sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

O Globo – Nova agenda no meio ambiente é caminho para atrair investimentos / Editorial


Mudança de rumo no conflito com ambientalistas serviria para ajudar na retomada do crescimento

1 Jan 2020

O governo Bolsonaro tem o temerário estilo de tentar fazer na marra aquilo que foi prometido a seus eleitores, não importa se a lei é desrespeitada. Ou mesmo que não seja, mas contrarie o bom senso. A área do meio ambiente tem sido varrida por uma série de atos desmedidos, sob o comando do ministro Ricardo Salles. Entre eles destaca-se a desmontagem do sistema de vigilância e repressão para conter o desmatamento, principalmente na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo.

Pressões sobre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelo monitoramento da região por satélites, e a redução da capacidade operacional do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) são parte dessa política de desmonte. E que certamente causará problemas para as exportações do agronegócio brasileiro, barradas em retaliação aos danos causados no meio ambiente por uma exploração irresponsável dos recursos naturais sob a vista grossa do governo Bolsonaro. Concorrentes do país neste mercado devem acompanhar esses erros esperançosos em herdar clientes do Brasil. Avisos não têm faltado ao Planalto.

Esta nova política de descuido com o meio ambiente não atinge apenas a Amazônia. Documentos obtidos pelo GLOBO atestam que o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, contrariou dois pareceres de técnicos do instituto e permitiu o desmatamento de uma área de Mata Atlântica, outro bioma ameaçado — só restam intactos 12,4% da floresta nativa —, no Paraná. Bim atendeu a um recurso da Tibagi Energia a fim de erguer um canteiro de obras às margens do rio Tibagi, para a construção de uma hidrelétrica. O Ibama-PR havia acatado o diagnóstico técnico, mas Bim, numa penada, permitiu o desmatamento, por sinal executado mesmo antes de o presidente do Ibama formalizar sua decisão.

Bolsonaro deve achar que contrariou um bolsão de ambientalistas do PT aparelhados no Paraná. Mas o inventário de ataques do seu governo a políticas ambientalistas aconselha cautela antes de uma conclusão.

Encerrado o primeiro ano no Planalto, o presidente, num saudável balanço do seu trabalho e da equipe, precisaria se convencer de que seu método de governar por conflitos, muito visível no meio ambiente, prejudica a imagem do país e, por decorrência, retarda a atração de investimentos pesados.

Faz o papel de oposição a si mesmo, no momento em que a economia sinaliza que deverá decolar.

Já comeu sua dose de veneno hoje? A controversa lista da Anvisa!

 

 

Já comeu sua dose de veneno hoje? A controversa lista da Anvisa!


por Samyra Crespo, especial para a Envolverde – 

Já tinha um texto pronto sobre o “varejo sustentável”, mas diante do impacto do relatório recém divulgado da ANVISA que afirma ter analisado 4,6 mil amostras coletadas em supermercados em 77 cidades e concluído que mais de 70% dos alimentos amostrados são “seguros”, mudei o rumo da prosa – e resolvi escavar mais fundo essa confortável superficialidade de achar que então a “farra dos agrotóxicos” (cerca de 330 liberados em pouco mais de um ano) é histeria de ambientalista. Não é.

Para ajudar a situar adequadamente o quesito “segurança” vou utilizar o texto de alguém que conhecia a indústria agroquímica por dentro, tendo a ela servido por anos. Até que deu um “basta!” e se tornou um dos mais aguerridos denunciadores do envenenamento diário, letal e sistemático dos agrotóxicos.

Falo de José Lutzemberger (1926-2002) que fundou há mais de 4 décadas o instituto AGAPAN – ONG, e mais tarde, em 1987, a Fundação Gaia, ambos no sul do País. Missão? Revelar para os leigos o que a danosa prática do uso repetido e crescente dos agrotóxicos nas lavouras faz com o meio ambiente e com a saúde humana. Foi um precursor incansável. Conhecia os meandros da indústria e seu marketing agressivo. Agrônomo e químico formado (experiente) sabia identificar nas fórmulas os elementos perigosos. Trabalhou na indústria de grande porte e internacional. Sabia bem como operam essas fábricas de morte.

Lutz, como o chamávamos – como a um tio mais velho – além de palestras deixou inúmeros artigos publicados em jornais e revistas, ainda úteis para entender a problemática.

Chegou a ministro do Meio Ambiente, em meio ao turbilhão da Rio 92 – mas foi defenestrado. Sua franqueza ao denunciar a corrupção no Brasil num seminário internacional, selou sua sorte no então Governo Collor.

