quarta-feira, 1 de setembro de 2021

O que está ao nosso alcance diante da iminente crise climática?

 

O que está ao nosso alcance diante da iminente crise climática?

Com base no último relatório do IPCC, especialista da TNC Brasil analisa as evidências e possíveis soluções para mitigar os efeitos das mudanças climáticas

Incêndio na Califórnia (EUA), em 2021 (Foto: CALFIRE_Official)

Em meio a tantas notícias de desordem mundial, a divulgação do relatório Mudanças climáticas 2021: a base científica, com cenários catastróficos em nível global projetados para um futuro cada vez mais próximo, acabou passando quase despercebida pela população em geral. Aprovado por 195 estados membros membros do grupo de especialistas do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), o relatório foi elaborado a partir de mais de 14 mil artigos científicos.

Segundo o documento, o aumento de 1,5ºC da temperatura na superfície da Terra em comparação ao período pré-industrial será atingido em até duas décadas, independentemente do cenário considerado. Se as emissões de gases de efeito estufa (GEE) não forem reduzidas nos próximos anos, isso poderá acontecer ainda mais cedo.

O IPCC trabalhou em cinco cenários diferentes, do mais otimista ao mais sombrio. Em todos os cinco casos, o aumento da temperatura global chegaria a 1,5 ou 1,6ºC por volta de 2040, uma década antes do estimado pelo Painel há apenas três anos. Na ausência de reduções imediatas, rápidas e em grande escala das emissões de GEE, é possível ainda um aumento de 2ºC ou pouco mais.

Todas as regiões do mundo estão em risco. Cada 0,5ºC adicional de aquecimento resultará em um aumento na intensidade e na frequência dos eventos extremos. Globalmente, precipitação diária intensa e consequentes inundações devem aumentar em cerca de 7% para cada 1 grau de aquecimento global. Em altas latitudes, espera-se que a precipitação aumente; já nas latitudes menores, onde se localiza todo território brasileiro, deve diminuir.

Evidências não faltam para essas projeções: 1) na última década, a temperatura média global na superfície da Terra foi 1,09ºC superior à de 1850-1900 ; 2) os últimos cinco anos foram os mais quentes já registrados desde 1850; 3) a recente taxa de aumento do nível do mar quase triplicou em comparação com o período de 1901 a 1971; 4) a influência humana é “muito provavelmente” (probabilidade de 90%) o principal fator pelo derretimento de geleiras desde a década de 1990 e pela diminuição do gelo marinho do Ártico; 5) é “praticamente certo” que os extremos de calor se tornaram mais frequentes e intensos desde a década de 1950, enquanto os episódios de frio se tornaram menos frequentes e menos severos.

Tampouco faltam exemplos reais: ondas de calor extremo como as observadas nas últimas semanas nos países ao longo do Mediterrâneo e no oeste da América do Norte, com a temperatura alcançando 49,6ºC no Canadá; ou inundações como as que tomaram parte da Alemanha e da China; e ainda secas e incêndios florestais cada vez mais intensos e extensos na Califórnia, no Brasil e até na Sibéria.

Na ausência de reduções imediatas, rápidas e em grande escala das emissões de GEE, é possível um aumento de 2ºC ou pouco mais. (Foto: Pixabay)

Tudo isso acompanhado por perdas de vidas humanas e da fauna, aumento de problemas cardiorrespiratórios, quebras de safra e aumento do preço dos alimentos, falta de água e custo energético elevado, danos materiais e morais, entre muitos outros problemas. Ou seja, as mudanças climáticas já estão afetando o nosso dia a dia. No entanto, ainda estamos vivenciando apenas uma amostra atenuada do que pode acontecer.

Sem as alterações no clima, alguns desses eventos ocorreriam devido a outros fenômenos naturais. Mas não todos e tantos quase simultaneamente ou com tamanha intensidade. Para se ter ideia, o recorde de temperatura atingido em 2021 no Canadá, um país de clima temperado a polar, é 5ºC mais elevado que a marca anterior do país, registrada em 1937, e 5ºC maior que o recorde brasileiro, registrado em novembro de 2020 em Nova Maringá, no Mato Grosso.

Com o aumento projetado de 1,5ºC, haverá mais ondas de calor, estações quentes mais longas e estações frias mais curtas. A 2ºC, de acordo com o relatório, extremos de calor atingirão mais frequentemente limites críticos para agricultura e saúde, ciclones e tempestades tropicais devem se intensificar e eventos extremos simultâneos devem se tornar mais repetidos.

O nível médio global do mar em comparação com o período de 1995 a 2014 poderia aumentar de 0,28 a 0,55 metro no caso de emissões de GEE muito baixas, ou mesmo de 0,63 a 1,01 metro num cenário de emissões muito altas, resultando em inundações e erosão mais frequentes e severas em áreas costeiras. E a Amazônia, hoje fundamental para ações de mitigação climática, pode atingir o ponto de não retorno (o tipping point), perdendo suas características de floresta densa e sempre verde.

Número de alertas de desmatamento na Amazônia em 2021 é o segundo maior desde 2016 (Foto: Fotos Públicas)

Embora este relatório seja mais claro e contundente sobre as mudanças climáticas e suas consequências, os cientistas têm mais esperança de que, se as emissões globais forem reduzidas pela metade até 2030 e chegarem a zero líquido em meados do século, seremos capazes de parar, ou até mesmo reverter, o aumento das temperaturas.

O alcance de emissão zero líquida envolve a redução das emissões de GEE por meio de tecnologias limpas, redução do desmatamento e da degradação florestal, desenvolvimento de técnicas de captura e armazenamento de carbono em escala; e do sequestro de CO2 com o plantio de árvores e adoção de práticas de melhor manejo de solos. Nesse contexto, o Brasil, como detentor da maior área de floresta tropical do mundo e com milhões de hectares de áreas degradadas e abandonadas, sem nenhum retorno econômico ou social, tem uma contribuição protagonista a oferecer.

Mas, acima de tudo, a remoção de GEE da atmosfera requer vontade e coesão política em nível mundial. Mesmo que essa remoção ocorra de forma efetiva e rápida, a estabilização das temperaturas globais pode levar de 20 a 30 anos. Alguns dos impactos das mudanças climáticas até o momento, como perdas de geleiras e aumento do nível do mar, no entanto, já são “irreversíveis” ao longo de décadas, até milênios.

Por outro lado, o cenário pode ser ainda pior se os tomadores de decisão continuarem a ignorar as mudanças climáticas ou a adotar medidas limitadas de combate, priorizando unicamente a defesa de interesses econômicos a curto prazo.

Fonte: Galileu

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