizarra à luz de um novo relatório da ONU Meio Ambiente sobre a taxa com que estamos abocanhando os recursos do planeta Terra.
ONU
Refinaria de petróleo na Colômbia. Foto: Flickr/Aris Gionis (cc)
Refinaria de petróleo na Colômbia. Foto: Flickr/Aris Gionis (CC)
A indústria global do automóvel necessita de quantidades enormes de metais vindos da mineração, assim como de outros recursos naturais, como a borracha. E a transição para os veículos elétricos, embora necessária para conter a poluição do ar e as emissões de gases do efeito estufa, também tem consequências adversas para a natureza — a mineração em larga escala do lítio para as baterias usadas nos veículos elétricos poderia provocar novas dores de cabeça ambientais.

O Panorama Global sobre Recursos 2019, relatório da ONU Meio Ambiente preparado pelo Painel Internacional sobre Recursos, examina as tendências em recursos naturais e nos seus padrões correspondentes de consumo desde os anos 1970. Entre as principais descobertas da pesquisa, estão as seguintes conclusões:
  • A extração e o processamento de materiais, combustíveis e alimentos contribuem com metade do total de emissões globais de gases do efeito estufa e com mais de 90% da perda da biodiversidade e do estresse hídrico;
  • A extração de recursos mais do que triplicou desde 1970, incluindo um aumento de cinco vezes no uso de minerais não metálicos e um aumento de 45% no uso de combustíveis fósseis;
  • Até 2060, o uso global de materiais poderia dobrar para 190 bilhões de toneladas (a partir dos atuais 92 bilhões), enquanto as emissões de gases do efeito estufa poderiam aumentar 43%.
Além dos transportes, outro grande consumidor de recursos é o setor de construção, que cresce rapidamente.

O cimento, o insumo fundamental para a produção de concreto, o material de construção mais usado no mundo, é uma grande fonte de gases do efeito estufa e responde por algo em torno de 8% das emissões de dióxido de carbono, de acordo com um relatório recente da Chatham House.
Tanto a produção de concreto quanto a de argila (para tijolos) incluem processos que consomem muita energia para a extração de matéria-prima, além de etapas de transporte e uso de combustíveis para o aquecimento de fornos.

A areia de qualidade para uso na construção está sendo extraída atualmente a taxas insustentáveis.
“A extração de materiais é um dos principais responsáveis pelas mudanças climáticas e perda da biodiversidade — um desafio que só vai piorar a não ser que o mundo empreenda urgentemente uma reforma sistemática do uso de recursos”, afirma o especialista em mudanças climáticas da ONU Meio Ambiente, Niklas Hagelberg. “Tal reforma é tão necessária quanto possível.”

Transição energética

Dados de 2014 do Banco Mundial mostram que 66% da energia global é fornecida por combustíveis fósseis. A diretora-executiva interina da ONU Meio Ambiente, Joyce Msuya, pediu a aceleração da transição energética, dos combustíveis fósseis — carvão, petróleo e gás — para fontes renováveis de energia, como eólica e solar.

“Precisamos ver uma mudança quase total para as fontes renováveis de energia, que têm o poder de transformar vidas e economias ao mesmo tempo em que protegem o planeta”, afirmou a dirigente em uma carta para os participantes da Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, realizada recentemente em Nairóbi, no Quênia.

O chamado da chefe da ONU Meio Ambiente veio poucos dias após o fundo soberano da Noruega — o maior do mundo, de 1 trilhão de dólares — sinalizar que planeja vender algumas das suas ações em empresas de petróleo e gás. A manobra é um golpe simbólico na indústria dos combustíveis fósseis, que vai reverberar entre empresas de energia e seus investidores.

“Agora, mais do que nunca, uma ação urgente e sem precedentes é exigida de todas as nações” para reduzir o aquecimento global, afirma o Relatório de Lacuna de Emissões da ONU Meio Ambiente de 2018. “Para transpor a lacuna de emissões de 2030 e garantir uma descarbonização de longo prazo, os países também têm que aprimorar as suas ambições de mitigação”, acrescenta o documento.