Lanço mão aqui de um texto seu, muito instrutivo, que está num pequeno livro de bolso da LPM: Manual de Ecologia – do Jardim ao Poder. O livro é uma coletânea e foi publicado e 2004, após sua morte.

Ele fazia um distinção fundamental entre os “domotóxicos” (inseticidas domésticos) e os “agrotóxicos” usados massivamente na produção de alimentos.

Para se ter uma ideia do tamanho do que estamos enfrentando, nos diz Lutz: “a presença dos agrotóxicos está no campo, na floresta, no silo e no alimento; aditivos para efeito conservante ou cosmético, hormônios, sulfas, antibióticos, arsênico, corantes e uma enxurrada de outros elementos que são dispersados no ambiente aéreo, nos efluentes líquidos, que percolam e atingem os rios, o solo, o mar. ” Uma centena de venenos mutagênicos. Que atingem a flora, a fauna e a nós, humanos.

Quanto aos inseticidas domésticos, ele se insurge contra a “falsa segurança ” veiculada pelos anúncios que mostram bebês dormindo tranquilos no berço após a borrifagem de sprays sabidamente venenosos: ” Noite após noite a criança é submetida à inalação, durante anos, de carbamatos, dicloros, diazinon, ácido crisantêmico, que podem atacar o sistema nervoso central, o respiratório, o imunológico “.

Depois nos perguntamos porque a criança é insone, asmática, alérgica.
Quando a ANVISA nos diz que 23% das amostras de alimentos analisados apresentavam resíduos de agrotóxicos e que “apenas” 17% indicavam níveis acima do permitido, o que isso quer dizer?
Foram analisados arroz, beterraba, goiaba, uva, abacaxi, uma lista grande (que pode ser obtida juntamente com o Relatório).

E se nós estivermos entre os 17% de infelizes consumidores? Estamos numa roleta russa? Um jogo de azar? É aceitável este nível de incerteza?

O problema com os agrotóxicos – e é este mesmo o nome pois “defensivo” é outra coisa – está não só no excesso que encontramos nos alimentos mais consumidos, mas o “efeito cruzado” entre eles, nos alerta Lutz, profundo conhecedor do assunto, repetimos.

Não dispomos de estudos conclusivos, porque muitos dos efeitos são ignorados, sobre a “química” que ocorre nos organismos vivos com o cruzamento dessas substâncias. Estudos vem relacionando o glifosato ao fenômeno do autismo e até do Alzheimer. Inúmeros cânceres, tumores e deficiências hepáticas estão no rol dos tristes resultados da ingestão destes elementos químicos e do seu efeito cruzado.

Vocês podem me perguntar, ao final dessa alarmante leitura, o que fazer?

Se puder, corra para orgânicos. Lute pela transparência e correta atuação da ANVISA. Apoie o movimento do “Diga não ao veneno no seu prato”.

Denuncie os abusos da indústria agroquímica e sobretudo não caia no papo de que este Ministério da Agricultura está cuidando da sua segurança ou a de seus filhos. Não está.

Quanto à industria, bem, ela tem um negócio de mais de um trilhão de dolares para defender. E muito dinheiro para financiar seu funesto lobby.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.
#Envolverde

Manchas de óleo voltam a aparecer no litoral do Ceará


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Manchas de óleo voltam a aparecer no litoral do Ceará

Desde outubro ocorrência não era registrada no Estado.


por Luciano Nascimento | Agência Brasil

Manchas de óleo voltaram a aparecer em praia do litoral do Ceará entre a noite de domingo (29) e a manhã de segunda-feira (30). A informação foi confirmada pelo Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), que acompanha o vazamento de óleo nas praias do Nordeste e Sudeste desde o fim de agosto. De acordo com o GAA, foram encontrados resíduos de óleo na praia de Caetanos de Cima, no município de Amontada, e na praia de Apiques, localizada em Itapipoca, ambas no litoral Oeste do Ceará.

Desde outubro a ocorrência de manchas não era registrada no litoral cearense. De acordo com o GAA, formado pela Marinha, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Petróleo (ANP), amostras do material estão sendo enviadas para análise no Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM) a fim de identificar o tipo de óleo.

“Participam do recolhimento dos vestígios de óleo militares da MB [Marinha do Brasil], membros do Ibama, da Defesa Civil e voluntários, sob coordenação do GAA. Mais militares estão sendo mobilizados para limpeza das áreas não habitadas das praias”, informou o grupo em nota.


