segunda-feira, 10 de março de 2014

Governo quer criar mais 400 municipios com nossos impostos.Mas não cuida dos municipios que já foram criados.

Rede Brasil Atual

Para Ipea, projeto que permite criação de novos municípios aumenta desequilíbrios

Congresso decide este mês se mantém ou derruba veto de Dilma. Pesquisa aposta em criação imediata de mais 400 cidades, o que poderia agravar repasses de verbas a locais já carentes no quadro atual
Vicente Pires
 

Além de aumentar despesas da União, criação de novos municípios pode baixar receitas dos já existentes, diz Ipea

São Paulo – O Projeto de Lei do Senado (Complementar) n° 98/2002, aprovado por ampla maioria na Câmara e no Senado, que permite a criação e emancipação de municípios, é considerado importante por comunidades e distritos que se consideram “esquecidos” por seus próprios municípios e veem na emancipação uma saída para seus problemas. 

Mas o texto, de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), foi vetado integralmente pela presidenta Dilma Rousseff, que vê a possibilidade de criação de novos custos administrativos como um problema. 
Vila Estrutual

O veto presidencial chegou a ser colocado em pauta no Congresso no último mês, mas a falta de acordo fez com que fosse postergada para a segunda quinzena de março a apreciação dos argumentos de Dilma, com possibilidade de derrubada.
Na capital federal, a pouco mais de 40 quilômetros do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, está a maior favela da America Latina, com 78.912 moradores. A região, conhecida como Aris (Área de Regularização de Interesse Social) Sol Nascente, estava em segundo lugar até agosto deste ano, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Apesar disso, de acordo com a Codeplan (Companhia de Planejamento do DF), em setembro de 2013 o local desbancou a famosa 'Rocinha', no Rio de Janeiro, que tem 69.161 habitantes, e passou a liderar o rankingTexto: Gustavo Frasão, do R7, em BrasíliaVila Estrutural e Ceilandia

A proposta é seriamente questionada por estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

A Emenda Constitucional nº 15/1996 determina a regulamentação de critérios nacionais para a criação de municípios. 

Enquanto a lei não vier, as iniciativas por novas cidades ficam "congeladas". O PLS 98 foi aprovado por 53 votos a 5 no Senado e 319 a 32 na Câmara, o que significa que, se os parlamentares mantiverem o voto, eles derrubarão a decisão da presidenta: são necessários 41 senadores e 257 deputados para a derrubada do veto. A crise entre o governo do PT e o PMDB, além do fato de a votação ser aberta, são apostas da oposição.

Independentemente da conjuntura política, o pesquisador do Ipea Leonardo Monasterio vê motivos para preocupação se o veto cair e o projeto entrar em vigor. 

Em primeiro lugar, por um aspecto que os pesquisadores chamam de “desequilíbrios horizontais”, ou seja, as diferenças de riqueza entre os municípios.

“Uma nova onda de emancipações ampliaria os desequilíbrios horizontais no federalismo brasileiro. 

Em média, os micromunicípios, aqueles com população menor que 5 mil habitantes, têm o dobro de receita orçamentária per capita que aqueles entre 50 e 100 mil habitantes”, diz estudo do Ipea sobre o PLS 98. Isso significa que cidades pobres ficarão na prática mais pobres por dividirem o bolo com municípios emancipados.

As verbas que permitem a criação de municípios vêm do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e cada estado reparte o dinheiro entre suas cidades.

Segundo Monastério, como os municípios pequenos têm receita per capita maior, a tendência é que as desigualdades aumentem. 

Em tese, Carapicuíba, por exemplo, na região Oeste da Grande São Paulo, um município grande (373 mil habitantes), pobre e conhecida como uma cidade-dormitório, repartiria sua já pequena receita com recém-criados municípios que já nascem mais ricos.

 “Municípios como Carapicuíba, por exemplo, que não têm como arrecadar, repartirão verbas com os que já nascem privilegiados. 

Os privilegiados ganham em detrimento de todos os outros, já que esse dinheiro (para manter novas cidades) sai do bolso de todos os outros municípios do mesmo estado.”

No veto ao projeto aprovado no Congresso, Dilma justificou usando também esse argumento. “Haverá maior pulverização na repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios - FPM", prejudicando "os municípios com maiores dificuldades financeiras", afirmou a presidenta.

De acordo com as contas da União Brasileira em Defesa da Criação de Novos Municípios (UBDCNM), com o PLS 98 serão criados no máximo 188 municípios no país. 