O Painel Internacional sobre Recursos foi lançado pela ONU Meio Ambiente em 2007, para construir e compartilhar os conhecimentos necessários para melhorar o nosso uso de recursos no mundo todo. O painel é formado por cientistas eminentes, altamente qualificados em questões de gestão de recursos, tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento, além de integrantes da sociedade civil e de organizações industriais e internacionais.

Da ONU Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/04/2019

Humanidade consome recursos da Terra a taxas insustentáveis, alerta a ONU, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 5/04/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/04/05/humanidade-consome-recursos-da-terra-a-taxas-insustentaveis-alerta-a-onu/.

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

A extinção da política ambiental no Brasil e os riscos para a vida no planeta



A extinção da política ambiental no Brasil e os riscos para a vida no planeta


A extinção da política ambiental no Brasil e os riscos para a vida no planeta. Entrevista especial com Cristiana Losekann

Por João Vitor Santos, IHU

Desde que tomou posse, as ações do governo de Jair Bolsonaro têm deixado claro que o meio ambiente é uma área que deve se submeter às demais. E por aí vem liberação recorde de agrotóxicos, questionamentos sobre dados de desmatamento, o desejo de emprego de recursos do Fundo Amazônia para indenizar agricultores (quando o recurso deve servir para ações diretas de preservação), ataque a direitos e mecanismos de proteção de povos originários, além de fortalecimento do discurso de que as questões ambientais devem ser flexibilizadas em prol do desenvolvimento econômico.

Essas e outras tantas medidas são, para a cientista social Cristiana Losekann, muito mais do que um revés da política ambiental. “O que está em jogo não é um novo modelo de política ambiental, mas o próprio fim da política ambiental”, dispara, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. “O governo atual rompe com nossa tradição de política ambiental e inicia uma série de medidas que eliminam a participação da sociedade e a corresponsabilidade da sociedade. Ao fazer isso, restringe o poder de proteção ambiental ao Estado ao mesmo tempo que desmantela os órgãos de controle e fiscalização”, avalia.

Cristiana recorda que, numa perspectiva histórica, a política ambiental brasileira sempre teve uma “concepção de responsabilidade compartilhada na proteção da natureza, entre Estado e sociedade”. Ou seja, de um lado o Estado tem o poder de regulamentar e gerir as questões de meio ambiente, mas, de outro, a sociedade tem participação ativa nessas ações, na construção e fiscalização dessas políticas ambientais. “Essa concepção está expressa em diferentes instituições nossas e formulada a partir das diferentes concepções de natureza e de problemas ambientais que foram se desenvolvendo ao longo desses anos na nossa esfera pública”, pontua. Mas, agora, o Estado chama para si essas ações, desnutrindo fóruns como o Conselho Nacional de Meio Ambiente. “É uma ruptura sem precedentes com o que a sociedade brasileira vem pactuando em torno das questões ambientais. A questão é que os efeitos catastróficos disso são incontroláveis e cairão sobre nós e mais ainda sobre as populações já subalternizadas”, acrescenta.


Para a cientista social, é evidente que esse modelo não se sustenta. No entanto, teme que, quando se perceber a inviabilidade dessas lógicas, seja tarde demais. “O grande perigo desse desmonte é que nós até podemos reconstruir instituições, refundar nossa política ambiental no futuro, mas não podemos fazer reviver toda a vida que foi destruída, todo o ecossistema que foi alterado”, alerta. E provoca: “uma das maiores demonstrações de inteligência do ser humano é o reconhecimento do seu próprio limite, daquilo que não sabe e que ainda precisa aprender. Governos que agem como prepotentes demonstram ser, inconsequentemente, o contrário disso”.
Cristiana LosekamCristiana Losekam (Foto: UFES)
 
Cristiana Losekann possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestrado e doutorado em Ciência Política pela mesma instituição. É professora associada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo e professora permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo.

Também é coordenadora do Organon – Núcleo de estudo, pesquisa e extensão em mobilizações sociais DCSO/PGCS/UFES.

