sábado, 31 de outubro de 2020

SOB A PATA DO BOI- DOCUMENTÁRIO.

 http://sobapatadoboi.com/

 

 

A Amazônia tem hoje 85 milhões de cabeças de gado, três para cada habitante humano. Na década de 1970, o rebanho era um décimo desse tamanho e a floresta estava quase intacta. Desde então, uma porção equivalente ao tamanho da França desapareceu, da qual 66% virou pastagem. A mudança foi incentivada pelo governo, que motivou a chegada de milhares de fazendeiros de outras partes do país. A pecuária tornou-se bandeira econômica e cultural da Amazônia, no processo, elegendo poderosos políticos para defender a atividade. Em 2009, o jogo começou a virar quando o Ministério Público obrigou os grandes frigoríficos da região a se tornarem responsáveis por monitorar as fazendas fornecedoras de gado e não comprar daquelas que têm desmatamento ilegal.

Sob a Pata do Boi é um documentário de média metragem (49 minutos), que conta essa história. Dirigido por Marcio Isensee e Sá, o filme é uma produção do site ((o))eco, de jornalismo ambiental, e do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Faz parte de um projeto de jornalismo investigativo que já dura dois anos e cujas reportagens podem ser lidas neste site.

  http://sobapatadoboi.com/

 

O procurador que laçou o desmatamento

Eduardo Pegurier (reportagem) e Marcio Isensee e Sá (fotos)
segunda-feira, 2 maio 2016 19:00
O procurador Daniel Azeredo no seu escritório, em Belém, no Ministério Público Federal
O procurador Daniel Azeredo no seu escritório, em Belém, no Ministério Público Federal

 

No fim de janeiro, a reportagem de ((o))eco partiu numa expedição jornalística ao Pará, com o objetivo de compreender as origens e os principais efeitos do chamado TAC da Carne, o acordo do Ministério Público Federal com os grandes frigoríficos operando na Amazônia, que os obrigou a combater o desmatamento nas fazendas de onde compravam gado para abate.  Apesar de ser um assunto à primeira vista árido, sua investigação revela traços marcantes do crescimento da pecuária no Pará, a principal causa da derrubada de matas no estado. A reportagem encontrou personagens que relembram a década de 70 e 80, em que o governo federal incentivou a ocupação da Amazônia através do desmatamento; conheceu a cultura distinta dos imigrantes que colonizaram o sudeste do Pará; e revelou como a ação de um procurador determinado catalisou a adoção de um programa tão eficaz, que se tornou uma das principais ferramentas para se buscar o desmatamento zero na Amazônia.

Abraçado a uma espingarda

Era um dia de verão, em 1995, época das chuvas na Amazônia, quando Jordan Timo chegou ao garimpo do Pontal, na região de São Félix do Xingu, após dois dias percorrendo 100 km por arremedos de estrada, cheios de atoleiros. Viajava com um amigo e sócio na empreitada em um pequeno caminhão Kia 4×4. Na caçamba, carregava uma vaca viva. Logo após a chegada, matou a vaca com um tiro na cabeça e vendeu sua carne em troca de ouro. Na época, as atividades da região eram garimpo e desmatamento para extrair madeiras nobres, como mogno. Ainda na fase da abertura das próprias terras, Jordan descobriu um garimpo próximo chamado Pontal, que na época das chuvas, por dificuldade de acesso, não conseguia um suprimento regular de comida. Daí, bolou o esquema de trocar vaca por ouro.

 

Em Redenção, na sua empresa, Jordan Timo usa a imagem de satélite para mostrar uma área desmatadada.
Em Redenção, na sua empresa, Jordan Timo usa a imagem de satélite para mostrar 
uma área desmatada.

 

A expedição implicava uma noite na corrutela — nome genérico para vilas próximas a garimpos. Dormia com um olho aberto na varanda do armazém do Boca de Ouro, um personagem local folclórico, com o seu próprio ouro guardado num tubo de filme fotográfico posto no bolso da camisa. Nessas noites, abraçava-se a uma carabina Winchester e mantinha uma pistola .380 na cintura; e torcia para que as rotineiras brigas de bêbado marcadas por gritos de mulher e eventuais tiroteios não o atingissem. Cada expedição ao Pontal rendia o valor de oito novilhas. A aventura valia a pena.

Hoje, passados 22 anos, Jordan é o presidente do Sindicato Rural de Redenção, uma cidade de 80 mil habitantes no sudeste do Pará, 300 km ao sul de Marabá. E, contrário ao seu passado e ao que se poderia imaginar, briga contra o desmatamento.

Batalha na Amazônia

Aos 26 anos e com três anos de formado na UFMG, em outubro de 2007, Daniel César Azeredo Avelino chegava a Belém. Já era procurador do Ministério Público Federal (MPF) e trazia como experiência uma passagem de um ano por Brasília e outra de seis meses por Santarém, no Pará. A equipe da procuradoria de Belém tinha nove membros, distribuídos nos “ofícios” — segmentação por tema dos processos destinados a cada procurador. Azeredo escolheu o ofício do meio ambiente, ou seja, assuntos referentes ao tema ficariam sob seus cuidados. Da temporada em Santarém, concluiu que a “questão criminal, corrupção em órgãos públicos, tudo na Amazônia acaba ligado ao meio ambiente”. E o pior problema era o desmatamento.

As formas tradicionais de combate ao desmatamento usadas por duas décadas não funcionavam. “Não adiantava ir ao campo, multar fazendeiro. Isso não causava efeito prático nem fazia medo”, diz Azeredo. “A multa acabava cobrada de um laranja ou o verdadeiro proprietário escondia o patrimônio colocando no nome da mulher, dos filhos”. Faltava uma maneira de sacudir a cadeia da pecuária e ele sonhava alto, queria impactar o desmatamento em toda a Amazônia.

Seu primeiro passo foi estudar as causas por trás da derrubada da mata. Especialistas apontavam a pecuária como maior culpado.  Um trabalho da Ong Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostrou que a criação de gado era responsável por 80% do desmatamento total da Amazônia. “Ficamos um ano e meio investigando transações comerciais da cadeia da pecuária até conseguir provar que o gado produzido em áreas desmatadas ilegalmente na região era comercializado em São Paulo, Rio de Janeiro, nos grandes centros do país”, diz Azeredo. “E também estava sendo exportado e utilizado por grandes companhias do mundo inteiro”.

 

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Rodeado de documentos e pastas, não parece que o trabalho de Daniel Azeredo 
fez uma pequena revolução nas fazendas de pecuária.

 

A etapa seguinte foi processar fazendeiros e frigoríficos pegos comercializando gado ilegal. Além disso, o MPF encaminhou a mais de 200 redes de supermercados uma “Recomendação” — termo técnico para a advertência que precede um processo — para não comprar essa carne. “Nós dissemos, olha, o seu fornecedor tem carne e couro de desmatamento, de trabalho escravo, não tem licença ambiental ou está em terra indígena. E a legislação prevê responsabilidade solidária [o supermercado se torna cúmplice do crime ao comprar destes fornecedores]. Então, você precisa adequar a sua cadeia de fornecedores”, diz Azeredo. Os grandes supermercados aceitaram a exigência do MPF, mas argumentaram não ter meios de fiscalizar quem estava irregular.

Foi aí que Azeredo teve a ideia que mesmo os adversários ruralistas mais ferrenhos reconhecem como brilhante. O Pará tem cerca de 250 mil fazendas e existem centenas de redes de supermercado com mais de 80 mil lojas espalhadas pelo país. Entretanto, na cadeia de produção da pecuária do Pará, o elo entre as duas pontas é formado por apenas algumas dezenas de médios e grandes frigoríficos, responsáveis por abater o gado e distribuí-lo. Empresas como JBS, Bertin (mais tarde comprada pela JBS), Marfrig e Minerva. O plano do procurador foi de transformá-las em guardiões contra o desmatamento.