O mais recente levantamento do Ibama, divulgado na última sexta-feira (27), mostra que o óleo atingiu 980 pontos, em todos os nove estados do Nordeste, além de praias nos estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro.

Estudo técnico aponta impactos das mudanças climáticas em DF, Goiás e Minas Gerais Notícia

Estudo técnico aponta impactos das mudanças climáticas em DF, Goiás e Minas Gerais

A partir de modelagens brasileiras e internacionais, estudo apontou diferentes cenários impostos pelas mudanças climáticas até 2100, como tendência de elevação da temperatura, umidade relativa do ar mais baixa, menor quantidade de chuvas, entre outros.

De acordo com Chou Sin Chan, coordenadora técnica do estudo, a baixa umidade no Distrito Federal deve ser agravada nas próximas décadas. “A tendência é de redução da umidade relativa do ar dos atuais 35% a 55% para 20% a 45% no final do século.”

O documento é parte de projeto coordenado por Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações em Parceria com Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
ONU
Vista aérea de Brasília. Foto: Agência Brasil
Vista aérea de Brasília. Foto: Agência Brasil

A Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal apresentou no início deste mês (6) em Brasília estudo técnico com projeções climáticas para o Distrito Federal, 29 municípios de Goiás e quatro de Minas Gerais. A análise foi apresentada a representantes da academia, de órgãos do Governo do Distrito Federal (GDF) e da sociedade civil.

A partir de modelagens brasileiras e internacionais, o estudo apontou diferentes cenários impostos pelas mudanças climáticas até 2100, como tendência de elevação da temperatura, umidade relativa do ar mais baixa, menor quantidade de chuva concentrada em períodos mais curtos, mais tempestades e estação seca mais prolongada. A pesquisa também considerou nove bacias hidrográficas inseridas na região.

Realizado pelo Centro de Gestão de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (CGPDI), com supervisão da SEMA-GDF, o estudo integra o projeto CITinova, coordenado nacionalmente pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

“É uma das entregas muito importante do CITinova, que tem essa intenção de promover estudos e inovações que auxiliem gestores na tomada de decisões na perspectiva de cidades sustentáveis”, afirmou Alexandra Reschke, coordenadora técnica do projeto.

Acompanhado da atualização do inventário de emissões de gases de efeito estufa no DF, esse trabalho irá subsidiar a elaboração da estratégia de “Enfrentamento às Mudanças do Clima do Distrito Federal”, inserida nos Planos de Adaptação e de Mitigação, em desenvolvimento pela SEMA.
Presente no evento, o secretário do Meio Ambiente, Sarney Filho, destacou que o prognóstico vai possibilitar a adoção de políticas públicas voltadas para a mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças do clima.

Ao relembrar a crise no abastecimento de água enfrentado pelo DF em 2017, o secretário afirmou que a consequência mais grave será a insegurança hídrica. “Daí a importância de sabermos os cenários que nos esperam para buscar, desde já, soluções.”

Para Rodrigo Braga, da Coordenação Geral do Clima do MCTIC, o diagnóstico é um primeiro passo para que iniciativas sejam tomadas. Esse diagnóstico irá permitir que “gestores públicos, o setor privado e a sociedade civil tenham elementos para um planejamento de longo prazo”, complementou Nazaré Soares, coordenadora técnica do projeto no âmbito da SEMA-GDF.

As projeções climáticas auxiliarão também análises como o impacto das mudanças do clima nas bacias hidrográficas, nos usos múltiplos da água, na energia, nas atividades agropecuárias e no uso do solo, dando suporte à atuação do Governo do Distrito Federal.

De acordo com Chou Sin Chan, coordenadora técnica do estudo apresentado, a baixa umidade no DF deve ser agravada nas próximas décadas. “A tendência é de redução da umidade relativa do ar dos atuais 35% a 55% para 20% a 45% no final do século.”

Para a coordenadora geral da pesquisa, Iracema Cavalcanti, uma das recomendações possíveis a partir dos resultados é a necessidade do aumento da vegetação. “Nas imagens dos mapas vemos grandes extensões com cobertura de arbustos e gramíneas, e poucas árvores”, disse.

Em relação às chuvas, os índices de precipitação mostram, com confiabilidade média a alta, uma redução na precipitação anual acumulada, um aumento do número consecutivo de dias de estiagem e uma redução do número de dias consecutivos chuvosos, comparado ao período histórico, em todas as áreas pesquisadas.

