quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Tentativa de ataque à legislação ambiental é adiada na Câmara




16 Agosto 2017   |   
Manobras de obstrução de deputados de oposição ao governo de Michel Temer (PMDB-SP) impediram que fosse votado nesta quarta-feira (16) substitutivo do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) para a Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004).

O texto, em tramitação na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados, praticamente extingue o licenciamento ambiental no país, segundo avaliação de especialistas.

“Se aprovado, o substitutivo de Mauro Pereira se tornará o maior retrocesso da história da política ambiental brasileira”, avalia o coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel de Souza Santos.

Na apresentação feita por Pereira, ficam claros os objetivos do parlamentar: “Espera-se que, com a aprovação e entrada em vigor da Lei Geral, o licenciamento ambiental não seja mais encarado como um entrave burocrático e impeditivo ao desenvolvimento”.

A votação, marcada para essa quarta-feira (16) na CFT foi suspensa depois de mais de cinco horas de reunião, quando teve início a ordem do dia no Plenário da Câmara, o que impede, regimentalmente, a continuidade das sessões nos outros colegiados da casa.

A análise do parecer – alvo de uma série de críticas inclusive de integrantes do governo, especialmente da área ambiental – ficou adiada para a próxima quarta-feira (23). O deputado Pauderney Avelino (AM), vice-líder do DEM na Câmara, uma das bancadas mais importantes da base de apoio de Temer (e partido do presidente da casa, Rodrigo Maia), se manifestou contrário à votação do projeto na sessão dessa quarta.

“Não dá para entender que podemos fazer a votação dessa matéria da forma como está no relatório”, disse, ao apoiar a realização de uma audiência pública para debater a questão, proposta pelo deputado Esperidião Amin (PP-SC), mas não acolhida pela comissão.

A presidente do Ibama, Suely Araújo, publicou parecer criticando o substitutivo. “Há, ainda, pontos com problemas sérios na versão do Relator datada de 08/08/2017. Há imprecisões e omissões, bem como retrocessos em relação à legislação em vigor. Se a lei for aprovada com esses problemas, consideramos que será gerada insegurança jurídica, colidindo com os objetivos da Lei Geral”, escreveu.

A base do governo, porém, tem pressa em encerrar o assunto.  “Vamos votar, pelo povo brasileiro, porque temos bilhões de dólares e de euros que querem ser investidos no país e não tem norma, não tem padrão. Quem quer produzir não consegue”, argumentou o deputado Leonardo Quintão (PMB-MG).

De acordo com levantamento publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, o parlamentar é líder em doações recebidas por empresas mineradoras, entre elas Vale e BHP, controladoras da Samarco, responsável pelo rompimento de uma barragem de rejeito que matou 19 pessoas em Mariana (MG) em 2015. De acordo com o jornal, ele recebeu R$ 1,4 milhão em doações diretas e indiretas. O setor de mineração seria um dos beneficiados pelo texto de Mauro Pereira, que permite, por exemplo, a atividade em unidades de conservação.

O deputado ruralista Luis Carlos Heinze (PP-RS) também se manifestou a favor do relatório de Mauro Pereira. “Nenhum país do mundo tem legislação ambiental tão restritiva”, disse, assumindo que a tentativa é de diminuir as exigências. Heinze ganhou notoriedade depois de aparecer em vídeo de audiência pública no Rio Grande do Sul afirmando que quilombolas e índios, além de gays e lésbicas são “tudo o que não presta”.

Moeda de troca

O texto de Mauro Pereira voltou à pauta depois de a bancada ruralista dar os votos necessários para evitar que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigasse as denúncias de corrupção contra Temer feitas pelo empresário Joesley Batista, da JBS. Ele teve um encontro fora de agenda com o presidente, na residência oficial de Temer, à noite, quando relatou casos de compra de membros do Ministério Público e do Judiciário, entre outros casos de suborno, envolvendo, inclusive, repasses ao próprio Temer.

