terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Ecoturismo de observação de primatas pode salvá-los da ameaça de extinção na Amazônia

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Ecoturismo de observação de primatas pode salvá-los da ameaça de extinção na Amazônia

Ecoturismo de observação de primatas pode salvá-los da ameaça de extinção na Amazônia

Por Sean Mowbray, com tradução de Carol de Marchi*

Você provavelmente ainda não ouviu falar do sauá-de-vieira, um macaco encontrado apenas na Amazônia brasileira. Até recentemente, mesmo os pesquisadores sabiam tão pouco sobre ele que não podiam determinar seu estado de conservação para a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Contudo, isso mudou este ano, quando uma nova avaliação da espécie Plecturocebus vieirai determinou que ela deveria ser classificada como criticamente em perigo de extinção ou à beira da extinção na natureza. Os pesquisadores observaram que seu habitat ideal foi reduzido a 56% da área original, e que apenas 14% poderiam restar até 2044, devido às pressões combinadas do desmatamento e da mudança climática.

Ecoturismo de observação de primatas pode salvá-los da ameaça de extinção na Amazônia
O status de conservação do sauá-de-vieira era desconhecido. Uma nova avaliação dos primatologistas brasileiros agora os coloca na categoria de criticamente ameaçados. Ao sul de sua área de distribuição, o desmatamento impulsionado pela agricultura é a principal ameaça; ao norte, os impactos potenciais da mudança climática podem degradar seu habitat num futuro próximo. Foto: Luciano Ferreira da Silva

sauá-de-vieira é um caso em que os perigos levam os primatas para a beira do que é conhecido como Arco do Desmatamento, região nas bordas leste e sul da Amazônia que está apresentando os maiores índices de perda florestal no Brasil. Os autores do estudo apontam a espécie como um “exemplo emblemático” dos desafios da conservação em um hotspot de desmatamento.

Há mais de 50 espécies de primatas vivendo no Arco do Desmatamento, muitas delas ameaçadas de extinção. O zogue-zogue-de-mato-grosso (Plecturocebus grovesi), por exemplo, só foi identificado e descrito em 2019 e recentemente foi incluído na lista dos 25 primatas mais ameaçados do mundo.

Por pior que seja a situação, conservacionistas dizem que o turismo de observação de primatas com foco nestas espécies ameaçadas é uma solução viável para ajudar a conservar áreas de floresta, gerar renda para a população local e, principalmente, proteger os animais.

“A observação de primatas pode ser uma alternativa lucrativa à exploração florestal em terras privadas, públicas ou indígenas no Arco do Desmatamento e é uma forma de mudar a extração tradicional e predatória dos recursos naturais da Amazônia para o uso sustentável da terra com base na conservação da biodiversidade, bem-estar da população local e mitigação da mudança climática”, escreveram os autores da avaliação de status do sauá-de-vieira em seu estudo, publicado na revista Oryx.

Mudando a face do Arco do Desmatamento

sauá-de-vieira e o zogue-zogue-do-mato-grosso são ambos encontrados no estado do Mato Grosso, onde a rica biodiversidade é frequentemente ofuscada pelas graves ameaças às florestas, segundo o primatologista Gustavo Canale. Alguns dos maiores índices de desmatamento da Amazônia são encontrados aqui.

A soja e a pecuária são os principais motores do desmatamento no estado, sendo a primeira responsável por pelo menos 42 mil hectares de perda florestal desde 2020. Pesquisas publicadas no início deste ano alertaram que a maior floresta tropical do mundo está perigosamente próxima de cruzar um ponto vital de não retorno, impulsionada por tal desmatamento.

Canale está entre um grupo de pessoas que dizem que a observação de primatas poderia desempenhar um papel fundamental na mudança do Mato Grosso de um centro de desmatamento para um hotspot de ecoturismo focado nestas espécies ameaçadas. Os primatas poderiam agir como “espécies emblemáticas”, dizem eles, reunindo apoio e interesse local para proteger outras espécies da biodiversidade no processo.

“O Mato Grosso é um lugar especial. É conhecido em todo o mundo por causa da soja e do desmatamento”, disse Canale, professor da Universidade Federal de Mato Grosso e presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia, em uma entrevista em vídeo para a Mongabay. “Estamos tentando mudar isso, mostrando o outro lado da moeda”.

