Em sobrevoo realizado no início de outubro, Greenpeace identificou diversas áreas já queimadas, inclusive dentro de áreas protegidas.

Se antes os incêndios na Amazônia aconteciam em áreas desmatadas, como pastagens, agora o fogo
 se alastra majoritariamente sobre floresta em pé. © Daniel Beltrá / Greenpeace

Mesmo com sua reconhecida importância para conservação da sociobiodiversidade e para que o mundo consiga cumprir a meta de limitar o aquecimento global a 1.5 grau, a Amazônia continua a encolher todos os anos e, parte dessa perda, se dá pelo fogo, que além de oferecer risco às pessoas e aos animais, contribui para engordar as emissões de gases do efeito estufa do Brasil. Em 2018, apesar da tendência geral de queda no número de focos de calor na Amazônia Legal, estados críticos registraram mais fogo.

Na primeira semana de outubro, que anuncia o final da temporada de fogo na Amazônia, o Greenpeace esteve em campo e para registrar o estrago deixado pelas queimadas na região entre os estados do Amazonas, Acre e Rondônia, onde encontrou focos ainda ativos e diversas áreas que já viraram cinzas.

Em Roraima o crescimento foi de 200%, no período de janeiro a setembro de 2018, na comparação com o mesmo período de 2017, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe). No Acre o número de focos subiu 28% no mesmo período, enquanto nos estados do Amazonas e Rondônia o número de focos permaneceu estável, alcançando o patamar de mais de 9 mil focos cada.

Durante o sobrevoo, identificamos focos ativos e diversas cicatrizes de fogo, especialmente no entorno e dentro de áreas protegidas, como Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação, que representa um grande risco à sua preservação. Em Careiro da Várzea (AM), um grande incêndio consumia parte da Terra Indígena Sissaíma, da etnia Mura. No sul do estado, em torno da TI Tenharim Marmelos, próximo de Humaitá, o fogo deixou inúmeros rastros de destruição. Assim como a Reserva extrativista (Resex) Chico Mendes e diversas outras áreas no entorno de Rio Branco, no Acre. Em Rondônia, marcas de queimadas recentes também apareceram em profusão, inclusive dentro da TI Karipuna, que vem sofrendo forte pressão externa.

Na região sobrevoada, além dos recorrentes focos de incêndio nas pastagens, testemunhamos um forte processo de conversão das florestas degradadas. Desde 2016, houve uma inversão no tipo de área em que se concentram os focos de calor: se antes os incêndios aconteciam em áreas desmatadas, como pastagens, agora o fogo se alastra majoritariamente sobre floresta em pé. Em 2015, o número de focos em pastagens e em florestas eram quase iguais, isso começou a mudar em 2016, e 2017 confirmou esta tendência, as florestas concentraram 53,57% dos focos de calor, enquanto as pastagens reuniram 42,61% e as áreas desmatadas 3,82%. Isso acontece, em parte, devido ao aumento da degradação florestal, que deixa a floresta mais suscetível ao fogo.

De acordo com informações do Relatório Anual de Atividades do Fundo Amazônia 2017, o Fundo – que capta doações para investimentos prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, em grande parte financiado pela Noruega – financiou sete projetos para a prevenção e combate ao fogo, de 2009 a 2017, totalizando investimentos de R$ 144 milhões. O Acre, que queimou como nunca nesta temporada, recebeu R$ 13 milhões para lidar com o problema, em projeto que consta como já concluído, de acordo com dados do site transparência Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).

Onde há fumaça, há fogo e mudanças climáticas!

No acumulado, a Amazônia já perdeu cerca de 19,4% (CCAL) de sua cobertura florestal original. Esse é o reflexo de um modelo de desenvolvimento adotado para região que ao longo do último meio século substituiu florestas por agricultura, pecuária e geração de energia hidrelétrica em grande escala, as mudanças no uso do solo em países tropicais contribuem significativamente para as emissões de gases de efeito estufa e desempenham um papel importante na mudança do clima global.

Um estudo publicado na revista Nature aponta que as mudanças climáticas estão alterando os padrões globais de queimadas e devem gerar um aumento na temporada de incêndios nas próximas décadas, de 1979 a 2013, o período anual de queimadas já ficou 18,7% maior. Sob as novas condições climáticas do século XXI, as florestas degradadas podem se tornar cada vez mais secas e suscetíveis a incêndios florestais. Até setembro de 2018 foram identificados 46.527 focos de calor no bioma Amazônia (Inpe).

De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em ingles) divulgado no início de outubro, na Coreia do Sul, o caminho para limitar o aquecimento global a 1.5 grau e assim cumprir o histórico Acordo de Paris é uma tarefa que envolve escolhas difíceis e urgentes e a proteção integral das florestas tem um papel central nesta missão.
Missão que pode se tornar ainda mais difícil, a depender do resultado das eleições de 2018.

O candidato a frente das pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), já declarou que quer acabar com o Ministério do Meio Ambiente, sair do Acordo de Paris, enfraquecer a fiscalização de crimes ambientais, afrouxar as regras de licenciamento e que, em seu governo os indígenas não terão “um centímetro de terra”, e promete ainda leiloar as já existentes. As terras indígenas são comprovadamente o instrumento mais eficaz no combate ao desmatamento da Amazônia.


“A tarefa de cada um de nós, e especialmente do Estado brasileiro, é libertar a Amazônia da sua eterna espera pelo desenvolvimento”, afirma Danicley Aguiar, da Campanha de Amazônia do Greenpeace. “Entretanto não será aprofundando o atual modelo de desenvolvimento econômico, que reduz pobremente o papel da Amazônia à província de recursos naturais, que se romperá com os mais de 400 anos de destruição de suas florestas e seus povos. Zerar o desmatamento da Amazônia é possível e é também o primeiro passo para a construção de uma nova ordem econômica capaz de salvar a Amazônia das cinzas”, completa.