Entre suas publicações, destacamos A política dos afetados pelo extrativismo na América Latina (Revista Brasileira de Ciência Política, 2016), Ambientalistas em Movimento no Brasil: entrelaçamentos e tensões entre o estado e a sociedade durante o Governo Lula(Curitiba: Editora Appris, 2014) e Desastre na bacia do Rio Doce: desafios para a universidade e para instituições estatais (Rio de Janeiro: Folio digital, 2018).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quando e em que contexto, no Brasil, passou a se refletir sobre os “problemas ambientais”? O que a História do país revela sobre essa temática?
Cristiana Losekann – Inicialmente, é importante observar que problemas ambientais são percepções construídas por nós acerca da nossa relação com o ambiente. Nós construímos, assim, uma explicação e uma interpretação sobre certas circunstâncias. Isso significa dizer que os chamados problemas ambientais não são simplesmente dados, embora, evidentemente, essa percepção precise se basear em certa experiência que estabelecemos com o ambiente, nossa observação, produção científica, fatos observados etc.

Dito isto, fazendo uma revisão simples do pensamento social brasileiro encontramos diversas produções textuais que nos permitem vislumbrar já no século XVIII uma ideia, uma percepção, elaborada enquanto “problema ambiental” (o trabalho de José Augusto Pádua é uma referência importante nesse sentido). Podemos citar José BonifácioJoaquim Nabuco e Frei Vicente. Mais próximo de nossos dias, Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré e Gilberto Freyre, entre outros intelectuais importantes da nossa história que se preocuparam e de escrever sobre a degradação ambiental no Brasil. José Bonifácio escreveu um famoso texto em que descreve a caça às baleias e sua preocupação, até mesmo afetiva, podemos dizer, com a morte das baleias. Também é importante observar que os problemas ambientais foram construídos quase sempre na relação com diferentes ideias de desenvolvimento econômico, observando que conflitos são estabelecidos entre a necessidade de cuidar da natureza e os projetos de desenvolver o país sempre vinculados com o uso da natureza como recurso.

Outro ponto que é importante de ser observado é que a produção desse pensamento ambientalista desde tão cedo ajudou a construir as nossas instituições. Dessa forma, as instituições políticas ambientais (leis, princípios, órgãos etc.) não são uma construção casuística de um ou de outro governo, ao contrário, elas vêm sendo construídas ao longo de nossa história e sendo moldadas a partir da forma como, podemos dizer, a sociedade foi construindo essa noção de problemas ambientais.

Pensamento global, distorções locais

Um outro aspecto implicado nessa questão e que aparece muitas vezes em discursos políticos de forma muito equivocada, é que, ainda que possamos compreender uma trajetória de pensamentos sobre os problemas ambientais do Brasil, isso nunca se construiu de forma hermética fechada e restrita ao âmbito nacional. Esse pensamento se construiu na interação com circuitos internacionais de produção de ideias sobre o tema, constituindo, assim, uma trajetória de pensamento humano sobre as interações com a natureza; o próprio conhecimento científico é parte deste processo. Essa característica global da produção de um pensamento sobre os problemas ambientais é frequentemente mal entendido por linhas ideológicas nacionalistas (de esquerda ou direita) que criam dicotomias forçadas e conspiratórias entre um “eles” exterior que está sempre interessado em nos manter atrasado e que vincula esse atraso ao cuidado ambiental, ou ao ambientalismo.
No nosso contexto político, temos como exemplos disso Aldo Rebelo, ex-ministro e ex-membro do partido comunista, que estabeleceu batalhas contra ambientalistas de ONGs contra o que chamava de “imperialismo verde” que tentava impedir o desenvolvimento do Brasil. Para espanto de muitos, o governo atual, que se apresenta como sendo de um polo político oposto ao do partido comunista, também defende a mesma ideia, apresentando qualquer ideia de cuidado ambientalcomo interesse estrangeiro contra o Brasil.

IHU On-Line – Como e em que contexto surgem as primeiras legislações ambientais no país?
Cristiana Losekann – Existem diferentes tipos de legislações que podem ser compreendidas como ambientais. Mas podemos diferenciar dois tipos importantes: aquelas que dizem respeito aos princípios de proteção ambiental e de definição do que é essa proteção e aquelas que definem como será estruturado o sistema para controle e implementação dessa proteção. Com relação a esse último aspecto, é fundamental observar que, ainda que com nuances, historicamente, uma característica marcante da nossa política ambiental é que ela é marcada por uma concepção de responsabilidade compartilhada na proteção da natureza, entre Estado e sociedade.
Existem diversos modelos de política ambiental no que diz respeito à competência e responsabilidade da proteção da natureza. Alguns países adotaram um modelo totalmente estatal e outros adotaram modelos privatistas em que a proteção não é simplesmente da sociedade, mas exclusivamente privada.