Os índices de temperatura indicam, com alta confiabilidade, uma redução no número de noites frias, aumento no número de noites quentes, redução no número de dias frios e aumento dos dias quentes. No final do século, as temperaturas poderão subir 3 graus Celsius em relação ao período histórico, entre 2 e 5°C no cenário mais otimista e entre 6 e 8°C no pior cenário.

Metodologia

A pesquisa regionalizou os resultados de quatro modelos climáticos globais (MIROC5, HadGEM2-ES, CanESM2 e BESM) por meio do modelo Eta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Foram também utilizados dois cenários de emissão de gases de efeito estufa, propostos pelo IPCC no seu Quinto Relatório: RCP4.5 e RCP8.5, com análises para três períodos futuros: 2011 a 2040, 2041 a 2070 e, 2071 a 2099.

Como referência, foi utilizada a climatologia oficial do Brasil, considerando-se o período entre 1961 e 1990 e as variáveis meteorológicas de temperatura do ar, precipitação, vento, umidade relativa e radiação solar à superfície terrestre. A resolução espacial utilizada variou de 20 a 5 km para toda a região o que, em termos de estudos de clima, representa altíssima resolução.

CITinova é um projeto multilateral realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), com apoio do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), implementação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), e executado em parceria com Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES) e Porto Digital, em Recife; Secretaria do Meio Ambiente (SEMA/GDF), em Brasília; Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e Programa Cidades Sustentáveis (PCS).

Com informações da Assessoria de Comunicação da SEMA-GDF

Da ONU Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/01/2020

Estudo técnico aponta impactos das mudanças climáticas em DF, Goiás e Minas Gerais, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 2/01/2020, https://www.ecodebate.com.br/2020/01/02/estudo-tecnico-aponta-impactos-das-mudancas-climaticas-em-df-goias-e-minas-gerais/.

Crescimento econômico e custos ambientais: Sempre uma relação polêmica

Crescimento econômico e custos ambientais: Sempre uma relação polêmica, artigo de Marcus Eduardo de Oliveira

sustentável vs insustentável
[EcoDebate] O comentário a seguir feito pelo notável José Goldemberg, uma década e meia atrás, além de oferecer uma analogia sugestiva que facilita o entendimento de como chegamos a esse atual modelo de civilização insustentável do ponto de vista ecológico, ainda permite questionar a ideologia do crescimento econômico como um todo: “Economias vibrantes significam mais ´progresso`, empregos, melhores salários e as amenidades que o dinheiro pode comprar. Apesar de centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo continuarem abaixo da linha de pobreza, outras centenas de milhões progrediram, sob muitos pontos de vista, no último século. Este progresso tem um custo ambiental, porque à medida que o consumo aumenta é preciso ampliar a área dedicada à agricultura, construir novas indústrias, estradas e outros meios de comunicação. É impossível ter isso tudo sem interferir no meio ambiente em que vivemos”. (1)


Pois bem, sem tirar os olhos do que se passa na conturbada província da economia – notadamente quanto ao fato de o crescimento econômico pautar o estilo de vida dominante nas modernas sociedades industriais – é possível afirmar, sem exagerar na dose de otimismo, que tem diminuído o número daqueles que colocam em dúvida que o alcance de “progresso” promove sérios e impactantes “custos ambientais”, cabendo citar, entre outros, a exaustão crescente dos recursos naturais, a avassaladora perda de biodiversidade, o aumento da poluição do ar e da água, a degradação dos solos, o aumento do desmatamento (desflorestamento) facilitando tanto a expansão do agronegócio como a especulação fundiária e o comprometimento dos ecossistemas. 

Situações que aumentam, grosso modo, o peso e as complexidades que cercam o modo de viver da comunidade humana; principalmente das populações mais vulneráveis, vítimas em potencial dos “custos sociais” da sociedade industrial de crescimento. 

Cabe reforçar: esse progresso orientado pelo crescimento econômico definido pelo aumento do PNB per capita, desde há muito tem sido colocado pelas forças produtivas como a única possibilidade de fazer avançar a vida social moderna, fortalecendo a ideia-corrente (peça-chave) de que, se a economia global se tornar cada vez maior, a sociedade contemporânea estará melhor. Ao consolidar a busca de crescimento econômico ininterrupto como algo extremamente relevante – não importa o que cresça, como cresça e para quem cresça, desde que cresça de forma acelerada, assim opinam seus proponentes – a economia convencional, de imediato, coloca em curso a lógica do mercado, ou seja, “transforma” a vida social numa experiência de duas ordens, a produtivista e a consumista; como “se a sociedade não fosse nada além de uma grande linha de produção”, como escreve o historiador holandês Rutger Bregman. (2). 