Migrantes

Desde a década de 70, a pecuária atraiu para o Pará a vinda de gaúchos, catarinenses e paranaenses, e mais tarde de goianos, mato-grossenses, paulistas e mineiros. O estado tem uma área de 1.247.955 quilômetros quadrados, 3,5 vezes o tamanho da Alemanha, ou, numa comparação doméstica, 4,5 vezes maior do que o Rio Grande do Sul. Hoje, o rebanho paraense supera 19 milhões de cabeças de gado, mais do que duas vacas por cada um dos seus 8 milhões de habitantes. O município com o maior rebanho é São Félix do Xingu, que passou de 22,5 mil cabeças, em 1980, para 2,2 milhões, em 2014.

Carlos Xavier, 61, natural da Bahia, pecuarista e presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (FAEPA), sentencia: “o boi colonizou o Brasil, o boi você sai tocando, não precisa de estrada nem de logística”. Na hora que o governo federal convidou o brasileiro sob o lema ‘integrar a Amazônia para não entregar’, em que o chamado era ‘homem sem terra para terra sem homem’, foi aí, diz Xavier, “que todos nós viemos para cá”.

 

Evolução da população do Pará em relação do número de cabeças de gado
Evolução da população do Pará em relação do número de cabeças de gado

 

Maurício Fraga Filho, 48, cresceu passando férias nas fazendas do pai, no sudeste do Pará, nos municípios de Xinguara e Eldorado dos Carajás. A história da família se repete na região. Começou em 1973, quando seu pai vendeu terras em Bauru, São Paulo, para multiplicá-las no Norte. O pai nunca deixou São Paulo, de onde administrava as fazendas com a ajuda de visitas mensais.  Ao contrário, Maurício sempre gostou de viver no sudeste do Pará, para onde se mudou por cinco anos após se formar em veterinária. Voltou à base em São Paulo, quando os filhos entraram em idade escolar. Filhos crescidos, mudou-se com a esposa de vez para lá.

“Em geral, o que chega na frente é a exploração de madeira”, diz Fraga, “mas aqui [na região] era um pólo de castanha-do-pará. Depois veio o gado, e começou o desmatamento e a plantação de pastagens. Gado é muito mais rentável que castanha”. As três fazendas de propriedade do pai, ainda na ativa, somam 27 mil hectares e têm o equivalente em gado à população de uma pequena cidade. Ao longo do ano, seu estoque varia entre 30 e 40 mil cabeças de gado.

 

Evolução do número de cabeças de gado nos municípios de Eldorado dos Carajás, Redenção, São Félix do Xingu e Xinguara.
Evolução do número de cabeças de gado nos municípios de Eldorado dos Carajás, 
Redenção, São Félix do Xingu e Xinguara.

 

Jordan Timo, 46, aquele que trocava vaca por ouro, é engenheiro agrônomo, formado na Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. Colou grau em fevereiro de 1994 e, duas semanas depois, chegava à região de São Félix do Xingu para cuidar de terras da família. Sua cidade natal é Teófilo Otoni, Minas Gerais, onde seu pai era funcionário do Banco do Brasil e também dono de uma fazenda. Ele o convenceu a trocar sua área em Minas, de 450 hectares, por outra quase 8 vezes maior, de 3.500 hectares, na “fronteira do Pará” — como até hoje são chamadas as áreas em que a floresta é derrubada e apropriada.

Na década de 90, conta Jordan, “em São Félix do Xingu, os fazendeiros formavam consórcios para contratar peões para desmatar e abrir fazendas na floresta amazônica”. Cada fazendeiro ia nas pensões da cidade que abrigavam esse pessoal, que vinha, em geral, do Nordeste. Como eles se endividavam por hospedagem, a contratação implicava quitar as dívidas, um adiantamento apelidado de “abono”, o qual selava sem retorno a combinação de trabalho. Ele conta que os peões eram levados a um galpão guardado por seguranças, onde passavam a dormir e comer até que o número desejado de peões fosse alcançado, quando, então, eram conduzidos a uma barca que ia deixando os subgrupos pelas margens do rio Xingu, próximos às áreas de cada contratador. “Era o que hoje chamam de trabalho análogo à escravidão”, diz Jordan. “Mas sem esse esquema, os peões fugiam com o abono. Não tinha outro jeito”.

A laçada nos frigoríficos

A ideia do procurador Daniel Azeredo era simples e eficaz. O MPF havia flagrado frigoríficos do estado comprando gado de desmatamento e aplicado multas que totalizavam 2 bilhões de reais. Outro instrumento de pressão ainda mais potente era o medo de comprar carne ilegal por parte dos grandes supermercados, como Pão de Açúcar e Walmart. Ante serem processados, eles prefeririam evitar a carne do Pará, o que seria um baque talvez fatal para os seus frigoríficos. Por fim, Azeredo e o MPF se beneficiaram da pressão que o Greenpeace fazia na Europa sobre marcas multinacionais, como a Adidas ou McDonald’s, que compravam grandes quantidades de couro e carne. A campanha do Greenpeace  chamada “Farra do Boi” advertia contra o uso de matérias-primas advindas de gado de desmatamento na Amazônia. O medo do dano que isso poderia causar às suas reputações levou essas marcas a também ameaçarem parar de se abastecer na região. Assim, quando Azeredo ofereceu o acordo conhecido como TAC da Carne (TAC é abreviação da expressão jurídica “Termo de Ajustamento de Conduta”), os grandes frigoríficos capitularam e o assinaram. Graças ao TAC, eles se tornaram, então, os responsáveis pela fiscalização dos pecuaristas que usavam como fornecedores.

Assista ao vídeo

 

A cada transação, os frigoríficos deveriam garantir que o produtor de quem compravam cumprisse cinco quesitos: não constasse da lista de embargos e multas ambientais do Ibama; não possuísse áreas desmatadas detectadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais; tivesse realizado seu Cadastro Ambiental Rural (CAR); suas terras não se sobrepusessem a unidades de conservação ou terras indígenas; e também não constasse na lista de exploradores de trabalho escravo do Ministério do Trabalho.

O rol de exigências parecia uma tarefa hercúlea e, para muitos, uma exigência injusta. Na prática, funcionou com facilidade e a custo baixo. A essa altura Jordan Timo havia criado uma consultoria, a Apoio, que trabalha para os frigoríficos fazendo o serviço de monitorar as exigências do TAC da Carne nas fazendas de pecuária. Instalada em duas pequenas salas em Redenção, sua empresa é capaz de fazer essa checagem em minutos para sete frigoríficos clientes, a um custo de R$1,00 por boi, ou 0,05% do valor do animal, que gira em torno de R$2 mil. Há outras empresas que realizam o mesmo serviço, como a Terras, uma startup criada por pesquisadores da Ong Imazon. O que essas consultorias fazem é usar softwares que vasculham bancos de dados públicos e verificam se o pecuarista em questão falha em algum dos quesitos do TAC. Se falhar, adeus, cai para uma fração a sua chance de vender suas cabeças de gado. Esse produtor terá que se valer do mercado informal ou recorrer a um número cada vez menor de frigoríficos que se arriscam a comprar gado ilegal. Dos dois jeitos, é mau negócio, que obtém um preço mais baixo para o boi.