Na sessão da CFT dessa quarta-feira, o deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) acusou a bancada ruralista de “chantagear” o presidente da República pela aprovação de assuntos de interesse do agronegócio, caso do substitutivo de Mauro Pereira. “A bancada ruralista não tem qualquer compromisso com o desenvolvimento do país”, disse.

“(O substitutivo) é uma tentativa de destruir as comunidades quilombolas e indígenas. A tentativa de destruir o equilíbrio ecológico e de aprofundar as diferenças sociais no país”, avaliou Edmilson.

O texto do deputado peemedebista desconsidera o que é conhecido como critério locacional. Por esse princípio, um empreendimento próximo a unidade de conservação, a área indígena, quilombola ou de outra comunidade tradicional teria critérios mais exigentes que outra em local sem relevância ambiental.

O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) acusou o governo de ceder a pressões para evitar as investigações de denúncias contra o presidente Michel Temer. “O governo vem fazendo da legislação ambiental moeda de troca para sustentar um governo que já acabou. Agora, o que o governo quer é trocar o apoio da bancada da agropecuária pela destruição da legislação ambiental brasileira”, acusou.

O texto assinado por Pereira dispensa de licenciamento atividades agropecuárias cultivo de espécie agrícola e pecuária extensiva, além de silvicultura. Também está prevista a dispensa para serviços e obras de melhoria, modernização, manutenção e ampliação de capacidade em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão de atividades ou empreendimentos.

Outro ponto sensível é o enfraquecimento dos órgãos envolvidos no licenciamento ambiental, como Funai, Fundação Palmares, órgãos de proteção ao patrimônio histórico e cultural e órgãos de gestão de unidades de conservação. O substitutivo ainda prevê o licenciamento autodeclaratório, sem que haja a necessidade de prévia aprovação do órgão ambiental.

Na avaliação de Michel Santos, a eventual aprovação do texto implicará em aumento da insegurança jurídica em torno do processo de licenciamento ambiental no Brasil. “Todas essas isenções serão alvo de ações de inconstitucionalidade. Não será bom para o setor econômico e nem financeiro”.

Competência

Os deputados de oposição ainda sugeriram que podem recorrer contra eventual aprovação do texto de Mauro Pereira na Comissão de Finanças e Tributação argumentando que o colegiado extrapolou suas competências. “O parecer inclui aspectos que nada dizem respeito à natureza desta comissão. Não podemos aprovar aqui emendas que não sejam da sua competência. Não podemos tratar do mérito de temas ambientais. O que esta comissão pode fazer é analisar do ponto de vista da sua competência, jamais fazer alterações do ponto de vista do mérito”, argumentou Molon.

O substitutivo de Pereira ainda prevê a revogação do Parágrafo Terceiro do Artigo 36 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). Na prática, a proposta acaba com a obrigatoriedade de apoio à implantação e à manutenção de Unidades de Conservação por parte de empreendimentos de significativo impacto ambiental.

Segundo Michel Santos, esse dispositivo inviabiliza os recursos de compensação ambiental para as UCs de uso sustentável e permite a instalação de empreendimentos dentro de unidades de proteção integral.

Além, disso o texto defendido pela bancada do agronegócio prevê dar total autonomia para os estados na definição das atividades que precisarão de licenciamento rigoroso ou que poderão ser apenas autodeclaratórios, chamados de licenciamento por adesão e compromisso, o que poderá criar uma guerra fiscal entre os estados, flexibilizando os critérios de licenciamento para atrair mais empreendimentos.

Para defender seu substitutivo, Mauro Pereira disse que estava “levando um presente à sociedade brasileira” e beneficiando o “setor que é um orgulho do povo brasileiro”, em referência ao agronegócio. “Temos que apoiar quem trabalha. Graças a Deus tiramos a Dilma do poder, acabamos com esse governinho”, completou. 

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