No Brasil, nós temos adotado legislativamente, desde pelo menos a década de 1930, essa ideia de que, para que a gente possa proteger a natureza, o melhor seria um modelo de compartilhamento da responsabilidade entre a sociedade e o Estado. Essa concepção está expressa em diferentes instituições nossas e formulada a partir das diferentes concepções de natureza e de problemas ambientais que foram se desenvolvendo ao longo desses anos na nossa esfera pública. É preciso então observar que existem diversas formas de conceitualizar a natureza e de construir aquilo que caracteriza o problema ambiental.

Código Ambiental de 1934

Um dos primeiros marcos nesse sentido foi o código ambiental de 1934 (Decreto 23.793/34), que obrigava os donos de terras a manterem 25% da área de seus imóveis com a cobertura de mata original. O objetivo era garantir a existência de madeira para lenha e carvão que estava acabando em função do desmatamento. Por outro lado, já havia a ideia de “florestas protetoras”, o que mais adiante se transformou nas áreas de preservação permanente – APPs. Aqui já estava expressa a ideia de que a natureza precisa ser preservada para o bem de nossas próprias necessidades econômicas.

Dessa ideia se origina um tipo de modelo de compartilhamento focado em uma concepção de “serviços ambientais”, ou seja, a própria natureza seria provedora de serviços que são essenciais para a manutenção das nossas atividades econômicas. Essa concepção produziu um tipo específico de política de compartilhamento da proteção ambiental entre Estado e sociedade caracterizado de forma central pelo instituto da “reserva legal”, que é uma área localizada no interior de uma propriedade rural, privada ou pública destinada ao uso sustentável dos recursos naturais (ela não é intocável, mas o proprietário deve garantir as suas condições de sustentabilidade).

Novo Código em 1965

Depois do código florestal de 1934, nós tivemos outro código em 1965 e diversas legislações foram sendo criadas depois até a reabertura de discussão do código florestal em 2009. Dentre esses marcos legais eu destaco, evidentemente, a Política Nacional de Meio Ambiente de 1981, que entre outras coisas criou o Conselho Nacional de Meio Ambiente, através do qual se estabeleceu a participação da sociedade civil na elaboração contínua do corpo da nossa política ambiental.

Reserva legal, colegiados participativos e dispositivos legais

Nós podemos, então, genericamente pensar nos institutos da política ambiental relacionados a três mecanismos diferentes de compartilhamento da proteção ambiental: a reserva legal que estaria ligada ao mecanismo de corresponsabilidade; os colegiados participativos ligados ao mecanismo de participação política; e, ainda, os dispositivos legais tais como a lei da ação civil pública e dos crimes ambientais funcionando como mecanismos de controle. A ação civil pública ambiental prevê algo que é muito importante e poderoso, a possibilidade de a própria sociedade civil utilizá-la mesmo contra o Estado, já que ela não coloca em discussão a legalidade do ato em julgamento, mas o dano ao meio ambiente. Assim, mesmo que uma decisão seja legítima, se ela causar um dano ambiental poderá ser revogada. Esses três mecanismos correspondem a distintos espaços nos quais atores do Estado e da sociedade atuam no compartilhamento de suas responsabilidades ambientais.