O outro lado é a biodiversidade dentro da grande fatia da Amazônia no Mato Grosso, lar de várias espécies de primatas, muitas delas ameaçadas: o macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus), o sagui-de-emília (Mico emiliae), o bugio-preto (Alouatta caraya), e o cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus) são apenas alguns deles.

Russell Mittermeier, presidente do Grupo de Especialistas em Primatas da UICN, autoridade mundial de conservação da vida selvagem, é um defensor de longa data da observação de primatas como solução de conservação e concorda que Mato Grosso está em posição privilegiada para se beneficiar dela.

“Combinando as oportunidades de turismo no Pantanal com a observação de primatas e de aves na porção amazônica de Mato Grosso, acho que você tem a base para uma indústria de ecoturismo muito boa”, disse Mittermeier, que também é o diretor de conservação da Re:wild, para a Mongabay em uma entrevista em vídeo.

Ele apontou a já bem estabelecida indústria de observação de aves em todo o estado e em outras partes do Brasil como um modelo de sucesso. “A observação de pássaros é um negócio multimilionário, então por que não primatas?”, disse Mittermeier.

No entanto, nem todos estão tão otimistas sobre as perspectivas e viabilidade do turismo como solução para o desmatamento desenfreado na região.

“Infelizmente, o ecoturismo normalmente não é uma solução que possa proteger grandes áreas”, disse Colin Chapman, antropólogo biológico da Universidade da Ilha de Vancouver, no Canadá, em um e-mail à Mongabay.

“Fazer muitas operações de ecoturismo para proteger a grande área provavelmente significaria que os lucros por operação seriam muito baixos para satisfazer o investidor”. Acrescentou, ainda, que estava preocupado que “um foco de ecoturismo falharia em proteger esta grande área”.

Cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus). O ecoturismo baseado em primatas não é a salvação para os inúmeros problemas que ameaçam a Amazônia, dizem os especialistas, mas é uma solução potencialmente viável para proteger áreas em pequena escala / Foto: Gustavo Canale

A questão de quanta terra o ecoturismo pode proteger é difícil de responder, disse Rodrigo Costa Araújo, que conduziu a avaliação dos sauás-de-vieira e é pesquisador do Laboratório de Genética de Primatas no Centro Alemão de Primatas.

“Mas, para nós, especialistas em conservação da Amazônia, é bastante claro que devemos ter um desmatamento zero agora”, disse Araújo à Mongabay por telefone. O habitat do sauá-de-vieira, e de outros primatas, já está fragmentado no sul da Amazônia, levando à uma preocupante perspectiva de conservação da espécie.

Os defensores do ecoturismo reconhecem não ser a salvação para os inúmeros problemas que impulsionam o desmatamento e a perda da biodiversidade em lugares como Mato Grosso. Mas dizem que oferece uma oportunidade de proteger algumas áreas e ajudar a mudar a mentalidade sobre as florestas como terras de desenvolvimento desperdiçadas, promovendo a compreensão e o valor do potencial da biodiversidade.

Ecoturismo de observação de primatas pode salvá-los da ameaça de extinção na Amazônia
Macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus). A rica diversidade de primatas de Mato Grosso oferece uma oportunidade para comunidades locais, povos indígenas e proprietários de terras abraçarem o ecoturismo, gerarem renda e protegerem a biodiversidade / Foto: Gustavo Canale

“Temos que encontrar soluções de base econômica. Precisamos encontrar maneiras para que as pessoas possam lucrar com a terra, sem ter que cortar a floresta”, disse Araújo.

O ecoturismo de primatas é apenas parte da equação para resolver os desafios do Arco do Desmatamento, acrescentou. Estabelecer áreas protegidas, demarcar terras indígenas e fazer cumprir as leis ambientais são algumas das outras ações urgentes necessárias.

“Acho que [a observação de primatas] poderia ser um projeto ou proposta muito atraente que poderia ser uma ideia para pelo menos minimizar o problema”, disse Felipe Ennes Silva, primatologista da Instituto Mamirauá. “Eu acho que a solução real é muito mais complexa, mas a observação de primatas poderia ser algo a ser agregado neste conjunto de soluções”.