Obviamente tudo isso é feito sem que se leve em conta – e aí está um primeiro erro crasso – um pressuposto básico, a existência de limites dada pela natureza (matriz de tudo) à expansão da atividade humana. Como a expansão econômica, a rigor, não ocorre com a justa finalidade de atender exclusivamente as ilimitadas necessidades da comunidade humana (algo impossível, dada a finitude de recursos), mas sim para continuar “alimentando” a lógica capitalista – acúmulo de capital e do consumo, privilégio para que poucos acessem à riqueza, mais lucros, e muito mais resultados econômicos -, a partir daí se constrói com relativa habilidade a falsa promessa de que a conquista material, per si, cumpre o papel de facilitar a ascensão social de cada indíviduo; como se a demanda da humanidade por coisas materiais não ultrapassasse a capacidade de reposição do planeta.

Ora, aceitar que é possível crescer materialmente (de forma ilimitada) sem afetar ou comprometer a base de recursos da natureza é ignorar a assertiva de que a atividade econômica – observando-se o processo linear, isto é, extrai-produz-descarta-polui – é apenas um subsistema de algo maior, o meio ambiente. Insistir na crença de que é plenamente possível um crescimento econômico contínuo (ideologia dominante) é menosprezar, em partes e no todo, a causa ecológica, principalmente a necessidade cada vez mais premente do equilíbrio planetário e o consequente respeito aos limites ecológicos.Desnecessário dizer que isso dificulta converter o desenvolvimento (condição almejada por todos porque responde pela melhoria dos padrões de vida social) em três fundamentais esferas: numa tarefa economicamente eficiente; num padrão socialmente includente e, por fim; numa visão ecologicamente equilibrada.

Assim, cabe deixar em evidência que o problema se agrava um pouco mais porque, uma vez obcecados pela busca de crescimento econômico (ponto medular da macroeconomia convencional), os proponentes do modelo econômico dominante não hesitam em tratar a Terra (e tudo o que nela contém) de duas maneiras bastante grotescas. Primeiro, como um gigantesco reservatório (espécie de fonte) de recursos naturais para “alimentar” a fome voraz de mais crescimento; e, em segundo, como um depósito (espécie de fossa) para descarregar os resíduos tóxicos do processo de industrialização. 

Falando às claras, é dado perceber que tudo acontece como se de fato vivêssemos num Reino da Fantasia, onde o meio ambiente (environment) (3) fosse um imenso “banco” de recursos naturais em que se pode ir lá e fazer frequentes e exaustivas retiradas (recursos, energia) para abastecer a industrialização gananciosa do mundo atual; como se o processo econômico pudesse mesmo “funcionar” livre, leve e solto, sem troca contínua com o meio ambiente. Note-se que isso pressupõe ignorar (mais um erro crasso) que as atividades econômicas estão limitadas pela capacidade de carga dos diferentes ecossistemas da Terra. Não considerar os limitados recursos ecossistêmicos como uma restrição à expansão econômica, ouso acreditar, equivale a ignorar que a desejável qualidade de vida (o bem viver) depende sobretudo da diminuição da pegada ecológica. 

Uma vez alcançado esse ponto, é bom que se esclareça algo central: o fluxo de benefícios produzidos por um ecossistema inclui funções essenciais para a sobrevivência dos humanos e de outras espécies, o que implica dizer, sem delongas, e para contragosto das forças dominantes, que o “que” realmente sustenta a vida na Terra são os ecossistemas. 

Sem os serviços ecossistêmicos, isto é, sem a disponibilidade de água potável, a regulação do clima, a biodiversidade, a fertilidade do solo etc, não há produção de absolutamente nada; tampouco há alguma maneira possível de a vida (como a conhecemos) prosperar com alguma qualidade ou ainda de a economia existir, no que toca à sua tarefa principal, crescer transformando recursos em produtos.

E para que não mais se fira à inteligência com o tosco argumento corrente de que a melhoria do padrão de vida passa indubitavelmente pelo aumento da capacidade de produção econômica, insisto num argumento bastante simples de ser entendido: não é possível (nem mesmo imaginável) conceber uma economia dissociada da natureza, visto que não há (eis outra impossibilidade) atividade econômica e humana sem uso de água, energia, matéria, fotossíntese ou uso de solos e pradarias, por exemplo. 