IHU On-Line – Na sua opinião, os governos ditos progressistas conseguiram compreender a emergência da crise ambiental?
Cristiana Losekann – Ainda que nós tenhamos uma construção institucional bastante avançada da política ambiental, é importante notar que esta envolve conflitos cruciais, pois implicam na regulação e, de certa forma, na limitação de certas atividades econômicas. Nesse sentido, uma vez que os governos do Partido dos Trabalhadores estabeleceram como núcleo central de suas políticas o Plano de Aceleração do Crescimento baseado em grandes obras de infraestrutura e no fomento ao setor de commodities, também se agravaram os conflitos ambientais no país.
Aliás, esta é uma característica comum de vários países latino-americanos e é em função do crescimento desses conflitos chamados de neoextrativistas (ligados à mineração, petróleo, agronegócio) que se ampliaram também as mobilizações de comunidade afetadas por esses empreendimentos, o que provocou mudanças importantes no ambientalismo que ganhou mais força no viés chamado de “socioambiental”, ou seja, mais ligados às comunidades tradicionais, povos indígenas, populações marginalizadas e empobrecidas. Essa tem sido uma das articulações mais promissoras de resistência ambiental dos últimos tempos porque ela articula o cuidado ambiental com outros problemas da sociedade, renda, cultura, identidade, racismo etc.

IHU On-Line – A senhora destaca que existem modelos de política ambiental, sendo que alguns são mais estatais e outros mais privatistas. Pode explicar esses dois modelos, destacando seus limites e potencialidades no que diz respeito ao cuidado com a natureza?
Cristiana Losekann – As instituições que vão sendo criadas compreendem sempre algum princípio ou lógica da relação sociedade-ambiente e de forma resumida as duas tendências marcadamente mais fortes de política ambiental são as dos Estados Unidos e Europa, onde encontramos respectivamente o viés preservacionista que é mais restritivo e tendencialmente “sacralizador” da natureza, e o viés conservacionista que é menos restritivo e que permite o uso dos recursos renováveis. A primeira tendência pode ser observada na ideia de criação de áreas isoladas de proteção. Mas, no Brasil, nós combinamos os dois modelos e incluímos a sociedade civil em boa parte dos nossos institutos ambientais. Há também entre nós um aprendizado mais recente (ainda muito restrito aos pesquisadores) sobre a importância da valorização de certas práticas e mesmo modos de ser chamados “tradicionais” e indígenas que, diferentemente da tradição ocidental, construíram formas de vida que não implicam na destruição da natureza.

IHU On-Line – Qual é a questão de fundo que deve ser considerada e analisada na proposta de “flexibilização da legislação ambiental”, defendida pelo atual governo brasileiro?
Cristiana Losekann – O que está em jogo não é um novo modelo de política ambiental, mas o próprio fim da política ambiental. O governo atual rompe com nossa tradição de política ambiental e inicia uma série de medidas que eliminam a participação da sociedade e a corresponsabilidade da sociedade. Ao fazer isso, restringe o poder de proteção ambiental ao Estado ao mesmo tempo em que desmantela os órgãos de controle e fiscalização (desestruturação e precarização de agências reguladoras e fiscalizadoras, o aviso prévio de fiscalização, revisão de áreas de proteção ambiental, reservas e parques etc.).
É uma ruptura sem precedentes com o que a sociedade brasileira vem pactuando em torno das questões ambientais. A questão é que os efeitos catastróficos disso são incontroláveis e cairão sobre nós e mais ainda sobre as populações já subalternizadas. Os desastres de mineração em Mariana/Rio Doce e em Brumadinho já nos mostraram que é preciso reconhecer os limites da natureza e os nossos próprios.

IHU On-Line – Diversas ONGs e ambientalistas acusam o atual governo brasileiro de estar “desmontando a legislação ambiental”. A senhora concorda com esse tipo de crítica ao atual governo? Em que consiste esse desmonte e quais as possibilidades de reversão desse quadro?
Cristiana Losekann – O grande perigo desse desmonte é que nós até podemos reconstruir instituições, refundar nossa política ambiental no futuro, mas não podemos fazer reviver toda a vida que foi destruída, todo o ecossistema que foi alterado. Nós temos poder para reconstruir aquilo que construímos uma vez, mas não temos poder de reconstruir aquilo que é maior do que nós, aquilo que ainda nem bem conhecemos. Uma das maiores demonstrações de inteligência do ser humano é o reconhecimento do seu próprio limite, daquilo que não sabe e que ainda precisa aprender. Governos que agem como prepotentes demonstram ser, inconsequentemente, o contrário disso.

