“As alterações climáticas e a destruição do habitat não são os únicos culpados por tantos animais em extinção. O impacto da demanda dos consumidores por carne barata é igualmente devastador e é vital que enfrentemos esse problema se quisermos ter uma chance de reduzir seu efeito sobre o mundo ao nosso redor”.

A mensagem acima é de Philip Limbery, executivo da ONG Compassion in World Farming, em seu livro “Dead Zone – Where the Wild Things Were” (“Zona Morta – onde as coisas selvagens estão”, em tradução literal). Pode servir também como uma espécie de cartão de visitas do trabalho de Limbery, ativista ambiental que já conseguiu compromissos antes inacreditáveis dos mais renhidos representantes da indústria de alimentos no que diz respeito a uma consciência maior sobre a forma de lidar com animais. Por influência dele, por exemplo, o McDonald’s, uma das cerca de 800 empresas visitadas pelo pessoal de sua organização, só está usando ovos caipiras na Grã-Bretanha e em toda a cadeia localizada na Europa Ocidental.

Li um de seus artigos recentes publicado na edição digital da revista “Ressurgence & Ecologist”. Lymbery é uma daquelas pessoas que dedica a vida por uma causa mas que prefere sempre o diálogo do que o enfrentamento para fazer valer seu ponto de vista. Está sendo assim atualmente, desde quando o ativista fez uma importante ligação entre a extinção de espécies e a prática da agricultura intensiva. Foi quando visitou a praia de Boulders, na África do Sul, famosa por seus pinguins:

"Eu queria ir ver os pinguins africanos. Enquanto estava na praia, li um aviso que dizia que a grande ameaça aos pinguins era uma redução no suprimento de comida – sobretudo sardinhas e anchovas - devido à sobrepesca. Percebi, pelo trabalho que fiz no Pacífico olhando para a pescaria de anchovas para fazendas industriais, que a razão pela qual o outrora numeroso pinguim africano está agora em extinção é que estamos transportando enormes quantidades desses pequenos peixes pelágicos para fora do oceano a fim de triturá-los e fazer farinha de peixe para alimentar animais criados industrialmente. Isso deixando os pinguins - assim como os papagaios-do-mar no Hemisfério Norte - famintos. Foi um elo que me fez refletir sobre quantos vínculos mais podem existir entre a agricultura industrial, que mantém os animais enjaulados, apertados e confinados, e o fim da vida selvagem”, escreve ele no artigo.

Lymbery foi mais longe com suas reflexões a respeito dessa ligação. Para ele, alguns ambientalistas mais conservadores sempre tiveram dificuldade para fazer o link entre o gado tratado pelas indústrias alimentícias a fim de ser consumido pelo homem e seu efeito sobre o ambiente natural. Esses mesmos conservadores acreditam que o confinamento dos animais é bom para a vida selvagem, pois deixa espaço para que os bichos se espalhem mais na natureza.

“Nada pode estar mais longe da verdade, porque colocando os animais nessas gaiolas, o que se precisa fazer é guardar vastas extensões de terra arável em outros lugares para produzir alimentos para eles, o que desperdiça grande parte do valor da colheita para ser convertida em carne, leite e ovos. Para mim, isso é loucura”, desabafa ele.

Sim, as pessoas entendem que botar bichos confinados em gaiolas, como as galinhas usadas pela indústria alimentícia, é cruel, entende Lymbery. Mas agora é preciso levar adiante mais uma informação: além de cruel, também está colaborando para a extinção de algumas espécies, como o próprio pinguim africano, protagonista dessa história. Por causa disso, a organização que Lymbery coordena está lançando uma mega campanha de comunicação sobre o tema, envolvendo palestras, exposição interativa e uma Conferência que aconteceu em Londres no ano passado.

Basicamente, o que Lymbery e seu time quiseram demonstrar é que, sobretudo a pecuária industrial é um dos principais propulsores do declínio da vida selvagem.

“Nós, do movimento verde, temos obrigação de tentar parar esse processo”, diz ele no artigo para a revista.

O barulho foi feito. A conferência foi um sucesso, envolveu vários líderes das principais indústrias de alimento, e debateu também sobre o papel da pecuária nos direitos humanos. Falou-se ainda sobre as implicações da ética e da saúde humana na hora de comer animais; sobre desmatamento e emissões de gases de efeito estufa; sobre os limites planetários. Houve momento também de expor casos de inovações técnicas, incluindo hambúrgueres à base de vegetais, imitando carnede tal maneira que chegam a ‘sangrar’ com um belo suco de beterraba.

Mas teve quem criticasse o encontro. No blog Global Food Justice, a ativista ambiental Merisa Thompson tocou num ponto extremamente delicado e muito oportuno. A questão é: até que ponto as soluções apontadas em tais encontros, como esse hambúrguer de vegetais mesmo, é um caminho para uma mudança?

“Ocorre que tais 'soluções' tendem a ocorrer dentro de estruturas estabelecidas de poder, no lugar de desafiá-las”, escreveu Thompson.

Como eu disse no início do texto, Lymbery não é de comprar briga, muito pelo contrário. De qualquer maneira, vai levar adiante o assunto numa outra Conferência que está sendo preparada para acontecer em Bruxelas. Nesse encontro, vai ser debatida a necessidade de se diversificar as proteínas e a redução da dependência humana em carnes e laticínios. O fim das exportações de animais vivos, das crueldades mais odiosas que os humanos cometem, também será parte da agenda desse encontro e torço, pessoalmente, para que este tema seja debatido à exaustão, a fim de tornar a proibição uma espécie de política pública universal.

São mensagens mais do que urgentes, necessárias. Já está passando da hora de assumirmos uma conduta mais humana e respeitosa para com as vidas de outras espécies.