De tal modo, não deixa, assim, de ser curioso senão paradoxal, ouvir o argumento em voga dos economistas do crescimento (apóstolos do expansionismo industrial e êmulos à ideia de prosperity without growth) de que o principal fundamento da macroeconomia pode sim, a bel-prazer, se esparramar por aí sem, no entanto, implicar em significativos custos ambientais. Ora, é preciso convir que isso violenta de tal maneira a realidade que chega a causar indignação. 

É difícil imaginar que a ideia de crescimento (verdadeiro dogma da modernidade) não compromete da pior forma possível a natureza, quando se sabe que o ato de produzir, na verdade, é uma ação de transformação, como foi dito acima. Assim como é igualmente difícil imaginar que o crescimento, sozinho, é capaz de assegurar tanto a prosperidade quanto a manutenção do mundo vivo, quando “amparado” sob a perspectiva do conhecido e propagado termo sustentável

Vem daí uma primeira pergunta básica: como sustentar (no sentido direto de manter o equilíbrio, a resistência) um constante crescimento (verdadeiro oximoro, registre-se) da produção econômica que ocorre “dentro” de um sistema complexo, a Terra, que, além de ser dotada de recursos limitados, jamais aumentará de tamanho? 

Dito isso, é oportuno lembrar (desejando ressaltar) que a economia é um sistema aberto inserido num sistema finito e materialmente fechado (a Terra) que somente se “abre” para a energia solar. Falando de forma simples, assim é a Terra, um “corpo” finito e não crescente que recebe um fluxo de energia (luz solar) e devolve calor dissipado. Portanto, quero crer que está muito claro que o crescimento ininterrupto de um subsistema (a economia) dentro de um “corpo finito” é, pois, uma impossibilidade. 

E cada vez que se aproxima dos limites planetários, esse “crescimento” se converte – vale enfatizar essa passagem – num fator gerador de desequilíbrio e custo. O custo advém do fato de a economia ser um sistema dissipativo sustentado por um fluxo metabólico, como escrevem José Eli da Veiga e Andrei Cechin. (4) 


Vale o esforço da explicação: metabolismo social (ou metabolismo socioambiental) deve ser descrito como a troca energética e de material entre os seres humanos e seu meio ambiente natural, aproximando-se do nível de esgotamento do capital natural e devolvendo ao mundo vivo todas as formas de poluição, sem que levante preocupações acerca da possibilidade de regenerar o ambiente natural. Ocorre que todo esse processo de fluxo metabólico se inicia com a utilização e consequente escasseamento dos recursos naturais e, como é fácil presumir, termina com a devolução à natureza de mais poluição.


Mas não estranhe: tudo isso, de certa forma, ainda é um assunto nevrálgico que permanece quase que ignorado pela economia convencional (neoclássica, no uso rigoroso do termo) que insiste em observar o meio ambiente, a biosfera, apenas como “partes” da macroeconomia; daí a relutância em responder, por exemplo, algumas outras perguntas básicas, tais como: i) que ritmo de crescimento é possível?; ii) quanto se pode tirar de recursos da natureza e quanto se pode devolver de resíduos ao ambiente natural via atividade econômico-produtiva, ou seja, mais produção, mais transformação de recursos e muito mais energia dissipada (maior entropia)?; iii) como conciliar a voracidade da produção econômica num mundo ecológico limitado e como combinar a verdadeira prosperidade (desenvolvimento, e não crescimento) almejada por todos sem destruição ecológica provocada justamente pela política de crescimento?

Detalhe importante: como reconhecidamente estamos num sistema de economia que se especializou em desarranjar os processos naturais essenciais para a manutenção da vida no planeta, e dado o claro predomínio da “ditadura do PIB/PNB” (indicadores associados ao desempenho econômico e ao sucesso das nações) que até mesmo visa orientar o destino humano, cada vez fica mais difícil em nossas relações cotidianas assimilar a orientação deixada pelo pensador austríaco Ivan Illich (1926-2002) de que precisamos nos desacostumar ao crescimento. 

