sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Imaflora: regularização fundiária por autodeclaração acentua conflitos

Imaflora: regularização fundiária por autodeclaração acentua conflitos



28 Outubro 2019   |   0 Comments
Por WWF-Brasil

O governo federal deve editar em breve uma Medida Provisória para regularizar, por meio de autodeclaração, imóveis rurais de todo o país. A estimativa é de que haja 800 mil sem títulos e o governo espera regularizar 750 mil ainda em 2019, após a aprovação da norma.

Para o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), é válido o esforço do governo de propor a regularização fundiária – essencial para o funcionamento adequado de diversas políticas agrárias, agrícolas, ambientais e sociais - porém a opção pela autodeclaração vai acentuar conflitos e disputas, questionamento de títulos e aumentar ainda mais a insegurança jurídica sobre a propriedade.

Em nota técnica (baixe a íntegra do documento no box ao lado), o Imaflora, em parceria com o Grupo de Governança de Terras da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o GeoLab (USP/ESALQ) afirma que embora a solução da situação fundiária no Brasil deva ser enfrentada em grande escala e com agilidade, deve contemplar também a complexidade do tema, a transparência e o diálogo com todas partes interessadas.

O Imaflora explica ainda que a “regularização por autodeclaração pode beneficiar um grupo social muito restrito e, não necessariamente, os que mais necessitam de soluções. Pode também induzir e facilitar ainda mais a grilagem de terras públicas, acentuar problemas ambientais, aumentar o desmatamento e dificultar o funcionamento de diversas políticas públicas”.

Por que a autodeclaração não é a melhor opção?
Veja abaixo a análise do Imaflora:
  • Autodeclaração como possibilidade: Não é possível estimar o número, a distribuição e o perfil de imóveis que necessitam de regularização. Sem o conhecimento da quantidade de imóveis que seriam alvo da política, sua distribuição e perfil, não é possível dimensionar o seu efeito nem o tamanho do esforço necessário para validar as informações autodeclaradas. Oferecer a autodeclaração como possibilidade a todos os interessados em regularização fundiária não permite a priorização do processo de regularização em regiões específicas ou perfis prioritários.
  • Ausência de sistema robusto para validação: Qualquer instrumento simples e flexível de cadastro autodeclarado sobre os limites de propriedades precisa ser acompanhado de um robusto e sofisticado sistema técnico para a sua validação. Este exige um alto grau de automação, combinado com uma equipe técnica e analítica de alto nível e em quantidade suficiente. Não temos conhecimento de que tal estrutura de sistemas e pessoal esteja disponível na escala necessária para enfrentar a complexidade da situação fundiária brasileira. Também parece impróvavel haver capacidade de investimento para se alcançar a condição necessária.
  • Pode favorecer aqueles com mais recursos: O processo de regularização fundiária por autodeclaração, mesmo que simplificado e flexível, exige um mínimo de tecnologia e habilidades dos usuários para se cadastrar no sistema. Isto tende a favorecer detentores de imóveis grandes, empresariais e com maiores recursos financeiros, humanos e tecnológicos; em detrimento de agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais (PCTs). Desta forma, um sistema autodeclarado pode aumentar as desigualdades no processo de regularização fundiária.
  • Comparação com a autodeclaração do Imposto de Renda: A comparação frequentemente utilizada com o Imposto de Renda, que também tem base autodeclarada e apresenta elevada eficiência e agilidade na validação pela Receita Federal é indevida. No caso do Imposto de Renda há décadas de experiência acumulada e estruturas analíticas em termos de pessoal e infraestrutura muito superiores àqueles normalmente encontrados nos órgãos do governo ligados à governança de terras. O objeto de análise do Imposto de Renda é também, do ponto de vista analítico, mais simples do que a validação da posse da terra, por esta envolver uma dimensão espacial e a validação do domínio.
  • Pouco rigor na definição das propriedades: A titulação tem o georeferenciamento das parcelas apenas como uma de suas etapas. A titulação e a regularização fundiária exigem um processo mais rigoroso, que inclui conhecer a geografia e o histórico dos imóveis e a sua cadeia dominial.

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