As dores da lei

Azeredo se lembra de um encontro às vésperas da assinatura do TAC, numa manhã em junho de 2009, que mostrou como assumir responsabilidades ambientais estava longe da rotina das empresas. Ele e colegas do MPF se reuniram com um grupo de advogados do Frigorífico Bertin. Durante a conversa, para animação dos advogados, os procuradores acenaram com um acordo. Eles já tinham em mente o conceito do TAC, mas não por escrito. Os advogados do Bertin se dispuseram a esperar pelo texto do acordo. Passaram o dia no prédio da procuradoria, em Belém.  “No fim da tarde, entregamos a eles a proposta”, diz Azeredo. “Eles já estavam cuidando da procuração para assiná-la, mas ficaram chocados com os termos propostos e recuaram”. Azeredo relembra que o repúdio inicial foi contra o acordo inteiro e não contra um ponto específico.

 

Maurício Fraga supervisiona uma operação de venda de gado vivo para o Oriente Médio.
O pecuarista Maurício Fraga supervisiona uma operação de venda de gado vivo para o 
Oriente Médio.

 

Maurício Fraga lembra bem do impacto inicial do acordo: “o TAC veio goela abaixo, de uma vez, e criou uma série de dificuldades”. Ele conta que perdeu uma venda para um grande exportador por falha de monitoramento, um “falso positivo”, que detectou um desmatamento em terras adjacentes como se fosse nas suas.

Em 2009, Jordan Timo era um dos líderes ruralistas mais vocais contra as medidas do governo que apertavam o cerco contra os desmatadores. “Eu era contra, porque não achava certo. O governo queria uma coisa sofisticada do produtor, mas não era capaz de dar nada em troca, nem mesmo fazer a regularização fundiária das propriedades”, diz. Ele continua indignado com o que considera ineficiência dramática dos órgãos ambientais e fundiários, mas, agora, trabalha contra o desmatamento e ganha dinheiro com isso.

Um dos atuais clientes de Jordan é o frigorifico Rio Maria, de médio porte, que abate 400 cabeças de gado por dia e fica localizado no município com o mesmo nome, adjacente a Redenção.  Antes de comprar cada lote, o Rio Maria aguarda o veredito do programa de computador da empresa de Jordan. Para tentar dar a volta na lei, há fazendeiros que dividem suas propriedades para excluir pedaços em que houve desmatamento. Mas como os limites de cada fazenda precisam ser declarados, quando mudam é sinal de que algo está errado. E aí não tem negócio.

Há vezes em que o sujeito é vetado sem ter culpa. Jordan conta o caso de uma grande fazenda no município de Bannach, com cerca de 4.000 hectares, onde havia uma área remota montanhosa e coberta por floresta. Atrás dela, estava outra propriedade. Este vizinho desmatou cerca de 10 hectares de mata alheia, e causou um prejuízo inesperado ao primeiro. Quando este tentou vender seu gado, foi barrado pelo frigorífico. Para acessar o local desmatado, o fazendeiro prejudicado precisaria dirigir 40 km. Ele nem suspeitou do desmatamento ilegal em suas terras, mas o satélite não quis saber e o frigorífico preferiu não correr o risco.

 

Brechas

“O TAC da Carne obteve uma vitória importante, mas ainda parcial, contra o gado de desmatamento”, diz Paulo Barreto, pesquisador do Imazon. Em conjunto com Holly Gibbs, pesquisadora da Universidade de Wisconsin, ele fez uma análise dos efeitos que a medida provocou. O estudo usou como amostra quatro grandes frigoríficos do grupo JBS, no Sudeste do Pará. Um dos resultados mostra que, antes do TAC, apenas 2% dos fornecedores desses frigoríficos tinham Cadastro Ambiental Rural, contra 96% após o acordo. Da mesma forma, o número de fazendas fornecedoras que tinham desmatamento caiu de 36% para 4%.

Mas Barreto alerta para as brechas e os vários tipos de fraude que enfraquecem o TAC. “Mesmo os frigoríficos maiores não controlam ainda as chamadas fazendas de cria, que produzem os bezerros e vendem para as fazendas de engorda. Os frigoríficos compram das fazendas de engorda”. Além disso, diz ele, há fraudes como os vazamentos para frigoríficos que ainda não verificam suas compras; ou a chamada “lavagem”, que ocorre quando fazendas com desmatamento repassam seu gado para fazendas dentro da lei, que, por sua vez, vendem sem problemas para os frigoríficos. O próximo passo para aperfeiçoar o TAC da Carne é encontrar mecanismos para fechar esses furos.

Apesar dos produtores indiretos ainda não serem controlados e haver possibilidades de fraude, o TAC da Carne é um sucesso. Do seu pioneirismo no Pará, esse tipo de acordo se espalhou pelos estados da Amazônia, onde 342 frigoríficos já os assinaram. A única exceção é Roraima, onde nenhum acordo foi firmado.

Enquanto isso, a região Sudeste permanece alheia às mudanças que ocorreram no Norte. De volta ao Rio de Janeiro, sede dos repórteres, conversando com uma amiga, ocorreu o seguinte diálogo:

— O que vocês foram fazer na Amazônia, que legal, vocês se embrenharam na floresta, navegaram por algum grande rio?

— Não, visitamos fazendas de pecuária e grandes abatedouros.

— Como assim, tem boi na Amazônia?

Pano rápido.

 

Estado Número de Frigoríficos
Com TAC Total % do total
Mato Grosso 31 120 26%
Pará 74 115 64%
Maranhão 1 46 2%
Acre 10 22 45%
Rondônia 11 22 50%
Amazonas 2 13 15%
Roraima 0 4 0%
Total 129 342 38%

 

 

Em direção ao desmatamento zero

Esta reportagem faz parte do projeto que busca melhorar a eficiência dos acordos da carne e da soja, realizado em parceria com o Imazon e apoio da Gordon and Betty Moore Foundation

Parceria


Apoio


 

 

 


MP pede suspensão de licenciamento de incineradora de lixo em Santos

((o))eco

MP pede suspensão de licenciamento de incineradora de lixo em Santos

José Alberto Gonçalves Pereira
quarta-feira, 28 outubro 2020 18:52
Aterro sanitário do Sítio das Neves. Imagem: Valoriza Energia/Divulgação.

São Paulo – O Ministério Público Estadual recomendou à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) que suspenda o processo de licenciamento ambiental de uma incineradora de lixo prevista para ser instalada na área continental de Santos, no litoral paulista. Para o MP, o licenciamento só poderia ser retomado após o Plano Regional de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Baixada Santista (PRGIRS/BS) ser aprovado por um colegiado metropolitano com participação da sociedade civil, como prevê o Estatuto da Metrópole. Aprovado o plano, o colegiado deveria definir a combinação tecnológica mais adequada dos pontos de vista ambiental, econômico e social para o tratamento e a destinação final do lixo da região.

O PRGIRS/BS foi aprovado em 4 de abril de 2018 pelo Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Baixada Santista (Condesb), composto pelos prefeitos de nove cidades e nove representantes do governo paulista, sem a participação da sociedade civil. Chama a atenção que o projeto da Unidade de Recuperação Energética (URE) Valoriza Santos, que queimará lixo para gerar eletricidade, não tenha sido discutido pelo Condesb, visto que a usina é anunciada pelo empreendedor como a solução para o tratamento de aproximadamente 2 mil toneladas de resíduos sólidos geradas diariamente nos municípios da Baixada Santista. O próprio prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), não pautou o assunto nas reuniões do Condesb, que ele preside.