De um tipo de crescimento, reitera-se, inclinado a aumentar o tamanho da economia, e nem tanto em melhorar essa economia; por isso a pergunta lançada recentemente pelo venerável Joseph Stiglitz merece todo o destaque possível: de que vale o PIB crescer, se a maior parte dos cidadãos está pior? (5)

Para aumentar a dose de provocação convém levantar outra indagação: de que vale estimular o aumento quantitativo (essência do crescimento) quando não raras vezes se secundariza o fator qualitativo (essência do desenvolvimento)? Aos fervorosos devotos da política de crescimento, convém lembrá-los, nesse meio-tempo, que foi o próprio Simon Kuznets (1901-1985), criador do PIB, no começo dos anos 1960, que taxativamente afirmou que é (…) preciso levar em conta distinções entre quantidade e qualidade de crescimento, entre custos e rendimentos, entre curto e longo prazo. Foi Kuznets que didaticamente assim escreveu: “metas de crescimento devem especificar o que deve crescer e para qual fim”. (6) 

De certo modo, isso é uma agressão ao modo de pensar dos arautos do crescimento, haja vista que “a ideia de uma economia que não cresça é anátema para o economista”, como escreve o britânico Tim Jackson; assim como, continua ele escrevendo, “uma economia de crescimento contínuo é anátema para o ecologista”. (7)

Polêmicas à parte, importa dizer que essa tensão retórica (tornando válido esse termo) se deve ao fato (ao menos assim se supõe) de o crescimento da economia ser visto como a pedra angular da ideia de progresso social, o que ajuda a consolidar o sentimento defendido pelos economistas com visão de mundo utilitarista – herdeiros de J. Bentham (1748-1832) – de que não há nada mais além da expectativa do crescimento econômico; como se isso fosse, note-se bem a abrangência do assunto, a razão de tudo.

Dado o que já foi colocado aqui, à luz de razoável bom senso parece mesmo que o jornalista econômico David Pilling tem toda a razão quando provocativamente afirma que “só na economia a expansão interminável é vista como virtude. Em biologia, isso se chama câncer”. (8)
 
No entanto, o problema e a tensão persistem. Como tudo é mercantilizável (por isso o PIB mede somente a parte da economia que é mercantilizada), e enquanto se avança no erro de confiar ao mercado o cuidado da sociedade e da vida das populações, um tanto mais se consolida o erro (outro) acintoso de sempre exigir crescimento infinito num planeta finito, como se realmente isso fosse possível e realizável. Objetivamente falando, acreditar nessa possibilidade (que não faz sentido) é cair na estupidez de conjecturar que a economia acontece no vazio, sem fazer uso de matéria e energia vindas da natureza. E mais: é ignorar a possibilidade de que, em alguns casos, pode ocorrer aquilo que Herman Daly chama de “crescimento antieconômico”; isto é, quando os custos costumam ser maiores que os benefícios. 

Assim, para o bom entendimento, é válido ter em conta que o crescimento econômico vai só até certo “ponto” (desconhecido). Uma vez ultrapassado esse “ponto” não há melhorias, mas sim perdas significativas, começando pela qualidade do ar que respiramos e pela devastação ambiental, afetando sobretudo a qualidade de vida nas cidades.
Se há então algum edificante conselho a ser seguido, esse certamente deve ser o de parar (dar um stop) a atividade econômica no momento exato em que os custos novos se igualam aos novos benefícios; nesse caso, abusando do “economês”, se diz que o custo marginal é igual ao benefício marginal.

Exposto isso, a conclusão de imediato soa assim: crescimento além dos limites do planeta é sinônimo de desequilíbrio imposto ao meio ambiente. Mais economia (produção de qualquer coisa) significa menos meio ambiente; mais crescimento implica em menos natureza, uma vez que, goste-se ou não, “todo crescimento sempre é uma depleção”, nos ensina José Eli da Veiga. 

Aliás, é bom que se diga que qualquer crescimento que ultrapassa “limites” (seja qual for a delimitação em questão) tende a gerar problemas. Isso acontece até mesmo com o corpo humano (a acromegalia é um exemplo disso, principalmente quando ocorre na infância ou na adolescência). Na economia não é diferente; na natureza também não o é. A propósito, escreveu Nicholas Georgescu-Rogen (1906-1994): não há nada na natureza que cresça continuamente de forma saudável. (9) 

Por fim, fica aqui o profícuo recado deixado tempos atrás por dois dos nomes mais representativos da militância ecológica brasileira, Antonio Lago e José Augusto Pádua. Escreveram eles: “A ecologia nos mostra a dimensão dos riscos que estamos correndo, cabe a nós construir as oportunidades” (10). 

Construir as oportunidades, ouso opinar, implica imaginar meios de reorientar os rumos do planeta, procurando construir o quanto antes uma nova economia devidamente combinada à conscientização ecológica. Talvez assim consigamos preparar as bases de uma civilização verdadeiramente humana.

