Considerada a maior e mais poderosa águia das Américas, a harpia vive principalmente nas florestas da Mata Atlântica e da Amazônia e está ameaçada de extinção. A espécie é altamente dependente de extensas áreas de florestas contínuas e, devido à perda e fragmentação de seu habitat – além da perseguição de caçadores - sofre graves declínios populacionais.
Para compreender o comportamento e os desafios enfrentados pelo animal em florestas fragmentadas como as da Mata Atlântica, pesquisadores do Projeto Harpia Mata Atlântica – coordenado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) – decidiram monitorar um filhote encontrado no Parque Nacional do Pau-Brasil, em Porto Seguro, no sul da Bahia, em 2024.
Assim, em 22 de agosto, o macho de aproximadamente dois anos e ainda ligado ao ninho e à região onde nasceu, recebeu uma mochilinha com rádio transmissor via satélite. O equipamento de última geração, alimentado por bateria solar, permite o acompanhamento diário e em tempo real dos deslocamentos da ave.
Este é o primeiro filhote de harpia monitorado com essa tecnologia em seu habitat na Mata Atlântica, um passo importante para a conservação da espécie, considerada rara e ameaçada no bioma.
Captura e instalação
A captura do animal e a instalação da mochila (não é colar!) foram realizadas por uma equipe multidisciplinar de biólogos, veterinários e técnicos do projeto, com autorização do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

O filhote de harpia já com a mochila que carrega o rádio transmissor com a equipe
do Projeto Harpia Mata Atlântica: Maria Valdetaro, Giancarlo Zorzin,
Filho Manfredini, Thassiane Targino e Jailson de Souza (este último, autor da foto)
“O filhote foi capturado na árvore do ninho, utilizando uma das metodologias adequadas para captura de aves de rapina”, explica Aureo Banhos, biólogo, professor da UFES, doutor em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva e coordenador do projeto desde seu início, em 2017.
Na ocasião, a equipe avaliou que o animal estava saudável e os primeiros dados enviados pelo transmissor indicaram que ele é bastante ativo no território dos pais.
“Nessa idade, o filhote passa a maior parte do tempo voando ao redor da árvore do ninho e pousando em outras árvores próximas, sozinho. A visita dos pais, quando levam presas para que o filhote se alimente, pode demorar dias, mas os pesquisadores já viram os dois com o filhote depois do procedimento”, conta o especialista.

Filhote na árvore onde está seu ninho (veja abaixo), antes da captura
Foto: Jailson Souza

Esta é árvore onde o filhote está empoleirado na foto acima e é onde fica seu ninho, aqui bem visível
Foto: Pronto Harpia Mata Atlântica / divulgação
“Os pais continuam visitando o filhote e, eventualmente, levam presas para ele em outras árvores do território, o que o estimula a voar para distâncias maiores. Todos estão bem”, garante.
Vale destacar que a harpia constrói seus ninhos nas árvores mais altas de um determinado território, geralmente acima de 30 metros de altura, e se alimenta predominantemente de mamíferos arborícolas, como macacos e preguiças.
Cada casal cria apenas um filhote a cada três anos, até que o jovem atinja independência e disperse do território dos pais.
A maturidade para reprodução é atingida após os seis anos, o que torna a recuperação populacional lenta e exige estratégias de conservação de longo prazo baseadas na proteção das florestas, dos seus ninhos, dos indivíduos da espécie e de todas as espécies com as quais ela interage nos ecossistemas, como presas e árvores para nidificação.
Equipamento leve e durável
O equipamento utilizado para neste primeiro filhote é especialmente desenvolvido para o monitoramento de aves de rapina de grande porte e está disponível no mercado internacional. Alimentado por energia solar, tem alta durabilidade e é projetado (acondicionado numa ‘mochilinha presa ao corpo da ave) para acompanhar o animal até a idade adulta ou até que seja necessária a remoção, em caso de falha.
De acordo com Banhos, “a metodologia foi testada e utilizada em harpias na Amazônia e na América Central, em indivíduos resgatados e posteriormente soltos na natureza. A diferença é que este modelo do equipamento é mais leve e potencialmente tem maior vida útil, permitindo o monitoramento por mais anos”. E o pesquisador acrescenta: “Não há registros de problemas relacionados à rejeição do equipamento pela ave ou interferência dos pais”.
O monitoramento
Um dos principais objetivos do monitoramento é compreender como o filhote se movimenta ao redor do ninho, como é sua rotina de voo, o estabelecimento de um território e os processos de dispersão, que é quando os jovens se afastam dos pais e buscam novos territórios.
“O monitoramento com transmissor via satélite também possibilita a localização do indivíduo caso seja vítima de crime ambiental, como caça, perseguição ou tráfico. Esses dados serão importantes na geração de conhecimento sobre a ecologia da espécie na fragmentada Mata Atlântica e para auxiliar na elaboração de estratégias de conservação na região”, explica o pesquisador.
“A harpia é uma espécie-símbolo da floresta e compreender seus hábitos de vida é essencial para garantir sua sobrevivência. Este avanço representa uma conquista para a ciência e para a conservação da biodiversidade brasileira”, destaca Banhos.
O projeto
O Projeto Harpia Mata Atlântica atua em todo o bioma, com foco especial no Corredor Central da Mata Atlântica (que une sul da Bahia e Espírito Santo), onde registrou e monitora os únicos ninhos ativos da espécie.
Formalmente estabelecido em 2017, é coordenado pela UFES “no âmbito de pesquisa e extensão, com participação ativa de alunos de graduação e pós-graduação em processo de formação na conservação da biodiversidade”, explica Banhos, seu coordenador.
É um núcleo do Projeto Harpia, criado em 1997 sob a coordenação geral do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). E tudo começou em 2005, no sul da Bahia, com um ninho mapeado na RPPN Estação Veracel.
O projeto conta com o apoio da empresa Veracel, do Fundo Nacional de Biodiversidade (Funbio), Instituto Últimos Refúgios, do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)- que contribuem com pesquisadores especialistas, suporte técnico em campo e apoio para a pesquisa e o monitoramento, de acordo com sua capacidade e especialidade -, além do ICMBio.
___________
Acompanhe o Conexão Planeta também pelo WhatsApp. Acesse este link, inscreva-se, ative o sininho e receba as novidades direto no celular.
Leia também:
- Uiraçu, considerada a águia mais rara do Brasil, é filmada pela primeira vez no Parque Nacional do Iguaçu
- Harpia ganha primeiro mapeamento genético da espécie, que traz um alerta sobre sua proteção
- O árduo e lindo trabalho de pesquisadores brasileiros para proteger a nossa maior ave de rapina, a harpia
- Há mais de 20 anos, Projeto Harpia trabalha para salvar da extinção a maior ave de rapina do Brasil
- Descobertos em reserva de proteção da Bahia ninhos de harpia, ave rara em risco de extinção
Foto: Jailson Souza