IHU On-Line – Quais são os mecanismos de participação política ambiental e qual a importância deles? E por que têm sido tão atacados atualmente?
Cristiana Losekann – A importância desses mecanismos é enorme. São eles que constroem as próprias dinâmicas da política ambiental uma vez que grande parte das atribuições de decisões são de competência de tais colegiados. A diminuição das cadeiras e das representações internas ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, por exemplo, podem acarretar em problemas sérios, tais como atrasos e mesmo impasses em processos decisórios fundamentais inclusive para os setores econômicos. Na pesquisa da minha tese de doutorado, eu estudei esses colegiados e compreendi que o Conama é um dos espaços mais importantes da política ambiental e um modelo a ser seguido. É notável que mesmo os setores econômicos conferem importância a ele e fazem questão de participar de tal espaço.

O ataque aos mecanismos de participação política revela uma atitude autoritária do governo, mas também uma falta de compreensão sobre a própria sociedade brasileira. O governo aposta que o apoio recebido nas urnas será revertido em apoio incondicional a todo tipo de decisão mesmo essas que rompem com toda uma tradição institucional. Isso, além de ser altamente nocivo à democracia, é um erro político, já que há uma tendência mundial, inclusive de setores econômicos mais progressistas, de busca por novos padrões de consumo, produtos com menos agrotóxicos e diminuição do plástico.

Além disso, a crise ambiental é cada vez mais perceptível, com o aumento das catástrofes que se tornam cotidianas, as mudanças climáticas, a poluição e diminuição das condições de bem viver. Nesse sentido, a percepção de que temos problemas ambientais sérios é amplamente compartilhada entre a população, já não é mais algo apenas dos ambientalistas, de cientistas ou de intelectuais.
(EcoDebate, 18/07/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Você entende a real importância das florestas para o planeta e para a humanidade?


Você entende a real importância das florestas para o planeta e para a humanidade?


Mata Atlântica

Seis segredos sobre a importância das florestas para o planeta e para a humanidade

FAO
Onde você encontraria o maior centro de recreação do mundo e o supermercado mais natural de todos? Florestas não teriam sido sua primeira resposta, certo?

Essa é a magia sobre as florestas. Eles guardam segredos.
Por muito tempo pensávamos nas árvores como puramente funcionais ou ornamentais, objetos no cenário. Eles decoram as ruas da cidade. Nos fornecem sombras para descanso e alívio do calor do sol. Nos fornecem papel e combustível, frutas e nozes. Esses benefícios são bastante óbvios.

No entanto, alguns de seus outros benefícios são quase invisíveis a olho nu. As florestas estão silenciosamente trabalhando em segundo plano, secretamente limpando nossa água, filtrando nosso ar e nos protegendo das mudanças climáticas. Elas são anjos da guarda de mais de um bilhão de pessoas, fornecendo alimentos, medicamentos e combustível para aqueles que não podem ter acesso a esses recursos. Elas abrigam mais de três quartos da biodiversidade terrestre e abrigam muitas das pessoas mais pobres do mundo.

As florestas desempenham um papel fundamental em nossas vidas. Papel que nem sequer reconhecemos. Aqui estão 6 dos seus segredos mais bem guardados:

1. Supermercados – Mais do que a ocasional maçã ou laranja que arrancamos de uma árvore, as florestas são verdadeiros mercados de alimentos. Quase 50% das frutas que comemos vêm das árvores, sem mencionar as nozes e as especiarias que também obtemos dessas cestas básicas naturais.

2. Seguro de vida – Algumas comunidades dependem quase exclusivamente de florestas para suas fontes de alimentos. Cerca de 40% da extrema pobreza rural – cerca de 250 milhões de pessoas – vivem em áreas de floresta e savana. Para essas comunidades, florestas são um seguro contra a fome.

3. Energia – Cerca de um terço da população mundial usa madeira como fonte de energia para necessidades como cozinhar, ferver água e aquecimento. A madeira proveniente de florestas fornece cerca de 40% da energia renovável global – tanto quanto a energia solar, hidrelétrica e eólica juntas. As árvores voltam a crescer, mas precisamos dar mais ênfase ao uso sustentável desses recursos para proteger nossas florestas da degradação.