Esse dado foi utilizado pelo senador Valdir Raupp (PMDB-RO), relator do projeto no Senado, na defesa da proposta.

Mas o Ipea diz que esse número é irreal. Segundo o estudo da entidade, seriam criadas no mínimo 363 novas cidades. 

Porém, esse dado deve ser muito maior caso o projeto vire lei, já que a pesquisa, que se baseou em pedidos de criação de municípios nas assembleias legislativas, não levou em conta os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Roraima, Rio Grande do Sul, São Paulo e Tocantins. 

Isso porque na época do estudo o Ipea não conseguiu obter os dados nas assembleias legislativas dessas unidades federativas.


Números

José Nunes Filho, vice-presidente da União Brasileira em Defesa da Criação de Novos Municípios (UBDNMU), contesta o estudo do Ipea. “400 municípios é uma pura fantasia para tentar enganar. Temos estudos de todos os estados, queremos emancipar 188 municípios, conforme a regra (da nova lei ainda vetada).”

“Desafio o Ipea a provar que vão ser emancipados 400 municípios. O governo gasta bilhões com esporte e Copa do Mundo, que não trazem desenvolvimento, e investimento na população não pode?”, questiona. 

“A criação de cidades com responsabilidade e com as regras aprovadas traz desenvolvimento, sim, a todo  o país. Quanto menor o município, é mais fácil de fiscalizar para saber onde são aplicadas as verbas e para que o gestor enxergue onde devem ser aplicadas”, argumenta Nunes. 

Ele diz que a proposta aprovada e vetada não é a que os "emancipacionistas" queriam, por impor restrições como exigir plebiscito e números de habitantes que variam conforme a região e que eles consideram alto.

Segundo Nunes, com a emancipação de um distrito e sua ascensão à condição de município, ele passa a ter “tudo o que uma cidade tem que ter, como banco, Casas Bahia, rede telefônica”. 

Para o presidente da associação, isso mostra que a permissão para a emancipação e criação de novos municípios é positiva. “Traz o crescimento econômico que um distrito não tem. Quando descentraliza, o distrito pode caminhar com as próprias pernas.”

Leonardo Monastério, do Ipea, questiona o número de 188 municípios que seriam criados com a nova legislação, segundo a UBDCNM, na qual Raupp se baseou. “Nem ligando aos consultores da área, que conheço no Senado, consegui saber como chegaram a esse número.”

O Ipea alerta para o fato de que a estimativa de seu estudo é “preliminar e imperfeita”. “Há grande incerteza sobre o número de municípios que seriam efetivamente criados se o PLS 98/2002 fosse sancionado. 

Ressalvas feitas, mostra-se que uma nova onda de emancipações poderia ser bem maior que o afirmado pela UBDCNM”, sustenta.

Se, para o Ipea, uma nova onda de criação de municípios causaria, com os chamados desequilíbrios horizontais, o aumento das desigualdades regionais , por outro lado “a criação de novos municípios, por si só, não aumentaria o gasto público”, já que ela provoca uma redistribuição de recursos do FPM dos municípios que não sofreram emancipação para os que sofreram alterações.

Essa redistribuição de recursos do FPM “ultrapassaria facilmente” a casa de R$ 1 bilhão,
considerados os fatos de que sete estados ficaram fora do estudo do Ipea e que os recursos do FPM, que eram de R$ 27 bilhões em 2001, aumentaram para R$ 43 bilhões em 2010 e para mais de R$ 70 bilhões em 2013.

Veto

Ao vetar o PLS 98, a presidenta Dilma Rousseff argumentou que, ao permitir a expansão expressiva do número de municípios no país, a medida resultaria em aumento de despesas com a manutenção das estruturas administrativa e representativa. “Além disso, esse crescimento de despesas não será acompanhado por receitas equivalentes, o que impactará negativamente a sustentabilidade fiscal e a estabilidade macroeconômica.”

“A natureza do veto é que vai-se gastar mais com a máquina, com câmaras municipais e executivo, e isso é verdade”, explica Monastério. No entanto, não é esse fato que justifica a oposição ao projeto. “Quanto a isso, não tenho nada contra, porque a democracia tem seus custos. Não vai aumentar o gasto público nesse sentido, mas vai tornar ele pior no sentido de ser mais desigual: vai transferir recursos para os municípios que via de regra não são os mais carentes de recursos.”

Nenhum comentário: