quinta-feira, 3 de abril de 2014

Número de moedas 'alternativas' dobra no país em 5 anos


03/04/2014 06h57 - Atualizado em 03/04/2014 09h09

Total de bancos comunitários passou de 51 em 2009 para 104 este ano.


Aumento foi favorecido pela abertura de editais federais de apoio.

Clara Velasco Do G1, em São Paulo

Distribuição geográfica dos bancos comunitários (Foto: Editoria de Arte/G1)
O número de bancos com moedas próprias mais que dobrou nos últimos cinco anos no Brasil, segundo dados da Rede Brasileira de Bancos Comunitários. Em 2009, existiam 51 instituições no país, contra 104 este ano.


No ano passado, esses bancos – administrados por associações de moradores – foram responsáveis por movimentar R$ 18 milhões em crédito produtivo e R$ 600 mil por meio das chamadas "moedas sociais" (o dinheiro tem lastro em reais e pode ser aceito apenas por comerciantes credenciados na região do banco).

As moedas sociais são usadas para estimular o comércio de áreas carentes. Elas garantem que o dinheiro circule apenas entre comerciantes e moradores locais, e não se disperse por outros lugares, como acontece com o real. Assim, o retorno econômico é garantido.

Além disso, os bancos comunitários são criados para contornar a falta de serviços bancários em bairros e cidades do país. Eles ainda são importantes por causa de seus papéis sociais: como são controlados por associações de moradores, a própria comunidade é que decide para onde o investimento será direcionado, já que é ela que aprova os empréstimos.

Regras

Atualmente, essas instituições estão concentradas no Nordeste (51), região que é seguida pelo Sudeste (27), Norte (16) e Centro-Oeste (10). Segundo a Rede, não há bancos comunitários no Sul. O principal estado do Nordeste nessa área é o Ceará (37), lar do Instituto Palmas, responsável pelo primeiro banco do país: o Palmas, aberto em Fortaleza em 1998.


As instituições são abertas com a ajuda de grupos respaldados pelo Banco Central, como o próprio Instituto Palmas. "Prefeitos ou moradores nos procuram para abrir um banco e nós fazemos o projeto. É preciso em média R$ 60 mil para começar, comprar equipamentos e fazer a moeda", explica o coordenador do Instituto Palmas e diretor da Rede, Joaquim Melo.

Além disso, é necessário seguir algumas regras: uma moeda social deve valer R$ 1; é preciso existir o câmbio entre as moedas; a circulação do dinheiro deve ser restrita à região do banco e deve existir livre aceitação – ou seja, ninguém é obrigado a aceitar a nova moeda.

Quando o projeto é aprovado, inicia-se a formação financeira das pessoas que vão administrar o banco, que são moradores da própria comunidade e geralmente nunca trabalharam na área. Elas contam com o apoio dos institutos durante um tempo, mas depois começam a trabalhar por conta própria.

O mais recente banco do tipo inaugurado foi em Maricá, no Rio de Janeiro. Ele foi feito em parceria com o Instituto Palmas e com a prefeitura da cidade, que fundou o "Bolsa Mumbuca", uma complementação de renda semelhante ao "Bolsa Família", mas que usa a moeda social "mumbuca". Diferentemente das outras instituições já existentes, o projeto é o primeiro do país a usar a moeda social eletrônica com um cartão de débito.


Evolução de bancos comunitários fundados (Foto: Editoria de Arte/G1)


Segundo Melo, um banco na periferia de Fortaleza deve ser o segundo do país a receber a moeda eletrônica. "Governos de muitos municípios estão nos ligando, pois a ideia é boa não só para quem consome, mas também para quem produz", afirma.

Editais

Segundo especialistas e pessoas envolvidas na área ouvidos pelo G1, o aumento do número de bancos desde 2009 foi causado pelo apoio da Secretária Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego. Desde 2010, o órgão lança editais para estimular a abertura de novos bancos e manter os que já existem.

“O papel da secretaria foi importante, pois é difícil para cooperativas e associações de moradores conseguir financiamento. Assim, o potencial já existia, mas faltava o dinheiro”, diz Augusto Câmara Neiva, coordenador do Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (Nesol-USP).

O governo já repassou R$ 22,5 milhões para o setor através de dois editais - um em 2010, que gerou um pico de bancos em 2011 (20) e 2012 (32), e outro em 2013, que ainda está sendo consolidado. “Os bancos são geralmente criados em pequenas cidades pobres, mas outros também são abertos em bairros carentes de capitais. O fundamental é que pertença à população”, diz o secretário Paul Singer.

Com os contratos firmados no ano passado, a secretaria espera que o número de bancos comunitários no país suba para 191 em 2015. Este crescimento deve ser direcionado para o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste, já que os editais estimulam a criação dos bancos em regiões mais pobres dos país. "Damos pontos a mais para projetos nestas áreas", diz Manoel Vital de Carvalho Filho, diretor de fomento à economia solidária da secretaria.
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Maria Vani segura as notas de 'Comissari' no banco comunitário (Foto: Maria Vani de Caldas Villani/Arquivo Pessoal) 

Maria Vani segura as notas de 'Comissari'no
banco comunitário 
Dependência do governo

Segundo Neiva, a maior parte do dinheiro dos editais é usado para manter o contrato dos funcionários dos bancos, pois o crédito para oferecer empréstimos é arrecadado por meio de eventos, como festas de bairro, por exemplo.

