quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Depois de 16 anos, STF volta a discutir Lei de Biossegurança

 

Depois de 16 anos, STF volta a discutir Lei de Biossegurança

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Depois de 16 anos, STF volta a discutir Lei de Biossegurança

Após quase 16 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá decidir sobre a exclusividade do papel da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e do CNBS em deliberações sobre o uso de transgênicos.

Por Rafael Querrer

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3526, protocolada em junho de 2005 pelo então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, contesta mais de 20 dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei n 11.105/05), lei essa cujo propósito principal foi afastar a atuação da autoridade ambiental em relação ao tema dos transgênicos agrícolas.

O julgamento está programado para esta quarta-feira, dia 3 de fevereiro, e um resultado favorável poderá restabelecer a exigência de que seja realizado Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), por parte dos órgãos ambientais, como condição para o plantio de OGMs. O novo relator é o ministro Kássio Nunes Marques.

O foco da ADI é a competência atribuída à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, em relação aos transgênicos. Pela lei impugnada, cabe à comissão “deliberar, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental”.

As partes envolvidas no processo, entre elas o Greenpeace, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, a organização Terra de Direitos e a Associação Nacional de Pequenos Agricultores (ANPA), alegam que tal atribuição fere o artigo 23 da Constituição, segundo o qual é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. Dessa forma, não caberia aos municípios e estados pedir autorização à União para aplicar os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938/81), como o licenciamento ambiental.

Não bastassem esses elementos, a CTNBio – e nem o CNBS – não possui uma atuação na condução de seus processos capaz de respeitar o princípio democrátco, de forma que a entidade não se mostra capaz ouvir os diversos atores que sofrem inegáveis consequências ambientais e sócio-econômicas decorrentes dos transgênicos.

Para o advogado do Greenpeace na causa, Frederico da Silveira Barbosa, os órgãos ambientais são melhor preparados para ouvir múltiplas vozes de um conflito tão complexo. “Ao mesmo tempo, a CTNBio se fechou em assuntos técnicos e expressamente se recusa a analisar os aspectos ambientais e sócio-econômicos mais amplos”, explicou.

Na época em que a ação chegou ao STF, Fonteles argumentou que a Lei quebra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e o processo de licenciamento ambiental, já que a dispensa do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) fica a cargo de um órgão da administração federal, a CTNBio, que não integra o Sisnama. Dessa forma, segundo o procurador, a Lei retira do Ibama a competência para analisar as implicações da liberação do cultivo de sementes geneticamente modificadas, condicionando o licenciamento a um juízo prévio da CNTBio. Para ele, a Lei suspende a eficácia da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente e esvazia a competência normativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), ao condicionar o futuro licenciamento de um OGM a juízo prévio de valor da CTNBio.

“Não mais será a natureza da atividade desenvolvida pelo empreendedor que definirá a realização do processo de licenciamento, mas sim a opinião de uma comissão técnica, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, sobre os impactos ambientais dos OGMs”, pontuou Fonteles na ação.

No tocante ao CNBS, é fato que o órgão se reuniu poucas vezes, desde a sua criação, há mais de 15 anos. E sempre para impedir que os órgãos ambientais e de saúde competentes exercessem suas atribuições legais no âmbito das decisões acerca da emissão de autorização para uso de OGM. Em sua primeira reunião, em 2007, enquadrou Ibama e Anvisa, que haviam questionado formalmente a avaliação técnica da CTNBio, liberando as primeiras variedades de milho transgênicos. Os órgãos nunca mais questionaram a Comissão perante o CNBS, pois esse, nessa primeira decisão, já indicou que não aceitaria mais recursos semelhantes.

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Segundo Naiara Bittencourt, advogada na organização Terra de Direitos, a CNTBio está sempre acatando todos os pedidos comerciais de OMGs. “A CTNBio sempre liberou o cultivo ou comercialização de OGMs no Brasil, mas nunca remete o processo para o licenciamento ambiental aos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). A CTNBio apenas faz uma análise de riscos no próprio âmbito da comissão, que não aborda todos os aspectos do EIA/RIMA, por exemplo, como os aspectos socioeconômicos ou a indicação de medidas mitigadoras ou redutoras de impactos”, explicou.

“Não é que virou regra não remeter ao Ibama para EIA/RIMA. Acontece que o “parecer vinculante”, que permite isso, foi todo o sentido da nova Lei de Biossegurança. A Lei antiga falava em remeter autorizações para os órgãos registrantes, como Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura, sendo que os dois primeiros poderiam exigir EIA-RIMA. Isso justifica a nova Lei. Para “bypassar” esse problema”, acrescentou Marijane Vieira Lisboa, professora doutora da PUC-SP, que foi Diretora Executiva do Greenpeace

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/02/2021

 

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