Outro problema grave apontado pelos promotores é o local escolhido para receber a URE Valoriza. Trata-se de área vetada pelo Zoneamento Ecológico-Econômico da Baixada Santista (ZEE/BS) para esse tipo de empreendimento. Como o zoneamento foi instituído por uma norma estadual, o Decreto 58.996/2013, a legislação municipal não pode ser menos restritiva que a do estado. Ou seja, a Cetesb nem poderia iniciar o licenciamento da URE Valoriza em local não previsto no ZEE-BS para receber a atividade de incineração de lixo.

No estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima) da URE, a Valoriza Energia SPE justifica a escolha de uma área no aterro sanitário do Sítio das Neves pela conveniência logística e porque ela é liberada para a disposição final de resíduos sólidos pela Lei de Uso e Ocupação do Solo da Área Continental de Santos (Lei Complementar 729/2011). Elaborado pela SGW Services, também responsável pelo EIA/Rima do projeto da URE de Barueri, o estudo da incineradora Valoriza Santos não menciona o decreto estadual que oficializou o ZEE-BS.

Contendo oito recomendações, o documento remetido à Cetesb é assinado pelas promotoras Almachia Zwarg Acerbi e Flávia Maria Gonçalves, do Grupo de Atuação e Defesa do Meio Ambiente (Gaema) do MP, e pelo promotor de Justiça do Meio Ambiente de Santos, Adriano Andrade de Souza.

A reportagem procurou a Cetesb e a Valoriza Energia SPE para que opinassem sobre o teor do documento do MP. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Cetesb informou que “o processo de licenciamento segue em andamento e tais recomendações serão consideradas no momento das análises, juntamente com as informações complementares e esclarecimentos prestados pelo empreendedor”. A assessoria de imprensa da Valoriza Energia SPE respondeu que desconhece o documento do MP.

Área de implementação da URE Valoriza Santos. Fonte: Prefeitura de Santos/Reprodução.

Investimento orçado em R$ 300 milhões, a Unidade de Recuperação Energética (URE) Valoriza Santos é um projeto da Valoriza Energia SPE, empresa controlada pelo grupo Diniz/Terracom, que responde há décadas pelos serviços de coleta e disposição final do lixo da maior parte da Baixada Santista. A URE será instalada no aterro sanitário do Sítio das Neves, operado pela Terrestre Ambiental, empresa do grupo Diniz/Terracom, com capacidade para incinerar as cerca de 2 mil toneladas de lixo recolhidas diariamente em sete das nove cidades da região e gerar 50 megawatts de energia elétrica, suficientes para abastecer um município de 250 mil habitantes.

Para os promotores, “o licenciamento da URE previamente à fixação do modelo de gestão de resíduos pelo Condesb implicará a imposição, por um particular – leia-se, o empreendedor –, à administração metropolitana, de um modelo de gestão regional resíduos, em detrimento da discricionariedade de escolha dos integrantes do Conselho Metropolitano”. Segundo o MP, o licenciamento ambiental da URE nessa circunstância violaria ao menos duas leis federais – o Estatuto da Metrópole e a Política Federal de Saneamento Básico.

Segundo o Estatuto da Metrópole (Lei Federal 13.089/2015), estado e municípios integrantes de regiões metropolitanas devem promover uma governança interfederativa das funções públicas de interesse comum, caso da gestão dos resíduos sólidos. Nos artigos 6º, 7º e 8º, o Estatuto da Metrópole preconiza que essa governança precisa respeitar o princípio da gestão democrática da cidade, incluindo “a participação de representantes da sociedade civil nos processos de planejamento e tomada de decisão” em instâncias colegiadas deliberativas.

Tendo em vista a urgência do assunto, o promotor Adriano Sousa pediu ao Procurador-Geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, que promova um mandado de injunção coletivo junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo para assegurar o direito de participação popular no Condesb visando à elaboração, tomada de decisões e fiscalização de medidas relacionadas ao plano regional de resíduos sólidos. Na representação que protocolou em 30 de setembro passado na PGJ, o promotor propõe que o mandado de injunção preveja a destinação imediata à sociedade civil de 18 assentos no Condesb, ou seja, o mesmo número de cadeiras ocupadas pelo Poder Público no colegiado.

Mais audiências públicas

Aterro sanitário do Sítio das Neves, onde empresa pretende instalar uma usina de lixo para gerar energia elétrica. Foto: Aliança Resíduo Zero Brasil.

O MP também recomenda à Cetesb que determine ao empreendedor a realização de audiências públicas presenciais sobre o EIA/Rima da URE Valoriza em Bertioga, Guarujá, Santos, São Vicente, Cubatão, Praia Grande e Mongaguá, observando-se as Resoluções Conama 9/97 e 237/97. Segundo a 9/97, os órgãos de meio ambiente são obrigados a realizar audiência pública sempre que a julgarem necessária ou quando for solicitada por entidade civil, pelo MP ou por 50 ou mais cidadãos.

Licenças ambientais concedidas perdem a validade se a audiência pública requerida não for promovida em conformidade com a Resolução Conama 9/97, que também prevê a possibilidade de realização de mais de uma audiência pública sobre o mesmo projeto em função da localização geográfica dos solicitantes ou da complexidade do tema. Os próprios representantes da Valoriza Energia SPE admitiram que o assunto é bastante complexo para ser adequadamente esclarecido numa reunião de duas horas. A declaração foi dada numa reunião digital extraordinária do Conselho Municipal da Defesa do Meio Ambiente de Santos (Comdema), realizada no último dia 22 para a Valoriza Energia SPE apresentar o projeto da URE aos membros do conselho. Foi a primeira apresentação do projeto ao Comdema, embora a prefeitura santista esteja oficialmente ciente do empreendimento pelo menos desde janeiro passado.

No documento entregue à Cetesb, os promotores discorrem sobre “sérios indícios” de que vários participantes da audiência pública sobre o EIA/Rima promovida pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) em 1º de outubro por meio virtual “tiveram suas falas direcionadas por terceiros para elogiarem o empreendimento”. Em um dos casos citados pelos promotores, “o áudio aberto permitiu escutar claramente a voz de uma pessoa o orientando a tomar cuidado para que os espectadores não percebessem que ele estava lendo sua fala”.

Para o MP, “trata-se de mais um “efeito colateral” indesejado das audiências virtuais, revelador de que podem estar facilitando a utilização das audiências públicas como um instrumento de distorção da percepção do órgão licenciador e dos espectadores quanto ao nível do sentimento social de reprovação de um empreendimento”.

O MP também lembra que os catadores de recicláveis devem ser ouvidos sobre o projeto da URE Valoriza. “Ora, é fato notório que a condição econômica dos catadores é um obstáculo para que possam acessar, por meio de ferramentas tecnológicas, o ambiente virtual em que se dará a audiência pública, resultando no seu alijamento do processo de discussão, em violação ao seu direito constitucional de informação e de participação democrática”, assinala o documento dos promotores.

Três irregularidades apontadas no documento do MP foram reveladas em reportagem publicada em ((o))eco em 13 de outubro sobre falhas nos procedimentos da prefeitura de Santos para aprovar o estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) da URE Valoriza. São elas: a omissão no EIV e no EIA/Rima sobre potenciais impactos em um futuro reservatório de água da Sabesp localizado perto da URE; a falta de estudo comparativo entre as 12 alternativas tecnológicas para a gestão do lixo previstas no PRGIRS/BS; e a escolha de uma área para a URE não recomendada pelo plano regional de resíduos sólidos.

