terça-feira, 29 de maio de 2018

Circuito curto de alimentos, a saída possível para evitar dependência dos transportes

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Circuito curto de alimentos, a saída possível para evitar dependência dos transportes

Por Amelia Gonzalez, G1 

Enquanto vivemos desmandos que parecem tornar infindável um movimento tão desastroso para o país como esta greve dos transportes de carga, enquanto sigo sem conseguir entender muito os vai-e-vem que põe a todos nós, brasileiros, meio atordoados com as notícias, decidi me dedicar a um exercício para imaginar como poderia ser diferente tudo isso. Como poderíamos evitar a dependência dos combustíveis, dos caminhões, dos caminhoneiros, das empresas de transportes, para nos alimentar? Como poderíamos evitar o imenso desperdício de alimentos que se tornou marca registrada dessa greve? 

Sim, é possível, e não estou me dedicando a um exercício de ficção. Há uma semana escrevi sobre o documentário "Sustainable", e meu texto focou no aspecto de saúde alimentar, uma das mensagens do filme. Mas as cenas que mostram o trabalho do pequeno produtor rural, personagem principal, entregando pessoalmente, em sua caminhonete, seus produtos para restaurantes de Illinois, me fizeram lembrar do circuito curto de alimentos, uma forma de aproximar a produção do consumo, bandeira defendida por dez entre dez ambientalistas e agroecologistas. 

E já estivemos muito mais perto disso do que vocês, caros leitores, podem imaginar.
Em outubro de 2011 fiz uma entrevista para o "Razão Social" com Renato Maluf, então presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), orgão criado pelo sociólogo Betinho nos anos 90, recuperado pelo ex-presidente Lula em seu primeiro mandato, e que agora está bastante esvaziado. Maluf, que naquela época tinha um papel importante no cenário internacional no nicho de segurança alimentar, explicou-me como seria possível escapar do circuito longo dos alimentos, aquele que provoca nossa dependência dos transportes.
"Praticar o circuito local é usar a produção de pequeno porte diversificada e promover uma circulação regional. Essa concepção de abastecimento alimentar descentralizada é fundamental, com base em circuitos curtos", disse ele.
Em 2011 estava sendo formulado um Plano de Segurança Alimentar para o país para tentar acabar com os problemas já detectados pelo Consea, um órgão bipartite (governo e sociedade civil). Entre eles, o fato de uma parte da produção do país exportada ser baseada na monocultura, o que nos põe num lugar, nada invejável nem digno de orgulho, como o país que mais consome agrotóxicos na América Latina. Temos ainda um elevado nível de mecanização; o comprometimento de biodiversidade por conta da produção agrícola e uma alta concentração fundiária, lembrou-me Maluf.
"Temos aqui ainda uma enorme quantidade de corporações internacionais e nacionais que expressam o modelo de consumo de alimentos atual, que está nos levando, entre outras coisas, a vários problemas de saúde associados à alimentação", disse-me ele.
O foco do Consea, com reuniões frequentes entre seus membros, incluindo representantes do governo, era mudar esse quadro. Para isso, o modelo agrícola defendido é o da agroecologia, uma alternativa baseada no manejo ecológico dos bens naturais, incorporando aspectos sociais, coletivos e participativos dos grupos interessados. É um enfoque que visa ao desenvolvimento rural sustentável em todas as suas dimensões. 

Recorro ao livro "Agroecologia – um novo caminho para a extensão rural sustentável" (Ed. Terra Mater), cuja edição foi coordenada por Maria Alzira Brum Lemos, para esmiuçar um pouco mais sobre o tema. O cerne da agroecologia é a agricultura familiar, instituída no país como consequência do processo de democratização nos anos 80. Na década de 90, quando foi criado o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), extinto pelo governo Temer, uma das funções do novo órgão era elaborar, propor e executar políticas públicas para o segmento da agricultura familiar. Em 2004, foi criada a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão (Pnater). 

"De acordo com a Pnater, a agricultura familiar é aquela em que os trabalhos em nível de unidade de produção são exercidos predominantemente pela família, mantendo ela as iniciativas, o domínio e o controle do que e de como produzir, havendo estreita relação entre o que é produzido e o que é consumido (unidade de produção e consumo), mantendo alto grau de diversificação produtiva, tendo alguns produtos relacionados com o mercado", escreve a engenheira agrônoma Rejane Beatriz Mendes no livro sobre Agropecuária. 

A colheita de dados para o Censo Agropecuário, Florestal e Agrícola de 2017, que pode nos dar alguma referência sobre o consumo, na mesa dos brasileiros, de produtos que são produzidos pela agricultura familiar, terminou em fevereiro deste ano. O que se sabe é que o orçamento para o setor está estagnado. Segundo informações do site do Greenpeace, o governo Temer anunciou no ano passado o Plano Safra da Agricultura Familiar 2017/2018, com valor de crédito a ser liberado aos pequenos trabalhadores rurais de R$ 30 bilhões, a mesma quantia do ano passado.
"A agricultura familiar é a verdadeira responsável pela produção de alimentos no país. Incentivar esses produtores, que já adotam sistemas mais sustentáveis de produção, é fundamental. Porém, é tudo que o governo não vem fazendo. No ano passado, a diferença de investimento entre a agricultura convencional e a agroecológica foi de 75%. Independente de quem seja presidente, o governo federal é um dos principais responsáveis pela expansão desse modelo que aplica veneno em nossa comida”, defende Marina Lacorte, da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace, no site da organização. 

Mas, já foi diferente. Em 2014, a agricultura familiar era responsável por 70% dos alimentos que chegavam à mesa dos brasileiros, um percentual que assegurava alguma tranquilidade para muitas famílias no campo. Não vamos ser ingênuos, a ponto de afirmar que o Brasil já poderia estar liderando o circuito curto de alimentos e transformando a vida dos que produzem alimentos e não fazem parte da grande cadeia de empresas da indústria alimentícia. Historicamente, somos um grande produtor agrícola com base na propriedade, desde os tempos do Brasil Colônia. Mas há caminhos que nos mostram outras possibilidades, que bom que existem. 

Para atualizar o meu pensamento, busquei notícias mais recentes sobre Renato Maluf, que hoje continua sendo professor do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Numa palestra que proferiu no ano passado, Maluf comentou sobre tudo o que vimos refletindo neste texto e me deu a possibilidade de abrir um caminho a mais. Para ele, há um meio eficaz de mudar um cenário tão desastroso para a nossa agricultura: a participação incessante da sociedade civil. 

"E ela já vem desempenhando um papel importante, ao exercer a crítica sobre as tendências do sistema alimentar dominante. Ela deve ainda criar propostas alternativas em termos de como organizar a produção de alimentos e o consumo. E se unir em associações. Temos de superar a centralização de autoridade que ocorre no estilo tecnocrático de fazer políticas públicas, a fim de ter a sociedade civil realmente engajada na elaboração e monitoramento desse processo", diz ele.

Ficamos assim, para refletir. 

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