Notas:
(1) J. GOLDEMBERG. “Progresso e meio ambiente”, artigo publicado em O Estado de S. Paulo, 18 de abril de 2006
(2) R. BREGMAN. “Utopia para realistas – Como construir um mundo melhor”. São Paulo: Sextante, 2018, (p.101)
(3) Usando a definição empregada pelas Nações Unidas, MEIO AMBIENTE é o conjunto de componentes físicos, químicos, biológicos e sociais capazes de causar efeitos diretos ou indiretos, em um prazo curto ou longo, sobre os seres vivos e as atividades humanas.
(4) A. CECHIN & J. E. VEIGA. O fundamento central da Economia Ecológica”, in PETER H. MAY (Org.), “Economia do Meio Ambiente: Teoria e Prática”, 2° edição, Ed. Elsevier, 2010
(5) J. STIGLITZ. “People, Power and Profits – Progressive Capitalism for an Age of Discontent. Nova York: W. W. Norton & Company, 2019
(6) S. KUZNETS. “How to Judge Quality”, The New Republic, (October 1962)
(7) T. JACKSON. “Prosperity without growth: economics for a finite planet”. London: Earthscan, 2009, (p.4)
(8) D. PILLING. “A ilusão do crescimento”, São Paulo: Alta Books Editora, 2019, (p.14)
(9) N. GEORGESCU-ROGEN. “The entropy law and the economic process”. Cambridge: Harvard Univesity Press, 1971
(10) A. LAGO & J. A. PÁDUA. “O que é ecologia”. Coleção Primeiros Passos, ed. Brasiliense, 18° reimpressão, 2017, (p. 43)
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). Autor de “Economia Destrutiva” (ed. CRV) e “Civilização em desajuste com os limites planetários” (ed. CRV), entre outros.

Correio Braziliense – A virada ambiental/ Editorial


O ano que se inicia, hoje, será crucial para o Brasil e o mundo quando o assunto é preservação do meio ambiente. Não são poucas as vozes governamentais e sociais, aqui e no exterior, que continuam e continuarão a defender, com todas as armas disponíveis, a preservação ambiental. 

Apesar das poderosas forças que desprezam a realidade e pregam o negativismo, ao não reconhecer que o bem-estar da população mundial depende de um meio ambiente sadio. Fortes interesses econômicos tentam desconstruir a argumentação científica, provada em incontáveis foros internacionais, de que ocorrerá um colapso climático se não houver o comprometimento das nações com o efetivo controle das mais variadas agressões à natureza.


Se a COP-25 (Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas), realizada na Espanha, no mês passado, pode ser considerada um fracasso, há grande expectativa de que o mesmo não aconteça este ano, na COP-26, que ocorrerá em Glasgow, na Escócia, em novembro. A conferência na capital espanhola não alcançou seu objetivo principal, que era de tornar mais amplas as metas de combate às mudanças climáticas em 2020, como estipulado pelo Acordo de Paris. No acordo firmado em 2015, em solo francês, os 195 países signatários, incluindo o Brasil, se comprometeram a impedir que a temperatura da Terra subisse mais de 1,5 grau Celsius até o final deste século.

O que preocupa a comunidade científica é que as previsões não são nada otimistas. Elas revelam que, se medidas concretas não foram tomadas a tempo, a elevação dos termômetros será muito maior. A realidade vem mostrando aos líderes mundiais que não se pode mais protelar as ações de combate às mudanças do clima. Espera-se que, na capital escocesa, os países que firmaram o Acordo de Paris, finalmente, cumpram o acertado há quatro anos: a regulamentação do mercado de carbono.

Países como o Brasil, Austrália e Estados Unidos — os norte-americanos deixaram o pacto por decisão do presidente Donald Trump, mas só saem, efetivamente, este ano — talvez mudem de opinião e participem da regulação do mercado de carbono, fundamental para o controle da emissão dos gases do efeito estufa, que provoca o aquecimento global. As nações não podem se furtar à responsabilidade de defender o meio ambiente e, consequentemente, a contenção das modificações que o clima vem sofrendo nos últimos tempos, com o processo de industrialização se expandindo por todos os continentes.

Inegável que a interferência descontrolada do homem sobre o clima é sentida em todo o mundo. Hoje, são cada vez mais devastadores os incêndios florestais, as secas prolongadas, os processos de desertificação e as enchentes que provocam mortes e destruição. E o Brasil, que, ao longo dos anos, construiu uma sólida imagem de país comprometido com a preservação da natureza e o controle dos agentes poluidores, não pode jogar fora patrimônio construído com tanta dificuldade.?