Recomendações do MP à Cetesb

O MP faz oito recomendações sobre o processo de licenciamento ambiental da URE Valoriza Santos no documento enviado à Cetesb no último dia 20:

    • Suspender o processo de licenciamento ambiental até que o Condesb aprecie as propostas do plano regional de resíduos sólidos com a participação da sociedade civil, conforme determina o Estatuto da Metrópole.
    • Fornecer justificativas técnicas e jurídicas para a continuidade do  licenciamento ambiental de um empreendimento em local não permitido pelo Zoneamento Ecológico-Econômico da Baixada Santista (ZEE-BS).
    • Realizar audiências públicas presenciais sobre o EIA/Rima nas sete cidades da Baixada Santista que enviarão lixo para ser incinerado na  URE Valoriza.
    • Determinar ao empreendedor que complemente o EIA-Rima com um estudo comparativo sobre todas as alternativas tecnológicas existentes para o tratamento do lixo urbano, incluindo as analisadas no plano regional. Segundo o documento do MP, o EIA/Rima não atendeu ao que estabelece o Manual de Licenciamento Ambiental da Cetesb, limitando-se a um “estudo conveniente apenas para a defesa da tecnologia escolhida pelo próprio empreendedor”, a mass burning (queima de massa bruta).
    • Considerar no licenciamento a Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC), que se preocupa com projetos que geram gases de efeito estufa, caso do CO2, liberado na queima dos resíduos, e do metano, emitido no processo de estabilização da fração orgânica do lixo.
    • Exigir da Valoriza Energia SPE esclarecimentos complementares no EIA-RIMA sobre a taxa atual de coleta seletiva dos sete municípios que remeterão lixo à URE Valoriza, de modo a saber se os planos regional e municipais de resíduos sólidos estão sendo cumpridos.
    • Cobrar do empreendedor proposta para atender ao artigo 24 da Resolução Conama 316/2002, que prevê metas bienais crescentes para a segregação de resíduos, e aos artigos 9º e 10º da Resolução SIMA 47/2020, que trata da separação de recicláveis e da fração úmida do lixo na preparação do combustível derivado de resíduos (CDR).
    • Demandar do empreendedor que leve em conta nos estudos dos riscos à saúde humana a Decisão de Diretoria da Cetesb 34/2015 e eventuais efeitos da operação da URE no futuro reservatório de água da Sabesp, situado a pouco mais de 1 km da usina de lixo.

Agência silencia sobre ausência de usina de lixo nas reuniões do Condesb

A reportagem questionou a Agência Metropolitana da Baixada Santista (Agem-BS) sobre a ausência de discussão do projeto da URE Valoriza no Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista (Condesb), presidido pelo prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa.

Sem responder a pergunta, a agência declarou que “o empreendimento em questão ainda está em fase de licenciamento ambiental e a Agem, que atua como braço executivo do (Condesb), debate questões relativas ao tema de resíduos sólidos no âmbito da Câmara Temática de Meio Ambiente e Saneamento [CTMA]”.

A Agem-BS também não explicou por que o projeto da URE Valoriza Santos está ausente das discussões da CTMA, nem as razões para o longo período sem reuniões dessa câmara temática. Seu último encontro ocorreu em junho de 2019.

A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Regional (SDR) complementou as respostas da agência, vinculada à pasta. Explicou que a CTMA articula os municípios da Baixada Santista na elaboração de programas de redução e reciclagem, sem responder à solicitação de dados atualizados sobre as taxas de coleta seletiva e compostagem nas nove cidades da região e informações agregadas regionalmente sobre os dois procedimentos.

Segundo a SDR, os nove municípios da RMBS assinaram protocolo de intenções para seguir as propostas do plano regional. A pasta, porém, não apresentou um balanço do cumprimento das metas do PRGIRS/BS. Para auxiliar as prefeituras na execução do plano regional, a Agem-BS solicitou ao Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro) em junho de 2019 a liberação de R$ 1,137 milhão para o projeto de implementação das ações do PRGIRS/BS. Consultado pela reportagem, o Fehidro informou que o projeto permanece em análise, sem fornecer prazo final para sua decisão quanto ao pedido da agência.

A Prefeitura de Santos informou que a Lei de Uso e Ocupação do Solo da Área Continental (Lei Complementar 729/2011) permite a instalação do projeto que prevê a URE na área indicada, no caso, o Sítio das Neves.

Para Consema, internet propicia ampla participação

Antes do envio do documento à Cetesb, a reportagem havia questionado a secretaria-executiva do Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo (Consema) a respeito de críticas levantadas por ambientalistas da Baixada Santista sobre o que veem como um “jogo de cartas marcadas”, com participação limitada da sociedade civil na discussão do projeto da URE Valoriza.

Por meio do departamento de imprensa da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sima), a secretaria-executiva do Consema afirmou que “a audiência pública para debate do EIA/Rima da URE Valoriza Santos cumpriu todos os requisitos legais pertinentes, atingindo os objetivos do evento”.

Sobre o abaixo-assinado com mais de 700 adesões pedindo a realização de audiência pública nas nove cidades da Baixada Santista, protocolado em 5 de agosto pela ONG Ecophalt, de Praia Grande, o órgão esclareceu que informou à entidade que “o formato de realização pela internet possibilita ampla e direta participação e acompanhamento, não apenas aos munícipes de Santos, onde se localiza o projeto, mas a qualquer interessado no debate sobre o assunto (…)”.

A secretaria-executiva do Consema não comentou o pedido da reportagem para que avaliasse a qualidade da audiência pública ocorrida em 1º de outubro, tendo em vista os indícios de que diversas falas foram previamente direcionadas para elogiar o empreendimento. A íntegra das respostas do órgão pode ser consultada aqui.

A Valoriza Energia SPE não respondeu às questões enviadas pela reportagem a respeito da audiência pública realizada pelo Consema sobre o EIA/Rima da URE Valoriza Santos.

 

Ecosia: a plataforma de busca que já plantou mais de 112 milhões de árvores pelo mundo

 

Ecosia: a plataforma de busca que já plantou mais de 112 milhões de árvores pelo mundo

Você já contou quantas vezes por dia faz buscas no Google? Consegue imaginar que suas pesquisas podem resultar em plantios de árvores pelo país ou pelo mundo? Pois é justamente essa a proposta da plataforma de busca Ecosia, startup criada pelo alemão Christian Kroll em 2009.

“Quando criei a Ecosia, queria plantar milhões de arvores, não ganhar milhões de euros”, declara ele. Não é á toa que o slogan da plataforma enfatiza isso: “Você pesquisa na web, nós plantamos árvores”.

Durante o encontro Web Summit de 2018, evento que reúne representantes de venture capital, Kroll (de camiseta branca e barba, an foto acima) revelou, ainda mais claramente, suas intenções “Estamos tentando redefinir os negócios. Estudei administração e ouço as pessoas dizerem que negócios só existem para maximizar o lucro. Discordo”.

Mas, para incentivar o plantio de árvores, não basta apenas usar o buscador. O usuário precisa adicionar a Ecosia ao seu navegador e clicar nos anúncios exibidos numa de suas páginas. Só assim, a plataforma ganha dinheiro e parte dele é direcionada para plantar árvores em locais devastados do planeta.

Em seu site, também convida os usuários que têm iPhone a fazer da Ecosia seu navegador padrão.

Como e onde são feitos os plantios

Agricultor na Colômbia / Foto: Divulgação

O processo de arrecadação e uso do dinheiro é bastante transparente. Mensalmente, o Ecosia publica relatórios financeiros para dar conta de quanto dinheiro ganhou com as pesquisas e a porcentagem direcionada para o plantio de árvores.

De acordo com o site, os proprietários não recebem dividendos e todo o lucro é reaplicado no projeto, seja em ações de restauração vegetal ou no aprimoramento do trabalho.