Mittermeier disse que o foco principal deveria ser a proteção da maior quantidade possível de floresta diante de pressões como a mudança climática: “Encontre as peças-chave da floresta que restam para proteger esses primatas e faça todo o possível para mantê-los e, eventualmente, através do reflorestamento, conecte as peças de volta”, disse ele.

Ecoturismo de observação de primatas pode salvá-los da ameaça de extinção na Amazônia
Descrito em 2021, o sagui-de-schneider (Mico schneideri) é outra espécie endêmica de Mato Grosso, e também considerado ameaçado de extinção. Mudar a mentalidade para uma de valorização das áreas florestais será fundamental para o sucesso do ecoturismo, segundo os defensores da ideia / Foto: Luciano Ferreira da Silva

Hackeando a infraestrutura agrícola

Canale, da Sociedade Brasileira de Primatologia, disse que está ansioso para ver o início da observação de primatas o mais rápido possível em Mato Grosso. Ele apontou o município de Sinop como um potencial centro para essa atividade ecoturística num futuro próximo. As populações de sauás-de-vieira vivem nas proximidades, assim como o endêmico zogue-zogue-de-mato-grosso, ao lado de uma série de outras espécies. Essas populações não enfrentam pressões como a caça, que é o caso de outras espécies de primatas amazônicos.

Juntamente a seus colegas, Canale está desenvolvendo mapas, guias e histórias baseadas nos primatas da região para promover a conscientização destas espécies e promover a agenda do ecoturismo.

Eles também estão em diálogo com políticos, proprietários de terras e comunidades indígenas – partes interessadas que Canale descreve como chave para o sucesso do projeto; muitos já expressaram interesse. Segundo o Código Florestal Brasileiro, os proprietários de terras também devem reter uma porção de suas terras como vegetação nativa – 80% no caso da Amazônia Legal.

Pesquisadores também reavaliaram recentemente o zogue-zogue-do-príncipe-bernhard (Plecturocebus bernhardi) como vulnerável. Considerado anteriormente menos preocupante, seu status de conservação reavaliado a pedido do autor do estudo, Felipe Ennes Silva. Foto: Marcelo I. Santana

“Estamos também tentando nos relacionar com os grandes proprietários, o povo do agronegócio, e estamos tentando mostrar a eles a oportunidade de usar a floresta reservada como um lugar para o turismo”, disse Canale. “Estamos apenas no início deste processo”.

Ele acrescentou que Sinop já possui as redes de transporte e instalações hoteleiras para abrigar uma indústria de observação de primatas. “Estamos tentando ‘hackear’ esta infraestrutura do agronegócio para observação de primatas, porque a infraestrutura já está lá”.

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*Este texto foi publicado originalmente no site Mongabay Brasil em 22/11/2022 e adaptado por Mônica Nunes para publicação aqui, no Conexão Planeta

Foto (destaque): Gustavo Canale (cuxiú-de-nariz-branco)

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Citações
– Costa-Araújo, R., Da Silva, L. G., De Melo, F. R., Rossi, R. V., Bottan, J. P., Silva, D. A., … Canale, G. R. (2022). Conservação de primatas no Arco do Desmatamento: Um estudo de caso do macaco titi Plecturocebus vieirai de Vieira. Oryx, 1-9. doi:10.1017/s003060532100171x
– Silva, F. E., Pacca, L. G., Lemos, L. P., Gusmão, A. C., Da Silva, O. D., Dalponte, J. C., … El Bizri, H. R. (2022). Usando pesquisas e modelos populacionais para reavaliar o status de conservação de um macaco titi endêmico da Amazônia em um hotspot de desmatamento. Oryx, 1-8. doi:10.1017/s0030605322000655

Mais doze ararinhas-azuis são soltas no refúgio de vida silvestre em Curaçá, na Bahia

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Mais doze ararinhas-azuis são soltas no refúgio de vida silvestre em Curaçá, na Bahia

Mais dez ararinhas-azuis são soltas no refúgio de vida silvestre em Curaçá, na Bahia

No início de junho, oito ararinhas-azuis foram reintroduzidas na natureza, 20 anos após a espécie ter sido declarada extinta na vida selvagem. Foram as primeiras aves a voarem pelo céu do Refúgio de Vida Silvestre criado especificamente para elas, em Curaçá, na Bahia. No último final de semana, mais doze indivíduos também ganharam a liberdade, em mais um passo do projeto que busca devolver à Caatinga um dos seus mais icônicos símbolos.

