quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Correio Braziliense – Crônica da tragédia anunciada / Editorial


Correio Braziliense – Crônica da tragédia anunciada / Editorial


As chuvas de verão trazem sempre à lembrança o best seller de Gabriel García Márquez chamado Crônica de uma morte anunciada. A razão é simples. A morte de Santiago Nasar é divulgada na abertura do romance. Toda a cidade fica sabendo da iminência do assassinato, mas nada é feito para evitar a tragédia.

Niterói, mais uma vez, é palco de infortúnio que deixa mortos e feridos. Deslizamento de terra e pedras atingiu o Morro da Boa Esperança, na região oceânica da cidade, na madrugada de sábado. Seis casas foram destruídas e, com elas, perderam-se 15 vidas, espalhou-se o pânico e acenderam-se luzes de alerta.

O prefeito da antiga capital do Rio de Janeiro, Rodrigo Neves, classificou o acidente como “fatalidade”. Significa dizer que, em razão da surpresa, nenhuma medida preventiva poderia ter sido tomada. Trata-se, porém, de visão míope da realidade. O efeito Orloff é previsível. Basta fazer a leitura correta dos fatos.

Em abril de 2010, chuvas torrenciais provocaram catástrofe cujo saldo obriga qualquer governante a pôr as barbas de molho. Deslizamento no Morro do Bumba, na mesma Niterói, soterrou casas, matou 48 pessoas, deixou 200 famílias desabrigadas e número não definido de desaparecidos sob os escombros. Mas o horror não foi suficiente para as autoridades cuidarem das demais zonas perigosas.

O descaso (ou a aposta na boa vontade de São Pedro) não se observa só no Rio de Janeiro. Outras unidades da Federação estão com a espada de Dâmocles sobre a cabeça. Segundo o IBGE, existem 3.071 áreas de risco no país, que concentram nada menos que 8.270.127 moradores. Minas Gerais e São Paulo respondem pelo maior número de habitantes nessa situação.

Informações geográficas são importantes para subsidiar ações de redução de danos — humanos, ambientais, sociais e econômicas. É importante que os governantes recorram a elas e conjuguem o verbo prevenir em vez de remediar. As chuvas de verão — certas como o suceder dos dias e das noites, a mudança das fases da Lua ou a virada do ano em 31 de dezembro — não precisam ser sinônimo de tragédia.

Os prefeitos têm em mão o mapa dos desastres. Impõe-se planejar medidas de curto, médio e longo prazo para evitar a reprise da morte anunciada.

Deslizamento de morros, vale lembrar, não constitui novidade. É fruto da urbanização improvisada, que inchou a periferia das grandes cidades. O desafio: assentar as populações em risco em áreas seguras. Trata-se de tarefa inadiável para não dar a vez a “fatalidades”.

 

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