Até agora, a plataforma incentivou ações de reflorestamento em países como o Senegal, Peru, Colômbia, Uganda, Burkina-Faso, Indonésia Austrália, Tanzânia, Etiópia (foto que ilustra este post), Espanha, Madagascar, Quênia, Uganda (onde tem parceria com o Instituto Jane Godall), Índia e Brasil, entre outros, veja aqui.

Agricultores na Tanzânia – Foto: Divulgação

Vale acompanhar o canal de notícias do site, que atualiza seus usuários sobre o que acontece nos países apoiados pelo projeto.

De acordo com dados divulgados pela equipe do Ecosia, o mundo tem cerca de 4 trilhões de árvores (certamente um pouco menos devido a tantos incêndios florestais que ocorreram este ano na África, na América do Sul – Brasil, em especial – e na Califórnia), e há espaço para, pelo menos, mais um trilhão, pelo menos.

Até o final de 2019, a empresa já havia plantado mais de 73 milhões de árvores. Agora, como aponta a home do site, já são mais de 112 milhões.

Agricultora no Peru – Foto: Divulgação

Levando em conta o estudo realizado sob a liderança do pesquisador brasileiro Bernardo Strassburg, diretor executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS) e professor no Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio, que aponta que restaurar 30% das áreas degradadas no mundo pode salvar 70% das espécies em risco de extinção e absorver quase metade do carbono da atmosfera, a Ecosia e seus usuários estão contribuindo para a conservação da natureza e o combate às mudanças climáticas.

No Brasil, restauração da Mata Atlântica

Foto: Divulgação / Mudas da Mata Atlântica

Por aqui, as ações de restauração estão sendo realizadas na Mata Atlântica, como Kroll explica no vídeo que você pode assistir no final deste post.

Sobre o Brasil, em agosto deste ano, o site destaca os incêndios florestais, contando que, “graças ao aumento de usuários após a devastadora temporada de incêndios de 2019, conseguimos financiar mais 3 milhões de árvores na Mata Atlântica do Brasil. Dessas árvores, 1,7 milhão já foram plantadas. As demais serão plantadas no final deste ano com algum atraso, devido às medidas de bloqueio da COVID-19”.

O Ecosia declara também que investiu cerca de 318.712 euros (ou 2.149.375,52 reais) no combate a incêndios, o que ajudou a salvar cerca de 3 milhões de árvores desde meados de 2018. Mas não fala apenas da contribuição que os usuários podem dar por intermédio de suas ações.

Incentiva os usuários a apoiar ONGs locais “que protegem as florestas e grupos indígenas, que são os guardiões das florestas tropicais remanescentes do mundo”, pois “a verdadeira mudança virá apenas de uma mudança sistêmica”.

Fala dos parlamentares – “responsabilize seus políticos” – e da responsabilidade da União Europeia e dos Estados Unidos em eterniza a devastacao ambiental por meio de suas compras, dizendo que ambos “são os maiores compradores brasileiros de carne, madeira e produtos de soja. Exija que seus líderes usem esse poder de barganha para importar apenas produtos que respeitem as pessoas e a natureza”.

E acrescenta: “Mas talvez a pressão sistêmica mais urgente que podemos esperar exercer agora seja fazendo campanha contra a assinatura do acordo comercial UE-Mercosul. Este acordo entre a UE e seis países latino-americanos, incluindo o Brasil, reduziria significativamente as tarifas de carne bovina, soja e madeira. Em sua forma atual, sem restrições quanto à procedência desses produtos, esse acordo alimentaria a destruição da Amazônia”.

Carbono neutro, só, não! Carbono negativo!

Usina solar em Aue / Foto: Divulgação

“Como produzimos nossa própria eletricidade solar e também devido ao fato de utilizarmos nossos lucros para plantar árvores, que são sequestradoras de CO2, a Ecosia não é apenas ‘neutra em carbono’, mas suas pesquisas removem ativamente o CO2 do ar”, diz o site.

Ao mesmo tempo, destaca que isso não é o suficiente: “Em 2020, queremos ser a primeira empresa a produzir duas vezes mais energia solar do que precisamos para alimentar todas as pesquisas Ecosia. Dessa forma, estamos eliminando ativamente a energia suja da rede”.

E acrescenta: “Ser neutro em termos de CO2 é bom; ser CO2 negativo é melhor”. Suas usinas solares estão localizadas em Aue (531kWp), na foto acima, e em Schinne (199kWp), no estado da Saxônia.

A empresa ainda chama a atenção para o fato de que os servidores usam muita energia: “Se a Internet fosse um país, estaria em 3º lugar no mundo em termos de consumo de eletricidade”.

Por isso, Kroll e a equipe da Ecosia consideram que as empresas que atuam com internet têm grande responsabilidade e precisam cuidar de sua pegada ecológica, “adotando energias alternativas e renováveis. Com nossa nova política de energia verde, esperamos liderar o caminho”.

Alguma dúvida de que é melhor fazer buscas e pesquisas na Ecosia?

Foto (destaque): Divulgação (agricultoras na Etiópia)

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.

Baixo Jequitinhonha, MG – Minerar no Parque Alto Cariri deixará Salto da Divisa sem água, artigo de Gilvander Moreira

 

Baixo Jequitinhonha, MG – Minerar no Parque Alto Cariri deixará Salto da Divisa sem água, artigo de Gilvander Moreira

Minerar no Parque Alto Cariri deixará Salto da Divisa sem água

Por Gilvander Moreira1

Salto da Divisa

[EcoDebate] Na cidade de Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, MG, e em frente ao portão de entrada da Barragem da Usina Hidrelétrica da empresa Itapebi Geração de Energia S.A, que atinge vários municípios em Minas Gerais e na Bahia, dia 14 de março de 2020, aconteceu a Romaria das Águas e da Terra da Diocese de Almenara, com o tema: “Terra e Água, santuários de vida”; e o lema: “Jequitinhonha: ver, sentir e cuidar”. Durante a Romaria, com a participação de centenas de romeiros e romeiras de vários municípios do Baixo Jequitinhonha, várias denúncias foram feitas.

O povo do município de Salto da Divisa está correndo o risco de ficar sem água, por causa da exploração minerária da mineradora Nacional de Grafite, que está planejando minerar dentro do Parque Estadual Alto Cariri, criado em 2008, onde existem as únicas 16 nascentes do município, que irrigam o Rio Piabanha, que abastece o Assentamento Dom Luciano Mendes e toda a população que ainda sobrevive na zona rural do município. A Comunidade Camponesa Agroextrativista e Artesã da Cabeceira do Piabanha, constituída por 12 famílias de camponeses posseiros há 66 anos na cabeceira do rio Piabanha, no município de Salto da Divisa, dentro do Parque Estadual Alto do Cariri, já reconhecida pelo Estado de Minas Gerais, resistiu na terra, nos últimos cinco anos, sob ameaças de fazendeiros, da mineradora Nacional de Grafite e pelo projeto de Lei 1480/2015, do deputado estadual Carlos Pimenta (PDT), que busca alterar os limites do Parque Estadual Alto Cariri. Se for aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o PL 1480/2015 alterará os limites do Parque Estadual Alto do Cariri para beneficiar a mineradora Nacional de Grafite, que pretende minerar dentro do Parque que está parcialmente no município de Salto da Divisa e é onde estão as nascentes do rio Piabanha, que passa por várias fazendas e margeia o Assentamento Dom Luciano Mendes, além de gerar água para a mineradora Nacional de Grafite, que está pouco acima do Assentamento Dom Luciano. As nascentes da Cabeceira do Piabanha são as únicas nascentes que ainda resistem no município de Salto da Divisa. Se os deputados de Minas Gerais aprovarem na ALMG o PL 1480/2015 abrindo espaço legal para mineradora Nacional de Grafite minerar dentro do Parque Alto Cariri, toda a população do município de Salto da Divisa ficará sem água, porque minerar na Cabeceira do Piabanha dizimará todas as 16 nascentes de água classe especial que jorram dali.