4. Super heroínas – Florestas e árvores podem parecer inconspícuas, como Clark Kent, mas elas são como o Super-homem de várias maneiras. Elas são nossas heroínas na luta contra a mudança climática. Elas tornam nossas cidades mais sustentáveis, resfriando naturalmente o ar e removendo poluentes. Elas protegem a nossa saúde, dando-nos lugares para nos refugiarmos e relaxarmos. Elas combatem a degradação da terra e a perda da biodiversidade, fornecendo vida vegetal e animal em seus habitats.

5. Sumidouros de carbono – Como uma força para o bem, nossos super-heróis florestais agem como sumidouros de carbono, absorvendo o equivalente a cerca de 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono a cada ano. Como qualquer super-herói, eles têm uma falha. O desmatamento é sua criptonita. Quando as árvores são cortadas, elas liberam esse dióxido de carbono de volta ao ar. O desmatamento é, de fato, a segunda principal causa da mudança climática após a queima de combustíveis fósseis. É responsável por quase 20% de todas as emissões de gases de efeito estufa – mais do que todo o setor de transportes do mundo.

6. Recreação – As árvores são apaziguadoras de estresse. O turismo baseado na natureza está crescendo três vezes mais rápido do que a indústria do turismo como um todo e agora responde por aproximadamente 20% do mercado global. Estudos até ligam espaços verdes e cobertura de árvores nas cidades a níveis reduzidos de obesidade e criminalidade. Como um exemplo, a taxa de obesidade de crianças que vivem em áreas com bom acesso a espaços verdes é menor do que naquelas que têm acesso limitado ou nenhum acesso.

As florestas têm secretamente desempenhado um papel cada vez maior no nosso dia-a-dia. Não podemos esperar ter um mundo #FomeZero sem contar com a ajuda dos governos, das agências e dos órgãos que as protegem e ajudam a respeitá-las.
Compartilhe essas mensagens com amigos e pense sobre o papel que elas desempenham em sua vida. Florestas e árvores devem receber reconhecimento também. É hora de revelar seus segredos.

Da FAO Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/08/2019
Você entende a real importância das florestas para o planeta e para a humanidade?, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/08/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/08/16/voce-entende-a-real-importancia-das-florestas-para-o-planeta-e-para-a-humanidade/.

Greve Global pelo Clima. “Não peçam aos seus filhos respostas para a bagunça que vocês fizeram”

Greve Global pelo Clima, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Não peçam aos seus filhos respostas para a bagunça que vocês fizeram”
Greta Thunberg

Reunião da Coalizão SP pelo Clima na Paulista Aberta
Reunião da Coalizão SP pelo Clima na Paulista Aberta © Zedu Moreau, in Greenpeace

[EcoDebate] Os adolescentes que sempre foram vistos como imaturos e inconstantes estão dando uma lição aos seus pais e avós. Eles dizem que não querem repetir os versos de Belchior: “Ainda somos os mesmos, E vivemos, Como os nossos pais”.

A juventude mundial está começando a perceber que recebeu uma herança maldita das gerações anteriores e que é grande a possibilidade de um colapso ambiental em meados do século XXI. Relatório publicado pelo Centro Nacional de Descoberta do Clima da Austrália argumenta que, se nada for feito, as mudanças climáticas podem levar ao colapso da civilização humana até 2050.
Os cientistas acreditam que, no atual ritmo de aquecimento global, a temperatura subirá cerca de 3 graus Celsius nos próximos 30 anos: “Há um risco existencial para a civilização, com consequências negativas permanentes para a humanidade que nunca poderão ser desfeitas, aniquilando a vida inteligente permanentemente – ou reduzindo drasticamente seu potencial”.

Se as velhas gerações, pensando egoisticamente pouco fazem em defesa da natureza (pois já estarão mortas na segunda metade do século XXI), os jovens do mundo – os millennials – se preocupam com o futuro e a degradação das bases naturais da vida na Terra.

Os jovens já estão sentindo os efeitos do caos climático e ambiental. São inúmeros os casos de desastres provocados pelas mudanças climáticas. Se nos próximos 12 anos, a temperatura média do planeta alcançar mais de 1,5 graus Celsius, em relação ao período pré-industrial, os impactos na biodiversidade e na sociedade serão dramáticos, afetando a disponibilidade de alimentos, afetando a saúde e agravando as condições de vida. O impacto será maior entre os pobres e os jovens.