Por causa disso, quando o período de contrato previsto no edital acaba, os salários também acabam. “Por isso, é muito importante que novos editais sejam abertos”, diz o professor.

O Banco Comunitário Padre Leo Comissari, em São Bernardo do Campo, no ABC, passou por essa situação. Durante um ano, os funcionários foram pagos por meio do Nesol-USP - instituição que ganhou o primeiro edital federal para gerenciar e abrir bancos no Sudeste. “Quando acabou, cada um teve que se virar. Mantivemos o banco voluntariamente”, diz a agente de desenvolvimento solidário Maria Vani de Caldas Villani.

O banco não chegou a fechar, mas limitou seu funcionamento. Com o novo edital de 2013, uma instituição do Espírito Santo é a nova responsável por ajudar a instituição a se manter. “É difícil depender de edital, mas a nossa intenção é que, agora, com o novo contrato de um ano e meio, a gente consiga fazer novos parceiros para garantir um financiamento constante”, diz Villani.

A secretaria reconhece que ainda existem dificuldade na política de apoio.

“Editais demoram de ser feitos e apurados, bem como o repasse de recursos e o apoio técnico. (...) É um processo de maturação, que vai levar um tempo que ainda não sabemos. Estamos aprendendo com tudo isso e aperfeiçoando a política”, diz Carvalho Filho.




 
03/04/2014 06h58 

Para diminuir pobreza, Maricá, no RJ, cria 1ª moeda social eletrônica do país

Banco comunitário Mumbuca foi lançado em dezembro do ano passado.


Bolsa de 70 mumbucas é repassada pela prefeitura a famílias carentes.

Clara Velasco Do G1, em São Paulo

Secretário Miguel (à esquerda) participa da inauguração do banco Mumbuca (Foto: Divulgação/Prefeitura de Maricá) 
Secretário Miguel (à esquerda) participa da
inauguração do banco Mumbuca 
A cidade de Maricá, no interior do Rio de Janeiro, lançou a primeira moeda social eletrônica do país no final do ano passado, segundo a Rede Brasileira de Bancos Comunitários. Diferente das outras moedas já existentes no Brasil, a “mumbuca” ainda faz parte de uma política da prefeitura de complementação de renda para famílias carentes.

O Mumbuca foi o mais recente banco comunitário inaugurado no país. Com ele, o Brasil chegou à atual marca de 104 instituições no país - mais que o dobro do total registrado há cinco anos, em 2009 (51).

Desde dezembro de 2013, cada família cadastrada no Bolsa Mumbuca recebe 70 mumbucas - o que equivale a R$ 70 - através dos cartões de débito do programa. Os cartões apenas são aceitos em estabelecimentos locais que também aderiram à iniciativa. O objetivo é erradicar a pobreza da cidade - que abriga cerca de 13 mil famílias que ganham até um salário mínimo.

“É uma forma de complementação de renda em que os recursos são utilizados apenas dentro da cidade. Com isso, estimulamos o comércio. Nossa estimativa é que, em breve, vamos ter injetado R$ 1 milhão na economia local através da bolsa”, diz Miguel de Moraes Filho, secretário de Direitos Humanos de Maricá.

Segundo Moraes Filho, a ideia de usar o cartão de débito surgiu após comparações com o Bolsa Família, que é sacado em reais. “Desta forma, não há um controle de onde o dinheiro é usado.

Com a moeda eletrônica, além de garantir o consumo de mercadoria no território, impedimos que os recursos sejam utilizados de forma indevida, como a compra de mercadorias ilícitas”, diz.


Para o comércio local, o uso da mumbuca também representou aumento nas vendas. “O movimento melhorou muito [desde o início do programa], tivemos até que contratar mais um funcionário. Está sendo bom tanto para a empresa, quanto para a população, pois já surgiu mais uma vaga de emprego”, diz José Cláudio Ribeiro Policarpo, proprietário do Mercado Jolumar.

O mercado foi o primeiro da cidade a trabalhar com a mumbuca. “A prefeitura nos procurou oferecendo a ideia. Nós instalamos a maquineta e tudo funciona como um cartão de crédito. Depois de 30 a 40 dias da compra, o banco comunitário nos deposita o dinheiro em real”, diz Policarpo.
Cartão de débito da Bolsa Mumbuca (Foto: Divulgação/Instituto Palmas) 
Cartão de débito da Bolsa Mumbuca 
Segundo Joaquim Melo, diretor da Rede Brasileira de Bancos Comunitários e coordenador do Instituto Palmas, que ajudou a inaugurar o programa em Maricá, um banco em um bairro na periferia de Fortaleza deve ser o segundo do país a receber a moeda eletrônica. “Governos de muitos municípios estão no ligando, pois a ideia é boa não só para quem consome, mas também para quem produz”, diz.

Próximas fases do programa

De acordo com Moraes Filho, o uso da mumbuca para complementar a renda é a primeira fase do programa. “Estamos criando formas legais para utilizar recursos das sobras da Câmara dos Vereadores para criar um cartão que poderá ser usado pelos universitários da cidade para comprar livros”, diz.

A prefeitura também pretende abrir através do banco comunitário um sistema de linha de crédito de até 15 mil mumbucas para micro e pequenos empreendedores. “Além disso, ao longo do ano que vem, pretendemos aumentar a bolsa para até 300 mumbucas”, diz.

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