Algumas famílias da Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha, bombardeadas por muita pressão e ameaçadas, aceitaram “contra a própria vontade”, proposta de acordo forçado pelo juízo da Vara Agrária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para deixarem a área, mas sempre dizem: “Nascemos na Cabeceira do Piabanha e ali será sempre nossa terra”. No dia 26 de fevereiro de 2020, três famílias saíram amarguradas de dentro do Parque Estadual Alto Cariri e, em seguida, o fazendeiro, protagonista dos conflitos, colocou gado dentro do parque. Como pode TJMG conceder reintegração de posse para fazendeiro dentro de um parque estadual? Como pode o Governo de Minas Gerais não cuidar do Parque Estadual Alto Cariri? É injustiça que clama aos céus retirar famílias tradicionais que nasceram na Cabeceira do Piabanha, transformado em Parque em 2008, deixar fazendeiro colocar gado dentro do Parque e, pior, aprovar na ALMG o PL 1480/2015 para viabilizar mineração dentro do Parque Estadual Alto Cariri! Um fazendeiro de Salto da Divisa, dia 10 de outubro de 2015, promoveu emboscada a três agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), quando voltavam da Comunidade Camponesa Agroextrativista e Artesã da Cabeceira do Piabanha.

No ano de 2016, Assentados do Assentamento Dom Luciano já denunciavam: “Está difícil por causa da falta de chuva e também porque a mineradora Nacional de Grafite está acabando com a água do rio Piabanha com ferrugem e rejeitos de mineração de grafite”. De fato, em outubro de 2016, a produção estava fraquíssima por causa da falta de chuva e também porque a mineradora Nacional de Grafite estava represando a pouca água do rio Piabanha e as 25 famílias do PA Dom Luciano e as fazendas a jusante ficavam sem água. Um vaqueiro de uma das fazendas de Salto da Divisa me informou também em 2016: “O gado bebe água na cocheira em 13 tanques com sistema de boias. Captamos água com uma bomba no rio Piabanha e distribuímos para uma rede de canalização de 160 mil metros de canos de água em toda a fazenda. Captamos cerca de 9 mil litros d’água por dia. Água para beber nós compramos na COPASA, na cidade de Salto da Divisa”.

O município de Salto da Divisa tem histórico de devastação de suas matas. Atualmente o município não tem nenhuma comunidade rural, exceto os Assentamentos Dom Luciano Mendes e Irmã Geraldinha, a Comunidade Quilombola Braço Forte e famílias que ainda resistem em ilhas do violentado Rio Jequitinhonha. Salto da Divisa foi transformado em monocultura do capim para criação de gado. Em Salto da Divisa e em todo o Baixo Jequitinhonha, os fazendeiros colocavam os empreiteiros para derrubar a mata e transformar em pastagem de capim colonião. Os agregados podiam fazer uma pequena roça para a subsistência – mandioca, banana, milho, abóbora, feijão, batata doce, arroz e alguma verdura -, mas no ano seguinte não podiam replantar. Aldemir Silva Pinto, Sem Terra assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes, resgata a história assim: “Os agregados podiam criar galinha e porcos, mas todos deviam estar aramados, isto é, com um arame no focinho para não fuçar o capim. O capim não podia ser tocado. Ai de quem arrancasse um pé de capim. Só capim deveria ficar. A gente fazia cerca apenas na frente da roça. O excesso de produção a gente vendia na feira na cidade de Salto da Divisa. Quando os fazendeiros precisavam, eles compravam feijão e arroz dos agregados. Como toda a região era mata, os fazendeiros colocavam os trabalhadores para abrir a mata pra frente. Naquela época chovia muito. A COBRAS era uma serraria que tinha no Salto da Divisa, que serrava madeira e vendia pra fora. A COBRAS abriu estrada para carrear a madeira. Com seis juntas de bois, cansei de arrastar madeira pra fora da mata até uma praça onde os caminhões pudessem pegar a madeira. Primeiro, se jogava a madeira em cima dos caminhões no braço, depois com uma catraca. Só na fazenda Monte Cristo – que tinha 19 mil hectares -, ao longo do rio Piabanha, de um lado e do outro, até a cabeceira, havia 366 famílias que moravam como agregadas. Esse processo foi até acabar com as matas e virar tudo capim. Era a época dos coronéis. Se eles dissessem: ‘Você não deve passar mais aqui’ tinha que ser obedecido. Eles iam pisando devagar, encurtando o jeito de o sujeito viver, encurtando o direito de fazer roça e quando eles chamavam para trabalhar para eles tinha que ir. Se não fosse, era motivo para ser expulso. O gerente falava na cara. Iam azucrinando o trabalhador até ele sair. Colocavam o gado para comer a roça. Cerca era de madeira. Não tinha arame ainda. Não adiantava plantar porque o gado comia tudo. Muita gente daqui foi embora para o Pará, porque se ouvia que era fácil conquistar terra lá. Eu fui o último dos 366 chefes de família a sair. A gente criava um jegue para carregar carga. Eles davam uma vaca para a gente amansar e tirar leite. Se alguém fizesse um crime e chegasse aqui, o coronel Tinô dizia: ‘Entre lá pra dentro’. E ninguém mexia com a pessoa. Aqui era um fim de mundo. Tinha chegada, mas não tinha saída”.

Na Romaria das Águas e da Terra da Diocese de Almenara, também foi denunciado que a empresa Itapebi Geração de Energia S.A. continua violentando todo o povo de Salto da Divisa, porque desde a construção da barragem de Itapebi, em 1997, ainda não indenizou de forma justa centenas de pescadores, de lavadeiras, de extratores de pedras e de todo o povo da cidade de Salto da Divisa que ficou sem poder desfrutar das águas do Rio Jequitinhonha, que foi apunhalado de morte por mais essa barragem que atinge quatro municípios.

Enfim, o povo de Salto da Divisa já foi violentado por coronéis, pela empresa Itapebi com a construção da barragem, e agora tem sobre si uma nova espada de Dâmocles: a mineradora Nacional de Grafite com seus interesses em minerar dentro do Parque Estadual Alto Cariri. Basta de mineração devastadora!