Assim como na primeira soltura, em junho, as doze ararinhas soltas agora estão acompanhadas de um grupo de araras maracanãs, capturadas na vida selvagem para servirem de guias e “professoras” para as primeiras nessa etapa de adaptação, já que possuem hábitos de alimentação e vida semelhantes.

O processo da reintrodução é sempre feito inicialmente a partir da chamada “soltura branda”. A porta do viveiro externo, onde elas vivem, é aberto para que, por conta própria, elas possam explorar o ambiente externo. Assim, pouco a pouco, elas se sentem mais confiantes e seguras para viver longe do cativeiro. Para atraí-las para fora é colocado alimento em uma bandeja suspensa, como a da imagem que abre este post, mais acima.

As aves que estão sendo soltas em Curaçá não nasceram no Brasil, mas num criatório particular na Alemanha, na sede da Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), e chegaram na Bahia em março de 2020, num grupo de 52 indivíduos (leia mais aqui).

A ACTP é parceira do governo brasileiro no programa de reintrodução da espécie, coordenado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Mais dez ararinhas-azuis são soltas no refúgio de vida silvestre em Curaçá, na Bahia

Uma ararinha-azul, dentro do viveiro, ao lado de duas maracanãs

A soltura de mais ararinhas no sábado (10/12) contou com a participação de duas estudantes de escolas locais, que puderam acompanhar de longe, em uma barraca camuflada para não assustar ou estressar os animais. As jovens foram selecionadas através de concurso cultural de desenho, promovido nas redes sociais.

No vídeo abaixo, divulgado no domingo pela ACTP, dez ararinhas-azuis aparecem voando juntas, uma cena linda de ser ver!

Adaptação gradativa e monitoramento

Quando ocorre a soltura branda, ainda há oferta de alimentos para as aves e a porta do viveiro permanece aberta, dessa maneira, elas podem retornar ao local onde se sentem mais confortáveis. Além disso, todas as ararinhas-azuis recebem transmissores acoplados a um colar, assim como anilhas e microchips, para serem monitoradas.

Infelizmente, o processo de reintrodução está sujeito a eventualidades. No final de agosto, por exemplo, como contei nesta outra reportagem, uma das ararinhas soltas em junto desapareceu. Ela se desgarrou do grupo, algo que pode acontecer, e não foi mais avistada. O sinal do seu transmissor também não foi mais detectado. E no dia 6 de setembro, outra ave sumiu, vítima de um predador, provavelmente um pássaro maior. Ou seja, do oito indivíduos liberados há seis meses restaram somente seis.

“Reintroduções são extremamente desafiadoras para qualquer espécie, especialmente para uma que já foi extinta na natureza. Embora as perdas possam ocorrer inevitavelmente, o planejamento e a execução cuidadosos e meticulosos podem ajudar a reduzi-los ou limitá-los. De fato, as próprias perdas também apresentam oportunidades para aprendizado contínuo e avaliação de técnicas e estratégias”, explicou a ACTP.

Apesar dos percalços, há muito otimismo entre os biólogos envolvidos no projeto. Cada vez mais as ararinhas-soltas estão se alimentando somente com sementes e frutos, de plantas locais, e recentemente, algumas foram flagradas acasalando. 

Espécie endêmica do Brasil, ou seja, ela só existe em nosso país e em nenhum outro lugar do mundo, no século passado a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) foi vítima do tráfico ilegal de aves e da cobiça de grandes colecionadores internacionais que as levaram ilegalmente para outros países. Até junho de 2022, o último indivíduo voando livre, na natureza, tinha sido observado por volta do ano 2000.

Mais dez ararinhas-azuis são soltas no refúgio de vida silvestre em Curaçá, na Bahia

A ararinha-azul é a menor dentre as espécies das araras azuis

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Fotos: reprodução Facebook ACTP