Segundo o Greenpeace, aqui no Brasil, alguns grupos já começaram a se articular para a “Greve Global pelo Clima”. No dia 14 de julho, cerca de 50 pessoas entre ativistas, representantes de ONGs e movimentos sociais se reuniram na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, para construírem juntos as próximas ações para a mobilização. Em um encontro de microfone aberto, todos puderam sugerir caminhos e expor ideias para um dos maiores desafios: fazer com que a população entenda a urgência do tema e se engaje nessa mobilização. Afinal, defender o clima estável é defender uma vida saudável, segura e em harmonia com o planeta. As ações humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, são as principais aceleradoras do aquecimento global.

A Greve Global pelo Clima ganha força e se conecta com o movimento “Fridays for Future” (Sextas-feiras pelo Futuro), liderado pela jovem sueca Greta Thunberg, de 16 anos. A adolescente sueca, que se recusa a viajar de avião, por conta das altas emissões de CO2, viajará de barco para Nova Iorque, onde irá fazer uma fala na “U.N. Climate Action Summit”, em 21 de setembro de 2019, dentre outras atividades.

Na semana de 20 a 27 de setembro de 2019 haverá a “Greve Global pelo Clima”. Este movimento é mais urgente no Brasil, que está passando por um momento de ataque ecológico por parte do próprio governo brasileiro. Como disseram Ferrante e Fearnside (IHU, 02/08/2018): “Jair Bolsonaro, que assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2019 como o novo presidente do Brasil, tomou medidas e fez promessas que ameaçam a floresta amazônica brasileira e os povos tradicionais que a habitam. Os ruralistas, nomeadamente os grandes proprietários de terras e os seus representantes, que são uma parte fundamental da base política do novo presidente, estão a avançar uma agenda com impactos ambientais que se estendem a todo o mundo”.

O mundo vive uma situação de emergência climática e ambiental. Só uma união geral poderá evitar o colapso ecológico. A Greve Global pelo Clima pode unir as lutas específicas contra o classismo, o escravismo, o racismo, o sexismo, o homofobismo, o idadismo, o xenofobismo e o especismo. Sem condições climáticas e sem o fortalecimento da biocapacidade do Planeta não haverá perspectiva para as futuras gerações.

Portanto, os jovens brasileiros e todas as pessoas que se solidarizam com a natureza e a vida na Terra deveriam participar da “Greve Global pelo Clima”. É preciso superar os nacionalismos, os isolacionismos e os corporativismos.

A defesa do clima é de todos e pode unir todas as forças. O futuro da vida no Planeta depende da mobilização de todas as pessoas!

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382


Referências:
Lucas Ferrante e Philip Fearnside. “O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global” INPA, IHU, 02/08/2018
http://www.ihu.unisinos.br/591256-o-novo-presidente-do-brasil-e-ruralistas-ameacam-o-meio-ambiente-povos-tradicionais-da-amazonia-e-o-clima-global
Beatriz Diniz. Crianças e jovens lideram greve global pelo clima, OC, 15/03/2019
http://www.observatoriodoclima.eco.br/criancas-e-jovens-lideram-greve-global-pelo-clima/
Greenpeace Brasil. Greve Global pelo Clima: jovens do mundo todo pedem nosso apoio, 15/07/2019 https://www.greenpeace.org/brasil/blog/greve-global-pelo-clima-jovens-do-mundo-todo-pedem-nosso-apoio/
Lusa. “Clima: a greve já não é só dos estudantes, 27 de Setembro há greve geral 31 de Julho de 2019”,Público, 31/07/2019
https://www.publico.pt/2019/07/31/p3/noticia/clima-a-greve-ja-nao-e-so-dos-estudantes-27-de-setembro-ha-greve-geral-1881884
Outras palavras. Prepara-se a Greve Mundial pelo Clima, 01/08/2019
https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/prepara-se-a-greve-mundial-pelo-clima/
Global Week For Future 20-27 sept
https://fridaysforfuture.org/
Global Climate Strike
https://globalclimatestrike.net/

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/08/2019
Greve Global pelo Clima, artigo de José Eustáquio Diniz Alves, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/08/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/08/16/greve-global-pelo-clima-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.