17/3/2020.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Em defesa da Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha/Salto da Divisa/MG 2a parte. 08/06/16

https://www.youtube.com/watch?v=NhYZYbIT5d0

2 – 76 anos, Sr. Manoel, 63 anos com 12 famílias tradicionais/Cabeceira do Piabanha/MG. 08 06 16

https://www.youtube.com/watch?v=hkxjWF_0nuQ

3 – Posseiros da Cabeceira do Piabanha/MG lutam pelos seus direitos, na ALMG: ameaças, não!

https://www.youtube.com/watch?v=OpBHea2Jcmw

4 – Ameaças à Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha, em Salto da Divisa, MG, e a CPT. 08/06/16

https://www.youtube.com/watch?v=uP5rqL_Ecs4

5 – Mineradora Grafite planeja minerar Parque Alto Cariri e fazendeiros ameaçam posseiros. 12/07/16

https://www.youtube.com/watch?v=nwt3Qdi9SRQ

6 – Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha, em Salto da Divisa/MG. Respeito, exigimos! 08/06/16

https://www.youtube.com/watch?v=CYBzOMCLs7o

7 – Atingidos pela barragem de Itapebi em Salto da Divisa, MG: Irmã Geraldinha. 12/08/14

https://www.youtube.com/watch?v=AAfkW0bDF4o

8 – Promotor do MP/MG, de Jacinto, MG: compromisso com os atingidos pela Barragem de Itapebi. 08/06/16

https://www.youtube.com/watch?v=PST49QpPfoo

9 – Pescadores de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados por empresas e barragem. 08/06 /16

https://www.youtube.com/watch?v=65tCYQ-nzAc

10 – Vazanteiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16

https://www.youtube.com/watch?v=TD–0AAY86E

11- Pedreiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16

https://www.youtube.com/watch?v=nyL4JgfVnc0

12 – Em Salto da Divisa, MG, casas desabando pela barragem de Itapebi e extratores pisados. 08/06/16

https://www.youtube.com/watch?v=VqUWfYLUwnU

13 – Lavadeiras de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados pela Itapebi com barragem. 08/06/16

https://www.youtube.com/watch?v=GH5PUKRqY4I

1 Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/03/2020


Tragédia de Mariana, 5 anos depois, população ainda aguarda reparações

 

Tragédia de Mariana, 5 anos depois, população ainda aguarda reparações

Cinco anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, nenhuma das ações reparatórias esperadas foi concluída, de acordo com procuradores integrantes da Força-Tarefa Rio Doce do Ministério Público Federal (MPF). Tragédia de Mariana,Mariana,Desastre de Mariana,o que foi o desastre de Mariana,impactos do desastre de Mariana,barragem da Vale,vítimas de Mariana,barragem do FundãoTragédia de Mariana,Mariana,Desastre de Mariana,o que foi o desastre de Mariana,impactos do desastre de Mariana,barragem da Vale,vítimas de Mariana,barragem do Fundão

Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais
Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais – Antonio Cruz/ Agência Brasil

“O desastre que arrasou não apenas Mariana, mas toda a bacia do Rio Doce, uma área equivalente a Portugal, continua aqui. Cinco anos depois, nada está concluído, tudo está por fazer”, diz a Procuradora da República e coordenadora da Força-Tarefa Rio Doce, Silmara Goulart.

“Nenhum, absolutamente nenhum grupo de atingidos, sejam eles agricultores, lavadeiras, artesão, pescadores, pequenos comerciantes, foi integralmente indenizado. O meio ambiente também não foi integralmente recuperado. Sequer o município de Bento Rodrigues, símbolo do desastre, foi reconstruído”, acrescenta Silmara, que participou hoje (29) de coletiva de imprensa para tratar das ações que foram feitas desde o desastre.

 Experimento de restauração florestal em área sob influência de rejeitos da barragem de Fundão, trecho do rio Gualaxo do Norte, um dos principais afluentes do rio Doce, que abrange os municípios de Mariana, Ouro Preto e Barra Longa
Experimento de restauração florestal em área sob influência de rejeitos da barragem de Fundão, trecho do rio Gualaxo do Norte, um dos principais afluentes do rio Doce, que abrange os municípios de Mariana, Ouro Preto e Barra Longa – Tânia Rêgo/Agência Brasil

O rompimento da barragem ocorreu em 5 de novembro de 2015. Mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos atingiram o rio Gualaxo do Norte, em Mariana, desaguaram no rio Doce e seguiram até a foz, no mar de Regência, no litoral capixaba. A lama causou a morte de 19 pessoas e uma série de impactos ambientais, sociais e econômicos, atingindo 39 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo.

Mariana (MG) - Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Mariana (MG) – Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco- Antonio Cruz/ Agência Brasil

Para reparar os danos causados, a União e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo celebraram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com as empresas Samarco, BHP e Vale, responsáveis pela barragem. Além de criar a Fundação Renova, organização que deve pôr em prática as compensações, o TTAC estabelece 42 programas que devem ser cumpridos nos 670 quilômetros de área impactada ao longo do Rio Doce e afluentes.

Posteriormente, em 2018, instituições de Justiça celebraram com as empresas rés e com os entes federativos – União, MG e ES um Termo de Ajustamento de Conduta, que foi denominado TAC-Governança (TAC-GOV), que previu a alteração do sistema de governança da Fundação Renova instituído pelo TTAC, firmado em 2016, com objetivo de assegurar a efetiva participação das pessoas atingidas no processo de reparação integral dos danos sofridos por elas.

O MPF reuniu em uma página pareceres e relatórios que mostram que ainda há muito o que fazer. Passados cinco anos do desastre, 29.039 habitantes ainda dependem do abastecimento de água por caminhão-pipa, devido a insegurança no consumo da água, o que se torna mais grave durante a pandemia do novo coronavírus. Até agosto deste ano, 153 de 374, o equivalente a 41% das ações de melhoria dos sistemas de abastecimento de água foram concluídas. O prazo estabelecido no TTAC, de acordo com o órgão, era 2018.

“Isso é um acontecimento que está no dia a dia delas [pessoas atingidas], e que afeta o direito mais básico, que é o acesso à água e o acesso à própria saúde. Quando você não tem certeza de que a água que faz a comida dos seus filhos pode ser consumida, você não tem tranquilidade e aí você tem mais um dos agravamentos da saúde mental”, diz a Defensora Pública Estadual em Minas Gerais Carolina Morishita.

Também de acordo com o MPF, apenas 10.885, o equivalente a 34%, das 31.755 famílias cadastradas, receberam algum tipo de indenização até agosto de 2020. O Promotor de Justiça em Minas Gerais André Sperling comparou a situação com Brumadinho, onde em 2019, uma barragem da Vale também se rompeu, deixando 259 mortos. Lá, segundo Sperling, mais de 100 mil pessoas recebem algum auxílio. “Isso nunca chegou perto de acontecer na Bacia do Rio Doce. Nunca houve a oportunidade efetivamente dos atingidos estarem um pouco mais garantidos para esse processo de negociação. O que existe é que os atingidos estão desamparados”, disse.

Nesta semana, a mineradora Vale anunciou um lucro líquido de US$ 1,654 bilhão no terceiro trimestre de 2019, após um prejuízo de US$ 133 milhões no trimestre anterior. “Isso  me fez refletir que talvez nós precisemos, como sociedade brasileira e como uma comunidade mundial, refletir sobre como as pessoas podem estar hoje alegres às custas do sofrimento e do desespero dessas pessoas atingidas. Esse para mim é um terceiro desastre”, diz Silmara.

Na semana passada, a Fundação Renova também fez uma coletiva virtual para a imprensa para analisar os cinco anos da tragédia de Mariana. De acordo com o diretor-presidente da Fundação, André de Freitas, a pandemia atrasou as obras de reparação.

Mariana_MG, 01 de setembro de 2020 Fundacao RENOVA Na imagem, as obras do reassentamento do novo Bento Rodrigues Imagem: NITRO Historias Visuais
Obras do reassentamento do novo Bento Rodrigues – Divulgação/Fundação Renova/NITRO Histórias Visuais

A Fundação diz ainda que, nos quatro anos de trabalho, foram pagos cerca de R$ 2,6 bilhões em indenizações e auxílios financeiros, para as que conseguiram comprovar que sofreram danos. De acordo com Freitas, existe a barreira para atender os atingidos que não conseguem fazer a comprovação, uma vez que o Código Civil brasileiro diz que a indenização não pode ser feita sem o dano comprovado. A Renova diz ainda que realiza ações para tratar da água e do esgoto da região, além de outras medidas.

Por Mariana Tokarnia, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/10/2020