sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Valor Econômico - Cumprindo o acordo de Paris/ Artigo/ Alfredo Sirkis

MEIO AMBIENTE E ENERGIA



O Brasil assumiu em 2015 uma Contribuição Nacionalmente Determinada (em inglês NDC) para a redução de suas emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) de 37%, em 2025, e 43%, em 2030, ano-base 2005. Isso significa não ultrapassar 1,3 e 1,2 bilhões de toneladas (Gt), respectivamente. Temos ainda a cumprir nossas metas para 2020, vinculadas a um compromisso anterior, o das Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas (em inglês NAMA) originário da Conferência de Copenhagen, de 2009 e expresso na Lei 12187/09, no decreto 7390/10 e na Política Nacional de Mudança Climática. Um desses objetivos é chegar em 2020 com o desmatamento na Amazônia abaixo dos 3.900 km2, nessas alturas problemático, já que, em 2017, com o desmatamento ilegal em ligeira baixa, ainda tivemos 6.900 km2 na Amazônia.

É simplesmente dramática a situação dos chamados órgãos de "comando e controle" que estão na primeira linha. Junto com a restrição de crédito bancário aos desmatadores, eles deram uma contribuição fundamental ao sucesso brasileiro entre 2004 e 2012: uma queda de 27 mil km2 a 4.500 km2 propiciando uma redução de emissões de GEE, no agregado, próxima de 80%. Nenhum outro país registrou tal performance. Atualmente, tanto o Ibama quanto o ICMbio sofreram uma arrasadora perda de efetivo e meios. O ICMbio, por pouco, evitou seu loteamento político. Os efetivos do Ibama precisam ser recompostos urgentemente. A mesma situação precisa ser enfrentada no âmbito estadual.

O Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC) acaba de concluir um processo participativo, de um ano e meio, que resultou na sua Proposta Inicial para a Implementação da NDC Brasileira que está sendo apresentada a todos os candidatos à Presidência da República. 214 instituições de governo, iniciativa privada, terceiro setor e academia, e 537 pessoas participaram do processo conduzido pelas nove Câmaras Temáticas do Fórum.

Ainda temos no desmatamento nosso principal emissor mas, logo vamos nos defrontar com o desafio de reduzir também emissões por queima de combustíveis fósseis. Em relação a isso, há atualmente uma sucessão confusa de ações de sinais trocados. Um, positivo, o Renovabio (que precisaria incluir também o bioquerosene de aviação) e um, negativo, que é a prorrogação e ampliação de fortes subsídios à indústria de petróleo, até 2040 e um terceiro ora no Congresso. O Rota 2030 exime, até 2032, veículos pesados a diesel de padrões de eficiência adotados por outros países e não equaciona claramente a forte tributação incidente sobre veículos elétricos, adotada na época em que os únicos existentes eram os carrinhos de golfe... O Congresso periga piorar uma Medida Provisória já capenga.

É simplesmente dramática a situação dos chamados órgãos de "comando e controle" que estão na primeira linha. Tanto o Ibama quanto o ICMbio sofreram arrasadora perda de efetivo e meios. O ICMbio, por pouco, evitou seu loteamento político

O recente lock out dos caminhoneiros ilustrou a necessidade de que reduzir drasticamente a dependência em relação a combustíveis fósseis é simplesmente uma questão de segurança nacional. Uma categoria profissional, manipulada ou não, não pode impor à economia brasileira e ao conjunto da sociedade tamanho estrago. Urge ampliar os transportes ferroviário e aquaviário. O diesel, ainda que subsidiado, e os caminhões que o utilizam, devem atender a padrões mínimos internacionais de qualidade e de eficiência energética.

O uso dos biocombustíveis precisa ser fortemente ampliado, nos transportes individual e de passageiros. A eletrificação dos veículos é inevitável, no futuro, por uma tendência global das grandes empresas automotivas. Vai variar apenas o prazo em cada país. Uma coisa é certa: a contagem regressiva para o fóssil já começou embora queiram fazer-nos paraíso da sucata automotiva.

Em tese, um setor privilegiado para a implementação de ações descarbonizantes é a agropecuária. Anda mal representada no Congresso Nacional por políticos mais vinculados a seus próprios cabos eleitorais, grileiros, desmatadores e especuladores, que aos interesses estratégicos do agrobusiness que opera num mercado internacional, com as cadeias produtivas cada vez mais atentas aos padrões ambientais e climáticos. As técnicas de ABC: recuperação de pastagens, plantio direto, fertilização biológica de nitrogênio, tratamento de dejetos, integração lavoura-pecuária-floresta e uma pecuária mais produtiva são todas" no regret": descarbonizantes e economicamente vantajosas. Desde que, é claro, haja um financiamento bem equacionado.

O Plano ABC é praticamente um piloto, o grande instrumento da agropecuária é o Plano Safra que precisa incorporar os critérios de ABC. A indústria, geração de energia e resíduos, que representam parcela menor das emissões brasileiras.

Uma redução de emissões, no agregado, é mais difícil nesses setores. Cabe-lhes, nesse período, reduzir sua intensidade de carbono: a quantidade de GEE emitida por unidade dada de produção. Isso ajudará a incrementar sua produtividade, eficiência energética e competitividade.

Segundo a melhor ciência disponível, para evitar mudanças climáticas catastróficas, o mundo precisará chegar a emissões líquidas zero, entre 2055 e 2070 e, nas décadas seguintes, engatar emissões negativas. Na melhor das hipóteses, terá que fazer muita adaptação e, na pior das hipóteses, nenhuma adaptação será suficiente. Por isso, a implementação da NDC brasileira precisará se dar de uma forma compatível com uma estratégia rumo a emissões líquidas zero na altura de 2060.

Financiamento será o grande desafio. É preciso criar novos instrumentos econômicos: mercado brasileiro de carbono e diferentes formas de precificação, inclusive a positiva, do menos-carbono. A curto prazo, ajudaria a dispor de um Fundo Garantidor de Financiamentos a investimentos descarbonizantes, com as baixas taxas de juros do mercado internacional e em prazos e condições compatíveis com um tipo de investimento produtivo, apto a moldar a economia descarbonizada do futuro.

Alfredo Sirkis é escritor, jornalista e coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC).

Nenhum comentário: